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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
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Chama-se frequentemente frase uma sucessão de palavras organizada conforme a sintaxe, e enunciado, a
realização de uma frase em determinada situação. (CHARAUDEAU, 2008, p. 196)
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Definir speech act
construída, se o speech act está em conformidade com as condições exigidas. Em
conformidade com as vontades de verdade e com o arquivo da época.
A partir dessas abordagens teóricas, pensamos que as relações humanas são
erigidas principalmente através dos textos orais e escritos. Tudo que é dito passa por um
agenciamento que resultará num arquivo, uma soma que recebe o estatuto de verdade.
Segundo o teórico francês, o arquivo é um jogo de regras para os tipos de textos aparecerem
em determinada época, a saber:
Chamarei de arquivo não a totalidade de textos que foram conservados por uma
civilização, nem o conjunto de traços que puderam ser salvos de seu desastre, mas o
jogo das regras que, numa cultura, determinam o aparecimento e o desaparecimento
de enunciados, sua permanência e seu apagamento, sua existência paradoxal de
acontecimentos e de coisas. Analisar os fatos de discurso no elemento geral do
arquivo é considerá-Ios não absolutamente como documentos (de uma significação
escondida ou de uma regra de construção), mas como monumentos: é - fora de
qualquer metáfora geológica, em nenhum assinalamento de origem, sem o menor
gesto na direção do começo de uma archê - fazer o que poderíamos chamar,
conforme os direitos lúdicos da etimologia, de alguma coisa como uma arqueologia
(FOUCAULT apud REVEL, 2000 p.18).
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Segundo o dicionário HOUAISS: “orgulho exagerado do país onde se nasceu.”
prepondera sobre nossas ações. Ser sujeito requere que o indivíduo, apesar de sua autonomia,
se identifique, a priori, com algo mais abrangente: uma nação a que ele reconheça como sua
pátria. A nação como lar “tem um poder de gerar um sentimento de identidade e lealdade”
[SCHWARZ apud HALL, 2004, p. 48]
Sendo assim, acreditamos nas afirmações desse mesmo autor quando ele afirma que
“uma cultura nacional [...] é uma estrutura de poder [...]”. O poder, que é a disposição de
autoridade, nesse caso foi exercido pelos civis-militares apoiadores do regime em direção ao
restante da sociedade brasileira, e subdividiu a mesma em “subversivos” e “cidadãos de bem”.
Transmutando uma parte da cultura nacional pela propaganda e trabalhando a identidade
através da mídia, a Sociedade de Controle4, durante o regime militar, constrói uma nova
identidade para o brasileiro, se valendo de uma vontade de verdade:
[...] essa vontade de verdade [...] apóia-se sobre um suporte institucional: é ao
mesmo tempo reforçada e reconduzida por todo um compacto conjunto de práticas
como a pedagogia, é claro, como o sistema dos livros, da edição, das bibliotecas,
como as sociedades de sábios outrora, os laboratórios hoje. Mas ela é também
reconduzida, mais profundamente sem dúvida,pelo modo como o saber é aplicado
em uma sociedade, como é valorizado, distribuído, repartido e de certo modo
atribuído.[...] creio que essa vontade de verdade assim apoiada sobre um suporte e
uma distribuição institucional tende a exercer sobre os outros discursos [...] uma
espécie de pressão e como que um poder de coerção. Penso na maneira como a
literatura ocidental teve que buscar apoio, durante séculos, no natural, no verossímil,
na sinceridade, na ciência também – em suma, no discurso verdadeiro [...]
(FOUCAULT, 1996, p. 17-18)
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Nas sociedades pós-modernas, essa redução do assunto à linguagem também é feita pelos aparatos tecnológicos
e midiáticos. Estes podem objetivar o indivíduo,cuja reação é tender a crer no texto impresso. Marcamos aqui o
curioso papel da mídia na formação dos sujeitos e, consequentemente, o surgimento de uma Sociedade de
Controle que, segundo o historiador e filósofo Michel Foucault, é responsável pela origem do indivíduo
moderno, agindo não só sobre o corpo, mas também sobre a alma deste, tornando-o dócil e útil para a sociedade.
É aí que se salienta certa importância, um lugar estratégico que os meios de comunicação assumem no mundo
contemporâneo, [o que Martín-Barbero – 2003, p.33- designa como “mediacentrismo”], cuja relação se estreita
com o destaque que a mídia toma na atualidade. Torna-se impossível, assim, ignorar essa estrutura e suas ações.
Essa relevância é estudada por uma teoria da comunicação chamada Teoria da Agenda (ou hipótese da Agenda
Setting) definida do seguinte modo: “a teoria da agenda demonstra que a compreensão que as pessoas têm de
grande parte da realidade social é fornecida predominantemente pelos meios de comunicação de massa. [...] O
receptor tende a aceitar a representação apresentada pela mídia como a única possível.” [TEMER, 2009, p. 73]
O A PRIORI HISTÓRICO: PRIMÓRDIOS DE UMA CONSTRUÇÃO
IDENTITÁRIA BRASILEIRA: ROMANTISMO UFANISTA, UFANISMO
EUGÊNICO E O NASCIMENTO DO BIOPODER E DA BIOPOLÍTICA – DO BOM
SELVAGEM AO JECA TATU.
Segundo Foucault, (2000, p. 146), a condição para que enunciados façam parte de uma
determinada realidade, ou seja, recebam o estatuto de verdade, cristalizando-se,5 é a vontade
de verdade. Na medida em que ela coage o discurso, fazendo com que ele legitime e circule
saberes que vão conduzir ações, é necessário que nos voltemos para a discussão dos efeitos de
poder: as estratégias de objetivação e dominação abordam as políticas divisórias, que
construíram, primeiramente, o espaço ufanista indianista, o ufanista eugênico, e
posteriormente, o espaço ufanista multiétnico na formação de uma identidade brasileira.
No princípio, separa-se o verdadeiro e o falso, depois, o enunciado que recebe o
estatuto de verdade é ligado a efeitos específicos de poder, os quais são representantes de uma
ação política e uma ação econômica, que se materializam nos atos de linguagem.
No procedimento de criação de uma identidade brasileira, a primeira a causar amplo
efeito adveio da literatura de ficção, em que escritores do Romantismo do século XVII como
José de Alencar transformaram o silvícola no símbolo do povo brasileiro e o fundiram ao
conceito rousseauniano do estado de natureza humano, colocando em destaque o mito do
“bom selvagem”. Euclides da Cunha, na virada do século, em sua obra OS SERTÕES, realiza
um elaborado trabalho sobre a identidade brasileira na parte do livro que fala sobre “o
homem” enfatizando a interferência do meio sobre o modo de vida, dissertando sobre a
gênese dos mestiços sem preconceito, além de analisar tipos distintos como o gaúcho e o
jagunço. Ao descrever o sertanejo, Euclides exalta a força do mesmo, algo totalmente
diferente do que se verá num discurso que veio posteriormente, oriundo não do meio da
Literatura de prosa mas do meio acadêmico, um século depois:
Devido a situações econômicas experienciadas no Brasil, já em fins do século XIX a
representação simbólica da totalidade do povo brasileiro por um segmento étnico
singular (o elemento indígena) cai em desuso no campo intelectual. Não obstante, o
componente simbólico da generosidade será apropriado, de diferentes formas, por
inúmeros escritores, obras e canais de comunicação e do poder, a posteriori.
[SILVA, 2007, p.03]
As novas ordens mundiais que estabeleceram as configurações territoriais, cuja gênese estava
inscrita no período que abarcou as duas Guerras Mundiais, trouxeram um arranjo de
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[...] chegou um dia em que a verdade se deslocou do ato ritualizado, eficaz e justo,[...] para o próprio
enunciado: para seu sentido, sua forma, seu objeto, sua relação a sua referência (FOUCAULT, 1996, p.15)
inquietações usuais a todas as sociedades que, sob a influência do capitalismo, organizavam-
se sob a forma do Estado Nacional (SILVA, 2007) e da comunidade imaginada (HALL,
1994). O historiador Eric Hobsbawn (1996) acredita que, principalmente, o período entre
guerras inscreveu em todo o mundo um novo nacionalismo que instigou a formação das
identidades nacionais e o fortalecimento dos Estados.
O Brasil, não se excluiu desses acontecimentos, e havia uma necessidade premente de
se lançar os fundamentos da nacionalidade. O aspecto da sociedade brasileira naquela época
era representado pela enorme quantidade de escravos alforriados, dos índios e dos vários
imigrantes e descendentes de colonizadores. Um padrão multiétnico com uma alta taxa de
miscigenação delineava as características particulares do nosso país.
Na Europa do século 19 as discussões acadêmicas envolvendo a genética e a evolução
das espécies já aplicava em textos científicos voltados para o estudo da espécie humana os
princípios gerais do darwinismo que estudou a hereditariedade nos animais.
Em 1865, poucos anos depois da leitura do livro “A Origem das Espécies”, escrito
por seu primo Charles Darwin, o cientista britânico Francis Galton publicou dois
artigos na Macmillan´s Magazine em que pretendia provar que a inteligência e as
habilidades humanas não eram funções da educação e do meio, mas sim da
hereditariedade. Quatro anos depois, estes artigos foram expandidos e transformados
no livro “Hereditary Genius” (O Gênio Hereditário), dando origem às discussões
sobre o controle da reprodução human e o papel da seleção social na preservação das
“boas gerações”. Com esta obra, Galton introduziu um conjunto de idéias que, em
1883, ele denominou de eugenia, “a ciência da hereditariedade humana”. Suas
concepções eugênicas sobre o melhoramento racial se associaram intimamente às
discussões sobre evolução, seleção natural e social, progresso e degeneração,
conceitos fundamentais que constituíram as idéias científicas e sociais no final do
século XIX.[SOUZA, 2006, p.13]
Na primeira metade do século XX, começaram a surgir, tanto na Europa, quanto nos
Estados Unidos as primeiras sociedades eugênicas6, formadas por diversos grupos entre eles o
acadêmico e o judiciário, e que procuravam realizar pesquisas de forma acadêmica e científica
divulgando projetos de engenharia social, políticas e leis que incentivassem a implantação das
idéias eugênicas baseadas no conceito de uma raça pura, (a branca) que traria a cura para as
doenças da sociedade como a sífilis, o alcoolismo, a demência mental através da sua ativa
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Os eugenistas classificavam as medidas eugênicas como “preventiva”, “positiva” e negativa”. Conforme a
definição de Renato Kehl, a “eugenia preventiva” consistia em combater os “venenos raciais” responsáveis pela
degeneração humana, como o álcool e o tabaco; “fazer a profilaxia das moléstias epidêmicas e endêmicas”, bem
como praticar a higiene e o saneamento em todos os seus aspectos. A “eugenia positiva” “cuida, por excelência,
da boa geração; é favorável á educação dos jovens no que diz respeito á sua educação sexual (...); se incumbe
também da educação física, do avigoramento pelas regras da boa higiene, dos exercícios bem compreendidos e
praticados”. Por outro lado, a “eugenia negativa” propunha um rigoroso controle sobre os meios de reprodução
humana, proibindo o matrimônio de indivíduos considerados “inaptos” ou “anormais”; é responsável, ainda, pela
formulação de leis que restrinjam a imigração e que apliquem a esterilização (KEHL, Renato. Sociedade
Eugênica de São Paulo. 1919).
participação no processo miscigenatório (branqueamento) . Logo, estas idéias chegam
também ao Brasil, sendo bem aceitas inclusive por Getúlio Vargas, admirador de estados
totalitários, como o fascista de Mussolini. A busca de uma identidade nacional baseada numa
seleção hereditária pela raça se torna uma preocupação política, o modelo da miscigenação de
preponderância negra e indígena começa a ser considerado como não adequado, pois derivado
de raças consideradas inferiores, infectas, e vários textos vão se entrecruzar e circular para
espalhar a idéia de ordem e progresso através de um embranquecimento da população, de um
novo conceito para o “ser brasileiro”. O sertanejo forte, o índio redentor não tem mais valor
de verdade. O que vale é o brasileiro que passa por problemas de saúde.
Assim, o Estado estatiza o biológico. A questão da vida passa a ser interesse dos
governantes, denominado por Foucault de biopoder, sua forma de ação ocorre através do que
o autor caracteriza como biopolítica. Diferentemente do poder pastoral, que age sobre o
indivíduo, aquele vai exercer controle sobre a população, o coletivo, e tornará públicos
saberes legitimados pelo discurso médico para criar uma nacionalidade agenciada pelo
dispositivo7 do ufanismo eugênico:
Ao que essa nova técnica de poder não disciplinar se aplica e - diferentemente da
disciplina, que se dirige ao corpo - à vida dos homens, ou ainda, se vocês preferirem,
ela se dirige não ao homem-corpo, mas ao homem vivo, ao homem ser vivo; no
limite, se vocês quiserem, ao homem-espécie.[...] a nova tecnologia que se instala se
dirige à multiplicidade dos homens, não na medida em que eles se resumem em
corpos, mas na medida em que ela forma, ao contrário, uma massa global, afetada
por processos de conjunto que são próprios da vida, que são processos como o
nascimento, a morte, a produção, a doença, etc. Logo, depois de uma primeira
tomada de poder sobre o corpo que se fez consoante o modo da individualização,
temos uma segunda tomada de poder que, por sua vez, não é individualizante mas
que é massificante, se vocês quiserem, que se faz em direção não do homem-corpo,
mas do homem-espécie. Depois da anátomo-política do corpo humano, instaurada
no decorrer do século XVIII, vemos aparecer, no fim do mesmo século, algo que já
não é uma anátomo-política do corpo humano, masque eu chamaria de urna
"biopolítica" da espécie humana. [FOUCAULT, 2005]
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O termo "dispositivos" aparece em Foucault nos anos 70 e designa inicialmente os operadores materiais do
poder, isto é, as técnicas, as estratégias e as formas de assujeitamento utilizadas pelo poder. A partir do momento
em que a análise foucaultiana se concentra na questão do poder, o filósofo insiste sobre a importância de se
ocupar não "do edifício jurídico da soberania, dos aparelhos do Estado, das ideologias que o acompanham", mas
dos mecanismos de dominação: é essa escolha metodológica que engendra a utilização da noção de
"dispositivos". Eles são, por definição, de natureza heterogênea: trata-se tanto de discursos quanto de práticas, de
instituições quanto de táticas moventes: é assim que Foucault chega a falar, segundo o caso, de "dispositivos de
poder", de "dispositivos de saber", de "dispositivos disciplinares", de "dispositivos de sexualidade" etc. [REVEL,
2005, p.39]
indivíduos biologicamente superiores e inferiores e: “a medicina vai ser uma técnica política
de intervenção com efeitos de poder próprios. A medicina é um saber-poder que incide ao
mesmo tempo sobre o corpo e sobre a população, sobre o organismo e sobre os processos
biológicos e que vai, portanto, ter efeitos disciplinares e efeitos regulamentadores”
(FOUCAULT, 2005, p. 302) .
Os mais contundentes textos que faziam apologia à eugenia entre as décadas de 10 e
30, no Brasil, foram, notadamente, na área científica as publicações do médico Renato Kehl,
e, na área da Literatura e do Jornalismo, os do escritor Monteiro Lobato. A Sociedade de
Controle vai delineando a sua preponderância. Lancemos um olhar em um trecho de um livro
de Kehl:
“Não há solução para os males sociais fora das leis da biologia. Não há política
racional, independente dos princípios biológicos, capaz de trazer paz e felicidade aos
povos. Política econômica, conservadora, democrática, socialista, fascista,
comunista, todas essas políticas e formas de governo falham se não se inspirarem
nos ditames da ciência da vida. Eis, por que, a política por excelência, é a política
biológica, a política com base na eugenia”.[KEHL, 1933, p. 57]
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Neste período, o sistema republicano brasileiro estava dominado por amplas oligarquias regionais que
administravam o Estado a partir de relações políticas corruptas, como o coronelismo, o mandonismo e o
clientelismo. De acordo com José Murilo de Carvalho, pelo menos até o final da Primeira Guerra Mundial, o
sistema republicano brasileiro não fez nenhum esforço para incorporar a grande maioria da população, em
especial os negros, mestiços e sertanejos. Para esse autor, a própria idéia de povo era puramente abstrata e,
devido a falta de direitos que garantissem a cidadania, o próprio povo era, em sua grande maioria, hostil ou
totalmente indiferente ao sistema republicano (CARVALHO, José Murilo de. Brasil 1870-1914: A força da
tradição. In: ____________. Pontos e Bordados. escritos de história e política. Belo Horizonte: Editora
daUFMG, 1998, p. 120).
brasileiro e a impossibilidade do Brasil acessar os valores do “mundo civilizado”.
Essas representações negativas sobre a realidade nacional, quando não influenciaram
a opinião dos brasileiros sobre o seu próprio país, ao menos colocaram em dúvida a
viabilidade do Brasil no cenário internacional. [ 2006, p.23]
Assim, o enunciado científico do sertanejo como um tipo inferior e inapto vai ser
elevado ao estatuto de verdade pela elite intelectual e transmitido por grandes veículos de
comunicação de massa nacionais e famosos escritores. Jornais como O Estado de São Paulo,
Correio Paulistano, Jornal do Comércio, além da Revista Brazil- Médico e da Revista do
Brasil publicaram ampla propaganda, pareceres e notas sobre a fundação da Sociedade
eugênica, difundindo a eugenia entre o público bem como prestando informações sobre as
suas ocupações. O Jornal O Estado de São Paulo deu um enorme apoio ao movimento
eugenista em São Paulo, principalmente para os membros da Sociedade Eugênica, tendo em
vista que Julio de Mesquita, diretor e proprietário do referido jornal, era casado com a filha de
Arnaldo Vieira de Carvalho, presidente da Sociedade, o que teria possibilitado o estreito
contato entre estas instituições (DIWAN, 2003, p. 39).
Além de publicações como a Revista do Brasil9, temos ícones da Literatura Brasileira
apoiando a eugenia, como Monteiro Lobato, que lança, em 1914, na primeira revista citada, o
personagem Jeca Tatu, num artigo intitulado “Velha praga”. O personagem é um sertanejo
preguiçoso, indolente, um trabalhador rural inapto a ser inserido na “civilização”, tal qual o
Brasil era inapto a ser aceito em uma comunidade internacional. É uma alegoria da
preocupação das elites com o povo brasileiro.
Porém, muitos estudiosos do tema eugenia discordavam de alguns princípios da
hereditariedade na formação da identidade, atribuindo à pobreza do meio e à falta de
condições sanitárias básicas, as mazelas da sociedade nacional. O avanço das pesquisas
bacteriológicas influenciou muito na mudança de posicionamento de muitos intelectuais :
“Se, até então, a mestiçagem e o clima eram vistos como as principais causas da
degeneração racial, a ciência demonstrava, agora, que o atraso do país estaria
relacionado às doenças e a falta de saneamento. De uma interpretação determinista
sobre os problemas sociais, a ciência abriria caminho para uma interpretação
médico-sanitarista.” (SOUZA, 2006, p.28)
É sob essa nova verdade do saber científico que Monteiro Lobato redime Jeca Tatu de
sua culpa pelo seu fracasso e fracasso da nação, analisando o quanto as condições do meio
perenizam o seu sofrimento e as suas precárias condições de vida, construindo novos
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Através das páginas da Revista do Brasil, Coelho-Neto ressaltava a importância da propaganda que as
autoridades médicas de São Paulo vinham fazendo em torno da Sociedade Eugênica de São Paulo: “realizando
conferências, espalhando Boletins, pregando, demonstrando, vai conseguindo realizar, ainda que lentamente, a
obra filantrópica da regeneração do homem, para cuidar, em seguida, do aperfeiçoamento da espécie” [SOUZA,
2006, p. 35]
enunciados ele cria uma verdade resultante do abrandamento do discurso eugênico na sua
fusão com o discurso ufanista. :
A nossa gente rural possui ótimas qualidades de resistência e adaptação. É boa por
índole, meiga e dócil. O pobre caipira é positivamente um homem como o italiano, o
português, o espanhol. Mas é um homem em estado latente. Possui dentro de si
grande riqueza em forças. Mas força em estado de possibilidade. E é assim porque
está amarrado pela ignorância e falta de assistência às terríveis endemias que lhe
depauperam o sangue, caquetizam o corpo e atrofiam o espírito. O caipira não é
assim. Está assim. Curado, recuperará o lugar a que faz jus no concerto
etnológico.[LOBATO, 1918, p. 34]
O período pós Segunda Guerra Mundial foi de intensas trocas entre as forças armadas
brasileiras e norte-americanas. Os militares nacionais passaram a pressionar o governo de
forma que esse aumentasse sua força bélica e de inteligência. Esses esforços revelavam uma
tendência anticomunista que se espalhava também na sociedade civil e que era apoiada pelo
governo dos Estados Unidos. O governo federal nacional de situação, cujo presidente era João
Goulart, era de tendência comunista. A Aliança para o Progresso foi um programa criado no
governo do presidente John Kennedy que financiava os opositores de Jango, favoráveis a um
golpe militar. Em 18 de março de 1964 a Doutrina Mann é proclamada: os Estados Unidos
apóiam o governo de qualquer aliado, mesmo que este esteja sob os auspícios de um regime
autoritário como uma ditadura, contanto que fosse anticomunista [SUPERINTERESSANTE,
2014, p. 41].
Porém o presidente João Goulart se mostra favorável, em seus discursos, às reformas
de base, como a agrária, e também é de acordo com a expropriação de multinacionais. O
embaixador de Kennedy no Brasil, Lincoln Gordon, em uma das conversas telefônicas com a
liderança norte-americana demonstra toda a insatisfação ianque com os rumos do governo
brasileiro:
[GORDON] – Creio que uma de nossas tarefas mais importantes consiste em
fortalecer a espinha militar. É preciso deixar claro, porém com discrição, que não
somos necessariamente hostis a qualquer tipo de ação militar, contanto que fique
claro o motivo.
_ Contra a esquerda – cortou Kennedy.
_ Ele está entregando o país aos ...
_ Comunistas – completou o presidente.
_ Exatamente. Há vários indícios de que Goulart, contra a sua vontade ou
não...[GASPARI, 2002, p. 60]
Esse contexto aparece com a ajuda da AERP, que foi criada em 12 de janeiro de 1968,
durante o governo do general Costa e Silva. Sua missão era difundir uma imagem melhor do
governo para a opinião pública. Em 1970, o general Médici fundou um sistema de
comunicação social para o Poder Executivo, cuja tarefa era “formular e aplicar uma política
capaz de, no campo interno, predispor, motivar e estimular a vontade coletiva para o esforço
nacional de desenvolvimento e, no campo externo, contribuir para o melhor conhecimento da
realidade brasileira” [ FICO, 1997, p. 34]. Geisel, em 1974, a aboliu e implantou a Assessoria
de Imprensa e Relações Públicas [AIRP] , para guiar a comunicação social do governo. Em
1976, porém, desmantelou a Airp em duas partes: Assessoria de Imprensa e Assessoria de
Relações Públicas [ARP] , subordinada à Assessoria de Imprensa e não à Casa Militar, como
costumava ser.
No decorrer do regime militar foram criados vários órgãos com a finalidade de fazer a
propaganda das realizações do governo e passar uma imagem favorável dos presidentes
militares, sem a preocupação de enaltecer as suas figuras porque se temiam comparações com
o Departamento de Imprensa e Propaganda [DIP], que agiu no Estado Novo. A propaganda
disfarçada era produzida por órgãos designados como “assessorias”. Tal estruturação tinha
filiais em estados como São Paulo e Rio de Janeiro. Havia também o Instituto Nacional do
Cinema, cuja produção era exibida, obrigatoriamente, em todas as emissoras de televisão. As
campanhas oficiais então revelaram o seu caráter ufanista, otimista, de cunho emotivo,
mobilizando a população sentimentalmente como o slogan criado após o AI-5: “Brasil, ame-o
ou deixe-o”:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Alzira. Dicionário histórico-biográfico da propaganda no Brasil. Editora FGV:
ABP, 2007.
GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002
LOBATO, Monteiro. O problema vital. In: ___________. Mr. Slang e o Brasil e Problema
Vital. São Paulo: Editora Brasiliense, 1964 [1918].
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós- modernidade. Rio de Janeiro, RJ: Edições
DP&A, 2004
HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.