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OS HOMENS, A ARTE E A LITERATURA

A ARTE E A LITERATURA
São inúmeras as maneiras de o homem expressar-se; no entanto, é
através da arte que consegue fazê-lo da maneira mais sublime. A própria arte
pode definir-se de várias maneiras, como a pintura, a escultura, a música, o
teatro, a arquitetura ou a literatura; cada uma delas com objeto próprio: as
texturas, cores e traços dão forma à pintura; as formas e suas variações, à
escultura. Cabe à literatura ser a arte da palavra.
O artista é aquele que se preocupa com o objeto de sua arte, que produz
emoção, que faz do comum algo diferente; mas também é aquele que
transforma a realidade, lança um olhar diferente sobre sua época, realiza a
releitura do já feito e a faz a invenção do porvir. Esse é o poder da arte, moldar a
realidade de diferentes maneiras, sob diversos pontos de vista, independente
de realidades ou fantasias, mentiras ou verdades. Segundo Pablo Picasso,
pintor espanhol do século XX, “a arte é uma mentira que revela a verdade”.
Ora, mas nem toda produção humana pode ser considerada artística. Assim,
o conceito de estética ganha importância. Segundo a definição mais comum,
estética é um ramo da filosofia voltado à reflexão a respeito da beleza sensível.
Assim, os sentidos; as formas; a harmonia entre as partes, cores, palavras, versos,
melodias e ritmos; e as representações são objetos da estética.
A literatura, por assim dizer, é a arte da palavra, não de qualquer coisa
escrita, mas aquela intencional, carregada de significado, harmônica, expressiva
e que é capaz de recriar a realidade. A intenção do escrito literário é voltada à
própria linguagem, não se preocupando unicamente com sentidos objetivos,
mas carregando-os de subjetividade, de possibilidades de significação, de
inovações estruturais e vocabulares, enfim, rompendo as barreiras da linguagem
e expressão comuns, alcançando elevados níveis de expressividade.

A LINGUAGEM LITERÁRIA
Normalmente, pretende-se que um texto possua qualidades como
clareza, precisão, objetividade entre outras para que possa ser plenamente
compreendido em sua função natural: informar. Entretanto, nem todos os
textos possuem a mesma função e, assim sendo, vão dispensar algumas
dessas “qualidades” em prol de seus interesses distintos.
OS HOMENS, A ARTE E A LITERATURA

Há ocasiões em que o texto apresenta-se distante dos sentidos imediatos


da palavra. Sua principal funcionalidade não é a informativa, nem se pretende
ser objetivo ou até mesmo claro. A intenção revela-se no próprio uso da
linguagem, na construção múltipla de sentidos, na criação de realidades e no
estranhamento das estruturas. Essa linguagem, carregada de significação,
correspondente aos desejos e anseios do artista é que será classificada
como arte literária.
O texto literário diferencia-se, portanto, de outro não-literário, pelo valor
de sua linguagem simbólica, pela intencionalidade de suas palavras, pela
harmonia entre suas estruturas. Por tudo isso é que chamamos de arte este
tipo de produção escrita, em contraposição a textos cotidianos como as
notícias, os manuais, as atas de reunião, as bulas de medicamentos, os livros
didáticos etc.

ARTE E SOCIEDADE
O poeta e crítico literário estadunidense Ezra Pound afirmava que “a
literatura não existe no vácuo. Os escritores, como tais, têm uma função
social definida, exatamente proporcional à sua competência como escritores.
Essa é sua principal utilidade”. Isso significa que a literatura é diretamente
relacionada à sociedade que a produz, ligada a seus conceitos, suas opiniões;
retratando suas vaidades, preconceitos, avanços ou comportamentos
peculiares.
A literatura é, em certa medida, o próprio retrato daquela sociedade, um
apanhado da cultura que a sustenta, uma representação de sua ideologia.
Ainda segundo Pound, “a linguagem é o principal meio de comunicação
humana. Se o sistema nervoso de um animal não transmite sensações e
estímulos, o animal se atrofia. Se a literatura de uma nação entra em declínio,
a nação se atrofia e cai”. A literatura, então, não só é tomada como uma
representação da cultura de um povo, mas como construção da identidade
social desta mesma cultura que por ela se expressa e se redefine a cada
momento.
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Contudo, as condições históricas e culturais de uma sociedade não


são fixas, transformam-se ao longo do tempo e apresentam, em cada
época, um conjunto de características que serão refletidas na arte, inclusive
na literatura. A essas características damos o nome de estilo de época.
Essas características vão das vestimentas à linguagem, da ideologia ao
comportamento, refletindo-se nas obras literárias de maneira que se pode
fazer um retrato social de uma determinada época.
É claro que nem todas as pessoas guardavam todas as características
de uma época, apesar de viver nela. Não é porque todos os homens usavam
bengalas no século XIX que um determinado autor também o faria. A esse
comportamento individual, a essa compreensão pessoal de sua época, de seu
papel social e da própria realidade que o cercava chamamos estilo individual.
Portanto, toda análise literária passará obrigatoriamente por três elementos:

MOMENTO HISTÓRICO
Representa a conjuntura política, social e econômica de uma determinada
sociedade. As guerras, as crises, os avanços tecnológicos, as tensões internas,
enfim, tudo o que pode modificar a estrutura social ou sua ideologia deve ser
levado em consideração para o entendimento de uma obra literária.

PADRÃO ESTÉTICO
Cada época revela um conjunto ideológico próprio que é representado
pela estética. O resultado das inovações e as novas perspectivas criam, isto
é, modelos, padrões que “devem” ser seguidos, pois representam a ideologia
dominante da classe de maior prestígio na sociedade.

ESTILO INDIVIDUAL
Como todos esses fatores influenciam a vida de um indivíduo? Como
esse indivíduo enxerga o mundo em que vive? Como ele pretende mudá-
lo? Essas perguntas formam um painel comportamental do artista frente
à sua época. Além disso, sua história pessoal, suas preferências estéticas
imediatas, sua capacidade técnica e criativa serão decisivas para definir um
perfil que pode ser percebido em suas obras.
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A ARTE, A LITERATURA E SEUS CONCEITOS


Literatura é arte. É arte polissêmica e polifônica. Como tal, dialoga
constantemente com outras formas de arte, em especial com as artes
plásticas. Disse um dia Murilo Rubião que o escritor mantém o “olho armado”
e, tal como o escultor ou o pintor, fixa o eterno em sua obra.
Muito se tem discutido sobre a função e a estrutura do texto literário, ou
ainda sobre a dificuldade de se entenderem os enigmas, as ambiguidades,
as metáforas da literatura. Mas é exatamente aí que reside o seu encanto:
no trabalho com a palavra, com seu aspecto conotativo, com seus enigmas.
Sem dúvida, a literatura apresenta-se como o instrumento artístico
de análise de mundo e de compreensão do homem. Sófocles, Camões,
Shakespeare, Rousseau, Dostoievski, Machado de Assis, Eça de Queiroz,
Kafka, Clarice Lispector... todos preocupados com o grande mistério: entender
a alma humana.

CARACTERÍSTICAS DO TEXTO LITERÁRIO


• Plurissignificação: as palavras, no texto literário, assumem vários
significados. Valoriza-se a linguagem conotativa.
• Ficcionalidade: os textos criam um universo próprio, ainda que
baseados no real, mas transfigurando-o, recriando-o.
• Aspecto subjetivo: o texto apresenta, normalmente, o olhar pessoal
do artista, suas experiências e emoções.
• Ênfase na função poética da linguagem: o texto literário manipula a
palavra, revestindo-a de caráter artístico.
O artista apresenta na obra literária uma postura diante do mundo e das
aspirações do homem.
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VEROSSIMILHANÇA INTERNA E EXTERNA

(Ilustrações e texto de Will Eisner para o livro Narrativas gráficas)


Tanto na representação dos caracteres como no entrecho das ações,
importa procurar sempre a verossimilhança e a necessidade; por isso, as
palavras e os atos de uma personagem de certo caráter devem justificar-
se por sua verossimilhança e necessidade.
(ARISTÓTELES; Arte Poética)

A importância da verossimilhança nas narrativas surgiu como


preocupação e objeto de estudo desde Aristóteles. De forma geral, o conceito
de verossimilhança está relacionado à verdade, ao que se apresenta – ou
tem aparência − de verdadeiro.
Esse estudo é fundamental para a literatura. Veja os conceitos e
definições abaixo:
(...) o objetivo da poesia (e da arte literária em geral) não é o real concreto,
o verdadeiro, aquilo que de fato aconteceu, mas sim, o verossímil, o que
pode acontecer, considerado na sua universalidade.
(SILVA, Vítor M. de A. Teoria da literatura. Coimbra: Almedina, 1982.)

Verossímil. 1. Semelhante à verdade; que parece verdadeiro. 2. Que não


repugna à verdade, provável.
(FERREIRA, A. B. de Holanda. Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.)
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A literatura, como toda obra de arte apresenta uma equivalência


de realidade, de verdade, de lógica interna ao texto e de um conjunto de
semelhanças que permitem ao leitor validar os acontecimentos como possíveis:
a verossimilhança. É possível distinguir dois tipos de verossimilhança:
INTERNA: percebida pela própria estrutura da obra, pela coerência dos
elementos que a estruturam.
EXTERNA: percebida no mundo real, confere ao mundo imaginário a
percepção de realidade.

MÍMESE, CATARSE E EPIFANIA


Para os gregos, a arte possuía as funções hedonística e catártica. A
primeira preconizava a necessidade de a obra artística proporcionar prazer,
ser um retrato do belo. Essa beleza consistia na relação direta e na semelhança
entre a arte e a natureza. Na segunda visão, a catarse era o um conjunto
de sensações e contrassensações, um efeito “moral” que buscava aliviar
os sentimentos produzidos pela própria obra de arte: o terror, a piedade, as
tensões etc.
A catarse pode ser compreendida tanto de forma externa à obra de
arte, quando ligada às sensações e identificações que provoca no leitor ou
expectador diante dos acontecimentos; quanto de forma interna, como um
processo de superação que os próprios personagens devem enfrentar em
suas jornadas. Assim, a passagem do estado agonia de um personagem
para sua redenção já evidencia uma catarse.
O filósofo grego Aristóteles debruçou-se sobre a literatura e ligava-a ao
conceito de imitação, segundo ele, mímese. A arte mimética buscava imitar
a vida e nessa relação buscava a fidelidade absoluta. Era isso que levava o
texto ao encontro com a Verdade. Com o passar do tempo, essa ideia de arte
imitativa foi perdendo força, apesar de ainda manter relação com as emoções
que provoca e a própria recriação da realidade que caracterizam os conceitos
de arte mais atuais.
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Em muitas histórias, há “manifestações” de forças divinas ou ocultas que


levam um personagem à uma revelação, entendimento súbito de sua condição
ou compreensão da essência de algo ligado à problemática da história. Essa
intervenção “mágica”, que altera os rumos dos acontecimentos e opera uma
mudança na vida de um personagem é chamada epifania. Modernamente,
autores utilizam-se de situações cotidianas como mote para a introspecção das
personagens, refundando o conceito grego em bases modernas.

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