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LEITE, Ligia Chiappini Moraes.

O foco narrativo (ou A polêmica em torno da


ilusão). São Paulo: ática, 1985. Série Princípios.

Jhonata Roberto de
Aquino¹

O Foco narrativo, publicado pela editora ática em 1985, foi escrito por Ligia
Chiappini e faz parte da Série Princípios. A obra desenvolve os recursos estéticos
literários para construção de narrativas, dando subsídios para análise crítica do
texto ficcional narrativo.
O livro é dividido em quatro capítulos, o qual apresenta as ideias de alguns autores
sobre sobre a arte de narrar, de imitar a realidade, desde a concepção platônica, até
as ideias de Tzevetan Todorov.
A princípio, aborda a perspectiva narrativa de Platão e Aristóteles, o qual é sabido
que histórias são narradas no decorrer da história da humanidade e sempre houve
o intermédio de um narrador que poderia contar suas experiências pessoais ou
experiências vividas por outras pessoas.
"Desde sempre, entre os fatos narrados e o público, se
interpôs um narrador. No decorrer da HISTÓRIA, porém, as
HISTÓRIAS narradas pelos homens foram-se complicando, e
o NARRADOR foi mesmo progressivamente se ocultando, ou
atrás de outros narradores, ou atrás dos fatos narrados (...)
(Chiappini, p.5)

Sendo assim, é possível perceber que a autora pontua nas entrelinhas que a arte
de contar histórias faz parte do DNA da vida humana, pois é o ato de narrar que
está ligado ao homem desde que o mesmo construiu a consciência racional da sua
existência, como ser que pensa e que cria a realidade através do pensamento.

“Quem narra, narra o que viu, o que viveu, o que


testemunhou, mas também o que imaginou, o que sonhou, o
que desejou. Por isso, NARRAÇÃO e FICÇÃO praticamente
nascem juntas.” (Chiappini, p.6)

Através deste apontamento, é percebido que a narração não é apenas o ato de


contar histórias, mas mexe com o inconsciente mais sensível do ser humano, se
ligando aquilo que é sonhado e o que é imaginado. É por esse viés que a narração
e a ficção caminham de mãos dadas.

¹ Graduando em Lic. Letras - Português e Espanhol; UFRPE (SEDE).


Nesse contexto, Platão e Aristóteles, iniciam no Ocidente uma tradição sobre o
modo de narrar. Platão se baseia na tradição da representação do real e os seus
efeitos nos ouvintes, pontuando que é ideal o homem se afastar dos campos da
imitação na arte de contar histórias. Pois, este é inferior e nada mais é do que uma
cópia fiel, assim ocultando a verdade.

O julgamento de que é mais adequado ao homem de bem


narrar do que imitar, sobretudo quando o objeto de imitação
lhe é inferior, está diretamente relacionado com a filosofia
platônica como um todo, alicerçada basicamente na idéia de
imitação como cópia infiel, simulacro do Real e da Verdade.
(Chiappini, p.7)

Imitar para Platão não é descrever a verdade. No entanto, Aristóteles pontua o


inverso, a poesia é uma imitação, mas não é considerada uma cópia, pois esta é
formadora das essências. Sendo portanto, um caminho aberto para o conhecimento.

No sistema aristotélico a poesia continua a ser IMITAÇÃO,


porém não entendida como cópia das aparências, mas, ao
contrário, como reveladora das essências. Imitar, para
Aristóteles, é uma forma de conhecer que inclusive diferencia
o homem dos outros seres vivos e lhe dá prazer.
(Chiappini, p.8)

Diante disso, Aristóteles afirma que é possível, na poética, imitar os mesmos


objetos, nas mesmas situações , numa mesma narrativa.
Mais a frente as reflexões desenvolvidas por Platão e Aristóteles sobre o foco
narrativo foram retomadas durante vários momentos no decorrer da história da
humanidade, como por exemplo, na Idade Média, durante a retórica e poética da
Roma antiga e durante a poética clássica do Renascimento europeu. Diante desse
contexto, uma das obras que conduziu essa retomada de reflexões foi a obra de
Hegel, “ A Estética”. Nessa obra o autor busca fazer a distinção entre os gêneros
épico, lírico e dramático. Hegel, aponta o gênero épico como eminentemente
objetivo, o qual o sentimento de quem escreve não deve se relacionar com o que é
escrito. Diferente do gênero lírico, onde o olhar do sujeito é posto em suas
evocações artísticas. Já o gênero dramático para o autor é uma síntese dos outros
dois gêneros.
A poesia épica seria aquela em que, do conjunto dos homens
e dos deuses, brotaria a dinâmica dos acontecimentos que o
poeta deixaria evoluir livremente, sem interferir. Trata-se de
uma realidade exterior a ele, com a qual não se identifica a
ponto de se envolver com os sentimentos, pensamentos e
ações dos caracteres em jogo.
Já a LÍRICA teria por conteúdo subjetivo "a alma agitada pelos
sentimentos", e, em lugar da ação externa ao sujeito, o que se
expõe é o seu extravasar; é ele que se expressa diretamente,
e musicalmente, pela palavra que profere. O terceiro gênero
— o dramático —, como síntese dos outros dois, se constitui,
ao mesmo tempo, de um desenrolar objetivo de
acontecimentos e da expressão vibrante da interioridade.
(Chiappini, p. 9-10)

Hegel começa a se deter a estudar a epopeia e a considera como uma


totalidade unitária e presencia a sua transformação para o romance. Para ele, o
tema básico do ROMANCE seria o conflito entre "a poesia do coração" e a "prosa
das circunstâncias". Mediante isso, o romance começa a ser visto como um gênero
que se alimenta dos outros gêneros anteriores, convivendo de mãos dadas com o
gênero dramático e o épico.
A maneira como Hegel sistematizou os pensamentos teóricos dos filósofos do
passado, pode-se citar Wolfgang Kayser,autor da “Análise e interpretação da obra
literária”. O autor busca tratar o narrador na sua forma primitiva, pois o seu contato
com o público parte de maneira direta .
Mais a frente o romance começa a fazer uso dessa tendência mais libertária
da arte de narrar. Segundo Kayser o narrador do romance passa por uma mudança,
pois na poesia épica a narração não é performada para um grupo de pessoas em
volta do narrador, aproximando a narração dos valores culturais daquele povo. No
romance, a experiência da narração passa a ser pessoal, uma vez que o narrador
fala diretamente com o seu leitor, um leitor com suas visões de mundo ligado ao
sistema social dividido em classes.

O ROMANCE, mais tarde, se beneficiaria igualmente dessa


liberdade maior de narrar. Mas Kayser chama a atenção para
a mudança substancial do narrador de ROMANCE, em
relação à poesia ÉPICA: não se trata mais de falar a um
público reunido à sua volta — do qual o aproximam as
mesmas experiências e os mesmos valores —; aqui, o
narrador fala pessoalmente Goldmann, interpretando Lukács,
falaria em "busca de valores autênticos num mundo
degradado". para um leitor também pessoal, individual, numa
sociedade dividida (a sociedade de classes).
(Chiappini, p..11)
Essa aproximação entre o leitor e o narrador, dá a impressão ao leitor de que ele
esteja diante de um indivíduo, expressando seus pensamentos em tempo real.
Diante dessa lógica, Aristóteles distingue a verdade da verossimilhança, o qual a
verossimilhança seria a assimilação da realidade no campo ficcional.
O estudo de Kayser abriu espaço para discussão sobre a teoria do foco literário,
onde é problematizada relação entre a ficção e a realidade. Um dos autores que
buscou analisar esses elementos foi Henry James, durante ofinal do século XIX e
início do século XX. O autor foi um crítico dos mecanismos narrativos que desvia o
leitor das semelhanças da história com o mundo social, ou seja, o desvio da
verossimilhança. O ideal para que isso não ocorresse, seria que o narrador tivesse
uma posição discreta ao contar e mostrar os acontecimentos, dando a impressão de
que a narrativa é contada por si própria
As principais idéias do escritor, a defesa de um PONTO DE
VISTA único, a sua antipatia pelas interferências que
comentam e julgam, pelas digressões que desviam o leitor da
HISTÓRIA. E tudo em nome da VEROSSIMILHANÇA, como é
também em seu nome que ele ataca a NARRATIVA em
primeira pessoa. O ideal, para James, e que passa a ser o
ideal para muitos teóricos a partir dele, é a presença discreta
de um narrador que, por meio do contar e do mostrar
equilibrados, possa dar a impressão ao leitor de que a história
se conta a si própria, (Chiappini, p.13)

Ainda assim,Percy Lubbock caminha no mesmo patamar analítico de James, mas


se opõe às suas ideias. Ele pontua que só deve ser considerada “arte de ficção” os
textos narrativos que possuem estratégias de omissão do narrador. Isso se explica,
pois quanto mais ele intervém na história, mais ele conta e menos mostra, o que
prejudica na construção da narrativa, uma vez que o texto se torna menos
imagético. Além disso, o narrador pode dominar todo o saber sobre as vivências da
personagem , sabe para onde vai, o que pensa e o que faz, por ser onisciente.
Sendo assim, o narrador se torna uma espécie de espelho refletor das ideias do
autor.

Dá-se aí o desaparecimento estratégico do NARRADOR,


disfarçado numa terceira pessoa que se confunde com a
primeira. (...) as interferências do NARRADOR, Lubbock
chega à radicalização de só considerar "arte da ficção"
aquelas narrativas que não cometem essa indiscrição. (...) Na
verdade, essa distinção tem a ver com a intervenção ou não
do NARRADOR. Quanto mais este intervém, mais ele conta e
menos mostra. (Chiappini, p. 9-10).

No decorrer do tempo foi aparecendo autores que criticavam os pensamentos de


Lubbock. Uma das críticas estabelecidas pontuava que a teoria “PONTO DE VISTA”
de Lubbock era pautada com um caráter normativista, dizia romancistas. Em
contrapartida, E. M. Foster apontava que o expediente fundamental na arte da
ficção era o PONTO DE VISTA.

A posição de Lubbock a respeito do problema foi considerada


por muitos como, além de parcial, polêmica e um tanto
dogmática. Os primeiros a criticá-lo foram os próprios
romancistas que reagiram contra o caráter normativo da sua
teoria do PONTO DE VISTA. E. M. Forster discute a afirmação
de Lubbock de que o expediente fundamental na arte da
ficção seja o PONTO DE VISTA. E combate o seu
normativismo, sobretudo no que diz respeito à condenação ao
NARRADOR que interfere na narração ou às mudanças do
PONTO DE VISTA, num mesmo ROMANCE. (Chiappini,
p.12)

A partir dessa crítica, Foster indica que tudo é válido desde que apresente a
necessidade do tema e dos efeitos de sentido que se busca a partir da narração.
Ainda sim, Wayne Booth, no seu livro “A retórica da ficção”, quebra com a rigidez do
PONTO DE VISTA de Lubbock, uma vez que apresenta várias maneiras de contar
uma história e essa maneira de contar vai depender das intenções que busquem
romper com a realidade e a ilusão. Desse modo, o autor apresenta um tipo de uma
narrativa ideal, sendo aquela que busca transmitir valores.

Quanto à relação entre o narrador-personagem, o teórico Jean Pouillon, apresenta


três possibilidades: “a VISÃO COM, a VISÃO POR TRÁS e a VISÃO DE FORA.” Na
visão por trás, o narrador tem o controle do saber sobre as escolhas ligadas a vida
do personagem. Mediante essa caracterização, esse narrador sabe de onde parte e
para onde vai a personagem, sendo assim é um narrador onisciente. Esse tipo de
narrador dá ao texto um menor grau de envolvimento com as situações ocorridas na
narrativa.
Na “Visão com”, o narrador é limitado a saber da personagem, sobre si e sobre os
acontecimentos. Por fim, A visão de fora, o qual pode ser desconsiderado o saber
que a personagem tem e o narrador acaba se deparando com uma barreira e
descreve apenas os acontecimentos, falando do exterior.
Na VISÃO POR TRÁS, O narrador domina todo um saber
sobre a vida do personagem e sobre o seu destino. Na VISÃO
COM, o NARRADOR limita-se ao saber da própria
personagem sobre si mesma e sobre os
acontecimentos.Finalmente, a VISÃO DE FORA, em que se
renuncia até mesmo ao saber que a personagem tem, e o
narrador limita-se a descrever os acontecimentos, falando do
exterior (...) (Chiappini, p. 20-21)

A partir do debate sobre esses elementos literários, Maurice-Jean Lefebve, faz um


reaproveitamento das categorias de Jean Pouillon e apresenta a diegese e o
discurso de maneira equivalente. Essa perspectiva se relaciona com a narração
típica do romance do século XIX. No romance de “visão”, a autora pontua que há o
uso de uma linguagem em primeira pessoa, cabível ao monólogo interior e o fluxo
de consciência. Para este caso em específico, ela pontua que há a predominância
da narração sobre a diegese.

“a VISÃO POR DETRÁS seria típica do ROMANCE clássico,


especialmente o do século XIX; nele, DIEGESE e DISCURSO
estão equilibrados. No ROMANCE de VISÃO COM, típico de
certa linha dos romances do século XX, em primeira pessoa,
que usam MONÓLOGO INTERIOR e o FLUXO DE
CONSCIÊNCIA e também típico do romance epistolar do
século XVIII, haveria a predominância da NARRAÇÃO sobre a
DIEGESE.” (Chiappini, p.22)

Lambeve também chama atenção para os silêncios da narração, ou seja, para


aquilo que a narração omite. Essa característica é muito forte, pois dialoga com o
leitor, fazendo que este se questione e busque no texto as intenções do autor; além
de construir suposições e problematizar a distinção entre a diegese e o discurso.

As coisas que o narrador não vê, sobre os pontos cegos que


podem levar-nos a nos interrogar sobre as intenções últimas
do AUTOR IMPLÍCITO, Lefebve nos alerta para os silêncios
da narração, as elipses, as indeterminações, os brancos, o
que a narrativa omite, a começar por tudo aquilo que ela faz
supor ter acontecido antes de ela se iniciar. E,
problematizando, então, a sua própria distinção entre
DISCURSO e DIEGESE. (Chiappini, p. 22)

Roland Barthes e Tzvetan Todorov trazem uma análise estrutural da narrativa,


propondo uma recolocação da questão das vozes e das VISÕES do NARRADOR.
Assim, Roland Barthes distingue o nível das funções e o nível das ações. Nesse
contexto, o nível das funções atinge a história ou a fábula moldando os elementos
de caracterização das personagens, já o nível das ações podem ser considerados
como fios condutores para a criação de certos ambientes na narrativa onde os
personagens atuam. Por fim, há o nível da narração, onde acaba integrando os dois
elementos anteriores e define a pessoa verbal do texto narrativo, ou seja, quem
evoca as ações e ambientação da narração.

à análise estrutural da narrativa, distingue: 1. o nível das


funções, onde se passa propriamente a HISTÓRIA OU
FÁBULA e onde se situam os elementos de caracterização
das personagens e de criação da atmosfera ou ambiente; 2. o
nível das ações, onde se situam as personagens, mas, agora,
enquanto AGENTES, fios condutores de certos núcleos de
FUNÇÕES que definem a área de atuação de cada uma; 3. o
nível da narração, integrando os outros dois, e onde a simples
pessoa verbal não é suficiente para esclarecer com quem está
a palavra, podendo uma narrativa em terceira pessoa ser
mero disfarce da primeira. (Chiappini, p. 23)

Já Todorov, busca observar o narrador sobre uma perspectiva linguística, baseada


em marcações, como por exemplo a colocação pronominal, tempo e modo verbal,
ou seja, elementos linguísticos que apontam o narrador a partir dos próprios
recursos linguísticos. Na enunciação, Todorov cria signos linguísticos com a
estratégia de apontar quem é o emissor ou o sujeito da mensagem.

Procura, em diversos momentos, aprofundar a análise


linguística do problema do NARRADOR, através de categorias
como o pronome pessoal, o tempo, o aspecto e o modo
verbal, Todorov inventaria os signos que designam
diretamente o processo de enunciação como certos advérbios
(agora, aqui), certos pronomes (este, isto) e o tempo presente.
Depois, passa a analisar o que denomina "discurso
avaliatório", pelo qual o processo de enunciação invade o
enunciado inteiro. Certos signos o caracterizam, como, por
exemplo: talvez, certamente, deve, pode..., que apontam
diretamente para o SUJEITO DA ENUNCIAÇÃO OU
EMISSOR DA MENSAGEM. (Chiappini, p. 24)

A tipologia de Norman Friedman

Norman Fridman, em um dos seus ensaios a respeito do foco narrativo, busca


apresentar as principais questões a respeito do narrador: quem está contando a
história, quem é a pessoa do discurso narrativo, a primeira ou a terceira? A partir de
qual perspectiva ou ponto de partida o narrador conta a história? Qual o
distanciamento do autor , narrador e leitor?
É por meio de questionamentos como este que Friedman desenvolve a Tipologia
narrativa.

O autor parte inicialmente para apresentar a predominância da CENA, nas


narrativas modernas, e do SUMÁRIO, nas narrativas tradicionais. Mas também
pontua que essa predominância não é considerada exclusiva, já que em uma obra
ficcional é muito raro encontrar recursos narrativos em estado puro, ou seja, o
trabalho com uma única categoria da narrativa.

Para a CENA e o SUMÁRIO, bem como para os diversos tipos


de NARRADOR que estudaremos a seguir, a partir da sua
tipologia, trata-se sempre de uma questão de predominância e
não de exclusividade, já que é difícil encontrar, numa obra de
ficção,
especialmente quando ela é rica em recursos narrativos,
qualquer uma dessas categorias em estado puro. (Chiappini,
p.26)

Autor onisciente intruso (Editorial omniscience)

A primeira categoria de Friedman apresenta um estilo de narração que possui


maior liberdade de narrar, narrar para além do tempo e do espaço. Isso ocorre
porque este narrador está a par de todos os acontecimentos e pensamentos dos
personagens. Ele é uma espécie de intruso, pois assume um papel de comentarista
da vida dos personagens e dos aspectos morais,culturais presente no texto
narrativo.

NARRADOR tem a liberdade de narrar à vontade, de colocar-


se acima, ou, como quer J. Pouillon, por trás, adotando um
PONTO DE VISTA divino, como diria Sartre, para além dos
limites de tempo e espaço. Pode também narrar da periferia
dos acontecimentos, ou do centro deles, ou ainda limitar-se e
narrar como se estivesse de fora, ou de frente, podendo,
ainda, mudar e adotar sucessivamente várias posições.
(Chiappini, p. 27)

Para o autor não há uma posição fixa ao narrar o texto, uma vez que esse narrador
pode está na periferia das ações, no centro deles ou em qualquer posição. É por
isso que esse narrador possui maior liberdade para jorrar seus conhecimentos.
Mais tarde, no século XVIII e no começo do século XIX, há o predomínio da
neutralidade das tendências naturalistas e esse modelo de narração começou a sair
de moda. Assim a narrativa começou a ganhar maior independência, a narração
caminhava como se narrasse a si mesma.

Muito comum no século XVIII e no começo do século XIX, o


NARRADOR ONISCIENTE INTRUSO saiu de moda a partir
da metade desse século, com o predomínio da "neutralidade"
naturalista ou com a invenção do INDIRETO LIVRE por
Flaubert que preferia narrar como se não houvesse um
narrador conduzindo as ações e as personagens, como se a
história se narrasse a si mesma. (Chiappini, p. 29)

Narrador onisciente neutro (Neutral omniscience)

A segunda categoria fala em terceira pessoa, também faz uso do sumário, mas faz
uso da construção de cenas, de diálogos. A caracterização da personagem é feita a
partir do narrador que evoca os detalhes da personagem para o leitor. Sendo assim,
este narrador se distingue do narrador intruso, por ele não tecer comentários e
instruções sobre os comportamentos das personagens.

Também tende ao SUMÁRIO embora aí seja bastante


frequente o uso da CENA para os momentos de diálogo e
ação, enquanto, frequentemente, a caracterização das
personagens é feita pelo NARRADOR que as descreve e
explica para o leitor.AUTOR ONISCIENTE INTRUSO, do qual
este se distingue apenas pela ausência de instruções e
comentários gerais ou mesmo sobre o comportamento das
personagens, embora a sua presença, interpondo-se entre o
leitor e a HISTÓRIA, seja sempre muito clara. (Chiappini, p.
32)

Friedman aponta que esse tipo de narrador é uma das alternativas do século XIX e
também vigora século XX e é muito apropriado ao estilo do romance policial
americano presente na década de trinta.

"Eu" como testemunha ("I" as witness)

Friedman apresenta este narrador sem a mediação ostensiva de uma voz exterior.
Assim, esse narrador constrói suas evocações em primeira pessoa, mas vive as
situações narradas como uma personagem secundária. Logo, vivencia os
acontecimentos na periferia, conta aquilo que observa, a partir da sua leitura de
mundo, mas não conta os fatos a partir dos pensamentos dos demais personagens
envolvidos na trama.

Ele narra em primeira pessoa, mas é um "eu" já interno à narrativa,


que vive os acontecimentos aí descritos como personagem
secundária que pode observar, desde dentro, os acontecimentos, e,
portanto, dá-los ao leitor de modo mais direto, mais verossímil.Como
personagem secundária, ele narra da periferia dos acontecimentos,
não consegue saber o que se passa na cabeça dos outros, apenas
pode inferir, lançar hipóteses. (Chiappini, p. 37-38)

A partir deste apontamento, é perceptível que esta categoria narrativa apresentada


por Norman é bastante limitada, uma vez que o olhar do narrador se baseia no “eu”,
nas suas percepções subjetivas dos acontecimentos descritos e narrador comenta
e analisa, como testemunha. Logo, a evocação desse narrador não pode ser tão
confiável como um narrador onisciente, já que este possui conhecimento da
totalidade dos acontecimentos.

Narrador-protagonista ("I" as protagonist)

Nesta categoria narrativa, o autor Friedman diz que a consciência do narrador


desaparece e assim como o narrador “eu” como testemunha, este narrador não tem
acesso àquilo que os personagens pensam. Assim, acaba narrando a partir das
suas próprias impressões da realidade ficcional, a partir das suas emoções. Logo se
limita apenas às suas percepções.

O NARRADOR, personagem central, não tem acesso ao


estado mental das demais personagens. Narra de um centro
fixo, limitado quase que exclusivamente às suas percepções,
pensamentos e sentimentos. (Chiappini, p. 43)

Como exemplo, na literatura brasileira, o autor pontua que em Grande Sertão:


veredas, a narração parte de tudo aquilo que é visto e narrado do ponto de vista de
Riobaldo. Portanto, a narração parte de um ponto fixo, limitado.

Onisciência seletiva múltipla(Multiple selective omniscience)

A categoria narrativa descrita por Friedman como Onisciência seletiva múltipla não
busca apresentar necessariamente um narrador, já que não há um narrador, pois a
história parte do fluxo de consciência das personagens, com base nos
acontecimentos presentes no enredo. Nesse estilo de narração há o predomínio da
cena. Já na onisciência neutra é diferente, pois o autor traduz os pensamentos e
percepções da mente das personagens.

onisciência, aqui o que se perde é o "alguém" que narra. Não


há propriamente narrador. A HISTÓRIA vem diretamente,
através da mente das personagens, das impressões que fatos
e pessoas deixam nelas. O predomínio quase absoluto da
CENA. Difere da ONISCIÊNCIA NEUTRA porque agora o
autor traduz os pensamentos, percepções e sentimentos,
filtrados pela mente das personagens, detalhadamente,
enquanto o NARRADOR ONISCIENTE os resume depois de
terem ocorrido. (Chiappini, p. 48)

Onisciência seletiva (Selective omniscience)


A categoria em questão retrata apenas uma personagem. Por isso, também pode-
se considerar uma narração limitada a alguns pontos fixos. Os pontos em questão
são pautados nos sentimentos e pensamentos da personagem central, sendo
apresentados de maneira objetiva . Como referência a essa categoria, duas grandes
escritoras trabalham com essa característica psicológica Virgínia Woolf e Clarice
Lispector, o qual usavam em seus textos um estilo livre indireto.

Esta é uma categoria semelhante à anterior, apenas trata-se


de uma só personagem e não de muitas. É, como no caso do
NARRADOR-PROTAGONISTA, a limitação a um centro fixo.
O ângulo é central, e os canais são limitados aos sentimentos,
pensamentos e percepções da personagem central, sendo
mostrados diretamente. Virgínia Woolf e, entre nós, Clarice
Lispector são duas mestras no estilo INDIRETO LIVRE e na
ONISCIÊNCIA. (Chiappini, p. 58)

Modo dramático (The dramatic mode)

Nessa categoria não há o autor, nem o narrador, eliminam-se os estados mentais e


limita-se a informação ao que as personagens falam ou fazem. Um bom exemplo
para situar esse caso,é o texto do teatro, com breve anotações de cena, deixando
os diálogos amarrados.
“Ao leitor cabe deduzir as significações a partir dos
movimentos e palavras das personagens. O ÂNGULO é
frontal e fixo, e a distância entre a HISTÓRIA e o leitor,
pequena, já que o texto se faz por uma sucessão de CENAS.
OS exemplos de Friedman são "The Awkward Age", de Henry
James, e Hemingway, em alguns contos. (Chiappini, p. 59)

Câmera (The camera)

A última categoria de Friedman possui o máximo em matéria de “exclusão do autor”.


Nessa categoria, o autor aborda que ela serve para as narrativas que buscam
transmitir flashes da realidade como se apanhados por uma câmera, arbitrária e
mecanicamente. Ele traz como exemplo, goodbye to Berlin, romance-reportagem
de Isherwood (1945). Nesse texto, o próprio narrador desde o início, se define como
uma “câmera”.
Sendo assim, nesse estilo de produção textual é possível observar que a narração
possui vários ângulos de observação e a partir daí, explora no texto seus limites e o
seu parentesco com as artes visuais, uma vez que o texto, dentro dessa
composição.

Análise mental, monólogo interior e fluxo de consciência

Entender a análise mental e o fluxo de consciência no século XX, foi fundamental


para entender a construção do romance e para captar diferentes níveis de
consciência nele imposto. A análise mental, por exemplo, se instaura como um
mecanismo de aprofundamento dos processos mentais dos personagens de uma
determinada narrativa.

A "análise mental" já foi suficientemente ilustrada quando


tratamos da ONISCIÊNCIA SELETIVA e da ONISCIÊNCIA
MULTISSELETIVA. Trata-se, como o próprio nome diz, do
aprofundamento nos processos mentais das personagens,mas
feito de maneira indireta, por uma espécie de NARRADOR
ONISCIENTE que, ao mesmo tempo, os expõe (mostra, pela
CENA) e os analisa (pelo SUMÁRIO). (Chiappini, p. 67)
Já a distinção encontrada entre o "monólogo interior e o fluxo de consciência” nem
sempre aparece de maneira objetiva. Friedman diz que na teoria crítica literária
essas expressões aparecem como sinônimos. Além disso, é uma das
características da narrativa contemporânea que tem base em uma análise profunda
e bem construída dos processos mentais das personagens.

O MONÓLOGO INTERIOR implica um aprofundamento maior


nos processos mentais, típico da narrativa deste século. A
radicalização dessa sondagem interna da mente acabou
deslanchando um verdadeiro fluxo ininterrupto de
pensamentos que se exprimem numa
linguagem cada vez mais frágil em nexos lógicos. (Chiappini,
p. 68)

O fluxo de consciência se estabelece de maneira muito parecida para Bowling,


sendo uma expressão mental dos pensamentos que não obedecem uma sequência
lógica. O pensamento é desordenado e expõe a beleza do que ocorre no universo
inconsciente humano. Sendo assim, essa caracterização dá ao texto narrativo maior
assimilação com a realidade desencadeada pela verossimilhança do estado
psíquico dos personagens para com os indivíduos em sociedade.

O FLUXO DE CONSCIÊNCIA, na acepção de Bowling, é


expressão direta dos estados mentais, mas desarticulada, em
que se perde a sequência lógica e onde parece manifestar-se
diretamente o inconsciente. Trata-se de um "desenrolar
ininterrupto dos pensamentos" das personagens ou do
narrador. (Chiappini, p. 68)

Narração, ficção e história

A objetividade contestada: a moderna opção do lirismo

Chiappini desenvolve algumas considerações sobre a concepção histórica do foco


narrativo em seu livro “Foco Narrativo”. Dizendo que durante o século XIX e XX,
havia o princípio de que a narrativa deveria contar a si mesma, sem
necessariamente haver a presença de um narrador, mas quando o gênero
romanesco entra em crise muda essa perspectiva, formulando uma narrativa
fragmentada e com múltiplos centros.
O princípio segundo o qual a narrativa deveria contar-se a si
mesma, sem a intervenção de um NARRADOR (...) Contudo,
esse princípio sustentou boa parte da produção romanesca do
século XIX e boa parte da produção teórica sobre FOCO
NARRATIVO, no século XX.Na verdade, no nosso século a
narrativa se fragmenta em múltiplos centros. (Chiappini, p.
68)

Anatol, Rosenfeld escreve um ensaio intitulado “Reflexões sobre um romance moderno”, o


qual busca analisar sua perda do centro na literatura. O romance assume uma
subjetividade e a precariedade das perspectivas no enfoque do real. É por intermédio dessa
linha de pensamento que é fundamentada a crítica ao ROMANCE, bem como repensa a
verossimilhança na narrativa. Assim, é posta uma crítica da História e da filosofia voltando
a colocar-se a velha questão aristotélica sobre a relação entre História, filosofia e poesia.

História e ficção: a concepção aristotélica e seus desdobramentos

A defesa de Diderot do ROMANCE em seu ensaio, implica uma teoria aristotélica da ficção,
na medida em que a ficção teria o poder de revelar o ilusório do mundo em que vivemos,
alcançando o universal, pela mediação do particular. Essa linha de pensamento acaba
levando o autor a imergir na essência daquilo que busca descrever em seu texto narrativo.
Ademais, bebendo dessa fonte, há uma teoria do ROMANCE, por exemplo de linha
marxista, que desenvolve essa idéia, e o caso de Lukács diz que o romance nos faz
desvendar a totalidade da realidade ficcional, sendo levado pela própria autonomia e
coerência da ficção criada, a conhecer mais profundamente a realidade que o texto reflete;
não como um simples espelho, mecanicamente, mas através de muitas mediações por ele
trabalhadas. Nesse caso, para Lukács, a literatura teria a capacidade de dar a conhecer
para mover, isto é, para levar o leitor a observar o que está ligado ao seu imaginário, uma
vez que vislumbrou pela ficção uma realidade mais profunda.
Chiappini diz com base nesse ideal de romance, ainda ilustrado, está presa à idéia da
coerência, da totalidade e da verossimilhança, e é justamente o que impediu um como
Lukács de entender o projeto das vanguardas que rompem com a perspectiva coesa do
romance do século XIX,
Portanto, Chiappini pontua que a relação da ficção com a história é de que o olhar
apresentado por Aristóteles não foi abandonado. Esse olhar sempre retorna, reaparece,
implícita ou explicitamente, seja na evocação dos romancistas seja por intermédio dos
teóricos da literatura. A diferença é que agora não se desconfia somente do discurso da
ficção.

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