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JOSÉ PAULO PAES: POETA COMO NENHUM OUTRO

por

Marcos Estevão Gomes Pasche

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Letras Vernáculas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em Letras
Vernáculas (Literatura Brasileira).

Orientador: Antonio Carlos Secchin.

De acordo:

Rio de Janeiro

Agosto de 2009
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José Paulo Paes: poeta como nenhum outro

Marcos Estevão Gomes Pasche

Orientador: Professor Doutor Antonio Carlos Secchin

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras


Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas.

Examinada por:

_______________________________
Presidente, Prof. Dr. Antonio Carlos Secchin - UFRJ

_______________________________
Prof. Dr. Adriano Alcides Espínola - UFCE

_______________________________
Prof. Dr. Sérgio Fuzeira Martagão Gesteira - UFRJ

_______________________________
Profª. Drª. Eleonora Ziller Caminietzki – UFRJ, Suplente

_______________________________
Profª. Drª. Rosa Maria de Carvalho Gens – UFRJ, Suplente

Rio de Janeiro
Agosto de 2009

2
Para José Carlos Prioste,
que ensina a andar sem os pés.

3
AGRADECIMENTOS

A Ary Pimentel, pois foi ele o primeiro a me falar da existência de vida útil e
interessante após a graduação (portanto, a ele o primeiro agradecimento); a Dau Bastos,
que valiosamente me aconselhou a seguir o caminho da Literatura Brasileira; a Antonio
Carlos Secchin, por ser orientador como nenhum outro; a meus pais, Giovani e
Madalena, por todas as coisas que não cabem nesta página; a Santinha, por ter, num
habitual prodígio, me apresentado a poesia de José Paulo Paes; a Ésio Macedo Ribeiro e
a Dora Costa, por terem me apresentado ao Poeta, mesmo em sua ausência.

À Fundação CAPES, pela concessão da bolsa de estudos.

4
ESCOLHA DE TÚMULO

Onde os cavalos do sono


batem cascos matinais.

Onde o mundo se entreabre


em casa, pomar e galo.

Onde ao espelho duplicam-se


as anêmonas do pranto.

Onde um lúcido menino


propõe uma nova infância.

Ali repousa o poeta.

Ali um voo termina,


outro voo se inicia.

5
SUMÁRIO

Introdução ........................................................................................................................ 7

Com os mestres, com carinho (O aluno) ....................................................................... 10

Amor, verbo infinitivo (Cúmplices) .............................................................................. 19

Nova velha história (Novas cartas chilenas) ................................................................. 25

Poemas reunidos, poeta reunidor (Epigramas) .............................................................. 39

No corpo da palavra (Anatomias) .................................................................................. 48

Na presença ou na ausência (Meia palavra) .................................................................. 53

Ao rés dos restos (Resíduo) ........................................................................................... 64

Normalidade ensandecida (Calendário perplexo) ....................................................... 71

No óbito constava nascimento (A poesia está morta mas juro que não fui eu) ............ 76

Do pouso como decolagem (Prosas seguidas de odes mínimas) .................................. 84

Dentro do todo de si (A meu esmo) ............................................................................... 94

Pretérito sem futuro (De ontem para hoje) ...................................................................101

Como mestre, com carinho (Socráticas) ..................................................................... 104

Um poeta no meio dos caminhos ................................................................................. 108

Referências .................................................................................................................. 119

6
INTRODUÇÃO

O título deste trabalho pode denotar certa obviedade, pois afinal a obra de todo
poeta (ou, no mínimo, a de todo grande poeta) é dotada de certas peculiaridades que a
distinguem da de seus confrades.
O caso José Paulo Paes não é diferente: trata-se de um nome singularíssimo no
curso histórico da poesia brasileira, só que quando fora convidado por Vivina de Assis
Viana (coordenadora da editora Atual) para escrever sua autobiografia, ele foi
categórico: ―Quem, eu? Um poeta como outro qualquer!‖.1 Tais palavras terminaram
por intitular o livro que ali começava a se desenhar, e servem-me agora como nomeação
paródica deste trabalho.
Explicado o título, cabe esclarecer a proposta deste estudo: interpretar a obra
poética de José Paulo Paes de acordo com a ideia de que seus principais alicerces estão
voltados para a confluência harmônica de aspectos tradicionais e modernos, estejam
estes presentes na arquitetura ou no espírito dos poemas.
Nossa leitura percorrerá livro a livro, seguindo a ordem cronológica de
publicação. Talvez em alguns deles, como O aluno e Cúmplices, por exemplo, nossa
hipótese interpretativa não apareça tão expressivamente, mas isso não significa sua
inexistência. Nesses casos, destacaremos a relação que os conteúdos de alguns livros
assumem com o tempo em que surgem, sobretudo para perceber que em épocas de forte
tendência conservadora entre os poetas brasileiros José Paulo louvou a modernidade; de
maneira semelhante, quando algumas atitudes transgressoras tornaram-se norma, numa
aparente incessante renovação, ele impregnou suas páginas de elementos antigos.
Isso o diferencia de outros poetas brasileiros – em especial Guilherme de
Almeida, Cassiano Ricardo e Vinícius de Moraes – que em alguma medida recuperaram
o tradicionalismo no auge de nossa literatura moderna. O caso de tais poetas é estilístico
e consiste no uso de formas poéticas desprezadas pelos seus contemporâneos. O caso de
José Paulo Paes é estrutural: diz respeito a uma ligação ideológica e espiritual (também
poética) entre modernidade e tradição como resposta a alguns impasses da cultura
ocidental que, hoje, desenha um quadro do mundo que é, nas palavras de Milton Santos,
―confuso e confusamente percebido‖ (2005, p. 17).

1
Quem, eu? Um poeta como outro qualquer. São Paulo: Atual, 1996.

7
Assim sendo, observaremos esta confluência (que por vezes também
chamaremos conciliação) do novo e do tradicional em alguns dos seus sentidos
possíveis, seja no campo da reflexão mais especificamente literária, seja no da
ruminação de maior envergadura humana. E, ainda que ela não ―presida‖ o âmago de
certos livros, como nos exemplos acima dados, será interessante verificá-la
estabelecendo uma ligação entre toda a obra paesiana, dentro da qual nada é disperso ou
fragmentário.
Ainda não existem (ou, na melhor das hipóteses, não são de grande
conhecimento) sólidos trabalhos críticos dedicados à poesia do autor de Anatomias, o
que pode ser uma vantagem ou um prejuízo.2 De dedicação exclusiva, há apenas dois
livros (indicados abaixo). Os outros são, na maioria, prefácios a coletâneas.
Para este estudo, além dos trabalhos indicados ao final, serão trazidos,
fundamentalmente, os textos específicos (e conhecidos) a respeito de José Paulo Paes,
escritos por Alfredo Bosi (―O livro do alquimista‖), Antonio Carlos Secchin (―Um poeta
em paz‖, ―O testamento poético de José Paulo Paes‖ e ―O lugar de José Paulo Paes‖),
Davi Arrigucci Jr. (―Agora é tudo história‖), Henrique Duarte Neto (O humor cáustico
no universo da meia palavra: sátira e ironia na poesia de José Paulo Paes), João
Carlos Biella (Um ironismo como outro qualquer: a ironia na poesia de José Paulo
Paes); Miguel Sanches Neto (―Primeiro caderno do aluno de poesia José Paulo Paes‖),
Rodrigo Naves (―Um homem como outro qualquer: José Paulo Paes‖) e Sérgio Milliet
(―A poesia não morreu‖). Portanto, quando fizermos menções aos críticos de José Paulo
Paes, será principalmente nesses nomes que pensaremos.
E quanto à citação de poemas paesianos, sua fonte será sempre a Poesia
completa, publicada em 2008 pela Companhia das Letras.
Cabe dizer que nosso estudo não abarcará a literatura, por mais polêmica que
seja a definição, infantil de José Paulo Paes. Mas pretendemos avaliá-la num trabalho
próximo. Além disso, não interpretaremos Bodas, de 1977. O livro, com tiragem de

2
Em nota do seu curto e preciso livro O humor cáustico no universo da meia palavra,
Henrique Duarte Neto informa que ―afora alguns ensaios e trabalhos acadêmicos,
não encontrei (pesquisando na internet) nenhum livro que se detivesse de maneira
integral sobre a obra do autor de Socráticas. O trabalho crítico mais consistente
encontrado em livro foi o extenso ensaio introdutório de Davi Arrigucci Jr. à edição
dos melhores poemas do poeta paulista‖. p. 17.

8
apenas cinquenta exemplares, foi escrito para a celebração dos vinte e cinco anos de
casamento do poeta com Dora Costa, e não teve circulação comercial.
É nossa intenção estudar que significado assume esta poesia dentro do cenário
poético brasileiro, demonstrando que desde o seu início ela negou filiar-se a linhas
estéticas ou a movimentos vanguardistas, mas sem também negá-los; ao contrário, deles
extraiu, inteligentemente, o que de melhor poderiam oferecer, num exercício muito
próprio de quem soube, como nas palavras de Alfredo Bosi, ―reconhecer o sim e o não
em todas as coisas‖.3

3
O ser e o tempo da poesia, p. 15.
9
COM OS MESTRES, COM CARINHO

O aluno (1947) é o livro com que José Paulo Paes inicia a carreira literária.
Dentre os (poucos) críticos que se debruçaram sobre a obra, quase nenhum confere a
ela, com alguma razão, o status de grande estreia, principalmente por ser o livro (na
verdade uma plaquete composta por nove poemas) excessivamente influenciado pelas
principais figuras da poesia modernista brasileira que àquela altura já se consagravam,
fato posteriormente admitido pelo próprio poeta.4
Curiosamente, o primeiro a emitir tal opinião (e que encontra fortes ecos ainda
hoje) foi um dos homenageados pelo ―aluno‖ que se exibia aos ―mestres‖: Carlos
Drummond de Andrade, que em carta datada de maio de 1947, escrevia a José Paulo:
―Você tem um sentimento poético indubitável, maneja o verso livre com bastante
segurança rítmica, nunca resvala no mau gosto – mas você ainda não me parece você‖.5
Drummond tinha razão, justamente porque em sua crítica indica que o poeta
iniciante ainda carece de um estilo próprio. Apesar disso, pode-se perceber que alguns
traços da poética então inaugurada já começavam a se desenhar com alguns bons versos.
Seja nos temas tratados pelos textos, seja pelas atitudes neles manifestadas, é de
especial interesse para nós tentar observar o quanto O aluno já prenunciava uma das
linhas mestras do trabalho de Paes: a vontade de conciliar tendências contrárias.
Só que, preliminarmente, observaremos alguns outros aspectos que têm mais
corpo no livro, a saber: a presença da opressão, verificada nas variadas passagens em
que se notam dores do sujeito (lírico e humano) e a busca pela reversão de tal
adversidade. Após essas explicações, falaremos da conciliação aludida no parágrafo
anterior.
O primeiro poema do livro, ―Canção do afogado‖, fala insistentemente dos
incômodos ocasionados por uma corda de ferro que sufoca, prende, comprime:

Esta corda de ferro


me aperta a cabeça
não deixa meus braços

4
Cf. Cult: revista brasileira de literatura, nº 22, pp 39-62.
5
Carta incluída na 2ª edição de O Aluno. Grifo meu.

10
se erguerem no ar.
E o mar me rodeia,
afoga meus olhos.
[...]

Algas flutuam
por entre os cabelos,
meus lábios de sangue
palpitam na sombra
e a voz esmagada
não pode fugir.

Maninha me salve
não posso falar!

E a rosa liberta
a inefável rosa,
vai longe, vai longe.
Um gesto é inútil,
meu grito e meu pranto
inúteis também...

Maninha me salve
que eu vou naufragar! (p. 13-14).

A carga algo dramática indicará a existência de certo tipo de opressão,


predominante interna, a incomodar o espírito do indivíduo entendiado e deprimido
frente aos passos tortos do mundo há pouco saído da segunda grande guerra, ainda cheio
de incertezas e cicatrizes, e também frente às variadas situações antilíricas (no pior
sentido do termo) pelas quais os artistas, com significativo amargor, passam.
No caso de José Paulo Paes, deve-se considerar que naquele tempo sua
circulação se dava em ambientes bastante provincianos, como a cidade de Taquaritinga,
onde nasceu, e Curitiba, local para onde fora estudar química. A isso some-se o fato de
contar apenas 21 anos de idade, ser militante comunista num país de desigualdades, e
poeta num mundo que se revestia de tecnologia.
Então a corda de ferro – bloqueadora de atos e sentimentos, infundindo fadiga
no peito e na cabeça, desautorizando as possibilidades de fuga – faz alguns
prolongamentos, entre os quais veem-se: a) a nauseabunda ―tarde cinzenta‖ no poema
―Balada‖, de teor menos duro, mas de semelhante mal-estar:

Não sou lobo da estepe;


amo a todos os homens

11
e suporto as mulheres.
Contudo não posso
falar com os lábios
amar com o sexo,
porque sinto a tortura
da tarde cinzenta! (p. 18);

b) o ambiente frio e esfriador em ―O homem no quarto‖:

Teu protesto inútil


tuas flores murchas
teu violino fácil
tua vontade escassa
[...]

Caminhas sem rumo


por todas as ruas (p. 19);

c) os desagradáveis ímpetos da vida e os descuidos dos viventes no ―Poema


descontínuo‖:

Mas a lei e o trilho


levaram a dança
e um cigarro triste
me brotou nos dedos.
[...]

Lá fora, entretanto,
mórbidos despojos
lembram vagamente
um tempo guerreiro.
Mas o adolescente
está tomando gin...
Somente o lixeiro
na fria madrugada
sem espanto colhe
com seu instrumento,
as rosas e a música
que boiam no vômito
dos adolescentes (p. 22-23).

Dentro desta cadeia de reveses, há uma voz contrariada, com angústia e revolta,
às vezes recolhida à tristeza, às vezes apenas indiferente, como que desesperançosa pelo
cansaço que murcha o protesto e esteriliza a sensibilidade. O teor depressivo desses
poemas revela, na afirmação de Alfredo Bosi, ―o mal-estar que o escritor sensível e

12
diferenciado sente e ressente ao tomar consciência da sua posição de excluído, de
‗inútil‘, de esquerdo‖, fato perfeitamente compreensível em se tratando de um artista
contemporâneo da Segunda Guerra Mundial.6
Paradoxalmente, há uma carga afetiva que também molda a face de variados
textos, e a partir daí surgirão símbolos a funcionarem como instrumentos para reverter
as situações opressoras. No conjunto de tais símbolos, aparecem com especial destaque:
a) a literatura:

Quando as amantes e o amigo


te transformarem num trapo,
faça um poema,
faça um poema, Joaquim! (―Drummondiana‖, p. 15);

b) a flor (e suas extensões semânticas):

Teu bigode é a ponte


que nos liga ao sonho
e ao jardim tão perto (―O poeta e seu mestre‖, p. 27);

c) a conjugação de literatura e flor:

Até que outros braços,


redentoras asas,
venham colocar
um lírio muito branco

na página e no verso
do teu melhor poeta... (―O homem no quarto‖, p. 20).

Já em seus primeiros passos, o poeta traduziu em versos os ventos mais amargos


que o mundo soprava de encontro ao peito e ao rosto do jovem lançado ao movimento
da vida, sentindo aí os desencantos do ingresso na ―vida real‖, o que se exemplifica em
―Canção do afogado‖ e ―Poema descontínuo‖.

6
―O livro do alquimista‖. In: Céu, inferno. p. 155-6.

13
Dentro do livro, porém, o movimento de ruptura com o bloco da tristeza e da
desventura encontra um veio mais vigoroso, primeiramente nos poemas habitados pelo
otimismo e pela esperança, como ―O engenheiro‖, ―O poeta e seu mestre‖, ―Muriliana‖
e ―O aluno‖; e, posteriormente, com maior beleza e comoção, nos textos em que
convivem na mesma unidade tendências opostas e conflitivas – um embate entre o
confinamento da treva e a libertação pela luz, em que a última, se não vence de fato a
peleja, ao menos fica como sinal vivo de um possível caminho, uma terceira margem.
São poemas a fazer com que os fatores de negatividade sejam revertidos em afirmações
positivas de solidariedade e de amor: ―Drummondiana‖, ―Balada‖ e ―O homem no
quarto‖.
Diante dos impasses, é comum esperar de militantes partidários jovens,
geralmente mais tocados pelo furor político, a proposição de soluções exclusivamente
pelo viés ideológico. Nesse caso, José Paulo Paes teve mérito por não partilhar dessa
atitude algo restrita. O ganho é ainda maior por conta das alternâncias, bem mais
humanas, entre pessimismo e esperança:

Agora sem crença,


procuro no ar,
no jardim inútil,
qualquer borboleta
que da chuva esconda
suas asas... (―Poema descontínuo‖, p. 22).

.............................................................................

Repito seus gestos


de amor e renúncia
de música ou luta,
de solidariedade (―O poeta e seu mestre‖, p. 27).

Cabe-nos observar como confluem os elementos contrários que estão presentes e


são motrizes em O aluno. Pela publicação do livro datar de 1947, seu autor
normalmente é inserido na Geração de 45, caracterizada como uma ação conservadora
frente ao desapego modernista (sobretudo o de Oswald de Andrade) pelos formais
textuais de feição tradicional. Dessa maneira, é surpreendente constatar o desejo do
jovem poeta de reunir-se àquilo que lhe seria adverso (o Modernismo), como também
surpreende ver seu afastamento do que, cronológica e culturalmente, seria o seu habitat
natural – o grupo de 45.

14
Pelo título de alguns poemas – ―Drummondiana‖, ―Muriliana‖, ―O engenheiro‖,
– já se nota o pedido deste aluno de inscrever-se no rol dos poetas modernos brasileiros
que àquela altura tornavam-se, ou já se haviam tornado, consagrados, como Carlos
Drummond de Andrade, Murilo Mendes, João Cabral de Melo Neto (e também Oswald
de Andrade, implicitamente, como esclarece Miguel Sanches Neto no prefácio à
segunda edição do livro).7
Se estendermos essa observação aos livros futuros de José Paulo (em especial
Resíduo, Meia palavra e Anatomias), não nos parece possível situá-lo confortavelmente
na Geração de 45, uma vez que esta se notabilizou pela recusa à barulhenta inovação
sistematizada a partir de 1922. Mesmo os poemas de feição tradicional por ele escritos
apontarão mais para a escolha de um caminho pessoal (coincidente com algumas
convenções da época) do que para a filiação a um grupo. É o que também será visto na
década de 1950, dessa vez em relação ao Concretismo, o que analisaremos num capítulo
à frente.
Integrando O aluno à conjuntura histórica e estética na qual surgiu, vamos
ratificar o juízo de Drummond, quando diz que José Paulo Paes ainda não parecia um
poeta com dicção constituída. Mas de modo algum será acertado crer na falta de valor
desse livro ou atribuir a ele a etiqueta progressista ou o estigma reacionário, razão de
sua independência e originalidade. É mais justo vê-lo como agregador, contrário à tese
do parricídio literário.
Por um lado o poeta tenta inserir-se entre os modernos, mas não o faz de modo
submisso aos autores por ele celebrados, pois os poemas são dotados de um trabalho
formal (aparece inclusive um soneto) destoante do que àquela altura se poderia chamar
de Modernismo ortodoxo, isto é, aquele que rejeitasse com veemência qualquer sinal de
tradição.
Num outro ponto, vemos essa poesia absorver a pedagogia formalista da época,
sem (nesse momento) assumir uma feição modernista ao extremo. Não há em O aluno
concessões ao texto mínimo, de poucos ou de um único verso, como também inexistem
galhofas pelas vias do poema-piada. Além disso, a simplicidade com que o ―aluno‖ trata
os seus assuntos não chega à esquina do prosaísmo. No entanto, as reverências desse
aprendiz direcionam-se justamente aos que entortaram a poesia brasileira.

7
―Primeiro caderno do aluno de poesia José Paulo Paes‖, p. 8.
15
Foi então negando o que lhe era mais apropriado (a postura ideológico-estética
de sua suposta geração, a de 45) que ele se incluía numa aparente incoerência, ou seja, a
linhagem modernista; uma vez construído o vínculo, ele rejeitou o que seria uma
gratuita amostra de vanguardice: a destruição banal e infundada das formas
consagradas. Conflui-se aqui o sábio dizer de Marshall Berman: ―Para ser inteiramente
moderno é preciso ser antimoderno‖.8
Foi a maneira própria que José Paulo Paes elaborou para ser e não ser da esfera
que lhe circundava, já desenvolvendo a peculiaridade mais significativa de sua obra até
os momentos derradeiros; vê-se aí o autor tomar as primeiras lições para ingressar não
num estilo, num movimento ou numa geração, e sim construir uma Obra.
Residem no cerne do livro duas situações de simultânea afirmação e negação: a
primeira, mais para o plano da existência do que para o especificamente literário,
exprime-se no moço que, por intermédio da sua arte, quer se distinguir dos
contemporâneos caracterizados pelas idéias e ações fúteis: os jovens dados
irrestritamente à curtição de prazeres, que, por excessiva e alienada, torna-se vazia; é o
adolescente do ―Poema descontínuo‖:

Lá fora, entretanto,
mórbidos despojos
lembram vagamente
um tempo guerreiro.
Mas o adolescente
está tomando gin... (p. 23),

são os adolescentes incautos do mesmo texto, deixando valores seguirem para a


indigência do lixo:

Somente o lixeiro
na fria madrugada
sem espanto colhe
com seu instrumento,
as rosas e a música
que boiam no vômito
dos adolescentes (idem).

8
Tudo o que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. p. 12.

16
Esse é o modo particular encontrado pelo homem para ser adulto nas ocasiões
em que a adolescência tem conotação reprovável, quando a juventude, voluntária ou
coercitivamente, não se dá conta das mazelas coletivas.
A segunda situação, talvez mais clara, baseia-se nas concepções artísticas que
poderiam ser motivo de dilaceramento, pois na época da escrita do livro, olhar para um
lado, o da Geração de 45, era receber a sugestão de jogar-se para a tradição e para a
consequente marca de conservador; e olhar para outro lado, o vanguardista, da estética
triunfante e já acomodada, indicava lançar-se à frente, à perpetuação e ao
desdobramento da modernização, o que poderia igualmente significar uma camisa-de-
força.
A reunião de forças tão paradoxais deu indubitavelmente a José Paulo
possibilidade para construir uma via alternativa, longe da dicotomia entre tradicional e
moderno.

São meus todos os versos já cantados:


A flor, a rua, as músicas da infância,
O líquido momento e os azulados
Horizontes perdidos na distância.

Intacto me revejo nos mil lados


De um só poema. Nas lâminas da estância
Circulam a memória e a substância
De palavras, de gestos isolados.

São meus também, os líricos sapatos


De Rimbaud, e no fundo dos meus atos
Canta a doçura triste de Bandeira.

Drummond me empresta sempre o seu bigode,


Com Neruda, meu pobre verso explode
E as borboletas dançam na algibeira (―O aluno‖, p. 31).

O caminho poético de Paes – de mil lados e de gestos isolados – significou uma


singularidade elaborada por uma dicção plural. Seus contemporâneos mais imediatos –
Geir Campos, Marcos Konder Reis e Lêdo Ivo, entre outros – estavam certos em não
varrer a tradição, mas equivocavam-se ao desprezar aspectos modernistas; no mesmo
passo, os modernistas obtiveram êxito ao dar à arte (brasileira e ocidental) uma série de
possibilidades novas, mas mostraram a fraqueza de algumas de suas verdades por
pretenderem descartar o passado como um todo.

17
Coube a José Paulo Paes identificar as propriedades e as impropriedades destas
concepções, delas colhendo as substâncias não confundidas com modismos, como
exemplifica ―O aluno‖, um texto cheio de referências a poetas modernos postos em
assembléia num tradicionalíssimo soneto, que não por acaso encerra o livro.
Nesse sentido, ele deu novo significado à cópia, processando-a diferentemente,
sem uma idolatria que conduzisse ao epigonismo. Uma leitura retrospectiva de sua obra
tornará possível concordarmos com que em seu início faltava-lhe de fato uma
linguagem própria, uma dicção que só se tornou claramente identificável anos e livros à
frente, mas a mundividência que sua poesia viria a exprimir já se exibia com alguma
força, conscientemente ou não. Tanto que o autor nunca renegou O aluno, nem deixou
de incluí-lo nas edições de sua poesia completa.
Ele, como distinto aluno, já dava também as primeiras lições.

18
AMOR, VERBO INFINITIVO

Cúmplices (1951) é, da mesma forma que O aluno, uma plaquete composta por
nove poemas. A diferença mais imediatamente perceptível reside na temática dominante
do início ao fim do livro: a paixão declarada à mulher (quase sempre citada
nominalmente) e ao relacionamento amoroso com ela construído, o que ao longo dos
anos viria a resultar numa admirável união, tanto civil quanto literária (e sentimental
também):

Nossa vida
Construímos
A cada passo,
A cada minuto,
A cada esquina,
De mãos unidas (―Carta de guia‖, p. 196).

Como José Paulo Paes foi um poeta (além de tradutor e ensaísta) em sintonia
com a cultura grega, não causa estranheza que aqui surja, da maneira mais forte e
substantivamente lírica, a figura de sua musa: a bailarina Dora Costa – ou simplesmente
Dora –, companheira desde o início da vida adulta (eles se casaram em 1952, quando
então José Paulo contava 26 anos de idade); logo transformada em inspiração predileta
deste aedo, e se fazendo presente tanto em poemas deste quanto de livros vindouros
(quase todos, inclusive o póstumo Socráticas, dedicados a ela).
Apesar da diferença temática em relação à peça de estreia, a crítica mais
significativa da obra de Paes ainda concentra no livro enfoque especial (ou único) no
aspecto da necessidade de dicção própria do poeta: há indícios (Davi Arrigucci Jr. e
Alfredo Bosi) de que aqui ele já a havia alcançado; mais cauteloso, Henrique Duarte
Neto diz apenas que o opúsculo configurava um passo mais firme do que o livro
anterior, e João Carlos Biella, embora não o diga diretamente, parece partilhar dessa
ideia, pois afirma que a linguagem paesiana, constituída sobretudo pelo veio da ironia,
marcará seu território a partir de Novas cartas chilenas, de 1954 (embora em sua visão
seja mais sólido o José Paulo Paes resumido e humorístico de Anatomias, de 1967,
alcançando a plenitude em 1992, com Prosas seguidas de odes mínimas).
Considerando as divergências analíticas e sobretudo as amostras que darão os
escritos posteriores, não nos parece possível constatar com nitidez que José Paulo Paes

19
aqui já se exiba de maneira sólida, com a linguagem própria e elaborada do José Paulo
Paes reconhecido na história literária brasileira. Acreditamos, sim, que Cúmplices é já
um exemplo da diversidade temática e formal que singularizou o trabalho (ele preferia
dizer ―vocação‖) do poeta de Taquaritinga.
A nosso ver, são três os aspectos relevantes desenvolvidos no livro: um é a
presença de Dora; outro, as incertezas da vida, causadoras de temor; o terceiro reunirá
os dois anteriores para formar o significado maior da obra: a transmutação da atmosfera
negativa em positiva, pela confiança no amor. E aí já se estabelece uma integração entre
Cúmplices e O aluno.
A figura de Dora aparece como mulher já conquistada, ou moça ainda por ser.
Pintada em meio a paisagens e cortejada por galanteios nos versos de ―Canção sensata‖,
―Pequeno retrato‖, ―Carta de guia‖ e ―Ode pacífica‖, entre outros, ela assumirá diversas
faces, mas em todas mantém o caráter de musa-guia do poeta e do homem, seja na
opulência algo épica do ―Soneto quixotesco‖ –

Uma espada qualquer, de qualquer aço,


Um cavalo de flanco palpitante,
Fortuna incerta, divagar constante,
Sereno o rosto, sempre altivo o braço.

No coração, em mui secreto espaço,


A figura de Dora, tão distante,
Mas tão perto, contudo, e tão reinante,
Que a ela se dedique o menor passo.

Desfeito o agravo, conjurado o mal,


Novo caminho, que neste exercício
Nenhum descanso cabe. E que afinal,

Por luta valerosa ou alto feito,


Eu ganhe reino e Dora, mas no peito
Morem saudades do passado ofício (p. 191).

– ou na humildade ricamente lírica de ―Madrigal‖:

Meu amor é simples, Dora,


Como a água e o pão.

Como o céu refletido


Nas pupilas de um cão (―Madrigal‖, p. 192).

20
Nestes e nos outros textos acima referidos, a mulher amada (no âmbito ficcional
ou real, se a distinção entre os dois for realmente possível) recebe cortejos incessantes
do sujeito valente, exibindo suas vantagens para impressioná-la; ao mesmo tempo,
também receberá provas de uma alma sensível, sequiosa por lhe transmitir todo o afeto
possível. É o que se constata ao percebermos que em ―Madrigal‖ o reino dá vez à
simplicidade da água e do pão; o cavalo é afastado para o cão entrar em cena; o soneto
cede lugar a um humilde epigrama.
Outro aspecto a ser citado – dentre os que têm maior presença na plaquete – é a
incerteza acerca dos caminhos futuros com que a vida forma ou deforma a trajetória dos
amantes.

Entre sonho e lucidez, as incertezas.


Entre delírio e dever, as tempestades.
Ai, para sempre serei teu prisioneiro
Neste patíbulo amargo de saudades... (―Epigrama‖, p. 102).

E também este exemplo de carpe diem, de acordo com a proposição de Alfredo Bosi
(2003, p. 158):

Dora, que importa


O juiz que escreve
Exemplos na areia,
Se livres seguimos
O rastro dos faunos,
A voz das sereias?
[...]

De maior beleza
É, pois, nada prever
E à fina incerteza
De amor ou viagem
Abrir nossa porta.
Dora, isso importa (―Canção sensata‖, p. 193-4).

O provável impasse oriundo da velha peleja entre emoção e razão (o sonho e a


lucidez simbolizados no epigrama), entre a indispensável ―cabeça nas nuvens‖ e o
imprescindível ―pé no chão‖, tão necessários aos namorados, amantes ou esposos, é

21
resolvido pelo amor – a força mais substancialmente capaz de solucionar os problemas
que dificultam e burocratizam a existência.9
Quando nos momentos incertos a pessoa certa está ao lado, o desgosto pelos
reveses cede lugar a demonstrações de companheirismo, no mesmo passo em que a
incerteza não angustia, podendo até, ao contrário, tornar-se um atrativo desviador de
monotonias. Não são raros os casos (de amor) em que os sentimentos mais puros que
trazemos conosco nos fazem superar obstáculos. Não há nisso nenhuma tola
idealização; há, sim, uma bela contraposição à propagada idéia de que o amor não se
casa com intempéries, além da lição de que não se devem desprezar todas as verdades
românticas.
É possível, portanto, designar o terceiro fator de relevância do livro (já de certa
forma anunciado anteriormente), sendo que este está no topo: a transformação do
adverso em benéfico, pela ação direta da confiança no amor. É o caso de ―Carta de
guia‖:

II

Sempre teu rosto e o crepúsculo.


Em teus olhos a viagem das nuvens
É um estranho presságio
Que evito decifrar.

III

Caminhemos
Sem perguntas
Como os suicidas
Que jamais indagam
A profundidade do abismo.

IV

Sob a chuva de verão,


Contra as colunas da lei,
Sobre o corpo do soldado,
Com o estandarte rasgado
De qualquer revolução.

9
Se o biografismo ajudar, José Paulo e Dora jamais gozaram de privilegiada situação
econômica, fato geralmente causador de dificuldades para casais. Ver Quem, eu? Um
poeta como outro qualquer.

22
V

Vivemos, Dora, na certeza


De sermos amanhã
O que ontem não fomos (p. 196-197).

Percorrendo as estrofes, as obstruções à alegria dispõem-se gradativamente: a)


há ―um estranho presságio‖ nos olhos de Dora, gerando dúvidas típicas de um amante,
como a necessidade de saber se é correspondido, o que certamente amedronta, daí a
recusa à decifração; b) a fuga das indagações não se restringe apenas ao homem, agora
corresponde à dupla – ―Caminhemos‖ –, e então o incômodo pela dúvida é avolumado,
pois o sujeito a possui em sua particularidade (carregando-a consigo mesmo) e em seu
conjunto (por ser uma parte do casal); c) as imagens seguintes engendram uma vereda
terrível: as angústias já não têm uma raiz subjetiva, elas brotam de fatores externos –
sob a chuva, contra colunas, sobre o corpo de um soldado; d) mas a esperança revela-se
na certeza de um amanhã que trará outras possibilidades, negadas pelo passado.
Destoando do que é mais comum (a fuga para o passado), aqui o escape das
adversidades é lançado para o futuro.
Em outro texto, esse ―escapismo‖ torna-se mais vivo, visto ser espacial:

Atirei meu coração às areias do circo como se atira ao


mar uma âncora aflita. Ninguém bateu palmas. O
trapezista sorriu, o leão farejou-me desdenhosamen-
te, o palhaço zombou de minha sombra fatídica.

Só a pequena bailarina compreendeu. Em suas mãos


de opala, meu coração refletia as nuvens de outono,
os jogos de infância, as vozes populares.

Depois de muitas quedas, aprendi. Sei agora vestir,


com razoável destreza, os risos da hiena, a frágil poli-
dez dos elefantes, a elegância marinha dos corcéis.

Todavia, quando as luzes se apagam, readquiro


antigos poderes e vôo. Vôo para um mundo sem
espelhos falsos, onde o sol devolve a cada coisa a
sombra natural e onde não há aplausos, porque tudo é
justo, porque tudo é bom (―Poema circense‖, p. 198).

A máquina do mundo, ruidosa e por vezes destrutiva, ignora os comuns e suas


ações afirmativas. Nesse caso, a atenção provém da bailarina, e a única hipótese de

23
transcender uma realidade hostil é garantida pelo amor, que transporta – num vôo – para
um plano onde as vaidades humanas são postas de lado; ao centro é situada a harmonia
entre homens e coisas, porque, lá, ―tudo é justo, porque tudo é bom‖.
Cúmplices, mesmo com seus encantadores textos, ainda não permite antever a
envergadura da poética de José Paulo Paes em sua plenitude. Ao lado de O aluno, o
livro cobre uma fase juvenil da trajetória do autor, visto que na estreia o sujeito lírico,
ainda humanamente jovem, quer ser adulto, criticando boêmios juvenis para deles se
diferenciar (―mas o adolescente está bebendo gin‖), ao passo que o já adulto de
Cúmplices, arrebatado pela paixão, solta-se nos mais irrefreáveis impulsos
característicos da adolescência: a despreocupação com o porvir e a esperança viva de
dias e cenários melhores. E ainda que se dê o contrário – ―Atrás de mim ficou o espelho
fútil. / Além de mim descubro céus inúteis‖ (p. 201). –, o amor presente dará as
garantias necessárias: ―Mas que importa o caminho? Estamos juntos‖ (idem).

24
NOVA VELHA HISTÓRIA

Novas cartas chilenas é um marco divisório na trajetória de José Paulo Paes.


Embora escrita em 1954, a peça só foi publicada três anos depois, no sétimo número da
Revista Brasiliense, célebre veículo da intelectualidade da esquerda brasileira. Isso já é
um indício da importância desse livro, emblematicamente prefaciado por Sérgio
Buarque de Hollanda. Na ocasião, a obra foi assinada por Doroteo Critilo, pseudônimo
extraído de Cartas chilenas, (provavelmente) de Tomás Antônio Gonzaga, e resultante
da fusão dos personagens Doroteu (a quem as cartas eram dirigidas) e Critilo, autor das
mesmas.
É uma obra da qual podemos fazer pelo menos três leituras, de contextos
diversos, cujo agrupamento atestará sua potencialidade: a primeira aponta para a
mudança da própria poesia paesiana, visto que a subjetividade dos livros anteriores –
com o entusiasmo pela poesia e a paixão pela noiva – cede lugar à postura de quem se
retira do centro de suas auto-reflexões para colocar-se na posição de observador de
fenômenos gerais, no âmbito de uma coletividade (a História do Brasil). Além da
substância artística, as Novas cartas trazem um crescimento no volume da produção de
Paes, visto serem compostas por vinte poemas, no lugar dos nove que tanto O aluno
quanto Cúmplices apresentavam (cada um).
Uma segunda leitura pertence ao campo específico da poesia nacional, à época
atravessada por experiências de vanguarda que a impregnaram de abstrações. Buscava-
se incessantemente a formulação de um ―ismo‖ nacional, não tributário de movimentos
europeus, com o desejo de fortalecer entre os principais poetas brasileiros uma cultura
transgressora. Nesse terreno, o grupo a hastear a mais alta bandeira foi o concretista,
proclamando-se o primeiro movimento literário brasileiro a erguer, de dentro para fora,
uma estética inovadora. Mas as referências teóricas de seus manifestos e muitos estudos
recentes mostram que as cores da flâmula não foram tão verde-e-louras assim...
Nesse caso, o livro de José Paulo Paes fornece ao conjunto de sua obra mais um
fator de originalidade, justamente por recusar mais essa tendência de vanguarda, cuja
influência para a cultura nacional não foi pequena. ―Literatos de truz, já vacinados /
Contra a febre do vil engajamento, / À fenestra das torres de marfim‖ (p. 113), diz uma
estrofe de ―Por que me ufano‖, derradeiro poema do livro. Entre redondilhas e sonetos,
Novas cartas chilenas mostra o domínio gradativo que Paes tem do verso, mas não

25
somente isso opõe o livro às experimentações vanguardistas: ele prima pelo discurso e
pelo conteúdo poético, mantendo-se na tradição dos escritos que pretendem dar ao leitor
uma mudança de perspectiva sobre a realidade, não se contentando com a poesia teórica,
ensimesmada na pesquisa sobre a palavra. Sobre essa atituade, assinala Davi Arrigucci
Jr.:

Era a fórmula pessoal que lhe permitia ao mesmo tempo reler a tradição,
glosar lições do passado (como ao reassumir o tom satírico das Cartas
chilenas para falar do presente), aceitar ou não procedimentos da vanguarda
coetânea e inserir-se, com consciência irônica e carga crítica, munido de
recusas necessárias e linguagem sob medida, na perspectiva do mundo
contemporâneo (Arrigucci Jr., 2003, p. 16).

A terceira leitura possível liga-se à intelligentsia nacional, visto que as


possibilidades de interesse sobre o livro, cujo conteúdo abarca itens do discurso
sociológico e historicista, não se esgotam no círculo específico da literatura, sempre
com o objetivo de repensar a vida brasileira. As Novas cartas – assim como Pau-Brasil,
de Oswald de Andrade, e História do Brasil, de Murilo Mendes – estabelecem uma
tensão entre história e historiografia, sem que neste livro haja o veio humorístico
daqueles dois, e seu autor insere-se ativamente na primeira para negar as incoerências da
segunda (aqui falamos de nossa historiografia tradicional).

História, pastora
Dos alfarrábios.
Meretriz do rei,
Matrona do sábio.
[...]

Musa, confusa
Bola de cristal.
Arena de luta
Entre o bem e o mal (―Ode prévia‖, p. 71).

Noutros poemas, veremos o quanto o poeta estava embasado de teorias


desmistificadoras da História entendida como o conjunto de relatos celebradores dos
grandes acontecimentos, realizados por grandes homens, pensamento sempre discutível
e que teve entre seus expoentes a figura de Rocha Pombo (1857-1933).

26
Tomemos um breve exemplo: a questão do bandeirantes. Em História do Brasil
(Curso superior), do famoso historiador, Raposo Tavares, Borba Gato e Domingos
Jorge Velho são símbolos de bravura e de luta pelos interesses nacionais. Suas
investidas pelos sertões são-nos apresentadas de forma épica, ao passo que sua
representação iconográfica os mostra como homens de porte sobranceiro e de
indumentária aprumada – e isso não só no livro de Rocha Pombo, mas em inúmeros
livros didáticos que beberam em sua fonte e alimentaram-se da necessidade de nossa
cultura de produzir santos, reis e mártires, todos com espírito elevado. Já para José
Paulo Paes, a imagem dos desbravadores é degradada:

Embora careça pólvora,


Esquadra, falcões, mosquetes,
E andemos sempre descalços,
De arcabuz enferrujado,
Na guerrilha sem quartel
Contra inimigo ocupado.

Embora em paga do sangue


Derramado se nos deem
Três magros vinténs, que mal
Suprem a fome de quem,
Longo tempo jejuado,
As tripas falantes tem (―Os nativistas‖, p. 83-84),

e suas ações, degradantes:

Domingos Jorge, velho


Chacal, a barba
Sinistramente grave
E o sangue
Curtindo-lhe o couro
Da alma mercenária.
Domingos Jorge, velho
Verdugo, qual
A tua paga?
[...]

Um dia, em Palmares,
No mesmo chão do crime,
Terás teu mausoléu:
Lápide enterrada
Na areia e, sobre ela,
A urina dos cães,

27
O vômito dos corvos
E o desprezo eterno (―Palmares‖, p. 89-90).

A originalidade da leitura do poeta equipado pela historiografia moderna para


falar sobre esse grupo lendário (além de outros eventos de nossa história) pode ser
atestada com palavras de Glória Kok:

Altivos, imponentes, longas botas, chapéus e armas vistosas. Esqueça a


imagem típica dos bandeirantes difundida pelos livros didáticos. A realidade
era bem outra: as tropas caminhavam descalças por extensos territórios,
sujeitas a todo tipo de desconforto, à mercê dos ataques de índios e de
animais, fustigadas pela fome (Kok, 2008, p. 22).

Dessa forma, José Paulo Paes passa a integrar o grupo de artistas (não só
escritores) que deu ao século XX brasileiro a sua melhor linhagem intelectual, a que
pensa as questões nacionais renovando com qualidade a composição, e da qual fazem
parte desde o Euclides da Cunha de Os sertões até o Ferreira Gullar do Poema sujo.
Mesmo com esse salto qualitativo, ainda não se vê aqui constituída a linguagem
de José Paulo Paes, se aceitarmos as rotulações mais comuns que a ele se agregam (algo
generalizantes, mas nunca desprezíveis), como o poeta da brevidade e do humor, sobre o
que trataremos num capítulo adiante.
Mas é inegável o seu ingresso numa fase madura, sobretudo porque a partir desse
momento sua escrita alicerça-se na ironia, embora o livro não apresente comicidade.
Para melhor compreensão, recorremos a ―Introdução à poética da ironia‖, de Ronaldes
de Melo e Souza: ―Ironia, eironeia, quer dizer questionamento‖ (Souza, 2000, p. 30).
Questionamento esse dirigido ao objeto representado e à voz que se lança a representar,
no intuito de que o sujeito desconfie de suas próprias verdades e reconheça os limites do
seu olhar, para, lucidamente, não reduzir à sua perspectiva a raiz dos fenômenos
observados; (afinal, são comuns os casos em que interpretações intentam dar a si
próprias uma exclusividade análoga à que possui a obra interpretada). As vozes que se
alternam pelos poemas provam isso, e o exemplo máximo fica por conta do dramático e
polifônico ―Os inconfidentes‖ (que citaremos à frente).

28
Do início ao fim do livro, são postos em revista os episódios mais famosos da
existência do Brasil, desde sua descoberta até a rebelião tenentista, já no século 20.
Efetua-se um exercício para ―passar a limpo‖ as ações de instituições ou homens
destacados em nossa cultura, sempre movido pela vontade de vê-las (as ações) sob (ou
sobre) uma nova ótica, geralmente a dos que viram e ouviram, mas tiveram as vozes
abafadas durante a constituição da memória nacional.10

Houvemos e nos partimos,


Erário, Corte e monarca,
Deixando o povo no cais.
Não há lugar para o povo
Nas galeotas reais (―A fuga‖, p. 102).

......................................................

Vamos, com farda de gala,


Proclamar os tempos novos,
Mas cautelosos, furtivos,
Para não acordar o povo (―Cem anos depois‖, p. 109).

A recriação do discurso consagrado pela convenção talvez seja a mais forte


baliza de Novas cartas chilenas, que herda do seu texto-matriz, o famoso poema Cartas
chilenas, de Tomás Antônio Gonzaga, a dessintonia entre poeta e poder político
instituído. Mas, ao passo que este tem um único alvo, o ―Fanfarrão Minésio‖, aquele
disparará repreensões a todos os integrantes da antiga linhagem despótica e
individualista que aflige território e habitantes.11

10
―Muito antes que vingasse a recente proposta acadêmica de fazer História ‗pela ótica
dos oprimidos‘‖, diz Alfredo Bosi (2003. p. 161).
11
―A diferença aparentemente mais importante à primeira vista é a falta de Fanfarrão
ou de algum personagem concreto que faça as suas vezes. Mas não estava já ele
morto quando circularam aquelas outras cartas chilenas? Não, o Fanfarrão continua a
existir e está presente em todas as páginas deste poema. Apenas em contraste com
Doroteu e Critilo, que se fundiram num só personagem, o general do Chile ali
subdividido, por sua vez e multiplicado, em mil fanfarrões, sempre cheios de audácia
e pompa vã. E é ainda para narrar suas façanhas que comparece Doroteu Critilo,
novo (e velho) exercício para charadistas‖. HOLLANDA, Sérgio Buarque de. ―Nota
explicativa sobre as Cartas chilenas‖. In: Revista Brasiliense, volume 7. São Paulo,
setembro / outubro de 1957. p. 62.

29
A começar pelos expedicionários criadores do Brasil (o livro segue a
disposição cronológica),

Achar é nossa lida mais constante


E lucro nosso empenho mais vezeiro:
Hemos a gula vil do mercador
Num coração febril de marinheiros (―Os navegantes‖, p. 73),

são criticados os bandeirantes,

Alfim, sob o da morte agro comando,


Terminamos a dada, perdoando
A nossos netos o serem bacharéis
E ao bandeirismo mostrar revéis,
Pois que no latifúndio e na finança
Também se alcança, ao cabo, essa abastança
Que apaga o crime e propicia a glória
Do bronze, onde dormimos, pais da História (―O testamento‖, p.
86),

é contestada a monarquia,

Sejamos, na cozinha, escravocratas,


Mas abolicionistas de salão:
A dubiedade é-nos virtude grata (―O segundo império‖, p. 107),

e desmerecidos os republicanos,

Vamos fazer a República,


Sem barulho, sem litígio,
Sem nenhuma guilhotina,
Sem qualquer barrete frígio (―Cem anos depois‖, p. 109),

entre outros agentes dos quais remove-se a aura aristocrática, sendo-lhes também
apontadas as consequências das empreitadas que ainda se mantêm em nossa estrutura
social, as mesmas que ainda bloqueiam muitas possibilidades de progresso.

O escravo das senzalas na favela


Batucante, pitoresca, sonorosa,
A musa castroalvina estando morta (―Por que me ufano‖, p.
112).

30
.....................................................................

O bandeirantes heris, continuados


Em capitães de indústria, preterindo
O sertanismo pela mais-valia (Idem, p. 113).

Para enfatizar a recriação da história oficial empreendida por Paes, importa


observar a carga parodista (evidente presença de Oswald de Andrade, tanto aqui quanto
em muitos outros livros) com a qual o poeta, além de criticar os ―heróis nacionais‖,
toma-lhes o discurso para nele inserir a confissão de intenções ou atos vis, agravando-
lhes a imagem de cinismo.

Não houve fala deles,


Senão comércio: dei
Barrete e carapuça; mas ganhei
Penas de papagaio,
Senhor meu El-Rei (―A carta‖, p. 76).

...............................................................

São bons de porte e finos de feição


E logo sabem o que se lhes ensina,
Mas têm o grave defeito de ser livres (―A mão-de-obra‖, p. 78).

Os exemplos acima, apesar de originários de poemas diferentes, têm fonte


comum: a Carta do achamento, de Pero Vaz de Caminha. Em ambos, a linguagem
empregada nos dá a entender que é o próprio cronista a nos falar. Mas existem neles
declarações que certamente os comandantes portugueses e seus porta-vozes, auto-
absolvidos de seus crimes pela chancela de agentes do Reino e de Deus, jamais fariam
(dar instrumentos de violência e violência aos índios, e perceber na sua informalidade e
desprendimento um problema a ser enfrentado). É dessa forma que José Paulo Paes
funde e confunde as referências, criando um sujeito lírico múltiplo, pondo num mesmo
âmbito o discurso tradicional do dominador e uma visão dos fatos própria do outro, do
dominado, anulando dessa forma a antiga oposição entre civilização e barbárie e seus
precisos referenciais.
Os historiadores atuais (como os modernos filósofos e poetas antigos, como o
próprio José Paulo), sabiamente nos aconselham a não partilharmos dos maniqueísmos

31
que segregam em nítidos campos a verdade e a mentira, o opressor e o oprimido, o bem
e o mal. Além disso, mostram ser importante tentar avaliar fatos passados com a
mundividência dos que os realizaram, mas até mesmo a relativização precisa de
limitações éticas, pois do contrário poderemos esquecer ou ignorar, nesse caso, as
aldeias incendiadas, os índios escravizados, as índias violentadas por falos e por caules.
O que José Paulo Paes nos diz é que a nossa barbárie era bem mais civilizada que a
bárbara civilização portuguesa.
Não são poucos os poemas dessa linha. Além dos citados acima, referentes ao
princípio da fundação do Brasil, há referências a outras cenas do teatro histórico
nacional, como a instituição das capitanias hereditárias:

Por esta carta régia seja a terra


Doada a quem, de largos cabedais
E mor prosápia, a cuide e frutifique
Ressalvados os dízimos reais.

Daremos posse inteira, de bom grado,


A fidalgo de estirpe, lavrador,
Cabeça de casal com gado e escravos,
Afilhados, soldados de valor.
[...]

Cative-se o gentio em guerra justa


Para as lidas de roça e de moenda,
Que o sangue do cativo faz o açúcar
Mais saborosos e mor a nossa renda.

Haja feitor e padres e chicotes


E se converta o rude mameluco
De maneira cristã, mas carecendo,
Corda da forca e carga de trabuco (―A partilha‖, p. 79-80).

o início do processo da independência nacional, ocasionado pela vinda da Corte:

Abrimos os portos à
Mercancia universal,
Que a ceifa de impostos cobre
E paga o luxo devido
Ao nosso fausto de nobres (―A fuga‖, p. 103);

a abolição da escravatura:

32
Considerando
Com antecipação
As muitas vantagens
Da mais valia sobre
O trabalho sem pão.

Decidimos, com pena


De ouro, chancelar
Carta de alforria
Ampla e universal
A toda a escravaria (―A redenção‖, p. 108);

e muitos outros episódios, reescritos em ―Os navegantes‖, ―O testamento‖, ―O segundo


império‖, e ―Cem anos depois‖. São poemas-relato ou ―poemas-decreto‖ sempre
proferidos em primeira pessoa, geralmente do plural, mas de forma alguma pela
exteriorização da persona paesiana. Neles, os personagens se autodelatam, mas sem
nenhum dramalhão de arrependimentos: há apenas a normalidade do falante branco,
europeu (ou descendente) e cristão a justificar suas ações com a crença (ora verídica,
ora vazia) de prestar um serviço à ordem divina – ―Que a nobreza é do Rei e o Rei é
nome / Terrestre de Deus Todo-Poderoso‖, sentencia-se em ―A Partilha‖ –, cabendo a
nós, seus ouvintes, avaliar as implicações de suas verdades.
O exemplo maior de tal subversão (lembre-se, a de recriar a versão de um fato
histórico a partir da paródia do discurso consagrado sobre ele) é inegavelmente ―A
cristandade‖, fantástico resumo da profissão de fé dos colonizadores mais típicos, visto
que não houve uniformidade colonial nas várias partes do território por onde passaram
colonizadores.12

Padre açúcar,
Que estais no céu
Da monocultura,
Santificado
Seja o vosso lucro,
Venha a nós o vosso reino
De lúbricas mulatas
E lídimas patacas,
Seja feita
A vossa vontade,
Assim na casa-grande

12
A tese é de Alfredo Ellis Jr. Apud: CANDIDO, Antonio. Formação da literatura
brasileira. 10ª ed. p. 614.

33
Como na senzala.

O ouro nosso
De cada dia
Nos dai hoje
E perdoai nossas dívidas
Assim como perdoamos
O escrava faltoso
Depois de puni-lo.
Não nos deixeis cair em tentação
De liberalismo,
Mas livrai-nos de todo
Remorso, amém (p. 82).

Em 1954, quando as Novas cartas chilenas foram escritas, já circulavam


propostas de uma nova História, a se edificar pela perspectiva dos ―de baixo‖. Mais
ainda hoje, no século 21, soa curiosa, por exemplo, a análise do período das grandes
navegações a partir dos relatos de vassalo de navio, da mesma forma que causa surpresa
um estudo sobre a escravidão tomando por base a biografia de um escravo. A
modernidade não envelhece, até porque os arcaísmos não morrem.
Assim sendo, além de quebrar a ideia da História como passarela ufanista, o
terceiro livro de poesia de José Paulo Paes também enfoca supostas ―pequenices‖ dentro
dos grandes fatos, o que se convencionou chamar de micro-história. O poema transcrito
a seguir – ―O grito‖ –, sobre a declaração de nossa independência, é pleno dessas
referências.

Um tranquilo riacho suburbano,


Uma choupana embaixo de um coqueiro,
Uma junta de bois e um carreteiro:
Eis o pano de fundo e, contra o pano,

Figurantes — cavalos, cavaleiros,


Ressaltando o motivo soberano,
A quem foi reservado o meio plano
Onde avulta, solene e sobranceiro.

Complete-se a pintura mentalmente


Com o grito famoso, postergando
Qualquer simbologia irreverente.

Nem se indague do artista, casto obreiro


Fiel ao mecenato e ao seu comando,
Quem o povo, se os bois, se o carreteiro (p. 105).

34
Opera-se uma inversão: o carreteiro que no quadro Independência ou morte, de
Pedro Américo é um mero coadjuvante, marginalizado no canto da tela (lembrando que
há um outro mais acima, bem mais distanciado, de costas para o acontecimento),
olhando o gesto de Dom Pedro I, como se não soubesse o que se dava em tal ocasião,
torna-se o personagem central, visto o próprio poema chamar os correligionários do
iminente Imperador (que não tem seu nome citado) e seus animais de ―figurantes‖, e
atribuir à situação o caráter de ―qualquer simbologia irreverente‖.
Era a forma de a um só tempo: a) contestar a mal forjada independência
brasileira; b) desmerecer a heroicidade de D. Pedro I; c) pôr a margem no centro e
afastar os elementos centrais para a desimportância da margem, valorizando o homem
comum brasileiro em detrimento dos aristocratas do Velho do Mundo; d) recriar a
versão legitimada do ocorrido, desautorizando a contribuição do próprio Pedro Américo
(―Fiel ao mecenato e ao seu comando‖), em sua subserviência a Pedro II, mentor e
patrocinador de um projeto de construção da identidade nacional da época, e em sua
alienação frente à nação pela qual se ―juntavam esforços‖.
Some-se a isso o seguinte contraste: por um lado tem-se a enérgica
movimentação da pintura (à frente de D. Pedro há cavalos algo revoltos, um deles a
ponto de tombar), designando a virulência daqueles dias em que Portugal perderia sua
maior colônia e simbolizando o furor nacionalista que fazia um príncipe português
defender uma terra bastarda para seus antepassados. Por outro, temos o poema a
presentificar o ato (a proclamação) e a representação do ato (o quadro de Pedro
Américo). O texto, não por acaso, chama-se ―O grito‖, mas também não por acaso
negará toda a azáfama característica do celebrado caso, as imagens evocadas denotam
plácida lentidão: ―Um tranquilo riacho‖, ―Uma choupana embaixo do coqueiro‖, ―Uma
junta de bois e um carreteiro‖, ou seja, sombra, água fresca e o vagaroso pastoreio das
reses às margens do plácido soneto.
Em seu referido estudo, Ronaldes de Melo e Souza diz ser a ironia mais que um
recurso estilístico: ela é a própria constituição estrutural das obras que nela se fundam
(2000, p. 27). Dessa forma, a reversibilidade de elementos contrários tem morada cativa
nas peças irônicas, e seus paradoxos atestam o quanto elas são nutridas pela vida. E
nesse livro combativo, pautado pelo desmanche de antigas verdades, há lugar para a

35
crença nos homens e pensamentos reformuladores, sem no entanto sublimá-los com o
pior da ideologia socialista.

E o reino de Ogum,
Xangô, Olorum,
Instala-se na terra
E o negro sem dono,
O negro sem feitor,
Semeia seu milho,
Espreme sua cana,
Ensina seu filho
A olhar para o céu
Sem ódio ou temor.
[...]

Negra cidade
Do velho enforcado,
Da virgem violada,
Do infame queimado,
De Zumbi traído.
Negra cidade
Dos túmulos, Palmares (―Palmares‖, p. 88-9).

É essa crença o motivo para o espaço concedido a alguns outros textos,


minoritários, prestadores de homenagens (não encomiásticas) a homens que de fato
demonstraram honra em suas ações, ainda que isso não lhes confira o título de heróis,
aspecto certamente desimportante para um crítico tão lúcido. Nesse grupo, além de
―Palmares‖, canto solidário a Zumbi, incluem-se ―Calendário‖, no qual são destacados
alguns rebeldes e rebeliões do tempo colonial ou após a Independência; ―Os tenentes‖,
que indiretamente aplaude o líder comunista Luís Carlos Prestes; o dramático ―Os
inconfidentes‖, no qual o movimento da insurreição é pensado por várias perspectivas,
como a da Coroa que condena à morte:

Saiba todo que ler este proclama,


Embora poucos leiam na província,
Sendo empenho do Rei conservar
Em santa ignorância seus vassalos,
Que Maria I, dita louca,
Como se não bastara a muita argúcia
Dos ministros, suprindo o desconcerto
Dos miolos reais, houve por bem
Esmagar a conjura que envenena
O generoso povo desta Vila.

36
[...]

Valendo-se do ensejo, oferecer


Aos maus exemplo e aos bons espetáculo
De circo, porque o pão sempre se adia,
Ordena assim a todos assistirem
Ao mais raro massacre deste século (p. 95).

e a do tempo, que a matou sem condenação:

Na cova do tempo jaz,


Monturo de cinza e cal,
Remorso, diamante, fezes,
O mundo colonial.

Mas reparai, cavalheiros


Da Igreja como do Estado,
Que um herói ficou de fora,
Embora fosse enterrado.

Tiradentes se recusa
Ao vosso fácil museu,
Panteon de compromissos,
Olimpo de camafeus.
[...]

Esconjurai-o, Norbertos.
Renegai-o, Capistranos.
Tudo inútil, cavalheiros.
O mito é o berço do humano (p. 98).

Tantos desmandos administrativos, assassinatos e crimes contra a nacionalidade


facilmente tornam os brasileiros, letrados ou não, descrentes em dias melhores ou em
homens ou grupos confiáveis. Isso certamente aconteceu com José Paulo Paes (fato
verificável em sua rápida passagem pelo Partido Comunista, quando o poeta desgastou-
se com a mecanização e insensibilidade da militância institucionalizada que contradiz
seus próprios ideais).13 Diz a última estrofe de ―Ode prévia‖, poema-introdução do
livro:

13
―Alistado no partido, distribuí panfletos, colei cartazes, pintei paredes com os nomes
de seus candidatos à eleição. Mas a rigidez de suas diretivas e palavras de ordem não
tardou a incomodar-me. Incomodava-me, em especial, a insistência dos stalinistas de,
em nome do suposto ‗realismo socialista‘, rebaixar a arte e a literatura a mero (sic)
37
Estrela da manhã,
Mapa ainda obscuro.
História, mãe e esposa
De todo futuro (p.72).

Mas, além da brevidade e do humor, ele é o poeta da conciliação dos


antagonismos, portanto é justamente essa poética tão impregnada de desilusões e de
ácidas manifestações que faz brotar uma esperança, tão lúcida quanto a revolta, sendo
ela um refúgio das opressões e um contra-ataque às forças que nos subtraem a crença na
solidariedade e nas transformações advindas da participação coletivas.
E o último texto, o emblemático ―Por que me ufano‖, bela amostra da
circularidade dessa obra (como também se faz cíclica a História), resume todos os
períodos marcantes da vida nacional, e suas negativas consequências para o século XX.
É o único poema de todo o livro aberto à subjetividade, dela nascendo o canto preciso,
endurecido mas sem prescindir da ternura, do poeta crente em seus conterrâneos,
transmitindo ao país fraterna esperança e à sua literatura uma de suas maiores obras,
verdadeiramente histórica:

Mas, sal da terra, reverso da medalha,


Balaiadas, Praieiras, Sabinadas,
Palmares, Itambés, Inconfidências.

Tudo ajuizado e em boa aferição,


O fruto podre, a rosa ainda em botão,
O sol do grão, a esperança da raiz,

Sob o signo do Cruzeiro insubornável,


Tendo em conta passados e futuros,
Sempre me ufano deste meu país (p. 113-114).

veículos de propaganda partidária‖. PAES, José Paulo. Quem, eu? Um poeta como
outro qualquer. p. 40.

38
POEMAS RENIDOS, POETA REUNIDOR

Se a obra estudada no capítulo anterior divide as águas da poesia paesiana, a que


avaliaremos agora as adensa e pluraliza, pois incorpora a principal novidade apresentada
por sua antecessora (em comparação a O aluno e Cúmplices): a reflexão sobre
problemas coletivos, alargando o horizonte artístico de Paes. Embora seja ainda o quarto
volume de poemas lançado pelo poeta, Epigramas, de 1958, já pode antecipar a
afirmação de Antonio Carlos Secchin, para quem essa poética é ―multifacetada,
constantemente aberta ao risco e à renovação‖ (2003, p. 196).
Cotejado às Novas cartas chilenas, Epigramas (essas duas coletâneas só saíram
em livro, juntas, em Poemas reunidos, de 1961) é um volume em que as críticas de
caráter sócio-político extrapolam as raias do âmbito nacional (apenas ―Gottschalk
revisitado‖, paródia de nosso hino, apresenta assunto exclusivamente brasileiro) para
atingirem um patamar universal, evidenciado já na epígrafe – em que é citada o
fragmento de um hino de Ronsard – e nos títulos de diversos poemas: ―A Arthur
Rimbaud‖, ―A Edgar Allan Poe‖, ―A Nazim Hikmet‖, além das fábulas e referências à
liturgia cristã. A mais, haverá novo florescimento da subjetividade, quando o eu deseja
falar como nós.
No livro, ganham espaço itens que estarão (cada um com maior ou menor
frequência) em todos os livros seguintes, sedimentando a base das ideias mais comuns
que temos sobre o trabalho do poeta de Taquaritinga. Tais itens são a presença: a) da
cultura grega, indicada no título do livro (o epigrama foi uma forma poética muito
cultivada entre os helênicos) e nas fábulas em que ações humanas são representadas por
animais:

Ele vive
Como um leão de circo.

De manhã, alguém
Deixa sobre o chão
Da jaula, ainda suja
De excremento e sonhos,
O prato de ração.
Nesse instante, ele pensa
(Breve espaço sem grades)
Um mundo mais justo,
Onde o pão não custe

39
Essa cabeça baixa,
Esse rubor ao insulto,
Esse olhar melancólico
A todas as escadas.
[...]

De noite, ele volta


À rua de sempre,
À lua de sempre,
Ao sono de sempre
Sob cobertores
E dorme, no consolo
De que, neste mundo,
Apesar de tudo,
Há sempre mais leões
Do que domadores (―Do mecenato‖, p. 137-8);

b) do discurso político mais marcadamente influenciado pelo marxismo, do qual o poeta


era partidário:

Homem, não sejas


Pássaro nostálgico,
Cão ou boi servil.
Levanta o fuzil
Contra o outro homem
Que te quer escravo.
Só depois disso morre (―Baladilha‖, p. 136);

c) da confluência das ideologias socialista e cristã.

Não sei palavras dúbias. Meu sermão


Chama ao lobo verdugo e ao cordeiro irmão.

Com duas mãos fraternas, cumplicio


A ilha prometida à proa do navio.

A posse é-me aventura sem sentido.


Só compreendo o pão se dividido.

Não brinco de juiz, não me disfarço em réu.


Aceito meu inferno, mas falo do meu céu (―Poética‖, p. 121).

É sabido que o marxistas ortodoxos, em sua fundamentação materialista,


costumaram ver as religiões de modo negativo, a elas imputando caráter alienante, como

40
condutoras do homem à conformação diante dos mecanismos que lhe exploravam a
força de trabalho e negligenciavam seus direitos básicos para viver dignamente. Por sua
vez, os religiosos conservadores encararam o comunismo como uma subversão danosa
aos preceitos morais e legais. Num fato contemporâneo do livro, João Goulart, recém-
empossado presidente do Brasil, pressionado pela oposição ao seu governo, teve de
jurar, na tribuna da Câmara, com a mão sobre a Bíblia, que não era aliado do líder
comunista Luís Carlos Prestes.
―Poética‖ serve então como o instrumento conciliador dessas duas verdades que
pregam a justiça, uma em qualidade espiritual, a outra, social. O título do texto não
poderia ser mais preciso: ele vai indicar que a arte poética de José Paulo Paes não se
desgarra da vida e nem afasta o motivo humano de seu centro. A subjetividade do
poema, primeiro do livro, fortifica o desejo de fraternidade com que o poeta pretende
tocar os homens, alertando-os, como crente e militante, para os enganos do
individualismo.
Essa espécie de sacerdócio político, ou engajamento religioso, rendeu ao poeta
reprovações que ele não recebia desde a carta de Carlos Drummond de Andrade a
respeito de O aluno. No mais longo ensaio debruçado sobre a obra de Paes – Um
ironismo como outro qualquer –, João Carlos Biella vê acertadamente em Epigramas
prejuízo do literário para o lucro da ideologia, algo evidente no poema ―Ressalva‖. E, ao
julgar a poesia de Paes com a perspectiva crítica predominante atualmente – a que
valoriza no artesanato poético a consciência do trabalho com a linguagem e teorizações
sobre a própria poesia –, o crítico tacha de panfletários os poemas de conotação social.14
Há nisso um equívoco, pois panfletária não é a expressão com teor político, e
sim a propaganda partidária apoiada na forma artística. Em nossos casos mais famosos,
Jorge Amado e Ferreira Gullar (penso sobretudo nos livros Cacau, do romancista
baiano, e nos romances de cordel do poeta maranhense) compuseram nítidos apelos à
―causa revolucionária‖, sempre fazendo com que os enredos comprovassem a ideia de
que fora do comunismo não haveria salvação para a humanidade. O caso de José Paulo
Paes é diferente, apesar das pequenas semelhanças. Há poemas contestadores de

14
Em especial no subcapítulo ―Ironias e a condição irônica‖. pp. 40-56. Sobre
perspectiva crítica de Biella, leia-se o último parágrafo da tese, a soar destoante do
todo: ―Lendo alguns poetas contemporâneos, sinto que alguns, como Carlos Vogt,
Carlos Felipe Moisés e Fábio Weintraub, parecem alargar certas metáforas de
expansão, as quais não foram completadas pelo poeta José Paulo Paes‖. p. 154.

41
pouquíssimo alcance, mas sua derrapagem no panfleto não ocorre neste livro,
aparecendo, unicamente, na ―Cartilha‖, de Anatomias (1967).
Neste contexto, é proveitoso discutir a posição dessa poesia e para quem ela se
dirige. José Paulo certamente não nutriria, até mesmo por sua conhecida aversão ao
deslumbramento (e também porque, sendo editor, sabia da diminuta comercialização da
poesia), algum projeto de atingir as massas; mas isso não fez com que para ele o leitor
fosse algo desprezível. À época da escrita de Epigramas, o estatuto concretista já
vigorava com larga repercussão, e sabe-se que em decorrência disso a poesia brasileira
enclausurou-se na tenda dos leitores especializados, cheios dos imprescindíveis
esquemas teóricos para a decodificação do literário. Paes nega essa tendência, e a sua
formação intelectual extra-universitária explica a manutenção de seu vínculo com o
leitor e a resistência a algumas propostas da vanguarda do século XX, as quais, sob a
chancela da novidade, deram à história da arte ocidental incontáveis páginas histéricas e
estéreis.15
Ainda sobre a crítica de João Biella, ―Poética‖, citado acima, é por ele visto
como um poema que não se coaduna com a autêntica estética paesiana. Ao comentar a
persona poética que fala através dos versos, diz que ela ―acredita em dualidade e não
sabe a ambiguidade‖ (2008, p. 43). Também aqui uma observação é necessária. O
pensamento maniqueísta, esse, sim, muito presente nos panfletos, concebe uma divisão
entre mal e bem de maneira dificilmente aplicável à vida com tanta precisão. Como
falamos de questões políticas, entre marxistas (e quaisquer outros ―istas‖) ortodoxos, é
regra atribuir a si e a seus correligionários a estampa do bem, da virtude e da correção,
ao passo que o outro, o capitalista (ou o a ele simpatizante) é o retrógrado, deficiente de
compreensão e de caráter, nocivo à humanidade.
Seguindo a lógica, os arautos da sociedade igualitária acreditam ser a sua via a
única pela qual a reforma coletiva terá trajetória viável e autêntica. Presenciando um
recital de poesia durante a comemoração do aniversário de um jornal comunista carioca
em 2001, o qual fora aberto por Moacyr Félix, pude perceber que em todas as
manifestações havia a ideia de um mundo doente a mortificar as classes pobres, mas
uma reversão era possível, e ela emergiria da revolução empreendida pelo proletariado,

15
―[...] eu sempre tive em mente o leitor e procurei, na medida do possível, chegar a
um grau, não digo de clareza, mas de acessibilidade que pudesse para a poesia o
leitor não-poeta‖, diz o poeta em entrevista a Carlos Felipe Moisés. ―Meia palavra
inteira‖. In: http://www.revista.agulha.nom.br/cfmo01.html.

42
fazendo então nascer uma felicidade que a todos abraçaria. Como se tudo ocorresse
dentro de uma cadeia logicamente infalível. Mas não é isso o que se lê no poema de
Paes.
Ao finalizar-se com o verso ―Aceito meu inferno, mas falo do meu céu‖, vemos,
sim, a compreensão da ambiguidade em que convivem a brisa e o mormaço da trajetória
humana. A capacidade de contestação e de desconfiança frente aos avanços da ordem
mundial é imprescindível a qualquer intelectual, mas a partir do momento em que ela se
torna palavra de ordem, aquele que a profere, além de ficar enfadonho, reduz a
existência a uma perspectiva negativa, e tudo passa a ser produto da mais-valia, da
opressão e do individualismo. Sabe-se que o sorriso em demasia pode significar
alheamento, mas sua ausência produz atmosferas insuportáveis. Um equilíbrio entre as
duas pontas da balança é mais do que necessário, e o sujeito lírico de ―Poética‖ o
alcança na medida em que não vê o mundo como desgraça ou ventura, e sim como o
palco sobre o qual esses e outros atores bailam, ora com amizade, ora com repulsa. A
poética de José Paulo Paes, que não se afina ao concerto dicotômico, reúne tais
elementos com a lucidez irônica de quem confia desconfiando de suas crenças.
Epigramas observa o desconcerto do mundo moderno. O pior impacto do poder
regulador do mercado, meteoricamente crescido no século XX, foi tornar o homem uma
peça convicta de sua engrenagem. A deformação da natureza, o degradante cotidiano
das grandes cidades, a banalização perda de direitos coletivos básicos e a proliferação
de sangrentos regimes ditatoriais decorrem por ter-se postulado que o homem é o sujeito
num cenário em que tudo lhe é objeto, inclusive os outros homens. Para o bem do
progresso, da prosperidade coletiva e para a notabilização pessoal, a vida deve ser
submetida à ordem racional, sendo as disposições em contrário revogadas em nome da
tranquilidade comum.

Persistia a desordem. Era inútil


A tática cristã. Então usamos
A parede e o fuzil (―Volta à legalidade‖, p. 139).

―Ivan Ilitch, 1958‖ demonstra a atualidade do personagem de Leon Tolstói, cuja


ascensão profissional edificou-se sobre o declínio do espírito.

Lar, esposa,
Filhos, pijama,

43
Janta, living,
Jornal, cismares,
Tricô, vagares,
Hiato, ausências,
Bocejo, escada,
Adeus, adeus.

Quarto, cama,
Glândulas, êxtase,
Dois em um,
Dois em nada,
Dever cumprido,
Luz apagada,
Adeus, adeus.

Horas, dias,
Meses, anos,
Cãs, enganos,
Desenganos,
Vácuo, náusea,
Indiferença,
Cipreste, olvido,
Há Deus? adeus (p. 141-2).

Recorde-se que para o Ivan Ilitch russo a morte iminente tornou-se a porta de um
novo nascer; já para o do poema, protótipo do homem urbano mergulhado em seus
afazeres, a caminhada não é cíclica, encerrando-se de fato ao fim da linha reta, sem
crenças ou qualquer nota emotiva.
Noutro texto, ―Novo soneto quixotesco‖, o ingresso na fase adulta, quando esta
significa exclusão da meninice, representa a esterilidade e a alienação que a vida
―normal‖ exige dos que atingem a madura idade.

Quixotescos nascemos. Certo dia,


Viramos bacharéis ou almocreves,
E nesse dia, Herói, morres conosco (p. 148).

Mas seria o poeta conformado com o que para muitos ainda representa um mal a
ser sanado (ou seja, o afastamento do homem de si mesmo)? O próprio poema citado
acima mostra-se resignado ao dizer: ―O mundo é assim, meu cavaleiro / De tristonha
figura, e há que aceitar / A lógica prudente dos alcaides / (Ou fingir aceitá-la, pelo
menos)‖. Retomando a pergunta, podemos afirmar que não, pois ele mesmo, o soneto,

44
vai se encarregar de responder: ―Mas teu exemplo fica e é sobre ele / Que me debruço
agora e me revejo‖.
É válido refletirmos sobre o sentido do título do livro. Geralmente quando
falamos em epigramas, vêm-nos à mente poemas de forma curta, com tendência ao
provérbio. O popular dicionário Aurélio define-os como ―poesia breve, satírica‖,
definição aliás muito difundida sobre a obra de José Paulo Paes. A conceituação, apesar
de sintética, não é enganosa. Mas por que seria chamado Epigramas um livro que de um
total de vinte e dois poemas apresenta apenas três de forma breve, com o número de
versos variando entre três e quatro? E dentre eles – ―A Nazim Hikmet‖ (quatro versos),
―Bucólica‖ (quatro) e ―A Clawsewitz‖ (três) – apenas o último apresenta comicidade:
―O marechal-de-campo / Sonha um universo / Sem paz nem hemorróidas‖ (p.144).
Em Epitáfios gregos, Rita Codá explica a razão originária dos epigramas, na
Grécia, que nasceram justamente para manter viva a memória dos mortos, ora para fazer
com que as habitações fúnebres, com as devidas inscrições nas estelas, reparasse a
invisibilidade dos que viveram anonimamente, ora para, no caso dos notabilizados em
vida, sua ações dignas fossem sempre lembradas.16
Como nem só de mortos vive a memória dos vivos, o gênero epigramático
absorveu outros materiais e assumiu variadas vertentes conteudísticas:

Assim, de breves inscrições tumulares e dedicatórias, os epigramas


passaram a versar, mormente a partir da época helenística, sobre temas
novos e vários, produzindo-se, além dos funerários e dos votivos, também
os de cunho simpótico, satírico, descritivo, amoroso, entre outros temas.
Assim, a temática dos epigramas não se restringe a nenhuma esfera
determinada, mas abrange motivos diversos (2005, p. 33. Grifo meu).

Talvez aí tenhamos a chave para a explicação do nome da obra. Observando o


quanto a alienação enraizou-se entre os seus semelhantes, José Paulo Paes constrói o
seu livro com a intenção de que ele mantenha a lembrança de que determinados valores
não podem ser perdidos nem degradados, como se vê em ―Cena legislativa‖.

16
Epitáfios gregos – A função conativa no epigrama fúnebre: o apelo à eternidade. Rio
de Janeiro: HP Comunicação, 2005.

45
Primeiramente condenou-se a pomba
Por amar uma paz entorpecente
Onde o leão perde a juba e a hiena os dentes.

Depois, condenou-se o cordeiro


A perigosa dúvida que o anima.
O rio dos lobos corre sempre para cima.

Condenou-se a cigarra, finalmente,


Pelo crime de cantar nas horas vagas.
Que a faina das formigas não tem paga.

Consolidada a ordem, festejou-se.


E o leão rugindo, a hiena rindo,
Os trabalhos foram dados por bem findos (p. 140).

Por isso a presença de um sólido bloco de poemas políticos, extraídos da


ideologia revolucionária ainda não desfigurada pelo partidarismo. E também por isso a
não menos sólida aparição de poemas com fundo bíblico, sempre em tom de
advertência, como ―A uns políticos‖, ―Primeiro tema bíblico‖, ―Segundo tema bíblico‖ e
―Il poverello‖, sobre São Francisco de Assis:

Desgrenhado e meigo, andava na floresta.


Os pássaros dormiam em seus cabelos.
As feras o seguiam mansamente.
Os peixes bebiam-lhe as palavras.

Dentro dele todo o caos se resolvera


Numa ingênua certeza: - ―Preguei a paz,
Mostrei o erro, domei a força, curei o mal.
Antes de mim, o crime. Depois de mim, o amor.‖

Mas a floresta esqueceu, no outro dia,


O bíblico sermão e, novamente,
O lobo comeu a ovelha, a águia comeu a pomba,
Como se nunca houvera santos nem sermões (p. 134).

Epigramas é, portanto, um livro-contra-ataque do poeta contemporâneo das


doenças humanas mais letais do século XX, estejam elas na forma do poder instituído
pelas nações, ou como poder diluído entre os cidadãos.
Nessa ocasião, o poeta ergue-se para denunciar as hipocrisias da república da
qual todos somos expulsos em alguma medida. Para negar a vida mortificadora,
contrária à essência humana, ele forma a dicção lírica somando a seriedade firme do

46
rebelde, a brandura terna do religioso e o encantamento puro do menino. O resultado da
soma? Um poeta que com seus poemas nos faz lembrar das lições de bondade (―A
Arthur Rimbaud‖), da necessária palavra paz (―Ode‖) e da possibilidade do amor
(―Matinata‖, encerrando o livro).
Um poeta que não fugiu à luta nem à poesia, e, como tal, agiu onde esteve: em
sério confinamento sobre o chão do escritório

E, no meio da rua,
Sob seu chapéu,
Sob o azul do céu,
O poeta sorri,
Completo,
Feliz (―A pequena revolução de Jacques Prévert‖, p. 126).

47
NO CORPO DA PALAVRA

Até agora vimos o quanto a obra de José Paulo Paes tem processado, livro a
livro, uma constante metamorfose. Desde O aluno até Epigramas foram onze anos e
quatro publicações com que o poeta se mostrou aberto a diversas maneiras de
estruturação do texto poético, atestando sólido conhecimento de formas consagradas
pela tradição, sem se fixar (ou se asfixiar) em nenhuma delas. Ao lado disso, houve
pluralização dos temas, sempre com manifesta sensibilidade e com o patente objetivo de
colocar o homem – com seus sabores e conflitos – no centro, sendo por ele e para ele a
justificativa de sua arte poética.
Na esteira dessa ―metamorfose ambulante‖, como diria Raul Seixas, emerge sua
mais ostensiva inovação: Anatomias, lançado em 1967, no lapso do maior intervalo
entre um livro e outro de José Paulo Paes (nove anos, considerando que o anterior,
Epigramas, foi escrito em 1958).
É com esse livro que veremos o início de um exercício peculiar de José Paulo,
fundindo em seus poemas o dizer conciso e a intenção jocosa, sempre com expressiva
carga irônica, tratando de maneira humorística assuntos de grave atmosfera. Ao longo
dos vinte e quatro textos, todos sem pontuação formal e sem obediência ao critério
convencional da grafia de letras maiúsculas e minúsculas, salta-nos aos olhos o patamar
especial concedido ao elemento básico: a palavra.

a emoção
a ideia
a palavra

a ideia
a palavra
a palavra

a palavra
a palavra
A PALAVRA (―Pavloviana‖, p. 164).

A essa altura o Concretismo já se havia consolidado como movimento e também


como estilo, influenciando poetas e outros artistas de dentro e fora do Brasil. Paes
absorveu substantivamente as inovações concretistas (há no livro um poema chamado

48
―Os lanceiros‖, em cuja dedicatória se lê: ―para augusto haroldo décio‖, referência
direta aos poetas Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari, próceres
dessa vanguarda), mas sempre injetando nelas o seu teor particular, ora pela via
humorística:

A. C.
D. C.
W. C. (―Cronologia‖, p. 177),

ora pela política:

a missa
a miss
o míssil (―Ocidental‖, p. 170).

De uma ou de outra forma, mesmo no momento em que a linguagem é posta em


contínua recriação, os entraves do caminhar humano nunca saem do alvo dessa poesia
combativa. Nos poemas, lemos indiretamente o poeta declarar que o seu papel é
desconfiar das promessas de avanço social e prosperidade humana tidos como
realização, apontando nelas as contradições mais nocivas, em especial a do século
moderno, que estampou na humanidade a sua vocação para o totalitarismo, o
assassinato e a destruição.17 É o míssil, convivendo com o culto à beleza e com os
apelos religiosos, o ícone da época que investiu mais ideias para destruir mais vidas em
menos tempo, a época que caminha para a latrina da História, nos cenários
escatológicos das duas grandes guerras (que se estendem aos dias atuais).
O olhar crítico de Paes não se direciona apenas ao Ocidente, conforme a
proposta do livro anterior. Anatomias pertence à época (foi lançado um ano antes de
1968) em que se começou a pintar no Brasil uma das mais manchadas telas de sua
existência, quando também ao lado dos termos desenvolvimento e milagre (será mera
coincidência?), puseram-se mordaças, empunharam-se fuzis e apagaram-se lâmpadas,
fossem elétricas ou mentais. Nessa ocasião, a contrariedade não se volta somente para
os ―de cima‖; ela também denuncia o alheamento voluntário dos que estão em todas as
partes da pirâmide social vibrando com o Brasil ―salve salve‖.

17
Ver ―A era da guerra total‖, em A era dos extremos, de Eric Hobsbawn. p. 29-60.
49
feijoada
marmelada
goleada
quartelada (―À moda da casa‖, p. 173).

A reverberação ideológica de Paes tropeça em Anatomias numa malsucedida


tentativa de ataque à atuação diplomática dos Estados Unidos da América em relação a
Cuba. Buscando uma disposição gráfica das palavras de modo que ―USA‖ e ―ILHA‖
ganhassem maior visibilidade (a primeira com associações negativas, e a segunda,
virtuosas), o poema ―Cartilha‖ é o único exemplo de explícito panfletarismo em toda a
poética paesiana.

a MATilha
contra a Ilha

Ilha recUSA?
Ilha reclUSA

USA e abUSA

América LATina
AméRICA ladina

LATe a MATilha

Ilha trILHA
cartILHA (p. 167).

Noutros lances, Paes fará uma guinada para as reflexões de cunho individual,
quando então o sujeito lírico falará em tom subjetivamente geral, manifestando o eu de
cada um:

ser ou não ser?


er ou não er?
r ou não r?
ou não?
onã? (―Anatomia do monólogo‖, p. 158),

ou exteriorizando o ―eu‖ do próprio poeta, no feito mais interessante do livro:

50
o rito
do dia
o ríctus
do dia
o risco
do dia
EU?
UE?
[...]

mas a barba
feita
a máscara
refeita
mais um dia
aceita
EU
EU (―O poeta ao espelho, barbeando-se‖, p. 175-176).

Independente do tema tratado, os poemas citados mostram que a distribuição


gráfica das palavras presidirá a escrita. Tanto no primeiro (finalizado com a sugestão de
que algumas discussões filosóficas podem ser reduzidas a infrutíferas discussões
bizantinas, como se fossem um enfadonho ato onanístico) quanto no segundo, percebe-
se que a decomposição de uma frase – ―ser ou não ser‖ – ou a inversão das letras de
uma dada palavra – ―EU UE‖ – serão peças fundamentais para a construção de um
determinado significado. Se em ―Anatomia do monólogo‖ a exclusão das letras forma o
significado do descaminho intelectual, em ―O poeta ao espelho, barbeando-se‖ a
extensão discursiva mostrará que em determinados momentos o sujeito parece não se
reconhecer ao ver-se numa perspectiva contrária, especular, cujo reflexo também pode
conotar uma surpresa: ―Eu, ué?!‖, indicando ao final que ele de fato atestará sua
presença e essência ao aceitar as falsas verdades da vida cotidiana: ―EU EU‖.
A construção pela corrosão a ser tratada com ainda mais ênfase nos vindouros
Meia palavra e Resíduo, com os quais este Anatomias formará uma tríade bastante
homogênea, foi buscada na própria face da vida urbana, com seus signos e diretrizes
ferozes e ocos. O capitalismo, deus e diabo da modernidade, é contemplado num poema
em que a sua ânsia pela soma revelará o seu ímpeto de subtração, (e como que

51
confirmando a profecia de Marx de que tal sistema destruiria a si próprio) chegando à
aniquilação total do número zero, que no poema também é a nota que o poeta atribui à
vida gerida pelas finanças mundiais.

negócio
ego
ócio
cio
0 (―Epitáfio para um banqueiro‖, p. 160).

Mas José Paulo Paes não foi poeta concretista. A absorção de técnicas de nossa
última grande vanguarda não deixou sua poesia estéril, como é comum aos grupos que
labutam primordialmente em busca de transgressões apenas formais, minimizando na
obra o teor conteudístico. Ainda que seja dado um grande espaço para a teia formal, a
sua proposta de celebrar a vida pela via artística não se anula ou esgota, como está em
―A Maiakóvski‖: ―uns te querem suicida // eu te quero pela vida / que celebraste na
flauta / de uma vértebra patética / molhada no sangue rubro / de um crepúsculo de
outubro‖ (p. 171). Sabedor de sua indiscernibilidade, ele afirma numa autoanálise
bastante esclarecedora.

se me decifrarem
recifro
se me desrecifrarem
rerrecifro

se me desrerrecifrarem
então
meus correrrerrecifradores
serão
(―Trova do poeta de vanguarda ou the medium is the massage‖,
p. 165).

Mesmo nesse livro, de crescimento qualitativo menos patente que os anteriores,


Paes demonstra consciência autocrítica e capacidade de observar a(s) natureza(s) de sua
escrita, dando com ―Trova de vanguarda‖ mais uma demonstração categórica da
empresa confluente que buscou e realizou, fórmula com a qual ele foi poeta como
nenhum outro, e que será melhor observada noutro corpus.

52
NA PRESENÇA OU NA AUSÊNCIA

Meia palavra, de 1973, é um lance quase no meio do caminho poético de José


Paulo Paes, visto ocupar o sexto lugar de um rol de treze peças. É também o livro
central de uma trilogia formada por ele, por Anatomias (seu antecessor), e por Resíduo,
o sucessor. Tal tríade não se estabelece apenas pelo conjunto que formulam de acordo
com a ordem sequencial da bibliografia poética do autor, mas porque nenhum outro
grupo de livros dele apresentará, em caráter de vizinhança, a uniformidade desse. A
despeito da semelhança, eles não se repetem, e parecem uma única peça tripartida.
O que mais aproxima as referidas obras são os poemas de feição bastante
antitradicional, os quais nos fazem hesitar até em chamá-los de poemas.18 Refiro-me aos
arranjos de página, desenhos e sobretudo às fotografias que José Paulo espalhou pelas
páginas desses três livros. Não falamos especificamente das ilustrações, muito presentes
nos livros do poeta (as primeiras edições de Cúmplices e Anatomias são grandes
exemplos, sem falar dos livros para o público infantil), mas das imagens que figuram
como textos independentes, com título e registro no sumário, fatores de sua autonomia.
Em Anatomias tal forma de expressão aparecerá uma única vez, com ―Anatomia
da musa‖, que retrata em preto e branco um manequim feminino (com uma réplica em
miniatura) cercado por humorísticas inscrições latinas; em Resíduo serão dois os lances:
―Projeto de mausoléu civilista e/ou foetus intellectualis brasiliensis‖, fotografia de uma
pequena escultura representando Rui Barbosa sentado numa cadeira, e ―Outdoor para
igreja e/ou consultório de psicanalista‖, também uma foto, dessa vez de uma
despedaçada placa de propaganda de pneus; em Meia palavra são quatro peças de tal
natureza (a serem descritas a seguir): ―Sick transit‖, ―Epitalâmio‖, ―O espaço é curvo‖ e
―Pascal prêt-à-porter e/ou le tombeau de Mallarmé‖.
Pelo quantitativo e pelo qualitativo (os poemas mais famosos e expressivos
dessa vertente são os de Meia palavra), pode-se observar que em Anatomias ocorre
ainda uma tentativa, algo tímida, uma procura por um possível espaço para se

18
―Pode haver poesia sem versos, o que é obvio [...]; admitimos que possa haver poesia
sem sintaxe, ou sem mais coisas, mas sem palavras, sem letras, não [...]. Tudo isso
pode pertencer à artes visuais, pode ser brilhante, pode ser qualquer coisa, mas nada
tem a ver com literatura‖, diz um aguerrido Alexei Bueno em Uma história da poesia
brasileira (p. 13-4), referindo-se claramente à poesia concreta e seus derivados.
53
desenvolver; como em Meia palavra o número é de quatro e em Resíduo será de dois,
nota-se, no livro do centro, uma consolidação do exercício, chegando à plenitude, e a
redução posterior sinaliza o esgotamento da prática, percebendo-se sua total extinção
nos livros seguintes.
Se buscarmos uma expressão para sintetizar tais poemas, talvez alcancemos
melhor fatura com o emprego de ―poemas visuais‖, mais para serem vistos do que
propriamente lidos, e que no Brasil foram produzidos à larga pelo Concretismo e, em
especial, pelo Poema Processo.
O exercício de Paes, apesar de abastecido pela referida vanguarda, reserva uma
peculiaridade, pois sua poesia visual não se resume aos poemas em que a sintaxe
convencional é rejeitada para que o arranjo com as palavras seja o indicativo máximo do
sentido do texto (penso nos exempalres ―pós-tudo‖, de Augusto de Campos, e em ―beba
coca cola‖, de Décio Pignatari). O que nos chama a atenção é que a inovação de José
Paulo se acentua por serem inseridas nos livros fotografias de elementos ordinários da
vida cotidiana, como escovas de dentes, objetos comercializados em feiras populares e
placas de trânsito (a exceção fica por conta de ―Pascal prêt-à-porter e / ou le tombeau
de Mallarmé‖, constituído por um arranjo em que uma página apresenta uma face
branca e outra negra, com inscrições em francês).19
Em todos os casos, será nítida a matriz dadaísta do deslocamento de nossas
noções comuns a respeito das formas e dos materiais que constituem uma determinada
vertente artística. Só que, cotejados aos ready-made de Marcel Duchamp, os poemas
visuais de José Paulo guardam uma peculiaridade. Enquanto o urinol, a roda de bicicleta
e a pá de neve transferidos pelo francês de seus espaços ordinários para museus,
constituindo apenas uma debochada rebeldia, as imagens que o poeta transpõe para as
páginas de seu livro serão nutridas pelo contexto em que se inserem, pelo modo como
os objetos são dispostos na retratação ou pelas palavras que apresentam.
A mais famosa dessas peças é ―sick transit‖ (p. 189), uma placa de orientação do
tráfego paulista.

19
Os concretistas ―clássicos‖ também foram adeptos, só que com menor frequência,
dessa prática fotográfica, como exemplifica ―nada‖ (foto parcialmente frontal de um
estabelecimento comercial), de Augusto de Campos.

54
O fato de o livro datar da década de 1970 alarga os horizontes de compreensão
do ―fotopoema‖, pois o Brasil estava sufocado nos porões da ditadura militar. Isso já
indicará não só o transporte de uma sinalização urbana para o espaço consagrado da
legitimação da poesia, mas também o transporte do significado das palavras: o acesso
inviabilizado a uma avenida – Liberdade – transmuta-se no significado, estampado no
grito de uma placa com letras garrafais, de que no país as forças governamentais
cerceavam o direito de ir e vir e de falar e ouvir dos que eram considerados
perturbadores da ordem (e ainda insinuavam que vivíamos no ―Paraíso‖). O tempo era
grave, e o olhar subversivo e denunciador do poeta faz da placa um alerta geral, não à
toa ocupando a abertura do livro.
Ironicamente, a mesma sinalização aponta uma alternativa, cuja carga semântica
é antípoda da repressão. Quando não são expulsos diretamente da república, em muitos
momentos os poetas buscam no exílio fontes para o revigorar das forças e ambientes
para a efetivação de seus devaneios (foi assim com românticos, simbolistas,
expressionistas...), alimentando a ideia de um possível espaço edênico.
Mas, como se a peça em questão fosse construída pelo destino para ser flagrada
por um artista, ela não se afirma como uma verdade definitiva. A direção a ser seguida é
a direita (algo óbvio numa época de liberdade interditada), e a orientação provém de
uma placa confeccionada e veiculada por um órgão governamental...
Se a história humana é de fato cíclica, o chão em que os homens caminham
também o será. É o que nos diz ―O espaço é curvo‖ (p. 205):

55
Conjugando esta placa com a anterior, veremos que José Paulo Paes captou as
contradições do poder a partir de seu próprio discurso. É prática comum dos governos
propagar seus feitos como garantidores de avanços e de bem-estar geral, o que não foi
diferente com a linhagem ditatorial que se manteve, entre nós, de 1964 a 1985, cujo
termo maior de autopromoção foi o ―milagre econômico‖ (plano, inclusive,
contemporâneo da escrita do livro). Sendo assim, pela perspectiva dos ditadores, se
crimes mais bárbaros foram por eles cometidos, havia a justificativa do resguardo da
tranquilidade comum.
Mantendo a ótica, a tirania, por ocultar hipocritamente o seu não para exibir-se
como sim, ou mesmo por paranoicamente conceber positiva a negatividade
desenvolvida, sempre nos tenta convencer de que é repleto de paz o espaço onde ela
mesma espalha o terror. E o poeta percorre as ruas de sua cidade, a fim de confirmar a
validade do que dizem os que a gerenciam. Ruas e páginas após a indicação do
―Paraíso‖ (―O espaço é curvo‖ é a décima quinta peça do livro, ao passo que ―sick
transit‖, lembre-se, é a primeira), chega-se à grave constatação de que as passagens
estão fechadas: duas outras placas indicam que não há saída.
O trabalho vanguardista de José Paulo Paes (que, como já dissemos, não se
confina à metapoesia) consistiu na absorção de avanços artísticos para denunciar os
maiores retrocessos da política nacional. O poeta segue o percurso particular
reinventando seus passos ao mesmo tempo em que trafega pelas ruas de seu território
contestando a ordem do trânsito a que a comunidade é submetida. A ironia e a lucidez
sempre fizeram-no sabedor das limitações do seu canto em meio à sociedade
tecnicizada, mas ele não abandona o que entende por missão: denunciar a opressão e
contrapor-se à hipocrisia dos que a empreendem.

56
A desconfiança de Paes frente aos valores nacionais também alcança símbolos
consagrados. Membro da família dos poetas galhofeiros (é sempre muito viva a
presença de Oswald de Andrade), a poesia paesiana imbui-se de uma linguagem
corroída para também corroer o que a tradição pode ter de artificial.

lá?
ah!

sabiá...
papá...
maná...
sofá...
sinhá...

cá?
bah! (―Canção do exílio facilitada‖, p. 194).

Uma vez que ressaltamos a ideia de uma poesia irmanada ao passado e ao


presente, a paródia do famoso poema de Gonçalves Dias indica que José Paulo não foi
conservador no sentido habitual do termo, louvando o passado em si, apenas por
contrapor-se ao presente. A ―Canção do exílio facilitada‖ reduz (com alguns fiapos do
humor corrosivo) a estrutura do texto matriz, apontando ser inválida a imagem de um
Brasil hiperbolicamente colorido, alegre em cada cacho de frutas e em cada chilrear de
pássaros.
O país faz o seu povo ou o povo faz o seu país? Dentre as inúmeras dicotomias
que se nos apresentam, uma bastante forte reside no debate dos problemas das nações. A
torta realidade brasileira é explicada por alguns a partir da ingerência da classe política
(com gênese no tempo colonial), preferindo outros enxergarem no povo a raiz da culpa
pelo desconcerto nacional. Mais uma vez o poeta de Taquaritinga recusa maniqueísmos,
e, refletindo sobre a complexidade do assunto, estende sua crítica a todas as partes do
todo.

economiopia
desenvolvimentir
utopiada
consumidoidos
patriotários
suicidadãos (―Seu metaléxico‖, p. 196).

57
Exemplo singularíssimo de precisão entre o que se quer dizer e a forma como se
diz, esse grupo de neologismos desmerece o pão e o circo ofertados pelos ―de cima‖, e
ridiculariza os que deles se servem acreditando-se adeptos de um modelo de vida
admiravelmente moderno. Enquanto a cartilha publicitária do capitalismo leciona que o
acúmulo material é sinônimo de prosperidade, ―Seu metaléxico‖ mostra somas a resultar
em subtração. Todas as seis palavras do poemas são formadas pela adição de duas, que
têm, primeiramente, um harmonioso encaixe morfológico, considerando que em
nenhum vocábulo foi necessário acrescentar ou retirar alguma letra (são retiradas sílabas
que convém descartar na formação de cada verso) para fazer a adaptação do vernáculo a
ser escrito.
Posteriormente, percebe-se que o encaixe se dá de modo ideológico em face do
que se aponta: a) uma economia dita milagrosa, mas que não vê nem é vista como se
deve, são cegos guiando cegos a um desenvolvimento enganoso;20 b) uma massa
formada por ridículos utópicos, por desorientados que consomem de maneira
perfunctória, por nacionalistas simplórios, na esteira de ―Noventa milhões em ação, /
Pra frente Brasil / Do meu coração‖, e por cidadãos que caminham alheios pela prancha
que conduz aos tubarões.21 É o ―povo marcado, povo feliz‖, da canção ―Admirável gado
novo‖, de Zé Ramalho.
Pensando em poemas como ―Epitáfio para um banqueiro‖ e ―À moda da casa‖,
do livro anterior, e comparando-os aos dois poemas acima citados, veremos, pelo
assunto tratado e pelas formas empregadas, o quanto Epigramas e Meia palavra têm em
comum, o que se estenderá a Resíduo (tema do próximo capítulo), mostra de uma
poética circular.
Além disso, as reflexões de Paes sobre a civilização ocidental presentes em Meia
palavra também formam um elo deste livro com o anterior, Anatomias. Em especial,

20
―Nas eleições parlamentares de 1974, sob o impacto da crise econômica e uma
sucessão de escândalos financeiros, o MDB consegue uma ampla vitória eleitoral. Os
debates entre candidatos e a propaganda política, pela primeira vez expressa de
forma livre, dão ciência à população de uma dívida externa de mais de US$ 100
bilhões e mostram a face oculta do milagre‖. SILVA, Francisco Carlos Teixeira da.
―A modernização autoritária‖. p. 374.
21
Canção mista de hino e marchinha, de autoria de Miguel Gustavo, que se popularizou
muito no Brasil durante a Copa do Mundo de futebol de 1970.

58
três poemas exibem a visão de alguns de nossos males, todos exemplificadores de que o
Ocidente ainda não distingue com sapiência o que sua própria cultura diz ser benéfico
ou danoso.
Tal disfunção perceptiva causa reversão de signos e de princípios fundamentais
da vida humana, e hoje, no século XXI, somos sabedores do quanto isso é forte entre
nós ao vermos o crescente apelo à sensualidade das crianças, a manifesta admiração de
jovens aos agentes da violência (sejam bandidos ou autoridades públicas) e a
celebrização de personalidades absolutamente ocas. A inversão de valores é vista em:

O VAGIDO DA SOCIEDADE DE CONSUMO

consummatum est! (p. 195),

no qual a dessintonia entre o vagido, primeiro choro do ser que nasce, e a expressão
latina que significa ―findou-se‖, ilustra uma iconoclastia febril instalada entre nós. A
modernidade do século XX quis nos fazer crer que tudo deve perecer para a ocorrência
de incessantes substituições. Nesse embalo, até mesmo as artes absorveram uma
mentalidade análoga à das vitrines de lojas de sapatos ou de eletrodomésticos,
necessitadas da inovação semanal, mesmo que aquilo a ser retirado não esteja obsoleto.
O próprio José Paulo ―presenciou‖ o decreto do encerramento do verso, o que ele
ignorou e demonstrou ser um equívoco. É nítido constatarmos que caminhamos para o
fim desde o nosso início, mas o texto diz que a vida regida pelo consumo é submetida à
ordem da extinção para que se possibilite o ingresso do novo, mesmo desnecessário.
Um outro poema, ―Auto-escola Vênus‖, aborda o problema no âmbito dos
relacionamentos corporais:

contato

para trás
(devagar)
para frente
(devagar)
para trás
(ACELERE)
para frente
(ACELERE)

59
pode desligar (p. 202).

Durante séculos a carne foi reprimida em nome da pureza do espírito e dos


―bons costumes‖. O gosto pelo sexo teve de se submeter à discrição por vezes
enclausurante do casamento, caso contrário, criava-se o estigma do libertino, de caráter
desviado. O século passado também rompeu com tal costume, e engendrou a revolução
sexual. Gradativamente, o sexo antes do casamento e a homossexualidade de homens e
mulheres passaram a ser aceitas em escala considerável (mas seria ingênuo imaginar
uma aceitação total).
Para muitos, como seria de se esperar, casamento e total heterossexualidade
tornaram-se sinônimo de opressão ou caretice (o próprio José Paulo publicou em 2001,
no livro Socráticas, um poema chamado ―Anacronia‖, a ser comentado noutro capítulo
e que tem o emblemático verso: ―– Desculpe: sou hétero‖), e essa radicalização em
nome da libido conduziu o sexo à cultura fast food do consumo imediato e do
instantâneo descarte. Não se trata de condenar o sexo livre, e sim reconhecer que o
desconhecimento de limites esbarra nas gravidezes indesejadas (e suas más
consequências sociais) e se enforca lentamente no patíbulo das doenças letais.
O poema em prosa ―Necrológio do civil desconhecido‖ rumina sobre o fato de o
anonimato assemelhar-se a uma condenação, um defeito a estigmatizar os que não se
notabilizam, por mais que suas ações sejam dignas de reconhecimento.22 Outro mal a
estar em nossa civilização.

Nasceu em leito de Procusto, à luz da


lanterna de Diógenes. Batizou-o um
carabineiro de Offenbach, que lhe
vestiu a túnica de Nessus. Na escola,
não teve o estalo de Vieira, mas ga-
nhou o anel de Polícrates tão logo
aprendeu a dar a César o que fosse
de César sem tirar para si nem um
ovo de Colombo. Viveu a correr de
Herodes e Pilatos, montado no asno
de Buridan, que esporeava com calca-
nhar de Aquiles. Mal lhe sobrava tem-
po para um cochilo de Homero. Não

22
Ver as leituras do poema feitas por Alberto Lopes de Melo, na dissertação de
mestrado José Paulo Paes e a anatomia do poema, defendida em maio de 2006, na
Fundação Universidade Federal do Rio Grande [do Sul], Departamento de Letras e
Artes. http://bdtd.furg.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=38
60
compareceu a festins de Baltazar, mas
consolou-se com uma vitória de Pirro:
o convite para ajudar os trabalhos de
Sísifo. Durou o que duram as rosas
de Malherbe. Foi sepultado nas estre-
barias de Áugias sem que por ele se
derramasse uma só lágrima de Xer-
xes. Seu nome? Ninguém lembra (p. 192).

Consumo, prazer e fama: mais do que qualquer outro, o século XX viu tais
aspectos, geralmente consequências de determinadas ações ou necessidades, tornarem-
se fins em si mesmos, a causa primeira do estabelecimento de uma vida feliz. Como se
não bastasse somente ao primeiro, os outros dois (e tantos outros) acabaram por se
tornar produtos de uma voraz industrialização.
Mas nem só da falta de pão se alimenta a poesia. Em meio a tantos desmandos,
no país e no mundo, seria de se esperar uma postura niilista. Porém a poesia pode ser
uma luz a nos mostrar veredas fora da caverna, e isso se manifesta em ―Entropia‖:

não que a chama não


queime a luz perdesse
razão de iluminar

não que a boca não


morda ao fruto falte
o bíblico sabor (p. 207).

Poemas dessa natureza são mais que peças literárias: são antes de tudo um apelo
para que nós, homens, acerquemo-nos da vida para compreendê-la ou descompreendê-
la, e assim não nos imponhamos problemas inventados como necessidades. São textos
típicos da obra de José Paulo, pois negam as restrições de acordo com as quais se
conclui que, se algo foi mal conduzido, é sinal de que deve ser exterminado. Poemas
com tal espírito descendem da estirpe da grande poesia: aquela que, a partir da aparente
simplicidade das pequenas partes, nos conecta ou reconecta com a imensurabilidade do
todo, da Vida em suas indescritíveis faces.
Retomemos as peças fotográficas, voltando nosso olhar para a pequenice de
objetos ordinários: duas escovas de dentes inseridas num copo, cujo título é
―Epitalâmio‖ (p. 199).

61
Num primeiro momento, o que vemos são dois objetos em estado de inutilidade,
uma vez que o momento flagrado não é de higienização bucal. Mas, com um olhar mais
detido, chama a atenção o fato de tais escovas estarem juntadas pelas cerdas (fruto do
acaso ou do arranjo do poeta-fotógrafo? E se ele não as dispôs de tal maneira, será de
fato acaso as escovas aparecerem assim diante de um poeta?).
Associando o desenho formado ao título, sinônimo de ―canto nupcial‖, veremos
que a um poeta como José Paulo Paes a poesia convencional não se pode separar da
poeticidade do existir, nem deve impedir que esta entre no espaço de legitimação
convencional (o livro, um objeto), apenas por aparecer com uma roupa distinta da que
pede a festa.
Nessa esteira, será (poeticamente) proveitoso reunir dois poetas-filósofos: Em
Escritos da indiscernibilidade, Alberto Pucheu manisfesta o desejo de ―desalgemar o
poético do poema, do que se convencionou chamar de poema; deixá-lo fugidio pela
cidade, perigoso, arrastando o que lhe aparece pela frente‖ (2003, p. 40) ; em Ensaios
radioativos, Márcio-André nos chama a atenção para a desinstrumentalização dos
objetos:

Aquele que menospreza as coisas não é ninguém mais que aquele


que acredita na soberania do sujeito num mundo que subsiste para seu
consumo. Ser poeta é escapar a esse círculo vicioso no qual fomos jogados e
habitar o entreato das coisas, vivê-las na emergência de sua permanência. É
ele quem dará duração maior aos objetos mais ordinários, fazendo-os luzir
em seu instante sagrado (2008, p. 37).

62
A peça de José Paulo casa-se com essa transcendência dupla: a primeira, de
reconhecer um corpo estranho ao espírito da poesia, trazendo algo ―de fora‖ para o
interior de seu trabalho artístico; a segunda é de transferir a carga sublimadora peculiar
da poesia a objetos condenados a um tempo determinado: enquanto servirem, durarão.
O fato de a fotografia estar em preto e branco realçará o brilho das coisas em
questão: elas reluzem por estarem unidas, irmanado-se uma à outra, reunindo a
diversidade na harmonia da unidade. Elas estão resplandescentes para dizer que a mão
humana ainda pode equiparar-se à do demiurgo universal, e mostram-se vivas por
estarem impregnadas do amor que escorreu dos que delas se servem: duas pessoas;
coisa e coisa; interação e luz: comunhão no copo, que é o leito, e na água, que é o sumo
vibrante e o suco brindante do amor.
A meia-palavra de José Paulo Paes não precisa se mostrar toda para ser inteira,
porque, mesmo ao ceder espaço à ausência do discurso formal, permanece no silêncio o
vigor de tudo o que se liga à dimensão sagrada dos fenômenos: a Vida.

63
AO RÉS DOS RESTOS

Resíduo, de 1980, por sua unidade e pela posição que ocupa na bibliografia
artística de José Paulo Paes, propicia ampla leitura da poética que estudamos.
Como dissemos, ele constrói, junto a Anatomias e Meia palavra, um bloco
homogêneo que, nos níveis da forma e dos conteúdos, não se repetiu sequencialmente
nem com a mesma solidez noutros momentos.
A crítica debruçada sobre a obra paesiana não raro explorou a questão da
linguagem identitária do poeta, apontando, quase consensualmente, um momento inicial
marcado pela imitação de alguns de seus ídolos; as divergências, nunca gritantes,
manifestam-se quando da indicação do momento emancipatório.
Antes de entrarmos na discussão, cabe perguntar o que caracteriza a aquisição da
linguagem poética própria. O que a particulariza? Três hipóteses nos parecem
prováveis, ainda mais se as contextualizarmos na obra de Paes. Consideremos
inicialmente que um poeta adquire sua linguagem própria quando não mais imita seus
mestres. Tal hipótese talvez seja, pela sua obviedade, a mais aplicável, mas não deixa de
ser algo problemática, visto ser difícil identificar o momento em que o poeta deixa a
cópia e alcança a originalidade. Um exemplo pode ser visto na obra de Francisco Alvim,
muito semelhante à de Oswald de Andrade, sem que isso seja motivo para tachar o
mineiro de epígono do paulista.23
O caso de José Paulo aguça o problema na medida em que, válida a nossa tese, o
livro apontado por seus críticos como mimético – O aluno – já é uma mostra de sua
verdade literária, a da congregação de antagonismos. Mais uma vez, não queremos dizer
que a estreia de Paes seja um feito brilhante, no entanto é nítido que as opiniões dos que
citam o livro ao analisar a linguagem do poeta (especialmente Davi Arrigucci Jr., João
Carlos Biella e Henrique Duarte Neto) são muito marcadas pela carta que Drummond
enviou a José Paulo, a qual indicava o tributo do então iniciante a seus referidos
mestres. Pouquíssimos poetas conseguem alcançar uma escrita tão firme quanto um
estigma. Nomes como Augusto dos Anjos, Oswald de Andrade e João Cabral de Melo
Neto, entre poucos outros, formam o grupo de autores que, ao escreverem, imprimem na
folha o seu brasão: mesmo o leitor não especializado pode reconhecer tais poetas lendo

23
Ver Poemas: (1968 – 2000), em especial o livro Elefante, do ano 2000.
64
um número reduzido de textos por eles escritos.
A trajetória de José Paulo fornecerá a essa hipótese mais um ponto questionável,
pois mesmo quando ele atinge a maturidade artística (novamente de acordo com os
referidos críticos), dotando sua linguagem de brevidade e de humor, sua poesia assumirá
uma feição bastante oswaldiana, o que ele próprio reconhece (na já citada entrevista –
―Meia palavra inteira‖ – concedida a Carlos Felipe Moisés): ―Meu contato pessoal com
Oswald foi fecundo, porque eu achei, com ele, que era preciso retomar certas linhas do
Modernismo de 22. Uma delas era justamente esse humor meio esculhambativo,
gozador‖.
Dessa forma, não é confortável aplicar a Paes a hipótese de uma dicção própria a
partir do ―abandono‖ de outras, porque talvez ele tenha feito da ―cópia‖ um fator de
originalidade. A quem chamava a si próprio de ―poeta como outro qualquer‖, mostrando
antipatia por vaidades e celebrações do universo literário, não seria um problema, como
não foi, presentificar outros poetas no espaço que era dele.
A segunda hipótese consiste no fato de o poeta alcançar sua própria linguagem
quando passa a escrever bons poemas, aspecto bastante discutível, visto que os valores
em julgamento sempre atendem a determinações subjetivas. Mas, se aceitarmos os
critérios mais comuns entre os estudos literários, de acordo com os quais uma obra
relevante é a que conjuga envergadura técnica e força expressiva, com grau de
originalidade, diremos que José Paulo Paes emancipa-se artisticamente com Novas
cartas chilenas, seu terceiro livro, muitíssimo distinto dos dois anteriores. Mas não se
pode desconsiderar que um imitador competente pode escrever grandes poemas com a
caneta alheia...
Finalizando a especulação, o provável terceiro fator de percepção de uma poesia
peculiar ao poeta que a escreve é o surgimento frequente de uma mesma forma, ou de
algumas formas semelhantes entre si. Isso é o que mais importa neste momento, em que
nos debruçamos sobre Resíduo, pois esse livro, por si mesmo e pelo contexto em que se
insere, consolida um tipo de linguagem empreendida enfaticamente por Paes e
consagrada pela crítica: mais uma vez, o somatório de concisão e humor. A exemplo de
João Cabral de Melo Neto, que parece ter-se colocado obsessivamente a serviço de um
estilo só seu, José Paulo Paes chega a um impasse justamente porque se mostra, na
sequência dos três últimos livros, completamente apegado a si próprio. E o grande feito
de Resíduo é conter em si a sinalização do impasse e a guinada para uma reengrenagem.

65
Vamos a ele.
Resíduo é um livro pendular, visto ser o sétimo de uma coleção de treze obras,
composto por vinte e um poemas (também considerando poemas as duas fotografias
presentes). Seu espírito chistoso anuncia-se na epígrafe, rememoração de uma célebre
frase de Franz Kafka: ―Contra piadas não há argumentos‖.
Sendo um livro mediano (nos sentidos literal e figurado do termo), e dotado de
um número ímpar de textos, basearemos nossa leitura numa divisão tripartida dos
textos: dez – um – dez.
A primeira parte é insatisfatória, e quase compromete as outras. Forma-se
totalmente por poemas cuja brevidade mostra mais dificuldade em ir além da exploração
de uma ideia do que a precisão feliz que notabiliza textos epigramáticos. A mais, os
primeiros dez textos tropeçam num humor malsucedido, satisfeito em formular um
mínimo ar de graça.

homem público
mulher pública (―Lembrete cívico‖, p. 225).

....................................................

BRINDE NO DIA DAS MÃES

à tua (p. 228).

É certo que ambos os casos apresentam distorções de nossa cultura (mas não só
dela). A variação de gênero da palavra ―público‖ altera drasticamente sua conotação,
pois o ―homem público‖ é o respeitável, distinto por sua fama ou pelo posto que ocupa
no serviço estatal; já a ―mulher pública‖ é um eufemismo para a mulher que oferece à
coletividade o que não é, convencionalmente, de natureza coletiva (o seu sexo). A
hipocrisia é um forte alicerce social, e o poema parece querer atacá-la para mostrar que
os homens condenam aquilo de que eles mesmos se servem. Mas o texto não logra
maior alcance, como também não vai longe o gracejo do ―Brinde no dia das mães‖,
porque a síntese, nos dois casos, não significou a contenção do excesso, e sim o aborto
do incipiente.
Caso semelhante ocorre nos poemas cuja proposição é fazer, à maneira dos

66
concretos, certos jogos de palavras contentados em apresentar derivações etimológicas
sem largueza de significado.

frei id
freiid
freud (―O libertador‖, p. 226).

............................................................

barroco
barrococo
rococó (―A evolução dos estilos‖, p. 227).

Acrescentando a essa linha o ―fotopoema‖ ―Projeto de mausoléu civilista e / ou


foetus intellectualis brasiliensis‖ (no qual se vê, dentro de um pequeno pote de vidro,
uma estatueta de Rui Barbosa sentado numa cadeira), não por acaso seguido pelo poema
―Epitáfio para Rui‖ (―... e tenho dito / bravos! / (mas o que foi mesmo que ele disse?)‖),
p. 233, veremos que a prática constante de uma dicção específica teve um viés negativo
para o poeta, e isso já é um forte motivo para relativizar a etiqueta que se lhe atribui.
Aqui a repetição fez com que a fala curta e jocosa se desgastasse, restringindo-se ao
minimalismo (no sentido da opção estética e da fatura dos poemas), ao residual.
E será um poema com temática sobre resíduos propriamente ditos que mudará o
curso das águas do livro. Se de fato o absurdo for normal, não é espantoso perceber que
a partir de um texto sobre o turvo Rio Tietê Resíduo terá seus primeiros sinais de brilho.

pelo mesmo tietê


onde outrora viajavam
bandeirantes heris

só viajam agora
os dejetos: bandeira
de seus filhos fabris (―Neopaulística‖, p. 239).

Os bandeirantes já haviam figurado em dois poemas de Novas cartas chilenas, e


o retorno agora tem o intuito de apontar o legado por eles deixado. O poeta,
profundamente conectado ao seu tempo, identifica com clareza as causas de um
problema gritante do século XXI: a degradação ambiental como consequência da

67
desordem social.
O imaginário paulista gosta de ver os bandeirantes como seres lendários,
símbolos de bravura e de proteção à terra local. A primeira estrofe, cujo adjetivo ―heris‖
inspira reverência, oculta a negação do ufanismo a ser feita em seguida. A mudança de
tempo (passa-se do ―viajavam‖ para ―viajam agora‖, na segunda estrofe) altera a
perspectiva sobre os desbravadores, destituindo-lhes de qualquer romantização, e o rio
que ontem foi palco dos heróis é hoje a passarela do saldo das tortuosas empresas
coloniais.
A existência não se metamorfoseia tanto em se tratando das mãos detentoras do
poder. Muitos dos ocupantes das maiores cadeiras dos setores público e privado
brasileiros atualmente são herdeiros das primeiras capitanias. No específico caso
paulista, os detritos bioquímicos que fazem a vida atolar no coração da cidade são crias
da poluição histórica que mancha o País. Passado e presente, bandeira do
desbravamento ontem e bandeira da industrialização hoje, são gerações que em nome do
progresso avançam para o atraso: índios mortos, natureza agonizante, felicidade adiada.
―Neopaulística‖, poema pendular de Resíduo (o décimo-primeiro texto entre
vinte e um), é exemplo da concisão que não obstrui o desenvolvimento do poema, pois
o resultado final causa-nos a sensação de que não poderia ter dito menos nem se deveria
dizer mais.
A partir dele, o livro ganha vigor, e o poeta religa sua obra à ideia de que a arte
será maior quanto mais extrapolar as suas fronteiras teóricas. Sem prescindir do
exercício formal, a poesia de José Paulo Paes quer nos lembrar do que não se pode
esquecer, como simples cuidados pessoais:

sem a pequena morte


de toda noite
como sobreviver à vida
de cada dia? (―Hino ao sono‖, p. 246),

a negação da indiferença pelas aberrações:

e levaram-no maniatado

e despindo-o o cobriram com uma capa de escarlata

e tecendo uma coroa d´espinhos puseram-lha na cabeça e

68
em sua mão direita uma cana e ajoelhando diante dele o
escarneciam

e cuspindo nele tiraram-lhe a cana e batiam-lhe com ela na


cabeça

e depois de o haverem escarnecido tiraram-lhe a capa ves-


tiram-lhe os seus vestidos e o levaram a crucificar

o secretário de segurança admitiu os excessos dos policiais


e afirmou que já mandara abrir inquérito para punir os res-
ponsáveis (―Do novíssimo testamento‖, p. 249),

o fato de a vida ser suja e dolorida:

neste lugar solitário


o homem toda manhã
tem o porte estatuário
de um pensador de rodin

neste lugar solitário


extravasa sem sursis
como um confessionário
o mais íntimo de si

neste lugar solitário


arúspice desentranha
o aflito vocabulário
de suas próprias entranhas

neste lugar solitário


faz a conta doída:
em lançamentos diários
a soma de sua vida (―Grafito‖, p. 250),

mas que mantém sempre aberto o espaço para a esperança:

partido: o que partiu


rumo ao futuro
mas no caminho esqueceu
a razão da partida

(só perdemos
a viagem camaradas
não a estrada
nem a vida) (―Brecht revisitado‖, p. 240).

69
Resíduo tem então em si próprio uma queda e reascenção da escrita paesiana. O
livro fecha a trilogia fortemente contaminada pela postura vanguardista, pelo humor
zombeteiro e pela vida urbana, dentro da qual o poeta se põe como um catador de
detritos reaproveitáveis. Foi um exercício proveitoso com o qual o poeta se reinventou,
tendo depois, como vimos acima com os três poemas que saem do minimalismo, de se
reinventar mais uma vez dentro da própria reinvenção.
A sátira e o lance criativo exprimido em poucas palavras foram absorvidos pela
crítica como os itens mais emblemáticos de José Paulo Paes, fato que livros futuros
comprovarão, da mesma forma que comprovam outros fatores, não menos
emblemáticos, da versatilidade do poeta.

70
A NORMALIDADE ENSANDECIDA

O tempo é assunto básico entre as especulações dos pensadores ocidentais de


todas as épocas. O século XX, com sua avalanche de modernizações em vários setores
da vida humana, despertou enfaticamente a sensação de que o tempo padece de um
encurtamento gradativo, embora os dispositivos para medi-lo mantenham seu
processamento com a mesma velocidade.
O desconforto e outras mazelas disso decorrentes (sempre espanta perceber o
quanto as pessoas declaram, com alguma indiferença, não terem tempo para fazer as
coisas que mais as satisfazem) conduz ao questionamento da artificialidade do tempo
convencional, medido em anos, dias, horas, minutos e segundos, e a incoerência de sua
aplicação com vistas à regulação da engrenagem social, que raramente se casa com a
(falta de) engrenagem emotiva de cada ser.
Desde sempre os poetas efetuam uma interessantíssima empresa de estarem
dentro e fora de seu tempo, captando as suas principais características, mas confessando
vez por outra alguma dessintonia com os que lhes são contemporâneos, ao modo de
exilados na própria terra. É como expressão dessa ambiguidade que se pode ler
Calendário perplexo, de 1983.
Todos os vinte e um poemas do livro são associados a alguma data específica,
seja de simbologia universal:

1º de maio
ETIMOLOGIA

no suor do rosto
o gosto
do nosso pão diário

sal: salário (p. 263);

nacional:

31 de março /1º de abril


DÚVIDA REVOLUCIONÁRIA

ontem foi hoje?

71
ou hoje é que é ontem? (p. 259);

ou mesmo particular:

22 de julho
ANIVERSÁRIO

amigos abraços
velas acesas
velas apagadas
obrigado adeus:

ensaio de uma outra festa


(próxima? Distante?)
também com amigos
com velas com adeuses

sobretudo adeuses (p. 269).

A disposição do calendário paesiano segue o molde do calendário cristão,


inclusive na ordem progressiva das datas. E, com esse aparente ―sim‖ ao seu sistema
cultural, o poeta negará a camuflagem romantizada de todo sorriso que se estampa
ocultando as cáries.

19 de abril
DIA DO ÍNDIO
o dia dos que têm
os seus dias contados (p. 269).
...................................................
25 de dezembro
TIME IS MONEY
ele nasceu... não ouvem o galo?
Vamos correndo crucificá-lo! (p. 277).

A perplexidade indicada no título do livro se casa bem com a distância que


separa a aura da realidade a envolver índios e Cristo: o discurso sobre eles é no geral
laudatório, e a eles se dirigem devoções de natureza diversa. Mas em muitas práticas a
teoria é outra: o respeito pela memória indígena (para quem a mãe-pátria negligenciou
gentilezas) e a afirmação de suas lições são mais figuras da retórica ―politicamente

72
correta‖ do que o resgate efetivo de valores éticos. A banalização de absurdos e a
maneira com que somos levados a assumir uma postura refratária diante da mesma são
formas de continuar assassinando valiosos símbolos humanos.
Em ambos os casos, a brevidade extrema não apaga o vigor apresentado pelos
poemas. Ao contrário, ela se torna um elemento fundamental para que os recebamos
como obras exatas.
E tal exatidão é marca forte de outros poemas, como o ―Dicionário de rimas‖,
consagrado ao dia da poesia (14 de março) e composto por vinte e três estrofes, cada
uma com três versos e correspondente a cada letra do alfabeto, dentre as quais se
destacam bons exemplos:

D de dever:
fazer
sem prazer
..........................
H de heresia:
não à miopia
da ortodoxia
..........................
P de poeta:
profeta?
pateta?
...........................
Z de zero:
o número mais fero
e mais vero (p. 256-8).

Como se percebe a partir de Epigramas, a mecanização do homem (em especial


o urbano) é tema sempre presente na escrita de Paes. Em seu calendário, o dia dos
finados é a data marcante dos que ―passaram pela vida‖ a caminho da morte. A precisão
é notável:

faz
faz
faz

jaz (―Sic transit gloria mundi‖p. 274).

73
Não raro a modernidade deixa de cumprir as promessas de uma vida melhor,
feitas a cada nova proposição teórica, política ou tecnológica. A consequência mais
comum são os desenganos daqueles que vêem no futuro um embarque para novos dias.

não era esta a independência que eu sonhava


não era esta a república que eu sonhava
não era este o socialismo que eu sonhava
não era este o apocalipse que eu sonhava (―A marcha das
utopias‖, p. 275).

Já foi dito (e diremos até o final do estudo) que as dicotomias não têm morada
cativa na poética paesiana, e até aqui nenhum livro pautou-se pelo total pessimismo ou
pelo seu oposto. Assim sendo, num livro fortemente crítico como esse, no qual se passa
em revista o tempo inventado pelos homens e alguns problemas dele derivados, pode-se
entrever que dias melhores vêm de fato.
Observando o primeiro e o último poemas de Calendário perplexo,
perceberemos o quanto os extremos se tocam para se distinguirem. A abertura exibe
algo esperável, um texto associado ao início do ano.

ano novo: vida


nova
dívidas novas
dúvidas novas

ab ovo outra
vez: do revés
ao talvez (ou
ao tanto faz como fez)

hora zero: soma


do velho?
idade do novo?
o nada: um ovo

salve(-se) o ano novo! (―Brinde‖, p. 255).

Mesmo (ou sobretudo) num momento de celebração geral, o poeta enche a sua
taça com a desconfiança própria dos questionamentos feitos a partir de um ópio popular.
O título e o início do poema fazem-nos acreditar que o sujeito lírico toma parte dos
festejos pela chegada de um novo ano, partilhando da crença num momento

74
transformador: ―ano novo: vida / nova‖.
Mas há no decorrer do texto um distanciamento tradutor da maneira como
algumas vagas atribuições feitas à data são por ele vistas. Em especial os parênteses
concentram as células irônicas que exprimem a concepção mais forte que o mesmo
sujeito tem a respeito da virada de ano: ―(ou / ao tanto faz como tanto fez)‖, e
principalmente, ―salve(-se) o ano novo!‖. O oculto faz-se óbvio.
Encerra o livro um poema feito por encomenda para um jornal paulista. ―Como
armar um presépio‖ (p. 277-8) já lembra, pelo nome, o famoso ―Receita para fazer um
poema dadaísta‖, de Tristan Tzara. Toda a sua extensão revela o mecanicismo tão
alvejado por José Paulo Paes, e que, no caso, despe a armação do símbolo natalino de
suas reverberações sentimentais, impregnando-as de uma carga nada festiva: ―pegar
uma paisagem qualquer / cortar todas as árvores e transformá-las em papel de imprensa
/ enviar para o matadouro mais próximo todos os animais (...)‖, tudo isso com vistas a
―(...) reduzir assim a paisagem à medida do homem‖.
Mas em meio às palhas do grande estábulo da existência, algumas agulhas ainda
se mantêm. É verdade que, em sua fragilidade, elas não significam uma redenção
imediata. Mesmo mergulhadas no fundo dos fins, elas não podem garantir que tudo dará
certo na hora derradeira. Mas são agulhas, e ainda que pelo espetar, empreendem
sobretudo a abertura de passagens. E assim o poeta finaliza o seu perplexo livro com um
furo na ordem: ―quem sabe um dia não nasce ali uma criança e a vida recomeça?‖.
Talvez a poesia, à maneira dos meninos, saiba, e então anuncie uma nova boa-
nova.

75
NO ÓBITO CONSTAVA NASCIMENTO

A poesia está morta mas juro que não fui eu (1988) desperta a atenção
fundamentalmente por três aspectos: o título aparenta trazer uma crítica algo
vociferante, passível, num primeiro momento, da classificação de ―reacionária‖, visto o
alarde feito desde o final do século XIX sobre as supostas mortes da pintura, da
escultura, da representação, da história etc.. Considerando o segundo período da
expressão – ―mas juro que não fui eu‖ –, a aparência conservadora ganha força, mas ela
não passa de uma máscara irônica com a qual o poeta escapa dos posicionamentos
teórico-grupais.

o concretismo está morto

viva a poesia
concreta (―Sucessão‖, p. 291).

O prestígio alcançado pela poesia concreta no Brasil deu a ela muitos adeptos e
admiradores, em especial pela sólida fundamentação teórica formulada por seus ícones,
pelos acréscimos às miríades de experimentação da escrita poética no século XX, e, é
claro, por ser uma novidade, algo que por si só a muitos fascina.
Mas esses mesmos fatores foram alvo dos que a contestaram, visto ter sido
expediente comum no referido século (como de forma mais discreta acontece ainda
hoje) a polarização estética entre inovadores e tradicionalistas.
Dessa forma, o primeiro verso indica um paradoxo, uma espécie de feitiço
voltado ao feiticeiro, pois o nascimento do concretismo, lembre-se, foi anunciado com a
morte do verso.24 O livro de Paes, publicado mais de trinta anos após o lançamento da
vanguarda, daria nela um golpe equivalente ao que ela desferiu em toda a tradição.
Posta numa estrofe exclusiva, a notícia do fim do concretismo ganha ares de definição.
Mas os dois outros versos, estrategicamente situados noutra estrofe,
desautorizam o dito anterior, e, mais do que isso, fazem nascer um sorridente ―viva‖

24
―Dando por encerrado o ciclo histórico do verso (unidade rítmico-forma), a poesia
concreta começa por tomar conhecimento do espaço gráfico como agente estrutural‖,
declaram Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari. ―Plano-piloto para a
poesia concreta‖, In: Teoria da poesia concreta. 4ª ed., p. 215.
76
onde pairava o cinzento ―está morto‖. A ironia toma a fala pejorativa (―o concretismo
está morto‖) para desmerecê-la, pondo o sim (―via a poesia / concreta‖) a triunfar sobre
o não.
À altura da publicação do livro, o concretismo havia se esgotado como prática
poética em sua busca por novas formulações (já no livro anterior o próprio José Paulo
havia abandonado os recursos estritamente visuais), também como mentalidade
hegemônica sobre as artes, mas isso não descarta todos os seus importantes feitos. A
mais, o que se encerrou foi o ―ismo‖, a moda, a tendência que se julga exclusiva; a
poesia é o feito, a realização, e por estar acima das convenções da época e das restrições
habituais em tais circunstâncias, mantém-se indelével como as grandes expressões de
outros tempos e lugares. José Paulo Paes nunca foi poeta concretista porque não
carregou estandarte de qualquer movimento, mas fez poesia concreta porque sempre
interessou à sua arte a pluralização de verdades. Sobre o poema, diz João Carlos Biella:
―Há a explicitação do ocorrido quando a poesia de Paes entrou em contato com o
concretismo, ou seja, houve o interesse pela prática poética dos concretistas, e não pelo
projeto poético deles‖ (2008, p. 69). O poeta é consciente de que é sucessor dos ícones
vanguardistas, mas isso não o leva a tomar uma postura iconoclasta.
Noutro poema – ―Acima de qualquer suspeita‖ –, do qual se extrai o nome do
livro, a constituição de sua linguagem poética é tratada com maiores nitidez e ênfase,
nela acentuando-se o caráter híbrido e, em relação ao poeta, o espírito de ironista.

a poesia está morta

mas juro que não fui eu

eu até que tentei fazer o melhor que podia para salvá-la

imitei diligentemente augusto dos anjos paulo torres carlos


drummond de andrade manuel bandeira murilo mendes
vladimir maiakóvski joão cabral de melo neto paul
éluard oswald de andrade guillaume apolinaire sosí-
genes costa bertolt brecht augusto de campos

não adiantou nada

em desespero de causa cheguei a imitar um certo (ou incer-


to) josé paulo paes poeta de ribeirãozinho estrada de
ferro araraquarense

porém ribeirãozinho mudou de nome a estrada de ferro

77
araraquarense foi extinta e josé paulo paes parece nun-
ca ter existido

nem eu (p. 287).

Os críticos de Paes sempre apontam a imitação de seus mestres em O aluno,


como vimos. No poema, décadas depois de sua estreia literária, a confissão se desdobra
num jogo de máscaras líricas que aumenta a dúvida sobre quem fala, se o próprio poeta
(sobretudo na quarta estrofe), se o sujeito lírico (as três últimas).
A declaração da suposta morte da poesia seria um natural impasse para o poeta,
pois, a valer a afirmação, as possibilidades de expressão ter-se-iam esgotado. No
entanto, os outros dois aspectos que a nosso ver dão a A poesia está morta mas juro que
não fui eu grande destaque revelarão a estrutura irônica do poema (em especial por ser o
primeiro do livro): a quantidade de poemas (são cinquenta e dois ao todo, divididos em
quatro partes, tornando-o o mais extenso livro poético do autor), e a qualidade dos
mesmos.
De acordo com nossas reflexões no capítulo ―Ao rés dos restos‖, aqui José Paulo
Paes reforça a sua dicção por copiar a si mesmo. Os poemas curtos, na maioria de dois
versos, alastram-se por todo o livro, e em nenhum há insuficiência de expressão ou
labor. Lendo os poetas brasileiros adeptos do minimalismo (penso em Oswald de
Andrade, Francisco Alvim, em alguns ―marginais‖ e no próprio Paes), é possível
perceber que os seus lances menos felizes derivam de certo vezo pela escrita
epigramática, pois é fato que um dito curto e preciso fascina pela capacidade de poder
dizer muito com pouco. Mas nem sempre é possível exibir com acuidade significados
distintos usando-se apenas vocábulos semelhantes, da mesma forma que versos
econômicos podem ―emperrar‖ quando postos a dimensionar o sentido de um título
sugestivo. Se tomado pelo maneirismo, ao poeta minimalista não interessa ir além de
um ―raio‖ ralo de criatividade sintética.
Mas as vestes curtas de Paes não espremem os textos. A parte ―Olho no
umbigo‖, primeira do livro e da qual foram transpostos os dois poemas citados, é
centrada em assuntos especificamente literários, pensados de forma geral:

invenção
co-invenção
convenção (―ode aos diluidores‖, p. 288),

78
ou funcionando como indicação da estética prezada pelo poeta:

conciso? com siso


prolixo? pro lixo (―Poética‖, p. 289).

A estética que funde economia discursiva a conteúdos profundos tem espaço


cativo em ―Livro dos provérbios‖, segunda parte de A poesia está morta. A começar
pela ironia, manifesta pela escolha da epígrafe – ―O provérbio é um dos mais terríveis
meios de estagnação da humanidade‖, de Mário de Andrade – veremos a destreza do
poeta que se autocopia e reinventa simultaneamente, passando pelo humor grave:

quem cala consente


(e no cu logo o sente) (―Pare olhe escute‖, p. 299)

e chegando à economia extrema:

O SILÊNCIO É DE OURO

^ ´ ! (p. 302).

Além das características apontadas, os dois poemas exprimem a verve política


tão presente na obra paesiana. Em 1988, o Brasil estava recém-saído do período
ditatorial, que, por sua extensão e intensidade nas ações opressoras, deixou pesadas
marcas na memória coletiva, mormente na dos que a ele se opuseram.
Tanto ―Pare olhe escute‖ quanto ―O silêncio é de ouro‖ trazem reflexos de um
estado de exceção, mas com perspectivas diferentes. Enquanto o segundo representa
uma estratégia de sobrevivência em meio à perseguição generalizada aos subversivos, o
primeiro é uma crítica aos que silenciam equivocadamente, ignorando ou desprezando o
momento do necessário grito. Sem ceder, novamente, a dicotomias, Paes percebe com
clareza problemas estruturais da civilização brasileira: a paralisia social ocasionada
coercitiva ou voluntariamente.
Da mesma forma que foi político negando a ortodoxia da militância partidária,
José Paulo Paes foi religioso sem professar sua fé pela via institucional. Por isso teve
tanta propriedade ao estender suas críticas ideológicas aos que distorcem o significado

79
de símbolos tradicionais por prezarem o continente em detrimento do conteúdo:

devagar se vai ao longe

mais perto de deus o ateu


do que o monge (―Teoria da relatividade‖, p. 297).

Como as demais verdades propagadas como absolutas, os provérbios não


escapam da desconfiança do poeta, sendo submetidos à corrosão que lhes reordena ou
implode os sentidos.
Ação semelhante ocorrerá com toda a gama de significados relacionados às
viagens, na parte ―Geográfica pessoal‖. Em tal seção do livro, a epígrafe tem grande
precisão, funcionando como um ―pressuposto poético‖. ―As viagens se fazem para
dentro‖, disse Henry Miller, o que se comprova pela conjugação de alguns itens da
biografia de Paes ao poema ―Taquaritinga‖:

cidade:
nas ruas em pé
eternas namoradas
me espreitam

eu é que não posso vê-las

cidade:
no jardim a fonte
insiste em jorrar
suas águas luminosas

só que me falta a sede

cidade:
agora nem as pedras
me conhecem (p. 317).

Taquaritinga, cidade do interior de São Paulo, é a terra natal do poeta, de onde


ele saiu ainda muito jovem para estudar (não à toa os dois poemas seguintes são
dispostos de acordo com os rumos que ele tomou, em sequência: primeiro ―Araçatuba‖,
onde fez os estudos ginasiais; depois ―Curitiba‖, local em que se formou técnico em
química, e onde houve sua decisiva gênese intelectual). A partir de tais deslocamentos, a
permanência de José Paulo em Taquaritinga foi curta, visto que em outubro de 1949

80
(contando então 23 anos) ele se instalou definitivamente em São Paulo, onde trabalhou
como químico, casou-se e iniciou suas atividades literárias regularmente.
―Taquaritinga‖ já se afigura então como a memória de um filho ausente, ficando,
por isso, nítida a dessintonia entre o sujeito e a cidade. E, se nos dois primeiros
momentos o que a província oferece já não interessa mais ao desterrado, modificado
pela passagem do tempo e pela vida urbana, ao fim aponta-se que a cidade também não
mantém laços tão firmes com ele. O homem saiu da cidade, que, por sua vez, exilou-se
do homem.
―Geográfica pessoal‖ é um conjunto edificado pelas poucas viagens
internacionais que Paes fez, em especial à Europa. Na transformação do registro pessoal
em expressão lírica, José Paulo afasta do seu diário de viagem qualquer tipo de
deslumbramento pelo contato com famosas metrópoles do Ocidente. João Carlos Biella
disse com precisão que, no livro, ―o olhar do viajante poético é o de um antiturista‖
(idem, p. 94), pois ele irá apontar que a grandeza dos países está alicerçada, muitas
vezes, sobre a pequenez ética. É o que se vê em ―British Museum‖:

voltem por favor dentro de alguns anos

a essa altura deus todopoderoso já terá sido certamente in-


corporado à nossa coleção de antiguidades orientais (p. 325),

e em ―Grécia: Acrópole de Atenas‖:

1.

corroídas pela emanação das fábricas e automóveis de atenas


as cariátides mal suportam agora o peso da eternidade

2.

na calada da noite o poder público manda espalhar pelo re-


cinto da acrópole uma boa provisão de cascalho para que
no outro dia cada turista possa levar para casa um frag-
mento autêntico do propileu do partenon do templo de
atenas ou do erectéion (p. 329).

A hipocrisia da má publicidade turística, inescrupulosa em sua sede de lucros,


não escapa do olhar arguto de Paes, que levou na bagagem a sua inseparável ironia, e

81
com ela faz uma denúncia zombeteira de algo que abriga um duplo escândalo: a
Inglaterra mantém peças artísticas sabidamente roubadas da Grécia, com as quais
impulsiona seu turismo cultural. Eis o primeiro absurdo; o segundo provém do elegante
consentimento das nações que sabem disso, mas permanecem em silêncio
diplomaticamente correto...
Noutro poema, a explanação do crime é mais contundente:

pela independência da grécia


ele deixou a vida
em missolongui

mas a inglaterra acabou fazendo um bom negócio:


levou em troca
o friso do partenon (―Monumento a Byron‖, p. 330).

Somados à crítica, os poemas de Paes consagrados às viagens recuperam a ideia


do turismo como um ato de autêntico conhecimento, de nascimento conjunto, do
homem que adentra o local, e do local que adentra o homem. Assim, uma marca de
exotismo ganha significados pulsantemente poéticos:

em vão te inclinas pedagogicamente

o mundo jamais compreenderá a obliquidade dos bêbados


ou o mergulho dos suicidas (―Pisa: a torre‖, p. 334).

A negação do deleite burocratizado estende-se ao vazio que enche boa parte da


existência, até mesmo por parte daqueles que nos falam da grandeza do viver. É esse o
enfoque de ―Desistórias‖, quarta e última parte do livro.
Já na abertura, as ―Duas elegias bibliográficas‖ (dois poemas agrupados num
mesmo título) tratam de tipos de corrosão: primeiramente a que é resultado da
dedicação obstinada a um projeto:

morto
sem filho nem
árvore

livros só

enfim

82
a existência
feita essência:

pó (―a J.-P. Sartre‖, p. 346),

e depois a que se liga ao louvor oco, encômio desconhecedor de que a maior


homenagem a um ídolo é a absorção interna (sem necessariamente descambar para a
imitação) de suas lições:

agora
por dá cá aquela palha
muitos invocam o teu nome
em vão

sem nenhum amor


e
o que é pior:
sem nenhum humor (―A Oswald de Andrade‖, p. 345).

Voltando ao início, um poema chamado ―O último heterônimo‖ diz: ―o poema é


o autor do poeta‖ (p. 290). Levando-o em consideração, e conjugando-o à realidade de A
poesia está morta mas juro que não fui eu, percebe-se no livro a autoria definitiva de
um poeta firme, manejador convicto de sua escrita, cônscio da capacidade que o levará a
escrever, com brilho ímpar, o próximo Prosas seguidas de odes mínimas.
Não vale para essa poética, portanto, o anúncio do óbito da poesia feito na
abertura, pois no decorrer do livro a arte paesiana mostrou-se com a segurança da
madureza, e com o frescor jovem da reinvenção. Se o poeta é cria do poema, José Paulo
Paes, filho da ironia, é ele só a prole de ampla família.

83
DO POUSO COMO DECOLAGEM

A muitos poetas a passagem do tempo costuma ser algo danosa, visto ser comum
que eles se repitam, sem que as etapas da escrita abram espaço para a renovação formal
ou para a reflexão sobre assuntos distintos, ocasionando, quase como regra, uma
repetição pouco ou nada estimulante.
Esse certamente não é o caso de José Paulo Paes, em especial pela consideração
de seu décimo livro de poesia: Prosas seguidas de odes mínimas, lançado em 1992, e
que parece ocupar consensualmente entre os críticos do poeta o posto de sua melhor
obra (e que, a nosso, ver, só se emparelha a Socráticas).
Trata-se de um livro completo: ao longo de seus trinta e três textos, percebemos
um mosaico de temas e de modos de escrita que a um só tempo consagram e renovam o
poeta, porque é a obra na qual ele está mais presente, tanto lírica quanto
biograficamente, fazendo assim uma escrita visceral. O exercício da ressignificação das
coisas mundanas é também, nesse livro, o mais bem realizado de toda sua trajetória. A
mais, a comunhão de indivíduo, pessoas, eventos e coisas, em suas harmonias e
contrastes, dará a Prosas seguidas de odes mínimas a sua mais bela característica.
Nela vemos o menino, o rapaz, o homem formado; o ser que ri, padece, e se
redime; o literato amante das letras, crítico da ordem mundial, e transcendendo à
metafísica. Cada página aumenta a sensação de ser esse um livro circular, dotado de
unidade do início ao fim/recomeço.

Se mais bem olhardes


notareis que as rugas
umas são postiças
outras literárias.
Notareis ainda
o que mais escondo:
a descontinuidade
do meu corpo híbrido.
[...]

Que força macabra


misturou pedaços
de criança e homem
para me criar? (―Canção do adolescente‖, p. 362).

84
A primeira parte é intitulada ―Prosas‖, e antes da leitura do início propriamente
dito do livro, convém prestar atenção na segunda das dedicatórias (a primeira, como de
hábito, é dirigida à Dora): ―À memória de Fernando Góes, que um dia chamou de
Poesias um livro seu de crônicas‖ (p. 359). Essa relativização da forma cativa do
poético, que é o poema, será empreendida mais uma vez por Paes (lembrem-se das
imagens de livros anteriores), e, dos vinte textos da seção inicial do livro, sete não são
escritos em verso, o que de forma alguma os torna menos ―poéticos‖. Ademais, Antonio
Carlos Secchin percebe haver nisso uma atitude que ―[...] pela utilização no plural [do
nome da seção], remete de pronto à noção de conversa, de diálogo‖.25
A constatação é precisa, pois o livro é o mais intimista da poética paesiana. Se,
como temos visto, o poeta nunca afastou o homem do centro de sua arte (da mesma
forma que nunca ignorou o leitor), em Prosas seguidas de odes mínimas esse diálogo
será responsável pelo estreitamento do contato entre escritor e espectador; entre o
homem e sua linhagem genealógica; entre o sujeito e ele próprio.
Os poemas e as prosas de ―Prosas‖ têm forte teor memorialístico. O passado do
poeta é presentificado, mais vivamente, pela religação com os mortos de sua família.
Acentua-se neles a interação de disparidades, invertendo as noções polarizadas de sim e
não.

Eu mal o conheci
quando era vivo.
Mas o que sabe
um homem de outro homem?

Houve sempre entre nós certa distância,


um pouco maior que a desta mesa onde escrevo
até esse retrato na parede
de onde ele me olha o tempo todo. Para quê?
[...]

Até o dia em que tive de ajudar


a descer-lhe o caixão à sepultura.
Aí então eu o soube mais que ausência.
Senti com minhas próprias mãos o peso
do seu corpo, que era o peso
imenso do mundo.
Então o conheci. E conheci-me.

25
―Um poeta em paz‖, p. 121.
85
Ergo os olhos para ele na parede.
Sei agora, pai,
o que é estar vivo (―Um retrato‖, p. 365-6).

A morte, definitiva carta de despedida que chega ao destinatário a despeito de


seu desejo, é aqui uma parede a dar passagem: eliminação total do pai, ela também
usurpa do filho o que nele havia dos dois (ainda que o poema nos mostre uma relação
rarefeita). Mas o silêncio pleno é o princípio do diálogo, tanto do pai com o filho (―Aí
então eu o soube mais que ausência‖), quanto do filho consigo mesmo (―E conheci-
me‖). A distância total uniu os (tão próximos) antípodas, o depósito no subsolo os fez
emergir à sublimação, e a morte ressuscita de seu velho estigma para deixar de ser o
fim.
A união pela separação é assunto de belíssimo poema, preciso em seus versos, só
que com certa inversão de papéis, pois o filho de antes é agora o pai que canta a saída de
sua filha da vida, antes mesmo que o ingresso se consolidasse.

Dorme como quem


porque nunca nascida
dormisse no hiato
entre a morte e a vida.

Dorme como quem


nem os olhos abrisse
por saber desde sempre
quanto o mundo é triste.

Dorme como quem


cedo achasse abrigo
que nos meus desabrigos
dormirei contigo (―Nana para Glaura‖, p. 379).

Interessa notar que a ressignificação a que nos referimos se torna mais visível se
percebermos o quanto essas elegias destoam das convencionais. Isentas de
dramaticidade inflamada (é inevitável lembrar do ―Cântico do calvário‖, de Fagundes
Varela), elas são também exemplos de uma concepção moderna de vida, retirando da
morte a carga trágica que se lhe atribui. O canto fúnebre de Paes ganha tons e notas de
uma doce cantiga de ninar.

86
A morte foi explorada por José Paulo em alguns livros anteriores, mas de forma
ainda pouco frequente. À época da publicação de Prosas, já era o poeta um sexagenário,
e isso o havia possibilitado acompanhar a transformação da sua Taquaritinga e da sua
família em retratos na parede. Constam, nesse inventário, as figuras do pai, da mãe, do
avô (o celebrado J.V, dono da tipografia onde o poeta nasceu), da avó, de tios, de
primos e de um empregado familiar. Todos reunidos, não por acaso, num poema
chamado ―A casa‖: corpo já mortificado em seus órgãos – ―Vendam logo esta casa, ela
está cheia de fantasmas‖ – (p. 377), mas recuperado pela ação mais nobre da poesia:
resgatar dos galpões do tempo o que se somou à roda da vida: ―E no telhado um menino
medroso que espia todos eles; só que está vivo: trouxe-o até ali o pássaro dos sonhos‖
(idem).
Vê-se, dessa forma, que, quanto mais fala sobre as pessoas, mais o poeta faz
declarações sobre si.
As demarcações familiares de Paes não se restringem à sua árvore genealógica.
Os companheiros de ofício são rememorados com similar frequência, ora com implícito
amargor –

Um dia foi fechado


o Café Belas-Artes
e os amigos não acharam
outro lugar de encontro.

Talvez porque já não tivessem


(adeus Paris adeus)
mais razões de encontrar-se
mais nada a se dizer (―Balada do Belas-Artes‖, p. 385)

– ora com explícita alegria:

Ontem, treze anos depois de sua morte, voltei a me encon-


trar com Osman Lins.

O encontro foi no porão de um antigo convento, sob cujo


teto baixo ele encenava a primeira do seu Teatro do
Infinito.

A peça, Vitória da dignidade sobre a violência, não tinha pala-


vras: ele já não precisava delas.

87
Tampouco disse coisa alguma quando o fui cumprimentar.
Mas o seu sorriso era tão luminoso que eu acordei.
(―Reencontro‖, p. 383).

A presença maciça da morte não poderia ter outro significado: a louvação à vida
(com todos os seus aparentes ou autênticos reveses), marca das mais expressivas em
José Paulo Paes. Num outro texto, o poeta, ao diagnosticar o saldo de tantas perdas,
reasfalta a rua (ou retira dela o asfalto, quando excessivo ou desnecessário) pela qual se
efetua a travessia dos viventes:

O amor: latejo
de artéria entupida
por onde o sangue se obstina
em fluir.

A morte: esquina
ainda por virar
quando já estava quase esquecido
o gosto de virá-las (―Balancete‖, p. 380).

―Odes‖ é o nome da segunda parte do livro, e nela será mais visível a ubíqua
ironia do autor. Pois no título do livro temos a indicação de que tais odes são mínimas, e
isso nos leva a imaginar, numa quase conclusão, a presença de textos epigramáticos.
Isso não se confirma, pois, em todo o livro, há somente um poema curto – À bengala –,
constituído por apenas três versos (sem contar que, logo na abertura dessa parte,
comparece o poema mais extenso de Paes: ―À minha perna esquerda‖).
Não é confirmada também a expectativa de que tais poemas constituam
verdadeiras odes, pois em alguns casos, especialmente nos de flagrante crítica social, a
tradicional feição laudatória da ode é revertida para tratar de assuntos pouco ou nada
elogiáveis. É o tributo que José Paulo presta aos modernistas, lembrando diretamente a
―Ode ao burguês‖, de Mário de Andrade.

Pelos teus círculos


vagamos sem rumo
nós almas penadas
do mundo do consumo.

De elevador ao céu
pela escada ao inferno:

88
os extremos se tocam
no castigo eterno.

Cada loja é um novo


prego em nossa cruz.
Por mais que compremos
estamos sempre nus

nós que por teus círculos


vagamos sem perdão
à espera (até quando?)
da Grande Liquidação (―Ao shopping center‖, p. 403).

Observando anúncios de planos funerários, de condomínios cada vez mais


equipados, de sistemas de segurança particular, dentre tantos outros ―produtos‖,
percebemos o quanto fatores básicos da vida humana têm sido mercantilizados. Até
mesmo valores antigos e socialmente reconhecidos como importantes e a privacidade
são postos nas prateleiras do grande supermercado gerido pelo capitalismo.
O furor consumista propaga-se desenfreado, e a alegoria de Paes transfere para o
templo pós-moderno uma carga simbólica das Sagradas Escrituras (reparem-se as
iniciais maiúsculas de ―Grande Liquidação‖), evocando o caráter de inferno, purgatório
e de um céu que nunca se alcança. Como já havia feito antes, no poema ―Seu
metaléxico‖, de Meia palavra, ao chamar os consumidores de ―consumidoidos‖, o
poema concebe a aquisição perfunctória de bens como um cárcere branco.
Mas, diferentemente do poema aludido, aqui os eventos nos são apresentados
por outra perspectiva, pois quem nos fala o faz de dentro, pertencendo ao grupo dos
compradores incessantes. Numa aparente diferença das demais ―almas penadas‖, o
sujeito lírico tem consciência do problema, mas a elas se iguala ao se ver engaiolado
entre as lojas. A ode em nada enobrece o consumismo, e os viventes nela apresentados
estão inegavelmente mais mortificados do que os mortos relatados em ―Prosas‖.
A verve crítica de Paes manifesta-se como uma rosa-dos-ventos, percebendo
com acuidade outros itens da alienação humana. Atento ao seu tempo, o poeta observa
os paradoxos negativos que o caracterizam, sobretudo os que preconizam o progresso e
contribuem para a paralisia da sociedade, bem como a sofisticação técnica justificada
pelo conforto e pela facilitação dos afazeres dos cotidianos, mas que termina por
aumentar a exclusão, tornando o homem submisso à engrenagem tecnológica.
Dessa linha faz parte ―À televisão‖, um preciso apontamento de uma caverna

89
pós-moderna:

Teu boletim meteorológico


me diz aqui e agora
se chove ou se faz sol.
Para que ir lá fora?

A comida suculenta
que pões à minha frente
como-a toda com os olhos.
Aposentei os dentes.

Nos dramalhões que encenas


há tamanho poder
de vida que eu próprio
nem me canso em viver.

Guerra, sexo, esporte


– me dás tudo, tudo.
Vou pregar minha porta:
já não preciso do mundo (p. 402).

Como temos insistido na coerência dos paradoxos na poética de José Paulo Paes,
importa observar que a obra apontada por seus críticos como o mais expressivo é
justamente aquela em que não aparece o José Paulo configurado pelos últimos livros. Já
dissemos que a economia textual desponta num único texto. Além disso, o sarcasmo
ridicularizador é um corpo estranho tanto nas prosas quanto nas odes. Inegavelmente há
humor e ironia em Prosas seguidas de odes mínimas, mas o tom galhofeiro cede espaço
à meditação centrada, mais serena e contida.
O que não se perde no livro é a atenção dada às pequenas coisas do cotidiano.
Causaria estranheza o fato de, num livro impregnado de metafísica, cingido por um fino
lirismo em toda a extensão, notarmos poemas dedicados a um par de óculos, a um palito
de fósforo ou a uma garrafa. Mas o poeta comum chama a atenção para os objetos
comuns, primeiramente para censurar o desprezo a eles conferido:

Piedosamente escondes
obscenos rasgões.
Com prender o molde ao pano
uma roupa lhe impões.

No idioma da ambição

90
só ao módico dás nome:
―Algum para os alfinetes‖
pede a mulher ao homem.

Mas se cais ao chão ninguém


se rebaixa em colher-te.
Com um muxoxo de desdém
diz: ―É um simples alfinete‖ (―Ao alfinete‖, p. 407),

e depois para apontar entre eles e os homens uma relação recíproca de sublimação:

Contigo me faço
pastor do rebanho
de meus próprios passos (―À bengala‖, p. 397).

O indivíduo posto a observar a matéria de que é feito o existir faz interagir o


banal com o atípico; reivindica na galeria das belezas um espaço digno para a feiúra;
insere no cosmo as simplicidades condenadas ao perecimento. O mundo não está a
serviço do homem: é algo a ser conhecido, amado e absorvido na totalidade de suas
partículas. Num poema de A luta corporal – ―Galo galo‖ –, de Ferreira Gullar, um
animal perplexo questiona: ―que faço entre coisas?‖ (2004, p. 11). Na poética de Paes,
as coisas dizem que fazem entre e com os homens.
Além do ordinário, o trágico também pode ser uma via para a elevação. É o caso
de ―À minha perna esquerda‖, estupendo poema de carga lírica e dramática, composto
quando o poeta teve uma perna amputada em consequência de uma necrose.
Dividido em sete partes, o texto não se pauta pelo discurso da piedade nem do
extremo lamento (por um motivo justificável). Ao contrário, impressiona, já desde o
início, a resignação do amputado, capaz inclusive de pilheriar a desventura:

Pernas
para que vos quero?

Se já não tenho
por que dançar.

Se já não pretendo
ir a parte alguma.

91
Pernas?
Basta uma (p. 391).

Noutros momentos, o inconformismo se sobrepõe a qualquer sentimento, vindo


para o texto carregado num grito:

Por que me deixaste


pé morto
pé morto
a sangrar no meio
de tão grande sertão?

não
não
N Ã O ! (p. 392).

Por todo o poema alternam-se a aceitação pacífica do revés (―Nenhuma perna / é


eterna‖) e a angústia, matizada pela ironia, por ele causada (―Chegou a hora / de nos
despedirmos / um do outro, minha cara‖), exprimindo a antiga peleja entre razão e
emoção, pois o dano é inevitável, mas ele trará o bem; mas, por outro lado, mesmo que
traga um benefício, ele sempre será um dano.
No entanto, as situações extremas possibilitam que passemos em revista tudo o
que foi feito de nós até o momento. Tais ocasiões são propícias à retomada ou ao
fortalecimento de vínculos afetivos. Em ―À minha perna esquerda‖, a cirurgia faz com
que o sujeito pense a todo momento na morte, e isso dá ensejo a que o sujeito declare à
sua parte arrancada uma comovente solidariedade, como se nela residisse a única
chance de afugentar os medos de quem parte:

Mas não te preocupes


que no instante final
estaremos juntos
prontos para a sentença
seja ela qual for
contra nós
lavrada:
as perplexidades
de ainda outro Lugar

92
ou a inconcebível
paz do Nada! (p. 396).

No citado texto ―Um poeta em paz‖, Antonio Carlos Secchin observou que as
Prosas seguidas de odes mínimas se iniciam com o tema da morte (―Escolha de
túmulo‖), e se encerram falando de nascimento (―A um recém-nascido‖).
A disposição de tais poemas tem plena sintonia com o projeto artístico de José
Paulo Paes, pela reordenação de signos e símbolos empreendida por sua poética, e
também pelo conciliar de opostos. ―Escolha de túmulo‖ é exemplo perfeito disso, e a
sua primazia no livro nos deixa perceber que ele funciona como uma súmula, podendo,
inclusive, ser renomeado como ―Arte poética‖.

Onde os cavalos do sono


batem cascos matinais.

Onde o mundo se entreabre


em casa, pomar e galo.

Onde ao espelho duplicam-se


as anêmonas do pranto.

Onde um lúcido menino


propõe uma nova infância.

Ali repousa o poeta.

Ali um voo termina,


outro voo se inicia (p. 361).

O poeta deseja para a sua morada sepulcral um ambiente repleto de imagens


plácidas, como que para garantir um verdadeiro descanso. E (a conjunção adversativa
seria incoerente) no espaço consagrado ao fim, o menino, símbolo do início, conceberá
de forma inovadora os passos a serem dados pelo caminho, ou mesmo fará com que nos
perguntemos se de fato é necessária a caminhada.
Neste mesmo espaço, em que repouso e movimento coabitam, o pouso será uma
nova decolagem, porque a vida, se não imita a poesia, aprende com ela que é morrendo
que se (re)nasce para o eterno.

93
DENTRO DO TODO DE SI

Uma bifurcação se forma diante do escritor que lança um livro após outro que
foi brilhante, pois os comentários tendem a tomar duas direções: ou se diz que o mais
recente é um feito menor, ofuscado pelo antecessor, ou o crítico vê na peça lançada a
confirmação da excelência da que a precedeu.
É esse o caso de A meu esmo, publicado em 1995, depois do substantivo Prosas
seguidas de odes mínimas. Muito pouco se disse sobre o livro, cujos comentários
resumem-se aos de Henrique Duarte Neto e Davi Arrigucci Jr., que comprovam as
hipóteses acima. O primeiro (também incluindo em seu comentário o livro De ontem
para hoje, a ser analisado no próximo capítulo), disse, comparando-os a Prosas, que
―não parecem trazer grandes novidades‖ (2006, p. 24). Já o segundo foi otimista,
dizendo ser o livro dotado de ―poemas de alta qualidade‖, situando-o na que acredita ser
a melhor fase do poeta (2003, p. 19).
Ambos estão corretos em seus juízos, que, apesar de distintos, formam uma
unidade coerente: os temas tratados e as formas empregadas em A meu esmo estão
presentes em outros livros de Paes, mas, aqui, a recorrência não é maneirismo. Ao
contrário, ratifica o gabarito que o poeta alcançou.
Em parte, o próprio subtítulo pode modular uma ideia prévia sobre a suposta
desimportância da obra: ―quinze poemas desgarrados‖ indica sua natureza, visto ser o
livro um volume de poemas escritos em épocas espaçadas, não constituindo unidade ou
projeto.
A pista dada não é falsa, mas ela não significa desleixo ou rebaixamento
qualitativo. É necessário desconfiar do poeta, pois sua verdade é o fingimento, e a ironia
de Paes também se direciona a si próprio quando se intitula um poeta como outro
qualquer.
Ao contrário da luminosidade de Prosas seguidas de odes mínimas, A meu esmo
tem em suas extremidades imagens trevosas. O adendo a ―Dísticos para tempos difíceis‖
– ―(1964 - 1984)‖ –, poema da abertura do livro, não deixa margem a dúvidas: mais
uma vez, trata-se da ditadura militar, que injeta chumbo nas possíveis brancas nuvens
do Brasil.

1.

94
um horizonte de mordaças
de viúvas e ídolos sem cor
[...]

5.
um morto sabe o que diz:
um morto não diz nada (p. 417).

No fim do livro, a política é tratada no âmbito particular, com o poeta refletindo


sobre os impasses de sua militância, cujo término se deu pelas insuperáveis contradições
do Partido Comunista Brasileiro.

E agora – Mendonça, Battini –, que fazer?

O trotskista puxou o cordão da campainha, o bonde


parou, só ele desceu.

Os demais companheiros, irresolutos, permaneceram em


seus lugares. Enredado num espinheiro de questões de
ordem, o comitê central não dá notícia de si há séculos.

Quanto a mim, desisti de andar de bonde. Prefiro andar a


pé, mesmo sem ter para onde ir.

Nunca ajudei ninguém a erguer muros. Tampouco me


chamo Josué. Não sei sequer tocar trombeta.

Será isto o fim dos tempos ou foi apenas o relógio que


parou? (―Quo vadis?‖, p. 433).

O desregulamento social e suas piores consequências impulsionam os


inconformados a reivindicar o bem-estar coletivo. Isso foi inclusive prática comum
entre artistas do século XX, em especial no caso brasileiro, em que Modernismo e
Partido Comunista surgiram no mesmo ano (1922). Para muitos, o ataque aos valores
consagrados se irmanava à rebelião contra setores elitistas do País, por serem estes
perpetuadores daqueles.
Mas há foices que segam também os camponeses, e o centralismo democrático
dos revolucionários instituídos restringe-se aos poucos que se encontram no centro das

95
instituições. Além das práticas antidemocráticas, os crimes contra a humanidade
enegreceram a bandeira vermelha dos socialistas. Portanto, assim como se mobilizaram
para ingressar correndo no ―partidão‖, quase todos os intelectuais voaram para dele sair.
O caso de Paes não foi diferente, como assinala Rodrigo Naves em ―Um homem como
outro qualquer: José Paulo Paes‖, prefácio à Poesia completa do poeta como nenhum
outro:

Foi nos tempos de Curitiba – quando se tornou amigo de Dalton Trevisan e


de tantos outros literatos da cidade também importantes em sua formação –
que ele se aproximou do Partido Comunista Brasileiro e passou a se
envolver mais diretamente com as formas de organização do país. No
entanto, as concepções estreitas do PC brasileiro, tanto em relação à arte
quanto à própria sociedade – sem falar da restrita defesa dos descaminhos da
União Soviética –, logo o afastaram de seus círculos (2008, p. 21).

Com o desejo frustrado, a sensação de que não há mais possibilidade de um


caminho a seguir se confunde com a própria estagnação da História: ―Será isto o fim
dos tempos ou foi apenas o relógio que parou?‖. Tanto sujeito quanto poema não sabem
responder, e mesmo o poeta, tão vigoroso em suas esperanças, tem o facho enfraquecido
pelas dúvidas que se lhe antepõem, aqui estampadas no último verso e no título do
poema: que caminho tomar?
As diferenças entre A meu esmo e Prosas seguidas de odes mínimas não se
circunscrevem ao contraste euforia/disforia (até porque em nenhum livro de José Paulo
hegemoniza-se um tipo de emoção). Só que elas (as diferenças) aparecem nesse mesmo
terreno em que o poeta mantém vínculos com escritos anteriores. Pode-se ver como item
peculiar de A meu esmo a linguagem reticente, que em alguns poemas estabelece uma
dicção mais pautada em imagens do que na lógica discursiva do princípio, meio e fim.
Tomemos dois exemplos: o primeiro é uma parte do já citado ―Dísticos para tempos
difíceis‖:

2.
a paz dos eunucos
a fibra dos moluscos

96
3.
pela voz dos papiros:
dinastia morta trono só ferrugem herói logo poeira

4.
número a mais...
número a menos... (p. 417).

O fragmento é repleto de simbologias de subtração, como o ―eunuco‖, o trono


enferrujado, o herói convertido em poeira e o ―número a menos‖. Como se fala de um
sistema governamental que decepava as oposições, o poema absorve na linguagem esse
sinal de corte, sem descrever ou sugerir mais diretamente os fatos representados. No
entanto, tal linguagem se inscreve numa forma muito própria do expediente de Paes,
visto ser alicerçada na economia das estrofes curtas.
A segunda amostra é o nebuloso ―Anamnese‖, do qual se escavam algumas
referências a um dos mais expressivos abalos mundiais do século XX – as bombas
atômicas lançadas sobre Nagasaki e Hiroshima:

Só souberam o que era após a queda.


[...]

Levaram-na mais tarde para os campos de cultivo e a colhei-


ta das vinhas.

Sobre ela assentaram as colunas do templo. Com ela acen-


deram a pira dos sacrifícios.
[...]

Em meio à floresta das chaminés fabris e sobre a rede flu-


vial dos esgotos, subsistiu como grotesca nostalgia.

Dizem que foi sob os escombros até agora fumegantes da Utopia


que a sua fragílima semente pereceu enfim.

Isso não muito depois de o gigantesco cogumelo de fogo, o mais


sinistro arremedo da sua cornucópia, ter tornado su-
pérfluo o próprio esforço de lembrar (p. 420. Grifos meus).

O poeta não indica precisamente os termos sobre os quais reflete. Se a dicção de


―Dísticos para tempos difíceis‖ é cortada por falar de amputações (ocorre-me uma

97
correlação com Guernica, de Pablo Picasso), a de ―Anamnese‖ é esfumaçada como o
hálito das bombas. E, se naquele texto tal inovação discursiva aparece numa forma já
explorada (o poema curto), neste ocorre algo semelhante, uma vez que está escrito em
prosa, modalidade belamente trabalhada em Prosas seguidas de odes mínimas. Dessa
maneira, mantém-se a rejeição às dicotomias, e os textos conciliam manutenção e
renovação.
Outros elementos de A meu esmo somam-se para fortalecer a multifacetada
escrita paesiana, como os sinais neoclássicos presentes em ―Orfeu‖ e, mais belamente,
em ―Écloga‖: ―lentos bois / passam por mim / os dias‖ (p. 429). Nessa esteira, a
consolidação de uma escrita conscientemente técnica, a fundir contenção e
desenvolvimento, à maneira de João Cabral de Melo Neto, também se faz presente. É o
caso de ―Os filisteus‖, soneto de versos eneassílabos, e ―Metamorfoses‖, com o qual o
poeta reafirma seu entrelugar.

sou o que sou:


o silêncio após o mas
e o ou

fui o que fui:


um ruído entre
o constrói e o rui
[...]

ser o que seria:


já crepúsculo mal
começa o dia? (p. 430).

Ainda dois poemas merecem destaque pelo lirismo, vigoroso e leve. Ambos
tratam de temas já trabalhados por Paes alhures, mas a beleza que possuem lhes dá
aparência e essência novas.
Um é ―Revisitação‖, associável a ―Taquaritinga‖, de A poesia está morta mas
juro que não fui eu, porque se caracteriza como ―diálogo‖ monológico do sujeito com
sua cidade, quando, já separados, eles não conseguem se afastar de si.

Cidade, por que me persegues?


Ainda que eu pegasse
o mesmo velho trem,
ele não me levaria

98
a ti, que não és mais.

As cidades, sabemos,
são no tempo, não no espaço,
e delas nos perdemos
a cada longo esquecimento
de nós mesmos.

Se já não és e nem eu posso


ser mais em ti, então que ao menos
através do vidro
através do sonho
um menino e sua cidade saibam-se afinal

intemporais, absolutos (p. 422).

O deslocamento do sujeito (biolírico?), saído da provinciana Taquaritinga para


se instalar no cosmopolitismo de São Paulo (passando antes pela mediana Curitiba), não
é meramente geográfico: ele fragmenta o indivíduo moderno de modo a se sentir
proscrito no local que lhe serviu de berço, fato instaurador de uma crise existencial.
Mesmo ao final, o impasse não é desfeito. Mas uma alternativa é buscada na via
do distanciamento – pelo vidro (da janela da condução que o leva embora?) e pelo
sonho –, desde que o homem regresse para dentro de si, a fim de ameninar-se (e de
amenizar-se) a si e à terra natal, para que ambos voltem ao estágio original do conjunto
―nascimento: conhecimento‖.
No outro poema, ―Éluardiana‖, a figura infantil aparece como estandarte da
liberdade (tão cantada pelo poeta homenageado): ―uma criança ri na clareira dos
tempos‖. Entre os destroços de um local arrasado por alguma guerra – ―pelas ruas há
vestígios de combate / grilhões sem prisioneiro crepúsculos no chão‖ –, coisas e seres
pululam para que se instaure, mais do que a recomposição do espaço degradado, uma
nova cosmogonia:

a geometria irmã da liberdade


ensina a árvore a pular o muro
cansado de esperar revolta-se o relógio
e começa a marcar as horas do futuro

como o papel recuse confidências

99
a poesia liberta-se afinal
do poeta e a nudez vencedora
revoga a aporia do bem e do mal (p. 419).

No capítulo anterior, em ―Escolha de túmulo‖, a imagem do menino corresponde


à proposição de uma nova infância. Aqui, a magia infantil é associada à poesia, e esse
espírito único (―a nudez vencedora‖), ao quebrar o velho apego às separações, constrói
o corpo a ser por ele habitado: um mundo cercado de luz por todos os lados.
Ao exibir poemas externos à sua carreira, o poeta se mostra completamente
dentro de si, mesmo estando a seu esmo.

100
PRETÉRITO SEM FUTURO

De ontem para hoje (1996) foi a última peça poética que José Paulo Paes
publicou em vida. É livro à parte em sua bibliografia, pois a representatividade dele para
sua obra é bastante pequena, praticamente nula.
À semelhança de A meu esmo, do ano anterior, De ontem para hoje é um
opúsculo de poemas desgarrados, com a simples diferença de que este foi formado por
dez textos, ao passo que quinze integram aquele.
Outra nítida dessemelhança se dá em âmbito qualitativo, pois todos os poemas
desse livro situam-se abaixo da média da produção de Paes. Nenhum deles é
desprezível, mas dificilmente algum causará maior comoção, tanto no crítico quanto no
leitor comum (nos casos em que a diistinção é pertinente).
A baixa tem justificativa: o opúsculo é um arranjo de poemas órfãos de morada
cativa noutras obras de José Paulo Paes, e sua publicação em livro atendeu ao projeto
―Presente de amigo‖, da editora Boitempo.
Do pouco que se pode extrair, destaca-se a inclinação neoclássica, proveniente
do gosto particular do poeta –

Em tronco de velho freixo


exposto à lixa dos ventos
ao vitríolo do tempo
não gravo teu nome não:

gravo-o no meu coração (―Gonzaguiana‖, p. 443).

– e da convenção a que ele esteve relativamente ligado no início da carreira, a Geração


de 45, como se como se vê em ―Soneto ao soneto‖, com epígrafe de Domingos
Carvalho da Silva:

Perdeste em Leoni o decadente enredo


E essa perda afinal te enriqueceu:
Deixaste de ser grato ao filisteu
Que te queria digestivo e ledo.

Fez-te Augusto dos Anjos atro e azedo

101
Resmungo de defunto. Míope Orfeu,
Bandeira te tossiu e converteu-te
Em tísico e lírico segredo.

Sosígenes te deu pavões dementes,


Cassiano ardor trocadilhesco e dentes
Para mascar amêndoas concretistas.

Pôs-te Vinícius mijos dissolventes.


Mas isso no intramar; no ultra, entrementes,
Deu-te Pessoa estrelas imprevistas (p. 453).26

Completam essa linha ―Ítaca‖ e ―Sísifo‖, sendo este um sonetilho de versos em


redondilha maior, em que se exibe com alguma comicidade o eu todo retorcido do
poeta:

e eu sísifo tardotriste
a tilintar as correntes
de dilemas renitentes

lá me vou sem vez nem voz


rolar a pedra dos mudos
pela montanha dos sós (p. 448).

Mas, mesmo nesse livreto, de aparência marginal, Paes não deixou de imprimir
sua marca conciliatória. A feição preponderantemente bucólica, plantada por gregos e
colhida por árcades, que se anuncia já no texto de abertura – ―Baile na aldeia‖ –,
encontra no fim do livro o oposto ao qual se atrai, o poema concreto ―Natureza-morta‖,
fotografia verbal do cenário arquitetônico das urbes:

pprédiosprédiosprédiosprédiosprédios
prédiosaprédiosprédiosprédiosprédios
prédiosprédiosiprédiosprédiosprédios
prédiosprédiosprédiossprédiosprédios

26
―Alguns [poemas] remontam aos anos 40‖, explica o autor no ―Recado prévio‖ que
introduz o livro, à página 439.
102
prédiosprédiosprédiosprédiosaprédios
prédiosprédiosprédiosprédiosprédiosg
eprédiosprédiosprédiosprédiosprédios
prédiosmprédiosprédiosprédiosprédios
prédiosprédiosprédiosprédiosprédiosp (p. 454).

No mais, pouco se elege para a análise ou para o espírito (ou para ambos, por
que não?). Certamente o poeta sabia do pequeno alcance desses dez textos, os filhos
retirados das cavernas do passado não teriam grande futuro, aparecidos apenas para o
cumprimento de uma circunstância que os deu à luz. Um pouco turva, no entanto. O Sol
nasce para todos, e as sombras também.

103
COMO MESTRE, COM CARINHO

A lógica recomenda ver o último livro de um poeta como o encerramento de sua


obra, a conclusão com a qual ele se despede, triunfante ou decadente, da trajetória
biográfica de sua literatura.
Mas tanto a arte quanto a existência gostam de entortar a lógica, de subvertê-la
para mostrar as fragilidades de seu pretenso absolutismo. E, como nos melhores casos
não se pode dissociar a obra da vida, Socráticas (2001) é mais que o encerramento do
percurso poético de José Paulo Paes: vindo (vivo) a público quando o autor já estava
morto (o falecimento ocorreu em 1998), o livro se encaixa como peça fundamental na
estrutura cíclica da estética paesiana, ao colocar sentados à mesma mesa, ou na grama
de um prado, arte, pensamento, vida e morte.
Pleno de referências gregas (evidenciadas já no título), Socráticas possui três
partes que dividem mas não segregam os textos: alpha, na qual aparecem poemas
humorísticos e reflexivos, de caráter filosófico; beta, que registra a eternização de casos
e coisas efêmeras; gamma, consagração da intimidade com a morte, iniciada em livros
anteriores, retirando dela a imagem de ―indesejada das gentes‖.
José Paulo foi admirador confesso da cultura helênica, algo perceptível no seu
trabalho como tradutor de poetas antigos e modernos da Grécia. A partir disso, Paes
efetuou uma junção muito particular entre o seu próprio modo de escrita e o que
absorveu dos gregos, como se fosse um deles, sem ter deixado de ser ele próprio, como
indica a abertura de alpha.27

―Dois e dois são três‖ disse o louco.

―Não são não‖ berrou o tolo.

―Talvez sejam‖ resmungou o sábio (―Skepsis‖, p. 465).

Na apresentação do livro, Alfredo Bosi diz que na barulhenta pólis pós-moderna,


―José Paulo Paes quis e soube ser uma espécie de Sócrates em tom menor: a consciência

27
―A forma antiga, mas sempre renovável do epigrama e uma invenção modernista, o
poema-piada, tornaram-se sua marca registrada, embora não única [...].‖, salienta
Nelson Ascher em ―Socráticas de Paes traz altos e baixos do autor‖ (2001, p. E2).
104
vigilante que interroga e incomoda, ao encalço de uma verdade tão ácida que não poupa
nada nem ninguém‖ (2008, p. 461). E toda cidade barulhenta tem seus não menos
ruidosos arautos. Em nome da razão, grita-se para censurar o louco (o poeta?),
transgressor da inércia do senso comum. A intervenção do sábio (um filósofo?) desfaz a
peleja, pois com um ―talvez‖ ele ensina que conhecimento nem sempre é sinônimo de
sabedoria, rejeita a bifurcação do certo e do errado e pela dúvida afirma que a
consideração de possibilidades é o que pode nos retirar das trevas da norma, como
propôs (sabiamente) Adorno: ―A liberdade não consiste em escolher entre branco e
preto, mas em escapar a toda alternativa pré-estabelecida‖ (2001, p. 134). Ao sábio,
portanto, liga-se a capacidade de ―ver criticamente‖, como diz o título do texto.
Os críticos de Paes observaram corretamente que tanto o humor quanto a
concisão se fazem presentes em Socráticas, atribuindo ao livro consonância com a
produção mais sólida do poeta.
A essa consonância pode-se somar a intenção que Paes teve, mesmo sendo um
homem de pretensões lucidamente despretensiosas, de fazer de sua poesia uma maneira
de pensar a realidade, acrescentando algo ao mundo e ao leitor. A essência grega desse
livro não é apenas fruto do gosto do autor: aqui ele se torna um poeta-filósofo, e ladeia
sua poesia à dos poetas gregos antigos, a qual não se dissociava da formação do
homem, de acordo com Werner Jaeger: ―O poeta surge aos ouvintes como o filósofo da
vida [...]. Na sua passagem do heróico ao humano individual, a poesia conserva a
atitude educadora‖ (2001, p. 166).
Impregnada por tais valores, a escrita de Paes contesta os excessos de uma
modernidade que desfigurou o sentido da subversão –

– Deus está morto, tudo é permitido!


– Mas que chatice! (―Os filhos de Nietzsche‖, p. 466).
..................................................................................

– Desculpe: sou hétero (―Anacronia‖, p. 469).

– e, numa época ainda marcada por uma poética refratária ao antigo, propõe-se um novo
contato com a tradição, para cuidar de questões artísticas e coletivas também. A arte de
Paes alcança seu mais notável teor político, e sem a estridência do panfleto: formula a

105
expressão pelo silêncio, a ação a partir da parada, como se estampa em ―Fenomenologia
da humildade‖:

Se queres te sentir gigante, fica perto de um anão.

Se queres te sentir anão, fica perto de um gigante.

Se queres te sentir alguém, fica perto de ninguém.

Se queres te sentir ninguém, fica perto de ti mesmo (p. 471).

Talvez por ―socráticas‖ possam ser entendidas as lições que emanam dos
poemas, ainda que o mestre (ou talvez por isso mesmo) se mantenha afastado de
qualquer autopromoção – ―Eu sou o poeta mais importante / da minha rua. / (Mesmo
porque a minha rua / é curta.)‖, diz em ―Celebridade‖ (p. 475). Os trinta e sete poemas
que compõem o livro ampliam a imagem, aparecida especialmente em Prosas seguidas
de odes mínimas, de uma poesia íntima da vida.
Tal proximidade se efetua de diversas formas, seja no contato com o macro –
―NÃO TE AMAREI sobre todas as coisas, mas em cada uma delas, / por mínima que seja.
É o que compete aos poetas fazer‖ (―Promissória ao bom Deus‖, p. 488-9) –, seja no
relato de situações prosaicas: ―Mal saíra do casulo / para mostrar ao sol / o esplendor de
suas asas / um pé distraído a pisou‖ (―Borboleta‖, p. 481).
E é nessa esteira que se contemplam, com a mesma dignidade, vida e morte. Há
em Socráticas uma série de poemas constatadores da efemeridade do existir, sentido na
pele e na alma do homem já idoso a verificar sinais de sua própria transitoriedade:
―Talvez seja mais prudente continuar ouvindo o seu ganido abafado ao longo das noites
que ainda me restem‖ (―Prudência‖, p. 502).
Ao contrário do que se possa imaginar, a sensação do fim não traz
inconformação ou um febril carpe diem. Traz, antes, uma incrível resignação –

para quem pediu sempre tão pouco


o nada é positivamente um exagero (―Auto-epitáfio nº 2‖, p.
506).

– e o lúcido entendimento do término como fato necessário para o eterno recomeçar,


matéria de ―De malas prontas‖:

106
O vivido e o sonhado se misturam agora sem lhe causar es-
pécie.
É como se anunciassem um estado de coisas cuja possível
iminência não traz susto.
Só curiosidade. E um estranho sentimento de justeza (p. 501).

Todas essas belas lições vieram ao mundo quando José Paulo Paes já não o
habitava mais. Antonio Carlos Secchin vê o livro como um ―testamento poético‖, uma
herança que o poeta quis deixar para os que ficam num planeta ainda antipático à
sensibilidade (2003, p. 195). Socráticas é o elo triunfante que se junta à poética circular
de Paes, iniciada como aluno e consagrada como mestre, um Sócrates (algo que ele
certamente não diria, mas nós podemos dizer por ele) de sermão modesto porém
vigoroso.
Tanto que o último poema do livro é nomeado ―Dúvida‖, e, à maneira dos
sábios, prefere a pergunta à assertiva:

Não há nada mais triste


Do que um cão em guarda
Ao cadáver do seu dono.

Eu não tenho cão.


Será que ainda estou vivo? (p. 507).

O livro registra que o poema foi escrito no dia oito de outubro de 1998, véspera
da morte de José Paulo Paes. Como por toda sua vida ele nunca perdeu de vista a
comunicação de sua arte com os homens, podemos responder que sim, que ele está vivo,
como vivíssima foi, é e será a sua Poesia.

107
UM POETA NO MEIO DOS CAMINHOS

A poesia brasileira do século XX não nasceu na Semana de Arte Moderna, mas a


partir desse evento desenhou-se a ideologia mais comum entre poetas e poemas de
nosso tempo: a proposição de uma estética surgir sobre o banimento da que lhe fosse
anterior, numa hipotética escala evolutiva das artes em que a pior vanguarda nos quis
fazer acreditar.
Por terem tomado os parnasianos como alvo dileto, e a eles dirigir
desmerecimento deletério, os modernistas contribuíram para formar um pensamento
generalizante, de acordo com o qual a arte do passado seria sinônimo de arte
ultrapassada.
Não dizemos que os próprios modernistas pensavam assim (recorde-se da
famosa viagem que o grupo ―radical‖ fez a Minas Gerais reverenciando a arte barroca,
sem falar da erudição de Manuel Bandeira), mas a mentalidade criada a partir do
barulho da inovação bebeu em sua fonte, como diz Silviano Santiago:

Estamos acostumados a encarar o modernismo dentro da tradição da


ruptura, para usar a expressão de Octavio Paz, ou dentro da estética do
make-it-new, de Pound, ou ainda da tradição do novo, de Rosenberg, e
assim no infinito. A nossa formação esteve sempre configurada por uma
estética da ruptura, da quebra, por uma destruição consciente dos valores do
passado.28

Aos nomes e proposições citados pelo ensaísta, acrescento a convulsão


destrutiva de dadaístas e futuristas, estes assinalando em seu manifesto de 1909 a
postura estatutária das vanguardas que associa todos os valores convencionais a
aberrações:

Tendo a literatura até aqui enaltecido a imobilidade pensativa, o êxtase e o


sono, nós queremos exaltar o movimento agressivo [...]. Nós queremos

28
―A permanência do discurso da tradição no modernismo‖. In: Nas malhas da letra. p.
108. No ensaio, Silviano aponta que a ruptura dos modernistas esteve obviamente
longe de ser absoluta.
108
demolir os museus, as bibliotecas, combater o moralismo, o feminismo e
todas as covardias oportunistas e utilitárias [...]. É preciso destruir a
sintaxe.29

Tais são as bases da arena estético-ideológica do século XX. O abandono de


valores supostamente arcaicos não nasce aí, mas em nenhuma outra época se viu
instituir com tanta força a abolição do antigo.
No Brasil, a poesia absorveu esse espírito conflitivo mais do que qualquer outra
vertente artística. Ao longo do século passado, houve cinco tendências poéticas
consideráveis, estabelecidas como movimento (Modernismo e Concretismo), contra-
movimento (Geração de 45) ou simplesmente linha estética (como o que se tem
convencionado chamar de experimentalismo, talvez numa tentativa de identificar um
tipo de linguagem mais frequente hoje em dia). A essas tendências, que desenharam o
painel de diversidade posto diante de nós atualmente, soma-se a poesia marginal, mais
caracterizado pelo espírito rebelde e anticomercial da tríade contracultura-tropicalismo-
hippie do que por uma proposição estilística, o que não impediu seus adeptos de
intervirem na peleja poética nacional.
Não há homogeneidade nesses campos de expressão, porém um ponto as
assemelha ideologicamente: certa intolerância com as estéticas que se lhe avizinham, ou
seja, a crença de que cada fundação corresponde a uma anulação (ou evolução).
Seja biográfica ou poeticamente, José Paulo Paes atravessou todos esses
caminhos poéticos, absorvendo-os ou não, extraindo de alguns o que possuem de
melhor – a poesia como tradução ou invenção do idioma da vida – e rejeitando-lhes os
excessos normativos, que nada possuem de artístico.
Filhos do mosaico revolucionário da Europa, os modernistas apregoaram a
expulsão de estilos antigos sem maiores distinções: aos novos caberia espaço; aos
antigos, a condenação do não-lugar, como dizem dois de seus arautos – Menotti Del
Picchia: ―Morra Hélade! Organizaremos um zé-pereira canalha para dar uma vaia
definitiva e formidável nos deuses do Parnaso!‖30 – e Graça Aranha:

Repilo os artifícios do Passado, deslocado nesta feliz magnificência sem

29
MARINETTI, F.P. ―Manifesto futurista‖. Apud: Vanguarda europeia e modernismo
brasileiro. p. 91-5.
30
―Arte moderna‖, idem, p. 290.
109
história, nem antiguidade humana. Destruo toda essa arquitetura de
importação literária, grega, rococó, colonial, servil. Destruo toda esta
escultura convencional e imbecil, esta pintura mofina. Destruo toda essa
literatura acadêmica, romântica, literatura que só é literatura e não vida e
energia.31

A poesia de Paes colheu bem algumas das propostas modernistas, convergindo


para o piadístico (tão flagrante em sua escrita) –

a bom entendedor
meia palavra: bos- (―Cambronniana‖, p. 312)

– e para a não menos flagrante economia discursiva, chegando a pontos culminantes da


reinvenção do texto poético:

^ ´ ! (―O silêncio é de ouro!‖, p. 302).

Mesmo sendo admirador confesso dos modernistas – em especial de Oswald de


Andrade e de Manuel Bandeira –, Paes não se trancou no beco do humor nem nas cores
do nacionalismo, também caro aos modernos. Toda a sua obra é marcada por textos em
que se valorizam elementos tradicionais, sejam especificamente literários ou não.
Quando despontava para a literatura, o poeta se encontrava em meio à Geração de 45,
antipática aos transgressores de 22 e afeiçoada à recuperação da poesia ―aurática‖, como
indica Domingos Carvalho da Silva em ―Há uma nova poesia no Brasil‖, de 1948:

Não se trata de uma questão opinativa, mas de um fato verificável


objetivamente. O modernismo foi ultrapassado. Cabe portanto aos poetas
novos prosseguir o rumo que se anuncia, sem transigência com o
passadismo e sem compromissos com a Semana de Arte Moderna.32

A ocasião poderia gerar um impasse, mas José Paulo não vê nenhuma


incoerência em acender velas a neogregos e paulistanos. Já poeta feito, ele reverencia,

31
―O espírito moderno‖, idem, p. 324.
32
Apud Contramargem. p. 104.
110
em ―Prosa para Miramar‖, a figura de Oswald de Andrade, ao mesmo tempo em que se
reconhece filiado aos de 45:

O sorriso, os dentes de antropófago.


A língua afiada
nos ridículos de gregos e troianos.

Não de pobres interioranos como eu, recruta


da geração de 45
(inofensiva, apesar do nome
de calibre de arma de fogo)
[...]

Para mim ele era o velho piaga


(meninos eu vi) de uma tribo definitivamente morta
mas cujos ossos haveremos de carregar conosco muito tempo
queiram ou não
os que só têm medo de suas próprias sombras (p. 382).

E, num de seus primeiros passos, o poeta reúne na forma clássica nomes da


empreitada anticlássica:

São meus todos os versos já cantados:


A flor, a rua, as músicas da infância,
O líquido momento e os azulados
Horizontes perdidos na distância.

Intacto me revejo nos mil lados


De um só poema. Nas lâminas da estância
Circulam a memória e a substância
De palavras, de gestos isolados.

São meus também, os líricos sapatos


De Rimbaud, e no fundo dos meus atos
Canta a doçura triste de Bandeira.

Drummond me empresta sempre o seu bigode,


Com Neruda, meu pobre verso explode
E as borboletas dançam na algibeira (―O aluno‖, p. 31).

Aceitar sugestões sem se submeter a diretrizes. Foi com esse espírito que José
Paulo Paes também se relacionou com o Concretismo, vanguarda brasileira de caráter

111
ambíguo, visto ser a de realizações mais radicais (chegando à poesia sem palavras) e a
de maior penetração no ambiente acadêmico, uma vez que seus principais membros –
eruditos – atuaram substantivamente nas áreas da teoria e da tradução.
Ao marcarem posição, os concretos foram barulhentos. Num quase ―contra tudo
e contra todos‖ do século XX brasileiro (exceção feita a Oswald, a João Cabral de Melo
Neto e a uns poucos mais), as soberbas declarações do movimento sugerem ser esse um
patamar maior da arte nacional, cujos objetivos se pautam ―pela liquidação da trôpega
tradição expressionista da arte moderna brasileira (a abstrata inclusive)‖.33
O estampido do ciclo histórico do verso não perturbou os ouvidos de Paes, tanto
que em 1954 e em 1958 ele compôs livros de alta voltagem política, preocupando-se
mais com poesia do que com celeumas poéticas.

Não sei palavras dúbias. Meu sermão


Chama ao lobo verdugo e ao cordeiro irmão.

Com duas mãos fraternas, cumplicio


A ilha prometida à proa do navio.

A posse é-me aventura sem sentido.


Só compreendo o pão se dividido.

Não brinco de juiz, não me disfarço em réu.


Aceito meu inferno, mas falo do meu céu (―Poética‖, p. 121).

A poesia é incansável em sua vocação para nos reeducar, principalmente por


alterar as ―sólidas‖ noções frágeis em que nos apoiamos. No contexto envolvendo José
Paulo e os concretistas, o poeta fez o que eles fizeram, sem fazer o que eles diziam. Foi
assim que estampou em seus livros marcas de problematização do poder mimético do
discurso convencional –

águamolepedradura
águaáolepedradura
águaáglepedradura
águaáguepedradura
águaáguapedradura
águaáguaáedradura

33
Teoria da poesia concreta, p. 89.
112
águaáguaágdradura
águaáguaáguradura
águaáguaáguaadura
águaáguaáguaádura
águaáguaáguaágura
águaáguaáguaágura
águaáguaáguaáguaa
águaáguaáguaáguaá (―Elegia holandesa‖, 308).

–, até chegar à a extrapolação da estrutura do discurso comum (vista, por exemplo, em


―sick transit‖, p. 189):

À postura rígida e erudita do Concretismo opôs-se a poesia marginal, tendência


mais despojada esteticamente e, num primeiro momento, anticomercial e antiacadêmica,
assim definida por Heloisa Buarque de Hollanda: ―Merece atenção a retomada da
contribuição mais rica do modernismo brasileiro, ou seja, a incorporação da poética do
coloquial como fator de inovação e ruptura com o discurso nobre acadêmico‖.34
Os marginais não chegaram a constituir um movimento de fato, com manifestos
ou eventos inauguradores. Mas nem por isso se abstiveram do embate comum aos
poetas da modernidade nacional, como ilustram um poema de Cacaso –

Estilos de época

34
26 poetas hoje, p. 11.
113
Havia
os irmãos Concretos
H. e A. consaguíneos
e por afinidade D.P.,
um trio bem informado:
dado é a palavra dado
E foi assim que a poesia
deu lugar à tautologia
(e ao elogio à coisa dada)
em sutil lance de dados:
se o triângulo é concreto
já sabemos: tem três lados.

– e outro de Jorge Vanderley, que não se inclui entre os marginais, mas foi
contemporâneo dos mesmos:

um adepto da poesia concreta


critica o crítico a pontapés
e socos e dentadas
– tudo sólido –
dizendo
da próxima vez
vá criticar um poeta abstrato 35

É sempre importante que o crítico se previna do comentário mais apressado,


estimulado por suposta obviedade. Foi justamente em livros lançados entre fins da
década de 60 e a de 80 que José Paulo Paes passou a assinar seu nome com as tintas da
comicidade, mas não se pode ver nisso um poeta desfigurado, desprovido de face por
tomar parte das várias máscaras fornecidas pelas estéticas que lhe foram
contemporâneas. Até mesmo porque o âmbito da poesia marginal restringiu-se
praticamente ao Rio de Janeiro, e também porque esses mesmos livros (de Paes) são os
que trazem maior contribuição dos concretistas, cujo movimento tem raízes em São
Paulo. Nessas páginas há textos herdeiros do poema-piada, como ao gosto dos
marginais –

– a chuva me deixa triste...


– a mim me deixa molhado (―Falso diálogo entre Pessoa e
Caeiro‖, p. 213).

35
Ambos os poemas foram extraídos de Forças e formas, p. 44-5.
114
– e outros emblematicamente pró-concretos:

o concretismo está morto

viva a poesia
concreta (―Sucessão‖, p. 291).

A atual face da poesia brasileira é, paradoxalmente, tão perceptível quanto


inclassificável, a ponto de unir na mesma ideia críticos de perspectivas bastante
diversas, como Célia Pedrosa – ―O tempo presente, o nosso tempo, está longe de poder
ser apreendido por uma única visada totalizante‖36 – e Alexei Bueno – ―O julgamento
de qualquer arte sem distanciamento temporal é das ações mais problemáticas‖.37 A
crítica em geral vê nela pluralidade, mas tal diversidade é bastante relativa, visto que o
discurso dos próprios poetas tende a certa homogeneidade, pois ao falarem sobre suas
obras, não raro se valem de termos como ―ruptura‖, ―transgressão‖, ―trabalho com a
linguagem‖ e, com maior força, ―experimentalismo‖.
Em ―Caminhos recentes da poesia brasileira‖, Antonio Carlos Secchin diz que a
escrita de hoje ainda é muito tributária do Concretismo (1996, p. 93). A opinião de
Secchin se confirma por haver entre os poetas hodiernos grande exploração do discurso,
não especificamente isolando a palavra em sua autonomia corporal e semântica, como
ao gosto concreto, mas pelo desapego à representação ou à expressão de conteúdo.
Ademais, João Cabral de Melo Neto é uma referência tanto para os que se estabelecem
hoje quanto para os que despontavam nos anos 50, sob o manto do antilirismo proposto
pelo pernambucano. Ou seja, a poesia atual tem se dedicado, assim como as artes
plásticas e visuais, à metalinguagem, preferindo o viés da contestação teórica e da
desconstrução de verdades ao diálogo mais amplo com o receptor. Ela tem sido, no
geral, uma poesia para especialistas, como observa Eric Hobsbawn: ―Mais
perigosamente, a demanda acadêmica estimulou a produção de uma literatura de criação
que se prestava à dissecação em seminários, e portanto se beneficiava da complexidade,
se não incompreensibilidade‖.38

36
―Considerações anacrônicas: lirismo, subjetividade, resistência‖. p. 10.
37
Uma história da poesia brasielira, p. 396.
38
―Morre a vanguarda‖, p. 492.
115
Muito do que se faz na poesia contemporânea do Brasil resulta de fatos
ocorridos noutros espaços e tempos. Na metade do século, quando já era grande a
vontade de transgredir parâmetros, a transferência da capital cultural do Ocidente de
Paris para Nova Iorque foi decisiva para que o abstracionismo, numa empresa mais
mercadológica que estética, fosse eleito a maior das novidades na arte mundial.
A partir de um feito comercial, como aponta Giulio Carlo Argan em Arte
Moderna – ―A vanguarda, que na Europa andava contra a corrente, nos Estados Unidos
segue pari passu com o avanço tecnológico‖ (1992, p. 525) –, os americanos quiseram
ingressar na história da arte ocidental com uma marca própria, e essa foi o
expressionismo abstrato, tomada quase que imediatamente como ferramenta de
propaganda internacional do americanismo durante a Guerra Fria. É o que revela
Frances Stornor Saunders, em Quem pagou a conta?: ―Sendo não figurativo e
politicamente silencioso, ele [o expressionismo abstrato] era a própria antítese do
realismo socialista [...]. Nas palavras de seus apologistas, era uma intervenção
explicitamente norte-americana no cânone modernista‖ (2008, p. 277. Grifo da autora).
Torna-se difícil não acreditar numa nova construção do gosto (ao padrão político
dos americanos), num modismo propagado como sinônimo de modernidade, rimando
com liberdade (ou, nas entrelinhas, com normatividade), e que logrou muitos adeptos
entre os nossos.
A crença na sucessão gradativa das rupturas ganhava um novo episódio, e todo
esse bolo ―antitradição‖ fermentou-se por anos, até chegar ao ponto de a arte prescindir
de si própria. Ao fazer a cobertura jornalística da 27ª Bienal de São Paulo para o
―Segundo Caderno‖ do jornal O Globo, Luiz Camillo Osorio disse, sobre algumas
obras, que ―não surgiram com a intenção de ser arte, nem tampouco passaram a ser pelo
fato de estarem em uma bienal – ser ou não ser arte é o que menos interessa‖.39
Pode-se compreender que o crítico tenha absorvido em seu texto o ponto de vista
dos artistas, que não necessariamente será o seu; o que não parece de fácil entendimento
é o fato de num evento consagrado à exposição e à apreciação de obras de arte, a
especificidade artística destas (o que dá a elas, ao menos em tese, o ingresso para a
ocasião) ser algo de menor importância, revelando um raciocínio já desgastado e de
efeito monótono e ineficaz, visto já serem centenários os movimentos de vanguarda.

39
―Sem amarras‖. In: O Globo. Rio de Janeiro, 18 de outubro de 2006. Grifo meu.

116
José Paulo Paes esteve atento a esses fenômenos, e, em Socráticas, avaliou-os
com irreverência –

– Deus está morto, tudo é permitido!


– Mas que chatice! (―Os filhos de Nietzsche‖, p. 466).

– e com seriedade:

Nada envelhece tão depressa quanto a novidade.

Só o que já nasceu velho é que não envelhece (―Aporia da


vanguarda‖, p. 473).

A poética de Paes caminha pelo labirinto que se tornou a arte ocidental do século
XX numa contramão autêntica, sem se deixar levar pela novidade oca, reivindicada
quando a transgressão não faz sentido. O poeta nega a vocação do século para a
destruição e para o separatismo, efetivando em sua escrita uma aglutinação ímpar em
nossa literatura: ―Eu procurei dentro das orientações típicas de cada geração, de cada
movimento literário, achar o meu próprio caminho‖.40
O caminho escolhido buscou no somatório do que havia de mais clássico e de
mais moderno respostas às questões da arte e às questões humanas, em especial aos
conflitos que adoecem o Ocidente. A poesia de Paes é fiel à vida na medida em que não
nega seus movimentos para privilegiar palavras de ordem separatistas do que é uno em
sua essência, como percebe Gerd Bornheim:

Já os gregos perceberam que conceitos opostos costumam atrair-se, que eles


formam de algum modo uma unidade, ainda que conflituada; mas os
opostos se pertencem; e como que nascem de uma mesma raiz. Eles se
reclamam, talvez para se destruírem. Ou avançam em sua oposição, e
chegam a construir uma nova e harmoniosa unidade. Assim, toda realidade
seria entendida a partir da oposição de contrários que, mesmo nunca

40
Biografia e criação literária. Vol.2: entrevistas com escritores de São Paulo. Niterói:
NitPress, 2008. p.55-68.

117
definitivamente superáveis, seriam instauradores da dinamicidade do real.41

Partindo dessa relação harmoniosa com o passado, o poeta, já consagrado em


Prosas seguidas de odes mínimas, manifesta também o desejo de se sintonizar aos
vindouros, numa resposta direta aos que declaram a morte de todas as coisas:

A pólvora já tinha sido inventada, a Bastilha posta abaixo e


o czar fuzilado quando eu nasci. Embora não me restas-
se mais nada por fazer, cultivei ciosamente a minha mio-
pia para poder investir contra moinhos de vento.

Eles até que foram simpáticos comigo e os de minha gera-


ção. Fingiam de gigantes, davam berros horríveis só pa-
ra nos animar a atacá-los.

Faz muito tempo que os sei meros moinhos. Por isso os der-
rubei e construí em seu lugar uma nova Bastilha. Vou
ver se escondo agora a fórmula da pólvora e arranjo um
outro czar para o trono.

Quero que meus filhos comecem bem a vida (―Sobre o fim da


História‖, p. 387).

Nem modernista, nem de 45, nem concreto, nem marginal, nem


experimentalista. José Paulo Paes foi poeta: de muitos progenitores, sem ser epígono;
desejando filhos, sem querer-se pai. Sua poesia interessou-se bem mais, desde o seu
surgimento, pelo que interessa à grande arte: intervir no homem, no mundo, na vida.
No tempo da indústria da inversão de valores, marcado pelos infartos e pelas
depressões, a poesia de Paes opõe-se aos obstáculos da sensibilidade, como também
sempre se faz presente para celebrar os possíveis e imprescindíveis sorrisos da vida. É
por isso que deixamos a encargo dele a consideração triunfal, a fim de que a despedida
tenha sabor de permanência:

O funil da ampulheta
apressa, retardando-a,
a queda
da areia.

Nisso imita o jogo

41
―O conceito de tradição‖, p. 15.
118
manhoso
de certos momentos
que se vão embora
quando mais queríamos
que ficassem (―Elogio da memória‖, p. 482).

119
REFERÊNCIAS

De José Paulo Paes

PAES, José Paulo. Poesia completa. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

______. Quem, eu? Um poeta como outro qualquer. 5ª ed. São Paulo: Atual, 1996.

Sobre José Paulo Paes

ARRIGUCCI JR., Davi. ―Agora é tudo história‖. In: PAES, José Paulo. Melhores
poemas. 5ª ed. São Paulo: Global, 2003.

ASCHER, Nelson. ―Socráticas de Paes traz altos e baixos do autor‖. In: Folha de São
Paulo, 21 de abril de 2001. p. E2.

BIELLA, João Carlos. Um ironismo como outro qualquer: a ironia na poesia de José
Paulo Paes. São Paulo: UNESP, 2008.

BOSI, Alfredo. ―Apresentação‖. In: PAES, José Paulo. Poesia completa. São Paulo:
Companhia das Letras, 2008.

______. ―O livro do alquimista‖. In: Céu, inferno. 2ª ed. São Paulo: Duas Cidades,
2003.

HOLLANDA, Sérgio Buarque de. ―Nota explicativa sobre as Cartas chilenas‖. In:
Revista Brasiliense, volume 7. São Paulo, setembro / outubro de 1957.

NAVES, Rodrigo. ―Um homem como outro qualquer: José Paulo Paes‖. In: PAES, José
Paulo. Poesia completa. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

NETO, Henrique Duarte. O humor cáustico no universo da meia palavra: sátira e


ironia na poesia de José Paulo Paes. Desterro: Nephelibata, 2006.

NETO, Miguel Sanches. ―Primeiro caderno do aluno de poesia José Paulo Paes‖. In:
PAES, José Paulo. O aluno. 2ª ed. Ponta Grossa: UEPG, 1997.

SECCHIN, Antonio Carlos. ―O testamento poético de José Paulo Paes‖. In: Escritos
sobre poesia & alguma ficção. Rio de Janeiro: Eduerj, 2003.

______. ―Um poeta em paz‖. In: Poesia e desordem. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.

120
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