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AVANÇADOS DA
TEORIA
LITERÁRIA
Francisco de Souza Gonçalves
Foco narrativo e
tipos de narrador
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
Introdução
Neste capítulo, você vai estudar o foco narrativo e o narrador, que são
dois dos mais importantes elementos de uma história. A narrativa é um
mundo projetado pelo autor, que estabelece relações de contiguidade
com o real (MOISÉS, 2004). É um admirável universo criado pelo artista
da letra, que convida o leitor a uma viagem ímpar e desafia o estudioso
da literatura a decodificar as suas tantas significações.
Desde os seus primeiros passos, a humanidade utiliza o texto como
ferramenta de expressão. A narrativa explica tanto o mundo quanto o
universo interior dos homens a partir de uma perspectiva dialógica e
multirrelacional (MOISÉS, 2006), processo a que os filósofos do mundo
antigo chamaram mimese.
O narrador
No campo da arte, mímesis (ou mimese) significa “imitação”. Você provavelmente
já ouviu que “a vida imita a arte”. Bem, quando o contrário se dá, quando a
arte imita a vida, acontece a mimese. O termo mímesis vem dos antigos gregos,
principalmente de Platão, na obra A República, e de Aristóteles, em Poética. Em
2 Foco narrativo e tipos de narrador
arte, esse termo signifi ca, basicamente, que nenhuma obra seria construída apenas
como fruto da imaginação do autor. As obras seriam, na verdade, uma imitação
de aspectos do real, lapidados pela criatividade do artista (SOUZA, 2007).
Platão e Aristóteles definiam a mimese como uma representação da
natureza, do real. Segundo Platão, toda criação artística seria uma forma
de imitação das coisas concretas que o homem percebe em sua existência.
Estas, por sua vez, seriam imitações de tudo o que realmente há no mundo
das ideias, um mundo perfeito, fora do mundo material (PLATÃO, 2017).
Portanto, a arte, para ele, seria uma imitação de segundo grau, enquanto
outras formas de discurso, como a filosofia, estariam mais próximas da
verdade.
Platão também diferenciava a mimese e a narrativa. Enquanto a arte mi-
mética cederia a palavra aos personagens, a narrativa falaria por si, ou seja,
usaria a mediação de um narrador, aquele que conta a história. Logo, nessa
perspectiva, a arte passa a ser compreendida como cópia ou reflexo da realidade
concreta, noção que hoje em dia é questionada e relacionada aos escritos de
Aristóteles sobre o assunto (ARISTÓTELES, 2017).
A visão de Aristóteles sobre a mimese, na Poética, é mais positiva. Ao
falar da tragédia, por exemplo, ele enfatiza que nela há a imitação de uma ação
(ARISTÓTELES, 2017), mas também diz que a poesia (e nisso inclui as artes
lírica, épica e dramática) pode ser imitação não apenas do que já aconteceu,
mas do que poderia acontecer. Nesse sentido, Aristóteles vê a literatura como
possibilidade, levando em conta a capacidade humana de fantasiar ou imaginar.
Além disso, para ele, a narrativa não é diferente da mimese, porque é um dos
modos pelos quais a arte imita a vida. Outro deles seria, por exemplo, o modo
como textos dramáticos são encenados em uma representação teatral. Não há
em Aristóteles, por essas razões, uma relação de superioridade entre a poesia
e a filosofia, como ocorre em Platão.
Tanto nas narrativas antigas quanto nas contemporâneas, existem
elementos essenciais para o êxito da contação de uma história. Depois de
tantos séculos de produção, a narratologia, importante campo de estudo da
teoria literária, pôde isolar tais elementos para analisá-los mais
cuidadosamente.
Foco narrativo e tipos de narrador 3
Na narratologia, o narrador é visto como “autor textual”, aquele que enuncia o dis-
curso (CHIAPINNI, 2002). A partir de Norman Friedman, diversos estudiosos, como
Ligia Chiappini, discutem uma entidade chamada autor onisciente intruso (similar
ao narrador onisciente intruso). Tal autor interfere no texto, fazendo comentários e
passando, em dado momento, a migrar da terceira para a primeira pessoa, mudando
de foco narrativo, como ocorre em alguns livros de Machado de Assis.
O foco narrativo
O foco narrativo é um importante elemento para o estudo de um texto literário.
Nos estudos da narrativa, há dois focos narrativos ou pontos de vista principais
a partir dos quais o narrador pode contar a sua história (MOISÉS, 2006): o
da primeira pessoa (eu, nós) e o da terceira pessoa (ele, eles). De acordo com
o foco narrativo em que se dá o relato, é possível categorizar, didaticamente,
os tipos de narrador que um texto pode apresentar.
4 Foco narrativo e tipos de narrador
Os tipos de narrador
Narrador-personagem
Leia com atenção o trecho a seguir e reflita sobre a construção do narrador de Machado
de Assis:
Narrador-personagem protagonista
Narrador-personagem testemunha
Veja este trecho retirado do livro de Hatoum (2006, p. 39): “Ele me fazia revelações
em dias esparsos, aos pedaços, ‘como retalhos de um tecido’. Ouvi esses ‘retalhos’, e
o tecido, que era vistoso e forte, foi se desfibrando até esgarçar”.
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Narrador-observador
Narrador onisciente
Esse narrador tenta se mostrar imparcial a respeito do que relata, sem juízos
de valor ou opiniões explícitas.
Foco narrativo e tipos de narrador 9
Veja a seguir algumas dicas que podem ajudá-lo a analisar o narrador de um texto.
Identifique em que pessoa os verbos da narrativa estão: se nas primeiras (eu/nós) ou
nas terceiras (ele/eles). Assim, você vai saber qual foco narrativo o narrador adotou.
Analise os pronomes utilizados pelo narrador, especialmente os pessoais e os pos-
sessivos (eu, ele, nós, eles, meu, dele, dela), pois eles também trazem a informação
de que você necessita sobre o foco narrativo adotado.
Depois de identificados os focos narrativos, parta para a classificação do tipo de
narrador. Lembre-se: se o foco estiver em primeira pessoa, o narrador é personagem;
caso o foco venha em terceira pessoa, o narrador pode ser observador ou onisciente.
Somente por meio de uma leitura atenta é possível diferenciar o narrador-perso-
nagem protagonista do narrador-personagem testemunha. Pense de que forma
ele participa da história: ele é o personagem principal ou apenas presencia o que
está acontecendo?
Para diferenciar o narrador onisciente do observador, leia o texto algumas vezes. Em
suas leituras, avalie se a descrição que o narrador promove sobre as personagens é
baseada somente no que ele vê ou em elementos emocionais, mentais, psíquicos.
No segundo caso, ele pode ser um narrador onisciente.
Leituras recomendadas
ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Site. [2018]. Disponível em: <http://www.academia.
org.br/>. Acesso em: 26 set. 2018.
CHIAPINNI, L. O foco narrativo. São Paulo: Ática, 2002.
EAGLETON, T. Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
PRIBERAM. Dicionário Priberam. c2018. Disponível em: <https://www.priberam.pt>.
Acesso em: 26 set. 2018.
REIS, C.; LOPES, A. C. M. Dicionário de teoria da narrativa. São Paulo: Ática, 1988.