Você está na página 1de 7

02/03/2017 Além 

do Cotidiano ­ Roteiro ­ Cinema ­ Videogames ­ Antropologia ­ Quadrinhos

Além do Cotidiano
tópicos sobre narrativa, roteiros e mundos virtuais

Tipos de Finais
Escolhendo como terminar sua obra.
Por Sandro Massarani

Um escritor deve dar igual importância aos três atos de sua história
(início, meio e ᕘm), mas não há como discordar de que muitas vezes um
ótimo ᕘnal consegue redimir uma narrativa medíocre e um ᕘnal mal
formulado pode acabar enfraquecendo uma ótima obra. Logo, para
muitos, a última impressão é a que ᕘca e um autor deve saber trabalhar
bem com essa ideia. O ᕘnal de uma obra deve representar o maior
obstáculo enfrentado pelo personagem principal. É a sua maior batalha,
seja ela interior ou exterior, e formará o clímax da obra.

Lembrando que um ᕘnal deve ser sempre "satisfatório", ou seja, o


espectador/leitor deve, ao ᕘm da narrativa, chegar a conclusão de que o
ᕘnal respeitou as características da obra, mesmo que esse ᕘnal não tenha
sido de total agrado para todos. Uma das maneiras de se conseguir um
ᕘnal satisfatório é basicamente responder às perguntas levantadas no
início. Podemos superᕘcialmente dizer que o Ato I, o início da obra, é o
momento de levantar perguntas. Será que o personagem principal
conseguirá determinado objetivo? Durante o Ato II, o meio, a história se
desenrola, e no ᕘnal, o Ato III, as perguntas do início devem ser
respondidas. Veremos que há exceções a esse modelo, mas facilita muito
pensarmos em uma obra como um diálogo intermediário (Ato II) entre
perguntas (Ato I) e respostas (Ato III).

Após analisarmos inúmeras obras, em todos os campos da narrativa,


podemos observar características comuns relacionadas aos ᕘnais desses
trabalhos, e obter assim uma espécie de classiᕘcação. Por isso, meus
estudos levaram a conclusão de que uma obra narrativa pode ter seis
tipos de ᕘnais: Utópico, Positivo, Negativo, Balanceado, Inconclusivo e
Surpreendente. Vamos analisar cada um desses tipos.

***ATENÇÃO: Utilizarei algumas obras como exemplos e seus ᕘnais serão

http://www.massarani.com.br/rot­finais­roteiro­cinema.html 1/7
02/03/2017 Além do Cotidiano ­ Roteiro ­ Cinema ­ Videogames ­ Antropologia ­ Quadrinhos

descritos. Portanto, caso você não queira saber esses ᕘnais, basta não ler
a parte dos exemplos que acompanha a explicação de cada tipo de ᕘnal.

FINAL UTÓPICO

O Final Utópico é aquele onde tudo dá certo para o protagonista. Ele


consegue seus principais objetivos, o vilão/oposição é derrotado e punido
e os personagens secundários que apóiam o protagonista também
terminam bem. É o famoso "viveram felizes para sempre".

Alguns teóricos chamam esse tipo de ᕘnal de Hollywoodiano, pois muitos


ᕘlmes americanos tem a tendência de retratar esse tipo de história. Isso
ᕘcou claro principalmente durante a década de 30, altamente turbulenta
por causa da grande crise capitalista de 1929. Acontece que a vida não é
assim, e esse ᕘnal acaba não correspondendo a realidade. Logo, o autor
deve ter um pouco de cautela. A maioria dos desenhos animados da
Disney tem ᕘnais utópicos, havendo raras exceções como O Rei Leão.

A ideia central por trás desse tipo de ᕘnal no nosso mundo


contemporâneo, é a de que o cidadão passa por tanta apurrinhação e
estresse na vida diária que uma obra utópica serve para levantar o seu
ânimo, e isso muitas vezes é verdade. Em alguns momentos queremos
sim ver tudo dar certo para um personagem ᕘccional, mas diᕘcilmente
uma obra séria se sustenta com esse tipo de ᕘnal.

Exemplos:

Uma Linda Mulher (Garry Marshall, 1990) - Uma prostituta conhece um


milionário e ambos acabam se apaixonando, vencendo todos os
impecílios. Típico de contos de fada.

FINAL POSITIVO

Quando o personagem principal consegue a maioria dos seus objetivos,


principalmente o de vencer o principal obstáculo, mas sofre algumas
perdas durante o caminho, temos o Final Positivo, mais próximo da
realidade do que o Utópico. Raramente o personagem principal morre em
um ᕘnal positivo, mas isso pode acontecer, desde que a mensagem ᕘnal
seja a de um triunfo realizador.

Personagens secundários ligados positivamente ao protagonista


geralmente são os escolhidos para serem "sacriᕘcados" e provocar
sofrimento. É importante notarmos que diᕘcilmente um ᕘnal é positivo se
o objetivo principal do protagonista não for alcançado. A exceção seria o
protagonista perceber que o seu desejo inicial não corresponde mais a
http://www.massarani.com.br/rot­finais­roteiro­cinema.html 2/7
02/03/2017 Além do Cotidiano ­ Roteiro ­ Cinema ­ Videogames ­ Antropologia ­ Quadrinhos

sua vontade, e então ele acaba ᕘcando mais satisfeito e realizado


alterando seus objetivos no ᕘm.

Exemplos:

O Senhor dos Anéis (J.R.R. Tolkien, 1955) - Na clássica trilogia de fantasia, o


grande inimigo Sauron é derrotado pelos povos livres. Porém, incontáveis
perdas signiᕘcativas ocorrem na jornada, como a do guerreiro Boromir e
o êxodo dos Elfos, que resolvem sair da Terra Média. No entanto, a
mensagem ᕘnal é clara o bem triunfa.

Rocky (John Avildsen, 1976) - Boxeador fracassado do subúrbio da Filadélᕘa


tem a chance de disputar o título mundial de boxe. Reparem que o
principal objetivo de Rocky não é vencer Apolo o doutrinador, mas sim
aguentar os 15 rounds e conquistar a tímida Adrian, o que ele consegue.
Se ele vencesse a luta aí sim o ᕘnal seria utópico, muito forçado, e
provavelmente o ᕘlme não ganharia o Oscar.

FINAL NEGATIVO

Bem, esse tipo de ᕘnal é aquele que você mal consegue levantar da
cadeira ao concluir a obra de tanta depressão. O personagem principal
simplesmente não consegue seu objetivo e geralmente tem um destino
trágico. O positivo contido na narrativa não é suᕘciente para equilibrar
nossos sentimentos. Ao contrário do que possa parecer, Hollywood está
cheia de ᕘnais negativos, incluindo inúmeros vencedores de Oscar.

Exemplos:

Amadeus (Milos Forman, 1984) - O grande gênio da música Wolfgang


Amadeus Mozart não consegue se estabelecer como um músico da corte
austríaca, tem grandes diᕘculdades no casamento, ᕘca doente, morre e é
enterrado em uma vala comum. O pouco sucesso em vida e o
monstruoso sucesso após a morte não compensam o sofrimento. Oscar
de melhor ᕘlme.

Menina de Ouro (Clint Eastwood, 2004) - Boxeadora ᕘca quadriplégica e seu


técnico a ajuda em seu suicídio. Esse é bem pesado. Oscar de melhor
ᕘlme.

The Amazing Spider-Man 121 - A Noite que Gwen Stacy Morreu (Gerry Conway,
Gil Kane, John Romita, 1973) -  Para quem só conhece o Homem-Aranha
dos ᕘlmes, saiba que sua vida nos quadrinhos é mil vezes pior. Nessa
trágica história, Gwen Stacy, a namorada de Peter Parker (o nosso herói), é
atirada de uma ponte pelo mortal Duende Verde. O Homem-Aranha ainda
http://www.massarani.com.br/rot­finais­roteiro­cinema.html 3/7
02/03/2017 Além do Cotidiano ­ Roteiro ­ Cinema ­ Videogames ­ Antropologia ­ Quadrinhos

lança sua teia para resgatar a amada mas ela acaba perdendo a vida. Até
hoje persiste a dúvida se ela morreu do choque da queda ou quando a
teia grudou nas suas costas provocando forte impacto. No primeiro ᕘlme,
a Gwen Stacy é substituída por Mary Jane e a morte não acontece. Apesar
do Duende ter morrido acidentalmente no duelo ᕘnal, a perda é
irreparável e, como muitas das histórias do Homem-Aranha, o ᕘm é
depressivo.

FINAL BALANCEADO

O Final Balanceado é difícil para o autor escrever, e na minha opinião é o


tipo de ᕘnal mais próximo da realidade. É um ᕘnal onde o personagem
principal consegue seu objetivo com grande perda, ou onde ele não
consegue seu objetivo mas no ᕘm temos uma sensação de esperança, um
pequeno sorriso no canto da boca. Grandes obras foram feitas e
agraciadas com este tipo de ᕘnal. Às vezes tendemos a achar que um ᕘnal
é negativo só porque não houve uma vitória ᕘnal, quando na verdade
esse ᕘnal foi equilibrado e/ou esperançoso. Os exemplos abaixo deᕘnem
bem um ᕘnal balanceado.

Exemplos:

Thelma & Louise (Ridley Scott, 1991) - Sem dúvida um dos melhores ᕘlmes
dos últimos 30 anos, narra a história de duas amigas que resolvem fazer
uma pequena viagem para fugir do cotidiano. Os problemas graves
começam quando em uma noitada no bar, uma  amiga mata um homem
que tentava abusar sexualmente da outra. Elas se desesperam e fogem,
iniciando uma corrida contra a polícia com o objetivo de chegar ao
México. No ᕘm, cercadas pela lei, resolvem jogar o carro do topo da
montanha em direção a morte. De início podemos achar que se trata de
um Final Negativo. Porém, ao longo do ᕘlme, as amigas realizam uma
jornada de descobertas em relação ao sentido da vida, se envolvendo em
aventuras e tendo excelentes momentos. A imagem ᕘnal do ᕘlme não
mostra o carro se chocando nas montanhas, mas sim congela a tela com
o carro no meio do ar, como se a vida durasse para sempre. Nos créditos
ᕘnais vemos uma montagem de fotos que mostra momentos de alegria
das amigas. Foi uma jornada (quest) que acabou em morte, mas nos
mostrou como a vida pode ser intensamente vivida, e que é melhor, pelo
menos para alguns, morrer livre do que viver preso.

Cartas de Iwo Jima (Clint Eastwood, 2006) - Pela primeira vez um ᕘlme
ocidental tenta mostrar a Segunda Guerra pela visão dos japoneses,
retratando a famosa batalha na ilha de Iwo Jima contra os EUA no Oceano
Pacíᕘco. O ᕘlme é tenso, destacando o conᕰito entre a honra japonesa de

http://www.massarani.com.br/rot­finais­roteiro­cinema.html 4/7
02/03/2017 Além do Cotidiano ­ Roteiro ­ Cinema ­ Videogames ­ Antropologia ­ Quadrinhos

morrer pelo seu império e o desejo de sobreviver a uma guerra insana e


talvez inútil. Há suicídios coletivos, execuções e uma grande derrota dos
japoneses. Porém, um dos personagens principais, um padeiro, sobrevive
aos combates, e no ᕘnal, sendo tratado por médicos americanos, observa
o nascer do sol e realiza que voltará para a casa para rever seu esposa
que estava grávida. É um ᕘnal balanceado pois após toda a carniᕘcina,
termina com uma mensagem positiva.

FINAL INCONCLUSIVO

Os ᕘnais inconclusivos são aqueles onde o ᕘm da obra não nos dá uma


resposta deᕘnitiva sobre o destino do personagem principal, sendo um
ᕘnal praticamente "aberto", ou seja, sujeito a inúmeras especulações.
Funcionam melhor em ᕘlmes mais artísticos e de vanguarda, que não tem
um caráter comercial. O Final Inconclusivo pode algumas vezes ser visto
em capítulos de minisséries ou revistas em quadrinhos mensais, mas
nesses casos ele acaba sendo concluído no próximo episódio ou revista.

Esse tipo de ᕘnal sempre vai provocar polêmica, e para ser válido requer
muita habilidade dos envolvidos na obra, principalmente do escritor e do
diretor, no caso de um ᕘlme. A audiência está acostumada com ᕘnais
fechados, que estabelecem um ponto ᕘnal nas dúvidas levantadas na
narrativa. Portanto, a obra, para ter um Final Inconclusivo, deve ser
construída com atenção especial em certos detalhes, evitando o
estabelecimento de objetivos pessoais muito fortes. Quanto mais a obra
focar no objetivo de um personagem, mais a audiência desejará uma
conclusão deᕘnitiva, ᕘcando mais complicado para o Final Inconclusivo ter
sucesso.

Exemplos:

2001: Uma Odisséia no Espaço (Stanley Kubrick, 1968) - Talvez o melhor


exemplo de ᕘnal inconclusivo, 2001 narra uma expedição secreta de
astronautas rumo a Júpiter para tentar desvendar a origem de
misteriosos monolitos que aparentam ter milhões de anos. No ᕘm, ao
encontrar um desses monolitos, o astronauta Dave Bowman atravessa
um túnel colorido, presenciando vários efeitos, e termina em um quarto
com um estilo antigo de decoração. Dave vai se tornando mais velho
dentro do quarto e depois é transformado em um gigantesco bebê que,
em posição fetal viaja no espaço próximo a Terra. Cada um que tire suas
próprias conclusões.

Os Incompreendidos (François Tru฼aut, 1959) - Clássica obra prima do


Cinema Novo francês, narra a história de um jovem adolescente chamado
Antoine Doinel que luta contra o rígido sistema familiar e escolar, se

http://www.massarani.com.br/rot­finais­roteiro­cinema.html 5/7
02/03/2017 Além do Cotidiano ­ Roteiro ­ Cinema ­ Videogames ­ Antropologia ­ Quadrinhos

tornando um ladrão e rebelde. Enviado para um campo de trabalho


próximo ao mar, Doinel escapa e foge para perto do oceano. No ᕘm,
temos um zoom da câmera que congela sua face, concluindo de forma
aberta a obra. Não sabemos o que Doinel pensa nesse momento nem
quais são seus principais planos.

FINAL SURPREENDENTE

Sabe aquele ᕘnal que você ᕘca parado, meio com cara de quem não
entendeu nada, pois tudo aconteceu muito rápido? E aquele ᕘnal onde de
repente surge um personagem que não havia aparecido anteriormente e
participa decisivamente do destino protagonista? Esses são os chamados
Finais Supreendentes. Na verdade, os Finais Surpreendentes seriam uma
espécie de subtipo, pois um Final Supreendente pode ser utópico,
positivo, negativo, balanceado ou inconclusivo. Um Final Surpreendente
não existe sem a companhia de um outro tipo.

Esse tipo de ᕘnal se relaciona com o termo da narrativa Deus Ex Machina 


(Deus surgido da máquina), originário do teatro grego, quando do nada
surgia um Deus (geralmente um ator no alto sendo segurado por um
mecanismo) para solucionar ou dar rumo a trama.

Muitas vezes um Final Surpreendente pode ocorrer na última cena da


obra, sem dar chance para um epílogo, justamente para tentar ganhar o
espectador/leitor com uma imagem ᕘnal impactante. É um ᕘnal muito
arriscado para o escritor, pois a audiência pode se sentir enganada.
Portanto, o escritor deve ter muito cuidado e respeitar as características
da sua história. Será que ela se encaixa bem com um Final
Surpreendente?

Exemplos:

Os Inฤltrados (Martin Scorsese, 2006) - Narra os eventos relacionados a dois


espiões, um da máᕘa inᕘltrado na polícia, e outro da polícia inᕘltrado na
máᕘa. Após um bom desenrolar da trama, temos uma sequência de
cenas ᕘnais rápidas, onde os personagens principais morrem sem
qualquer tipo de drama. Isso pode até ser mais próximo da realidade,
mas em uma narrativa é perigoso. Nesse caso, Scorsese agradou a
academia, que lhe concedeu o Oscar de melhor diretor e Os Inᕘltrados
ainda levou outras três estatuetas, incluindo melhor ᕘlme.

Estrada para a Perdição (Sam Mendes, 2002) - Michael Sullivan Jr. está
curioso para saber sobre o trabalho do pai e acaba descobrindo que o
mesmo é um soldado da máᕘa ao presenciá-lo cometer um crime junto
com comparsas. O menino promete silêncio, mas a máᕘa executa sua

http://www.massarani.com.br/rot­finais­roteiro­cinema.html 6/7
02/03/2017 Além do Cotidiano ­ Roteiro ­ Cinema ­ Videogames ­ Antropologia ­ Quadrinhos

mãe e irmão querendo eliminar qualquer testemunha. Agora, ele e o pai


precisam escapar e ainda buscar vingança. A máᕘa chega a contratar um
assassino psicopata para matar ambos, que fracassa em uma tentativa de
assassinato em um hotel. Porém, no ᕘm do ᕘlme, esse assassino retorna,
de maneira meio que inesperada, matando o pai mas morrendo no
processo. O problema aqui é que o assassino não é o principal inimigo.
Ele não é o principal obstáculo, portanto não teria que ter esse papel no
ᕘnal. Houve uma completa quebra de clímax no que era um bom ᕘlme
até então.

CONCLUSÃO

Logicamente que essa classiᕘcação que eu ᕘz não pode ser tratada como
deᕘnitiva. Ela deve ser apenas um guia. Um exercício interessante seria
tentar identiᕘcar os tipos de ᕘnais das obras que você assistir ou ler, e
pensar em outros ᕘnais alternativos, seguindo a classiᕘcação. Esse é um
bom exercício que vai aumentar o seu conhecimento.

Porém, qual é o melhor tipo de ᕘnal? Bem, isso vai depender do contexto
e do tom da obra. É praticamente impossível um ᕘnal que agrade a todos,
mas o que devemos ter no ᕘm é aquela sensação de que o ᕘnal escrito é
crível, possível e respeita a obra e a audiência em si. Nenhum escritor tem
a obrigação de escrever um ᕘnal pensando em agradar o maior número
de pessoas, e na verdade isso seria trair sua própria criatividade. Finais
que chocam só para conseguir alguma polêmica e ᕘnais "diferentes"
colocados só para provocar discussões não são boas saídas. O escritor
tem é que ser honesto e o ᕘnal tem que ser condizente com a narrativa
mostrada.

Bons estudos!

http://www.massarani.com.br/rot­finais­roteiro­cinema.html 7/7

Você também pode gostar