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A Revista LiteraLivre foi criada para unir

Volume 7, nº 37 – Jan/Fev. de 2023. escritores de Língua Portuguesa,


ISSN 2595-363X publicados ou não, de todos os lugares
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Caros(as) amigos(as), é com muita felicidade que trago para vocês a 37
edição da Revista LiteraLivre: a edição de 6º aniversário.
É incrivelmente gratificante poder contar com o apoio e a confiança de
autores(as), leitores(as) e artistas de todas as partes do mundo.
Nossa revista vem crescendo muito ao longo dos anos, tornando-se
referência no meio literário e parte da história de sucesso de dezenas de
autores(as). Isso nos deixa orgulhosos e motivados para continuar avançando.
Nesta edição, trazemos novamente uma reunião dos mais ecléticos
trabalhos literários e artísticos, agora com novo layout e um espaço especial
para artes não literárias.
Quero agradecer em nome de toda a equipe LiteraLivre, aos amigos(as)
que nos acompanham participando, lendo e divulgando a revista. Vocês são a
razão da nossa existência! Abraços poéticos!
Que 2023 seja um ano de muita paz, amor, inspiração e leituras!
Literatura com Liberdade!!!
Vamos mudar o mundo através das palavras!!
Neste Número:
Fantasia Visual.......................................3 Ivo Aparecido Franco.........................52
Roberto Schima............................................3 Jax.....................................................53
Adylsown Scritas....................................4 Jeane Tertuliano.................................57
Alberto Arecchi......................................6 Joaquim Bispo....................................58
Alexandre Saro.....................................10 Joaquim Cesário de Mello...................61
Amoacy Ferreira Lima Filho..................11 Joedyr Bellas......................................62
Andreia Luciana Knispel.......................12 José Manuel Neves.............................64
Annieli Valério Rufino...........................13 JulyanneKim.......................................65
Ariane de Medeiros Pereira...................14 Larissa Reggiani Galbardi...................66
Arlindo Kamimura................................15 Leandro Emanuel Pereira....................68
Augusta Maria Reiko.............................19 Li Poeta..............................................69
Benedita Azevedo.................................20 Luciane Aparecida Varela...................70
Carli R. Bortolanza................................21 Luís Amorim......................................71
Carlos Frederico Ferreira da Silva..........24 Maite Diniz Ardies..............................73
Carmem Aparecida Gomes...................25 Marcel Luiz........................................74
Chirles Oliveira.....................................26 Marcos Antonio Campos....................75
Cleidirene Rosa Machado......................27 Maria Carolina Fernandes Oliveira......76
Cleusa Piovesan....................................28 Maria Pia Monda................................77
Daniel Cardoso Alves............................29 Maria Vania Bandeira de Matos...........79
Daniela Genaro.....................................31 Martha Bastos Guedes........................80
Edna das D. de O. Coimbra...................32 Matheus Kennedy Henriques de Macêdo
Ella Ferreira..........................................33 ..........................................................81
Evy Cabral............................................34 Mirian Santos.....................................82
Fernando Manuel Bunga.......................35 Mônica Monnerat...............................83
Flavio Freitas........................................36 Nanna Fazzio.....................................84
Francisco Júnior....................................40 Nathalia Mageste...............................85
Gardel Dias da Assunção......................41 Nazareth Ferrari.................................89
Gedeane Costa.....................................42 Nercy Grabellos..................................90
Giselly Corrêa Barata............................43 Ornélia Goecking Otoni......................91
Gislene da Silva Oliveira........................44 Ovidiu-Marius Bocsa..........................92
Guilherme Hernandez Filho..................45 Paula Patrícia Góes Vieira...................94
Hélio Guedes........................................48 Paulo Cezar Tórtora...........................97
Hellen Bravo.........................................49 Paulo Luís Ferreira.............................98
Iracema de Alencar...............................51 Paulo Roberto de Oliveira Caruso.....100
Regiane Silva......................................101 Vera Raposo.....................................136
Ricardo Ryo Goto................................102 Vitor Sergio de Almeida...................137
Roberto Schima..................................105 Wagner Azevedo Pereira...................138
Rodrigo Domit....................................111 Willian Fontana................................139
Rommel Werneck................................112 Espaço das Artes..............................144
Roque Aloisio Weschenfelder..............113 Foto.................................................145
Rosangela Maluf.................................115 Francisco Júnior..................................145
Rosangela Mariano.............................118 Caricaturas......................................146
Roselena de Fátima Nunes Fagundes. .120 Jamison Paixão.....................................146
Fotos...............................................149
Ruan Vieira.........................................121
Jamison Paixão.....................................149
Sérgio Soares.....................................122
Melancolia ao entardecer(desenho). .151
Sigrid Borges......................................124
Maria Carolina Fernandes Oliveira
Suramy Guedes..................................125 ...................................................................151
Tauã Lima Verdan Rangel...................126 Fotos...............................................152
Tim Soares.........................................127 Roberto Schima...................................152
Vagner Santos Pereira.........................128 Revista Ikebana 3ª edição.................154
Valéria Barbosa..................................132 Concurso:“A vida e a obra de Clarice
Valter Bitencourt Júnior......................133 Lispector”.........................................155
Vanderlei Kroin..................................134 LiteraAmigos....................................156
Vânia Lúcia Malta Costa Catunda........135 Modelo de envio de textos para
publicação na revista.......................161
LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Fantasia Visual

Roberto Schima
Itanhaém/SP

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Adylsown Scritas
Recife/PE

Até o último suspiro


Rico, Jorge e Piter eram amigos de trabalho e moravam no mesmo bairro. A fim
de economizar combustível combinaram de fazer revezamento com seus carros,
cada semana um deles se encarregava de pegar os demais em suas casas.
Certo dia, Rico era o motorista da semana. Como de costume Jorge e Piter o
esperavam numa pracinha próxima a avenida principal. Durante mais de dez
anos Rico sempre foi o mais pontual entre eles, muitas vezes até antecipava o
horário combinado, 06:45h, e encontrava os amigos no meio do caminho. Mas
nesse dia já passava das 07:00h e nada dele chegar. Eles estranharam mais
ainda quando ligaram e não tiveram retorno algum, e para acabar de ferrar uma
forte chuva anunciava sua chegada.
— Aquele filho da puta vai ter que pagar um dia a mais por isso, disse um deles
enquanto decidiram ir até a casa dele, que ficava a poucos minutos dali.
De longe avistaram o carro do Rico que estava ainda em frente da casa dele,
porém tinha um pequeno alvoroço, o que estaria acontecendo?
Eles foram correndo em direção aquelas pessoas, ao se aproximarem escutam
gritos desesperados:
— Meu Deus, atiraram nele... ele está morto?!!!
E ele era o Rico, estava alvejado no chão, as gotas de água da chuva se
misturavam as de sangue e isso faziam escorrer como se fosse um rio vermelho.
Vizinhos disseram ter visto dois caras numa moto o abordarem, que ao perceber
que era um assalto logo passou o celular e a carteira não esbanjou nenhuma
reação, porém os marginais não hesitaram e atiraram nele a sangue frio.
— Liguem para o SAMU, gritou Piter
Alguém disse que a ambulância estava numa ocorrência e iria demorar um
pouco a chegar...
Um médico que passava na hora parou pra socorrer e afirmou que ele não
sobreviveria, havia levado vários tiros e no mínimo um na cabeça e perdido
bastante sangue.
— Infelizmente não ha nada a se fazer, lamentou o Dr.
(No Brasil antes de matar a gente, se certificam de eliminar qualquer fé e
esperança que venhamos a ter.)

— Jorge, vamos levá-lo ao hospital, gritava Piter, na esperança de salvar o


amigo.

— Para Piter! Não a mais nada a se fazer, você não ouviu o Dr? Ele já era, disse
Jorge.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Entretanto, Piter percebeu que Rico ainda respirava.

Em meio a gritos, tudo ficou em câmera lenta, e Piter inconformado com a


evasão de empatia sentiu um vasto sentimento de solidão, mesmo com tanta
gente por ali.
Num momento de desespero pegou as chaves no bolso do amigo e o arrastou
para dentro do carro.
Durante o caminho para o hospital, Rico abriu os olhos e com o jeito extrovertido
de sempre disse:

— Piter! vai devagar filho da puta, quer nos matar?

— Não fala nada cara, respira fundo que vai ficar tudo bem.

— Se continuar dirigindo mal desse jeito, vão ter dois mortos aqui. Aí sua mulher
vai me ressuscitar só pra me matar de novo, riu Rico com uma voz meio
cansada.
Piter sentiu, e com lágrimas descendo pelo rosto falou:
— Cara, você não perde o humor nunca né?
— Nem morto, respondeu Rico.
Os dois gargalharam.
Agora num tom mais tenso, a voz mais fraca e trêmula Rico agradece ao amigo
por ter tentado salvar sua vida, e diz um até mais, deixando o amigo num mix de
tristeza e alegria.
Ao chegarem no hospital, a equipe médica constatou que, infelizmente o rapaz já
estava sem vida.

Piter nem se lembrava como e quanto tempo levou para que chegassem ao
hospital, estava incrédulo com tudo aquilo, e ali mesmo desabou, abraçado ao
corpo do amigo.

Dias depois, Jorge perguntou a Piter o porquê dele ter agido como um maluco,
sabendo que Rico já estava praticamente morto.

— Se eu tivesse ficado, com certeza, ele iria morrer. Porém se eu o levasse, como
fiz, ele poderia sobreviver. Decidi levá-lo pois assim teria ao menos a chance de
tentar. E essa foi a melhor oportunidade que já tive na vida.

As falsas expectativas de que não vai dar certo, muitas vezes nos levam a
decisões errôneas de desistir de tentar.
A possibilidade de não obtermos o resultado desejado, só nos mostram que
existem claras chances do contrário.
Se tratando disso, as estatísticas implantadas em você, podem ser falhas.
Não importa se tem 99 ou 1% de chance de dar certo, o que aponta as
probabilidades reais é a fé que você deposita nelas.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Alberto Arecchi
Pavía, Itália

Grifo

A feira de Santo Antônio, em meados mais do Grifo, com sua barba preta e
do mês de junho, tinha lugar no meu cavalo preto encaracolado como breu,
bairro, na rua de Santa Cecília. Na muito mais do que dessa gordinha da
altura, eu tinha pouco mais de cinco Mata, com pele desbotada e
anos. Ainda me lembro da rua invadida insignificante, embora a prática a
por bancos e fogões dos vendedores de mostrasse como uma rainha
“cália e simenza” (grão de bico e vitoriosa.
semente de abóbora), em lugares No palco, erguido em frente do
normalmente ocupados por carros e Memorial da Grande Guerra, tinha
cavalos para o transporte de lugar um festival de cantos e danças
mercadorias por via ferroviária. Ainda populares. Eu queria ser um desses
sinto o aroma do grão de bico torrado, dançarinos. Lembrei-me ao longo dos
memória da infância. No céu, levantava- anos dessa música e dessas danças,
se o plumeiro de fumaça do vulcão Etna. sonhei muitas vezes da minha vida as
O calor do mês de agosto chegou. O lembranças de minha infância feliz.
ar do mar lambia a pele. Na praça, em No dia seguinte, toda a cidade verteu
frente à Câmara Municipal, havia duas em ruas e praças, para a feira da
estátuas de papelão, enormes, Assunção e a procissão da Vara. A
represnetando um casal de gigantes, grande maquinaria de madeira,
Mata e Grifo, ela com pele branca e o ar arrastada por centenas de fiéis
pomposo, uma coroa com torres na descalços, vestidos de branco, mexeu
cabeça, montando em um cavalo para percorrer a cidade. Coros de
branco, e ele moro, ouriço, barbudo, anjos subindo para o céu, com a
com uma couraça de prata, em um forma de um cone de gelado de
cavalo preto. Estátuas com oito metros cabeça para baixo. No topo, à altura
de altura, elevando-se sobre a minha de um prédio de cinco andares, uma
estatura de criança e destacando-se estátua do Redentor parecia levantar
contra o céu azul. Eu estava admirado à a Virgem por um pé, em uma pose de
vista daquelas estátuas colossais, que a balé clássico, enquanto na verdade
gente dizia representar os míticos queria empurrá-la ainda mais alto,
fundadores da minha cidade. Mas para o céu. Se bem me lembro,
também o Grifo estava parecido com um então, na parte inferior, bem como
ciclope, um dos gigantes fabulosos que estátuas e decorações esculpidas,
moravam nos antros do vulcão, havia rodas de crianças verdadeiras,
trabalhando como fabros com as chamas com vestidos brancos e coroas de
eternas da lava. Eu era uma criança flores no cabelo. A multidão se
doce, mas mesmo assim me gostava aglomerava ao redor, com grande

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

fervor, em meio a gritos e exortações Ulisses, e a gente fica convencida que


para os atiradores, as crianças nas Caribdis seja um grande remoinho
costas de seus pais, para ver acima da formado entre as águas dos dois
multidão. Especialmente no ponto da mares que se encontram ao pé da
“volta”, onde as fileiras de atiradores Ponta do Farol, enquanto Cila seria o
faziam esforços de destreza para grande rocheiro que se vê no fundo,
realizar um ângulo estreito com a na costa da Calábria. Eu queria de
enorme maquinaria de cena. Era como toda maneira mergulhar meu dedo do
uma corrida, de ano para ano, para pé ali, no último fim da ilha
realizar a manobra com a melhor triangular... era como estar na proa
precisão. Após a virada, a procissão de um navio sulcando as ondas, e eu
continuou, mas a festa popular pensava nessas colunas
enxameou para tornar-se um passeio subaquáticas, que mantinham a ilha a
em busca de um gelado ou de uma partir de sempre, como fosse uma
carapinhada. grande plataforma de petróleo, e no
Naquele verão eu fui para Ganzirri e a heroico pescador Colapesce, que um
Ponta do Farol, no cano da bicicleta do dia tinha mergulhado para remediar a
meu irmão. Vários anos mais velho do fraqueza de uma coluna. Tentava
que eu, ele já havia concluído o ensino perscrutar a cristalina transparência
médio e era prático para todos os da água, parecia-me ver o peixe-
caminhos que pudessem merecem uma espada jogando com peixe sauro, e
viagem de bicicleta. Às vezes, também umas sereias de cabelo incrustado
ele queria levar a empresa a tomar-me com algas, naufrágios e tesouros...
no alto do morro de Mata-grifo, até o mas é claro que eu não seria capaz
Santuário de Cristo Rei, para apreciar a de ver Colapesce, que estava nas
paisagem em torno do Estreito de profundezas, coberto do meu ponto
Messina. de vista, pois devia segurar a coluna
Para ir até a Ponta do Farol havia uma levando a ponta da ilha.
estrada arenosa, que passava entre os Eu pensava, então, que minha vida
lagos de Ganzirri, onde a gente criava iria continuar assim, de forma linear,
mexilhões. A distância, em tudo, era de mas... apenas alguns meses, e eu
uns quinze quilómetros, no meio da nunca voltaria a viver na minha terra
natureza virgem. natal. Deixei para o norte, com a
Minha imaginação ficou impressionada minha família, no inverno seguinte.
com a ideia de alcançar a ponta, que Cheguei em uma pequena cidade
terminava aguda onde foram juntando provincial, em meados de janeiro,
as ondas dos dois mares. Só de pensar, com as calçadas transformadas em
eu tinha a sensação de estar suspenso, trincheiras, entre altos parapeitos de
como inclinando em um tamanho neve compactada. Mudei-me do porto
instável, a partir do qual o menor da Fata Morgana a uma cidade
choque, a menor vibração, poderia nevoenta do Vale do Po, onde não há
perturbar tudo, e tudo varrer nas ondas. mar e é raro ver uma colina ou uma
Eu esperava ver as águas mover de montanha. Hoje, em um dia claro,
roda, como na história fantástica de Cila com um pouco de vento que limpa o
e Caríbdis. Na minha terra fica com ar, a partir daqui você pode ver as
força a lembrança da passagem de montanhas que se destacam no

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

horizonte, mas na altura, com toda a pistas passam através deles como
fumaça das indústrias que contaminava rotas e há portos, onde quem volta
a atmosfera, eu não me lembro que já será reconhecido pelas suas
se viam. Foi uma aclimatação, sem memórias. Quando voltei, percebi que
dúvida, difícil, com os companheiros na a minha sociedade moderna, grande,
escola que falaram de maneira diferente aberta, internacionalista, aberta ao
e eram desdenhosos para com a criança mundo de solidariedade, era na
vindo do Sul. verdade como uma aldeia pequena,
Após a formatura, passei muitos anos onde todas as esfumaduras da
na África, em várias partes, envolvido linguagem ou do sorriso ficavam
em projetos de cooperação reconhecidas. Agora a minha maneira
internacional, de ambos os lados do de me expressar era
grande deserto, em terras que secavam, irreversivelmente diferente, meu
com pessoas sedentas, que viviam no sorriso era diferente: eu observava as
limite da resistência humana. Ai eu era pessoas nos olhos e não as avaliava
quem “vinha do Norte”, pela indústria, pelo esplendor da ponta de seus
por uma realidade cada vez mais alheia sapatos.
aos valores profundos do povo. Eu sabia fazer muitas coisas, sabia
As memórias de infância mantiveram- desembaraçar em circunstâncias
se em um canto da memória profunda, difíceis e conversar em três línguas
reemergindo só inconscientemente, nos diferentes, com homens do povo e
sonhos da noite. A verdade é que em ministros. Inexplicavelmente, no
nenhum outro lugar eu nunca me senti entanto, era como se eu não tivesse
verdadeiramente “na minha casa”. Caso existido, até mesmo para os velhos
contrário, talvez, a minha longa viagem amigos, ou se tivesse estado ausente
teria parado em qualquer um dos durante séculos da cidade onde
lugares em que eu vivi: na Somália, em cresci: como um Ulisses moderno.
Moçambique, na Argélia, no Mali ou no Os meus amigos estavam dispersos
Senegal. Eu estava na minha casa todos, cada um incorporado em seu
quando eu voltava para a África, cada mundo cotidiano. Quem sabe onde
vez que descia do avião na noite quente, eles estão, agora...
com grandes ventiladores que giravam, Muito tempo se passou desde os
controle de passaporte e, embora, para passeios de bicicleta até Ganzirri, já
uma casa à beira-mar, no deserto, na passaram sessenta anos. A esperança
margem de um rio habitado por secreta me diz que ali, sobre o
hipopótamos ou no pátio de uma casa equador, alguém ainda fica à espera
mourisca, num oásis de flor de laranja nas sombras, atrás da grade de uma
perfumado, inundada pelo chamado do janela, no cheiro intenso de fumo de
muezim. incenso e flores de jasmim. Vou ser
Morar na África foi como ser uma saudado com um simples aceno e um
daquelas ondas que chegam às margens gesto afetuoso da mão, como se eu
dos oceanos: entre muitas outras, um fosse embora meia hora mais cedo
dia ou outro, nos encontramos para ir buscar o pão, ou as frutas no
novamente alguma já conhecida. Assim mercado. Como alguém da família, de
foi com os meus amigos. O mato, a quem você conhece a marcha, o
savana, o deserto, são como mares, as cheiro, a forma dos ombros quando

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

ele vai e o som dos passos, quando ele Quantas vezes sonhei, nas noites
retorna. profundas, por toda a minha vida, as
Na cidade sobre o Estreito, onde danças em traje tradicional, o som de
nasci, não deixei amigos, não deixei tamborins, o gigante Grifo feito de
lembranças de amor apaixonado, nem papel machê com sua barba preta
colegas... Apesar disso, fiquei encaracolada, a estrada que corria ao
impressionado com as visões das longo da faixa de areia entre as duas
primeiras memórias da infância, os lagoas costeiras e o azul profundo do
aromas de rosa e jasmim na casa onde grande vórtice… A atração da
eu nasci, o ar da casa, que nunca deixa chamada das sereias…
você, mesmo no outro lado do mundo.

https://www.liutprand.it

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Alexandre Saro
Jundiaí/SP

Bruxas soltas

Somos as bruxas soltas


O gato preto, a ovelha negra
Perambulando entre as esquinas
Esquecidas; de pés descalços
Mãos sujas e ficha limpa
Negando piedade
Implorando por justiça

Gritamos às vozes abafadas, choramos


Quando nosso choro não vale nada
Nessa engrenagem que sustenta o mundo
Distante de tudo; cá estamos
Provocando diversão
Alimentando os sonhos
De quem não nos deixa dormir

https://www.instagram.com/alexandresaro/

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Amoacy Ferreira Lima Filho


Altamira/PA

Mal do século

Eles não entendem Um momento e o que importará


Eu não entendo Não será mais nós mesmos
Onde guardaremos Mas aqueles a quem devemos tudo
Nossos títulos e bens
Quando restarmos a graça O mundo está tão doente
De apenas um dia? É tão difícil ver
Alguém se perdoar ultimamente
O que parece bonito é feio Parece que a gentileza é para os
O que são palavras, serão profecias loucos
Como tocar um coração Para poucos, para os diferentes
Que parece tão indiferente?
De alguém que está tão próximo Amar já foi mais simples
Mas continua tão distante E não deixamos ser salvos
Por quem nos ama
Ele quer se aproximar de você incondicionalmente
Mas você se acha mais forte

https://medium.com/@amoa07

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Andreia Luciana Knispel


Altamira/PA

Glacial

Manhã fria de outono. Enquanto o café na xícara esfria, pela janela estava ela a
observar. Ressurge em seu peito a esperança, trazendo consigo a lembrança dos bons
tempos de outrora.

https://www.instagram.com/andreiaknispel/

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Annieli Valério Rufino

O Pacto

Minha avó certa vez me disse que conhecera dois irmãos chamados Mário e
Germano, ambos conhecedores das artes satânicas, segundo ela eles haviam
feito um pacto para se tornarem hábeis caçadores, tanto desejaram que
conseguiram. Não existia na região Amazônica quem melhor caçasse do que eles
dois.

Os irmãos traziam consigo uma trajetória sinistra de relatos macabros que por
inúmeras vezes apresentavam-se para amedrontar o imaginário caboclo dos
poucos moradores habitavam a pequena comunidade rural onde moravam.

Certa noite Mário foi caçar, enquanto Germano o esperava na canoa. Confiantes
mediante o pacto que haviam feito ele entrou mata adentro a procura de sua
presa. Chegando ao local avistou uma paca enorme.

Animado com o que vira municiou a espingarda e fez o primeiro disparo, mas a
paca continuava comendo no mesmo local, alvejou o segundo disparo, o terceiro
e o quarto, porém, quanto mais ele atirava mais o animal o levava para dentro da
mata.

Quando se deu por conta já havia percorrido grande extensão e estava distante
da canoa, ao retornar percebeu que o animal que seguira era uma visão noturna,
não era desse mundo.

Mário ficou tão assombrado que ficou meses sem sair de casa e sem caçar
novamente e todos puderam confirmar que é preciso ter muito cuidado com o
que se deseja e principalmente para quem recorre para conseguir.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Ariane de Medeiros Pereira


Caicó/RN

As desventuras do ser

Quando o caminho era incerto


Sua mão me segurou
Quando não tinha condições de caminhar
Você sentou ao meu lado

Não podia identificar


O quanto sublime, era o cuidar
O carinho era intenso,
Minha alma era lerda

Fechava-se para não ver


O que a vida me presenteava
Passou-se o tempo,
E de lembrança, sigo-me a viver!

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Arlindo Kamimura
São Paulo/SP

O anti-Castelo

A imagem que ele via refletida no com a mão direita. Sua estupefação
espelho quando se levantou de manhã, aumentou quando viu a água sendo
disparou um alarme avisando-lhe de que escoada pelo ralo da pia em perfeito
algo profundamente bizarro estava em redemoinho, mas girando no sentido
curso. A pequena pinta marrom sobre o anti-horário, como aconteceria se
olho esquerdo, velha companheira de estivesse no hemisfério norte. Isto
todas as horas e anos de sua vida porque havia feito, simultaneamente,
estava do lado errado! Piscou várias o curso de psicologia com um curso
vezes para quebrar um possível encanto de mecânica racional e sabia que
ou alucinação e a pinta teimava em corpos em movimento em sistemas
continuar estacionada sobre o olho não inerciais, como é o caso do
direito. Um lampejo de raciocínio lógico planeta Terra, estão sujeitos à força
sobre a propriedade anti simétricas, ou de Coriolis, deslocando sua trajetória
simetria quiral, como os físicos gostam perpendicularmente à direita no
de chamar, da imagens dos espelhos hemisfério sul e à esquerda no
atravessou rapidamente o cérebro, hemisfério norte, diferenciando,
sugerindo-lhe de maneira incômoda de assim, o sentido de rotação dos
que a realidade tal qual estava redemoinhos e furacões. Na noite
habituado a reconhecer e manusear anterior havia exagerado um pouco
estava na verdade com aquele indivíduo no vinho e à parte o fato de ter visto
do outro lado da superfície espelhada. estampado na lua o logotipo da rede
Apanhou a escova de dentes com a mão Globo, absolutamente nenhum outro
esquerda, apesar de ser destro, apenas acontecimento anormal lhe havia
para não aumentar o seu desconforto de chamado a atenção.
ver sua imagem escovando os dentes

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Ligou a tevê para ouvir o noticiário e substituída pelos mesmos garotos


viu, boquiaberto, que um notório político decentemente vestidos a caminho da
e ex-governador de estado estava com escola e atravessando civilizadamente
sua prisão decretada e seus bens na faixa de pedestre. Não encontrou
bloqueados pela justiça. A caminho do o habitual e ruidoso grupo do
trabalho, após o informe sobre o trânsito Movimento dos Sem Nada. Ouviu que
pelos repórteres aéreos de que nenhum o país voltara a crescer e que tanto o
congestionamento fora observado, ouviu indicador de criminalidade quanto o
o bloco de notícias ambientais com índice Gini haviam despencado, isso,
novidades alvissareiras tanto sobre o sem que a inflação houvesse bafejado
buraco na camada de ozônio, quanto chamas ardentes sobre a população.
sobre os níveis de poluentes Ao se dirigir ao seu local de trabalho,
impactantes no clima, que estavam esbarrou em um gordo, lustroso e
diminuindo e que haviam encontrado distinto mamífero de óculos e bigode,
uma colônia de pássaros dô-dô nas um ilustre castor, com um celular
ilhas Maurício, invalidando portanto, pendurado no pescoço, aparentando
seus crachás taxonômicos como pressa e aflição, dizendo-se atrasado
espécies extintas. Ouviu também para a reunião com empresas da
notícias sobre a Amazônia: o construção civil, interessadas nas
desmatamento e os incêndios florestais licitações do setor de diques e
criminosos estavam praticamente barragens. Percorreu pensativo o
eliminados e os povos indígenas corredor que dava acesso a sua sala,
devidamente preservados e protegidos feliz ao perceber que seus sapatos,
da sanha dos exploradores e usualmente insaciáveis, não estavam
garimpeiros ilegais. engolindo suas meias.
No trajeto teve outras surpresas Desde sua juventude, nos anos
agradáveis. Ao parar no semáforo, o cinquenta, sempre participou
habitual bando de crianças maltrapilhas ativamente do movimento estudantil,
famintas, antecedendo suas súplicas não permanecendo, como a maioria
com aquela enfastiante e lamurienta da população, na arquibancada dos
invocação parental, tinha sido acontecimentos nacionais. Sua

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

identificação sempre foi com as causas luta contra a tirania da classe


dos menos favorecidos, aqueles sem exploradora, que lhe pilhava a mais
condição de exercer sua cidadania, valia, mantendo dessa forma o grupo
sinceramente interessado em sociologia, antagônico na situação permanente
política e nas grandes causas sociais. de dominado e subjugado.
Por causa disso havia entrado, no Naquele dia disparatado o diretor do
presente momento, em choque com manicômio foi despertado para uma
adeptos daquele partido, cujo ideário, realidade totalmente contrária ao
nos primórdios de sua fundação, senso comum ao perceber que não
condenava as mesmas benesses e conseguia mais distinguir os dois
privilégios hoje desfrutados na atual grupos. Em termos analíticos
condição de donos do poder. cartesianos estava confuso com o
O manicômio global onde ocupava a fato de que os dois discursos
posição de diretor era dividido em duas contrários estavam alternando o
classes de alienados: os que se estofo numa mesma discussão. Era
consideravam herdeiros de uma surpreendente o contraponto que se
ideologia em ascensão, que proclamava estabelecia entre as duas perorações,
categoricamente o fim da história e aparentemente antagônicos, no
aqueles que teimavam em permanecer tocante aos valores morais e
atrelados aos conceitos dialéticos de que materiais, um acreditando na
sua vez haveria de chegar. O primeiro evolução do ser humano nos aspectos
grupo se considerava o condutor do altruísticos e coletivos e o outro,
processo neoliberal, cujo destemperado apostando na permanência do gênero
discurso contra as estatais continha humano nas entranhas egoísticas do
também a panaceia sócio-econômica individualismo. Em geral, lidava
globalizante da preservação a qualquer apenas com loucos mansos
custo do capital financeiro e da sábia perambulando em labirintos mentais
mão invisível do mercado. O segundo sem saída, não exigindo dos
grupo insistia nos surrados e cuidadores mais do que os cuidados
melancólicos discursos e palavras de profissionais padronizados, mantendo
ordem conclamando o povo a se unir em normalmente um rigoroso controle da

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situação. Entretanto, nesse malfadado sanidade mental, isso porque passou


ou feliz dia, não sabia ao certo, aqueles a ver, a partir desse momento, gatos
dois grupos se comportavam como abstrusos nas árvores que
único, configurando uma complexa desapareciam, deixando apenas
síndrome da psiquiatria, tal qual duas sorrisos irônicos, que face à situação,
moedas com apenas duas faces. desconfiava fortemente serem, na
Espreitou cuidadosamente os líderes dos atual circunstância, esgares de puro
grupos nas mais diversas situações, na sarcasmo.
firme intenção de surpreendê-los num Cansado dessa vigília inútil, chegou à
momento de unicidade ou duplicidade conclusão que o momento de sua
corporal a tal ponto que o líder aposentadoria havia chegado, embora
neoliberal, enfastiado com as constantes tivesse já diversas aposentadorias.
cobranças no seu comportamento, pediu Seu sonho maior, no momento, era o
para que esquecessem tudo o que havia de transformar o manicômio no
dito e escrito no passado. domínio perene de sua dinastia, para
O diretor do manicômio ficou abalado que seus filhos e netos tivessem um
com a constatação da nova realidade, futuro próspero e garantido.
desconfiando que a sua inerente Afinal era um pai extremado e um
existência se confundia com a daqueles cidadão digno de viver neste
dois, ou seja, duvidando de sua própria maravilhoso universo.

FIM

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Augusta Maria Reiko


Porto Alegre/RS

Era uma vez uma traça...

E de repente nem mesmo a traça


Conteve-se de curiosidade
E sem nenhuma educação
Foi se chegando
E quis devorar todas as páginas amareladas.

Parou um instante
Admirada com o banquete!
Cada linha e cada vírgula,
Surpresas e mistérios
Guardadinhos à sua espera.

Como entrada um delicioso “EOSS”.


E lá se foi o VERÍSSIMO!
O prato principal é decorado
Com vários acentos e ilustrações.
Tudo é temperado com os pingos dos “IS”!

Mas que traça travessa!


Nunca está satisfeita!
Vira e mexe e lá vem ela!
Descobriu um recheio de amor e carinho
Entre as prateleiras com revistas e livros.

Coitada! Deixou-se envolver pela música!


Pássaros, trombetas, tiros de sons.
Farta de tanta palavra solta
Ela descansou em um sono profundo
Que as mãos dos pesquisadores ajudaram
A embalar:

— Sai pra lá traça que a sobremesa de conhecimento é minha!

https://www.instagram.com/GUTA.POEMAS/

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Benedita Azevedo
Praia do Anil, Magé/RJ

Nossa Dança

A valsar pelo salão


levando-me em teus braços,
teus abraços me apertando
olhos nos olhos me olhando.

Em sôfregos suspiros...
Coração batucando,
Pouco a pouco se acalmando.
As pernas se equilibram
e param de tremer.
A emoção que nos invadiu
fez a ternura nascer.

E num ritmo mais tranqüilo


chegamos ao amanhecer.
Então percebi que era tudo
o que esperei de você.

Benedita_azevedo@yahoo.com.br
www.beneditaazevedo.com

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Carli R. Bortolanza

O tombo

O tempo é relativo já dizia a ciência, pelos. Chega a ser engraçado, estar a


porém quando não se tem como medi-lo cair e ver que os fluídos corpóreos
ou contá-lo é muito mais relativo ainda. caem mais devagar por conta de seu
Mas sei que muitos anos se passaram peso, numa sensação de que estou
muitos mesmos, pois me lembro de atirando-os para cima em vez de
estar na borda do poço com minha ambos estarem caindo. A Lei da física
mamadeira e uma chupeta a olhar para exercendo seu poder.
baixo, e foi nesse instante que cai, mas O fato é que com o passar dos anos,
não foi no poço de Galder nem do de numa queda contínua, fui crescendo,
Oak Island, foi neste poço interminável me alimentando do que a gravidade
que já estou a mais de 10.000 anos torna mais lentamente sua queda. O
caindo (pelas minhas contas) e sei que gosto raramente era bom, e às vezes
ainda tenho muito a descer. sentia o gosto da mais cruel parte da
Essa sensação de vazio preenche o vida, mas mesmo estas me
vácuo ao meu redor e ao mesmo tempo alimentam e saciam minha sede me
que um nada se faz presente, tendo mantendo vivo.
somente farelos que caem mais Sinceramente se soubesse hoje, teria
lentamente do que eu e que é deles que mantido minha boca fechada, e a
me alimento ao longo desse meu essa altura da vida já estaria morto.
crescimento físico. Sim, caí por tanto Como a queda é contínua, tudo
tempo que cresci. Não só cresci, mas parece um vácuo, uma sensação de
como envelheci. que a queda nem é tão rápida.
As pequeninas roupas que outrora Diferente de se pulamos de um avião
usava, já cederam e se decompuseram sem paraquedas; dez minutos depois
com o tempo e o que antes era um rosto estaríamos no chão espatifado como
com uma pele macia, já se cobriu de bife entre a tábua e o martelo. E a

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cada metro mais perto do chão nossos Como não tenho medidas certas para
corpos exerceriam uma velocidade calcular o tempo que aqui estou, e
maior, mas não é o caso aqui! Aqui a nem como anotar algo, percebo
velocidade é constante, arriscaria a dizer apenas o desgaste mental e físico que
que em torno de uns 50 quilômetros por o tempo é generoso. O próprio falo
hora, relativamente pouco se pensar que que numa época era inofensivo,
estamos em queda livre. Claro que os posteriormente rígido e “cuspento” e
fluidos caem bem mais lentamente, que já a muito está apagado e
talvez a 10 quilômetros por hora, mas flácido. Um peso morto que a única
há de lembrar que eles caindo a 10 e eu vantagem é ter massa e ajudar a cair
a 50, o impacto deles no meu corpo é de mais rapidamente do que as coisas
uns 40. Isso tudo se é que meu com as quais me alimento.
aprendizado de física esteja correto, Embora ainda com uma boa massa
afinal tudo que sei aprendi aqui, caindo corpórea, percebo que cada vez mais
nesse poço interminável (por enquanto estou perdendo peso, como se
não cheguei ao fundo do poço). estivesse primeiramente secando, e a
Às vezes chego a pensar que estou sensação é que vou secar
numa dessas cápsulas de testes de completamente como a um naco de
gravidade, simuladores de gravidade carne pendurado sob o fogão a lenha
zero? E que largam farelos de sólidos e que salgado fica a defumar e depois
gotículas de líquidos para me alimentar, serei esfarelado como a um pão seco
como uma cobaia de laboratório esmagado a tratar os ratos.
científico, tão necessário torturar para a Faz sentido essa sensação, pois assim
busca do conhecimento como passar como meus dejetos são ejetados e
veneno na comida para preparar o caem numa velocidade menor que a
jantar. minha, a sua composição se
Não se questione como sei tantas fragmenta em partículas com o
coisas. Isso nem eu sei! Só sei que o passar dos metros, alimentando os
que sei aprendi com a queda. Pelo que por ventura venham a cair ou já
menos uma coisa boa né! Cair e tenham caído aqui. (uma visão me
aprender com o tombo. retrocedeu como se eu atirasse a

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merda para fora do poço, mas só o que Pergunto-me como último suspiro, se
acontece é que eu deixo-a para trás e os fragmentos de carne seca e suor
que a velocidade de quem aqui cair será que me alimentei durante toda a
maior do que a merda abandonada). minha vida; se valeu a pena; mesmo
Secarei com o vento da queda e antes sem conhecer o chão firme do fundo,
que eu chegue ao fim do poço serei mas que um dia eu soube, enquanto
ralado pelo mesmo vento, como queijo agarrado aos meus pais, que o chão
duro no risoto. Que servirá de alimento firme nos dá sustentação e equilíbrio
para as próximas gerações que aqui e a falta dele nos deixa à deriva, tão
poderão adentrar. quão meu tombo, nada me pode
Minha lucidez questiona o que há no proteger nem eu mesmo, diante do
fundo, se é que exista um fundo, o mundo incerto que tanto me queima
universo está em expansão, será que cai as tripas e abafa o coração.
um buraco de minhoca rumo à massa Embora com o tempo conseguisse me
negra do cosmos. Do pó ao pó, mas mexer, me virar, literalmente, mas
cada vez mais longe do criador, o big sempre busquei não dar as costas ao
bang. futuro, ao chão. Nada palpável. Como
O tombo não me causou ferimentos na se, andando na contramão, só pra
carne, só na alma que me transmitiu encontrar você de frente. Sem medo
conhecimento, do que me alimentar, do ou receio. O destino o tombo traçou,
que sobreviver e assim tenho só me resta cair e no tombo e com
sobrevivido, secando, decompondo gota ele sobreviver, assim como muitos o
a gota para depois, pó ao pó. fazem em solo firme e arenoso nos
Na física nada se cria tudo se transforma desertos dos corações partidos da
e para a vida seguir sendo vívida, alguns sociedade falida.
precisam morrer, para alimentar os que
virão.

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Carlos Frederico Ferreira da Silva


Rio de Janeiro/RJ

Escrita

A pena de hoje é tecnológica


Contem um pouco da lógica
Que a Escrita possui em seu significado
No qual surge cada sentimento alado
E no despertar das ideias singelas
Verificamos pessoas em passarelas
Em seu cotidiano urbano
E ainda assim ter um nobre plano
Assim é a Escrita advinda da poética
Que no brilho dos teus queridos olhos irradia
Deixando mais belo cada dia.

@carlosfredericoescritor

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Carmem Aparecida Gomes


Ipameri/GO

Cativeiro
Admito! Eu sou criminosa.
Sou culpada!
Eu o faço sequestrado e de meu coração eu faço o seu cativeiro.
Eu criei e recriei esse cenário, o quarto a luz de vela, roupas e calçados no assoalho espalhados, a
garrafa de vinho deitada com a sua transparência vazia por evidência.
Aguente firme!
Quieto e obediente dentro do meu cativeiro.
Se lhe serve de consolo eu o amo demais e não posso permitir que o seu amor ande solto por aí.
Eu sou gulosa e ambiciosa.
Eu quero o seu amor todo só para mim.
Não olhe para o fogo da vela enquanto o vento peralta entrou pela a janela e quase o apagou, só
para ficarmos nus no escuro distraídos com os tilintares de nossas taças com desenhos de
aquarelas.
Os raios espiões da lua nos observam pela a vidraça da janela, são apenas curiosos, segredos eles
não revelam.
Aprecio essa doce tortura enquanto escorrego a minha língua em sua nuca ouço os seus
sussurros pedindo que eu o liberte de meu coração. Só posso lhe informar o quanto eu te amo e
te quero. E desse cativeiro você jamais irá escapar.
...Peço-lhe desculpas...
Se dentro de meu quarto eu te faço de meu refém e de meu coração será eternamente cativo de
meu amor. Para sempre!

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Chirles Oliveira
Vitória da Conquista/BA

Prisão

Encontro-me sem corrente


Numa ilusória liberdade
Procurando a felicidade
Sendo a tudo indiferente

Busco paixão ardente


Com forte ansiedade
Mantendo a serenidade
Que torna a vida atraente

Tento transpor a muralha


Não consigo libertar-me
Dou por vencida a batalha

Meu peito a muito acorrentado


Preso em meio às multidões
Grita pela solidão, assolado.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Cleidirene Rosa Machado


Catalão/GO

Além dos beijos

Embriagada com o sopro da morte


Fui enviada ao submundo dos anjos caídos
Eles não sorriam, mas, bebiam
Um enebriante fervido de ervas
Uma mordida apenas, é pouco sal
Um abraço, um até logo... um adeus,
Este não verá mais o seu braço...
E ele não terá mais olhos pra ver...
A menina poderá andar de uma perna só
Um corpo encaroçado
Um caroço perfurado
A garota que odeia os burgueses...
E seu número de senha é o próximo.
Ossos, os nossos...
Esperam os vossos
Mas, sim, você está salva
Vá embora e não olhe para traz
As vozes te seguindo, indo.
Não, são apenas gemidos
Há um rastro de vida na ida
Sua hora não chegou.
A luta não começou
Mas, a guerra acabou.

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Cleusa Piovesan
Capanema/PR

Gaiola Dourada de Sonhos Frustrados

As quatro paredes que se convertem minha casa, a que chamo de “lar”, não
são meu universo, porque invado todo dia a vida de outras pessoas. Sugo-lhes as
energias vitais por meio das informações que elas me oferecem, gratuitamente.
Posso sair pela porta, mas essa porta mágica de que disponho parece
perigosa. Serei julgado, sairei do anonimato, estarei exposto. Habito o mundo
virtual; esse porão escuro e fétido que me aprisiona, mas é o lar dos meus
amores impossíveis, da vida que imaginei e nunca vivi. Essa tela brilhante, às
vezes, ofusca minha mente, mas me hipnotiza!
Há uma fresta que me alucina em minhas noites de insônia. Capturo imagens
de corpos perfeitos, de corpos nus, de corpos suados. E suo, num gozo
cibernético interminável. Mulher alguma me proporcionou tanto prazer.
Ah, tela mágica! Minha gaiola de ouro! Sou pássaro sem asas fora dela.
Deixem-me em paz, com minha liberdade!

https://bit.ly/3dNQTwf
https://www.facebook.com/cleusa.piovesan.7
@cleusa.piovesan

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Daniel Cardoso Alves


Belo Horizonte/MG

Fim de ano

É natal
Lá vou eu pra Bahia
Quero ver mainha
Minha doce rainha

Imerso em nostalgia
Apronto minha mala
Dou adeus à tristeza
Visto-me de alegria
Vou ver mainha!

Comigo levo mimos das Gerais


Cachecol, brinco, blusa de tricô e colar
Pão de queijo não dá pra levar
É longe demais!

Tutu também não, apesar dela gostar


Quase um dia de viagem
Pode derramar, estragar
Mas cidra e panetone dá
Ela vai amar!

Como se diz pelas serras daqui: Ê dia agarrado!

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Cheguei atrasado, corri pro guichê, comprei a passagem (cochicho: parcelada em


muitas vezes)
Ufa!
Entrei no ônibus todo atabalhoado

Mas nada hoje me para


De manhãzinha estarei lá na Bahia
Que saudade…
Nem parece realidade
Vou ver mainha!

No percurso viajo mirando a paisagem


Embalado pela sinuosidade dos caminhos
No despertar das paradas imagino a hora que avistar o portão
Ver o desbotado azul da velha e preciosa casa
Que ouvir os latidos dos cachorros
O tilintar das chaves
Os seus passos vagarosos
A-mo-ro-sos…

Adormeço e nem sinto


E quando acordo, minto, sonho
Com a voz chorosa e terna que vibra em meu coração sussurrando
É você meu filho?
Com os olhos marejados rezo, peço
“Bença”, mainha?
Deus te abençoe!

@danielcalves_

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Daniela Genaro
São Paulo/SP

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Edna das D. de O. Coimbra


Rio de Janeiro/RJ

Estrangeiro!
Ame a Pátria onde você nasceu
que te cuidou
te alimentou
te acolheu.
Nossa Terra é produtiva
tudo que se planta aqui se dá
mas quem nunca arregaçou as mangas
não pode fazer a semente brotar.
Tem gente que reclama de tudo
porém na mesa nunca faltou o pão
porque o trigo que ela come
foi plantado por outras mãos.
Reclama do Governo
e das ações que ele faz
entretanto não muda nada
e só sabe criticar.
Não sente mais orgulho da sua Pátria
do seu Hino
da sua Bandeira
pois eu sinto muito lhe dizer
você está agindo como estrangeiro!

https://www.facebook.com/edna.coimbra.921

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Ella Ferreira

Mais um, menos um

Era só mais um dia.

Continuei olhando para o céu nublado de setembro. Mesmo tão perto da


primavera, o tempo da cidade de São Paulo ainda resolve adquirir aspectos
nebulosos. As melodias melancólicas de “Mono” me esmagavam suavemente;
acorde por acorde, a voz rouca trocando para o rap cadenciado, o sentimento
ambíguo de pertencimento e solidão tomando conta de tudo.

Era só mais um dia.

Os carros passavam embaixo do viaduto enquanto eu o atravessava, seguindo


para a apinhada estação da Liberdade. As mãos no bolso do moletom
começavam a suar mesmo com o vento frio presente, era incômodo ter as mãos
tão quentes sem motivo algum. Ainda assim, apertei o passo e encolhi os
ombros, procurando aquecer o restante do corpo que sentia frio.

Era só mais um dia.

Mas ao longe, em pé sobre o metal vermelho descascado, focando na cacofonia


veicular metros abaixo, jazia alguém. E, então, era o último dia.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Evy Cabral
Cabo Verde

Mãe
Alma singela que pelo destino foi traída,
que posso eu dar-te?
Quisera eu outrora aliviar a tua lida,
Infelizmente, nisso, não tive tanta sorte,

Por vezes, vejo a minha cara na tua própria cara.

Mulher que na primavera da vida, viu a sua flor murchar,


e das suas entranhas,
um novo ser desabrochar.
Que posso eu dar-te?

Embora criada por deus,


o mundo não te posso oferecer,
vivemos nela, lugar onde o amor se esquece,
se perde e, se mata por ela, mãe.

Neste mundo vivemos e dela o amor já não faz tanta presença.


Mulher que espelha pureza e esconde beleza,
ostentaste tão cedo uma vida nos seios,
até que um dia ao mundo veio,
sem nada, somente, as incertezas.

Que posso eu dar-te?

Mãe, a mim que tiveste que dar à luz,


e sozinha carregar a tão pesada cruz,
só te posso estender as minhas esperanças de que
purgarei dias antigos de inquietude,
antes que ao pó te tornes e o sol se esconda.

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Fernando Manuel Bunga


Uíge, Angola

Kianda

Nome da divindade aquática de Angola, etimologicamente a palavra vem do


Kimbundo, uma das línguas nativas de Angola e podia ser traduzida como sereia.
Reza a lenda que, certo dia, enquanto a divindade contempletava a costa, avistou
um pescador triste, provavelmente por um mau dia de pesca e não só, vendo o
homem pobre, a divindade compadeceu-se e, numa tentativa de animá-lo,
presenteou-o com um tesouro de inestimável valor. Ainda segundo a lenda, o
homem não fez uso sensato das suas riquezas, deixou o egoísmo subir à cabeça,
tornou-se avarento e, dá para acreditar que ele não abraçou sequer um único
projeto social na sua comunidade carente?! Vendo isso, a dinvindade ficou muito
indignada, razão pela qual usou o seu poder para fazer o homem avarento perder
todas as suas riquezas e jurou nunca mais ajudar, daí em diante, ela ficou
indiferente a todo sofrimento humano. As mamãs da Ilha de Luanda, veneram
essa divindade com oferendas e xinguilamento, o ritual tradicional chama-se
Kakulu, na qual as mamãs usam trajes vermelhos e, numa tentativa de agradá-la
jogam comida e bebida ao mar, espera-se moldar o seu coração endurecido com
esse gesto e fazê-la demonstrar novamente afeto ao homem, que podia
simbolizar o povo angolano. Mito ou verdade, espero de coração que um dia a
divindade deixe-se moldar o coração e volte dar atenção ao povo desta terra rica
que não tem sabido tirar partido das suas riquezas por conta da ganância de
muitos dos seus filhos que dilapidam o erário para satisfazer os seus desejos,
enquanto muitos compatriotas morrem de fome. Espero que a Kianda dê
sensatez aos nossos dirigentes para que façam uma justa distribuição das nossas
riquezas, para que não falte nada na mesa dos angolanos, até lá...
Dia da Família —
Tem pouca comida na mesa,
mas serve pra todos.

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Flavio Freitas
Rio de Janeiro/RJ

A Norma Culta

Wilsinho chega ao cemitério por Wilsinho aprisionava o tempo de


volta das quatorze horas. Período ideal, beleza das conquistas românticas.
quando as donas de casa já se Servia também de trampolim aos
desincumbiram das tarefas do lar e têm objetivos carnais, claro.
mais disponibilidade para o affaire Ajoelhada à beira da tumba, a
vespertino. senhora chora intensamente. Wilsinho
Magro, magérrimo, carregava enternece-se. Ela necessitava de
companheiro inseparável, o terno branco consolo em alto grau. Posta-se atrás
de linho S120. As olheiras profundas da mulher, lendo a inscrição na
eram troféus conquistados em noites lápide:
boêmias. Era vaidoso com o cabelo “Aqui jaz Avelino”.
negro, liso, gomalinado.
Complementando o personagem saído A mulher levanta os olhos.
das páginas do início do século passado, Wilsinho encara-a com o devido
o bigodinho bem aparado e o sapato em respeito:
duas cores, de biqueira fina. – Profundo, o epitáfio. Parente?
Wilsinho sonda o ambiente. Gostava – Marido.
das rechonchudas e com idade acima de
A mulher desaba no pranto,
cinquenta e exigia que fossem matronas enquanto Wilsinho festeja
com vigor físico de jovens e anseios
intimamente ter encontrado uma
inconfessáveis de messalinas. Seu viúva ainda necessitando de consolo.
feeling invejável detectava as vovós-
Externamente lastima:
quituteiras e, de imediato, repelia-as.
– Coitado!
Uma senhora entra na mira. Atendia
às condições exigidas e acrescentava ao Rapidamente a mulher seca as
atraente currículo a cor preta do vestido. lágrimas num lencinho vermelho.
De preto, oh, meu Deus, ela ainda carpe – Senhor, esboroe o edifício da
a agonia do luto. comiseração. Era patife de estirpe
Os pensamentos de Wilsinho desprezível. Um pulha, um
processavam-se marcados por acerbado mequetrefe.
lirismo. Desta maneira, o sonhador

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Wilsinho sente na própria carne ter – Esse poder-se-ia dizer que era
chegado ao paraíso. E em companhia de e não era.
alguém que não conspurcava o Wilsinho se encantou. Quanta
vernáculo. Que, como ele, acreditava na graça e destreza ao esgrimir com a
eternidade das palavras cultas. injustiçada mesóclise!
– Existiu tal biltre? Norma se dá conta do seu
– Desses para quem assediar uma objetivo no local e o pranto volta,
inconsolável sofredora num campo santo entrecortado por soluços.
se convertia em leviana banalidade. – Ah, ele... Ele era sobejamente
– Sujeito repugnante! bom de cama.
Wilsinho passa à performance. Sobe O choro acentua-se. Wilsinho
na campa e despeja: sente a oportunidade de iniciar a
– Pelintra, pulha, infame, velhaco! conquista.

– Como ousa? O senhor não privava – Quando se nos oferece à mesa


de conhecimento sobre as qualidades e um doce vinho como agora
defeitos do morto e, no entanto, não contemplo, é impossível não haver
reprime a sanha ao atirar-lhe vitupérios palatável degustação.
como pelintra, pulha, infame e velhaco. – O senhor conhece a esposa
Se insistir em recalcitrar neste dele?
comportamento sentir-me-ei obrigada a – A senhora não disse que...
pespegar-lhe uma pitomba.
– O senhor conhece a Matilde, a
Pespegar uma pitomba! Que minha irmã?
maravilha! Até usando gíria arcaica ela é
deliciosa. – A senhora exaltou-o como
sobejamente exímio de cama. Depois,
Wilsinho navegava nas nuvens nomeou a irmã Matilde como
diante de tamanha erudição.. consorte do enterrado. Então, se bem
– Perdoe-me se, por irreflexão, remato o raciocínio, a senhora e o
maculei a imagem tão bondosa deste cunhadinho presente, quer dizer
ente perecido, senhora... senhora? ausente, já mantiveram relações de
– Norma. Muito prazer. caráter, digamos...

– Wilson. Pode me chamar de – Não se atreva a fazer-me alvo


Wilsinho. Longe de mim colocar óbices de suspeitas. Arre! Que insensato! Ele
que nodoem nosso recente vínculo, no exercia o ofício de marceneiro. Um
entanto, se dirigi injúrias ao falecido, criador prolífico.Há o que lamentar.
deveu-se ao fato de a senhora tê-lo Magníficas camas esculpidas
classificado como um mariola. conheciam a gênese vinda da ponta

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

do seu cinzel. Oh! Sua afoiteza – Encantado, Norma.


desagrada-me. – Aí, a minha mãe, a Jussara,
– Queira desculpar. Mas, nunca desenlaçou-se também do Avelino,
presenciei tantas lágrimas vertidas por porque ele afervorou-se pela minha
alma de cunhado. Cunhado nem é irmã, a Matilde, filha da minha mãe a
parente. Jussara, com o Alfredo. Aí, a minha
– Oh, meu Deus, que homem irmã, a Matilde, casou-se com o
afobado. Eu, por eventualidade Avelino, e que agora jaz aqui
inconsequente, declarei ser o inumado encravado no seio da terra e que,
meu cunhado? Desprendeu-se de resumindo, é o meu pai. Fiz-me
minhas cordas vocais o termo cunhado, entender com exatidão?
sem o haver emitido por livre e Norma cai no choro. Wilsinho não
espontâneo capricho? Presumo não desiste. Acha no bolso um último
haver acendido o lume da compreensão cigarro amassado, e espera. Norma
na escuridão do seu intelecto, portanto, assoa o nariz no lenço vermelho. É a
ocuparei precioso decurso de tempo brecha:
para narrar a extensa saga da minha – Deleitar-se-ia com um cigarro?
existência.
– Agradecida. Não sou
– Ah! Narra. apreciadora do tabaco, mas se o
Wilsinho coloca o lenço sobre a fosse, sentir-me-ia nauseada ao
campa. Norma senta-se. Wilsinho senta- inserir entre os lábios matéria tão
se ao lado da encostando sua coxa na nojosa e disforme a qual o senhor
matrona, sem ser repelido. Wilsinho alcunha de cigarro.
sorri por dentro. Está no papo. O guerreiro lança a última e
– Evitarei ser prolixa. O exórdio da desesperada flecha:
história aconteceu quando a minha mãe, – Enlaçar o meu corpo em suas
a Jussara, empenhou-se com amor por pernas e braços, tendo a pretensão
Alfredo e celebrou núpcias com o de coito desvairado, sem limites, não
próprio. Aí, desse consórcio veio à luz cogita decerto?
minha irmã, a Matilde. Aí, a minha mãe,
a Jussara, apartou-se do Alfredo e Um segundo e meio de pausa até
contraiu novo matrimônio, dessa vez Norma responder, o rosto afogueado:
com outro, o Avelino. Aí, desse conúbio – É proposta a ser ponderada
da minha mãe, a Jussara, com o outro, tomando-se a seu favor um ponto:
o Avelino, emanou do ventre materno afeiçoei-me ao seu modo de ser, de
um pequeno nenê do sexo feminino. discorrer sobre os palpitantes
Escusado dizer que a infante referida era assuntos, alvos de nossa imprevista
eu. Norma. cavaqueira. Apenas uma dúvida fere

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

o meu âmago e só a mim cabe dirimir: – beija as mãos enluvadas, e os pés


O que me impede de aconchegar meu adorados.
corpo a tão encantadora criatura? E – Oh, como és culta, Norma!
respondo de imediato: − Nada,
homessa! Norma ajeita levemente os
cabelos e levanta-se. Wilsinho, ainda
“Homessa!” Enfim! Wilsinho não ajoelhado, pega o lenço em que
refreia o entusiasmo: Norma se sentara, e recita:
– Por favor, digníssima, poderia – Bem, senhor, compelida pelos
reiterar a interjeição admirativa? Três laços filiais a comparecer a esta
vezes seguidas, por favor, e lentamente, necrópole, agora me retiro, com a
por favor, lentamente. consciência sossegada. Acalmada vai
– Homessa!!... Homessa!!... também minh’alma, depois de
Homessa!!... O senhor é um alucinado. colóquio tão proveitoso. Gostei muito
Homessa!! E sua insânia... Homessa!!... de conhecê-lo, senhor Wilsinho.
Deixa-me à beira do tresvario. Saímos juntos?
Homessa!! Afoga-me em seus delírios! Wilsinho olha-a com o semblante
Cáspite! sereno e relaxado.
Durante a orgia de “homessas” e, – Não, senhora. Vou ficar e fumar
frise-se, todas com exclamação dupla, um cigarrinho. Quero afirmar, de
Wilsinho não se contém e deixa o corpo coração, que o prazer foi todo meu.
sacudir-se num êxtase convulso. Espero ter sido bom para a senhora
Quando Norma chega à culminância, ao como foi para mim. Passe bem.
clímax com “cáspite”, Wilsinho extravasa
todo o frenesi e explode. A face, a aura, Norma vai embora. De longe,
brilham tanto quanto o terno branco. acena com o lencinho vermelho.
Ainda tomado pela emoção, num Wilsinho senta-se na campa. Acende
repente de empolgação, ajoelha-se e o cigarro amassado e tira suave
baforada, enquanto o sol do poente
banha de ouro o terno branco.

Facebook.com.Flavio Freitas

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Francisco Júnior
Patu/RN

Doce Amor

Méleo amor
Doce como
vermelhas
nuvens
Num pôr do sol de
outono
Deito-me em ti,
em sua pele
parda
Em seus olhos-universo...

@francisjunior21fj

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Gardel Dias da Assunção


Fortaleza/CE

De quando sozinho imagino a linha que divide a Terra, Céu


e Mar

Um Horizonte Vertical

Nas belezas desse litoral


Na encosta da Beira Mar
No pico desse coqueiral,
ventania.

Vejo a beleza assim matinal


No espaço náutico a velejar
Da linha invisível horizontal,
passaria.

O traçado do agora vertical


É no anti-horário para girar
Da minha luneta atemporal,
contaria.

De meu relógio imaginário


Do céu de minha esquerda
E da Terra de minha direita
Por muito assim temerário

Surge a crepuscular pintura


Numa Aurora que tanto vejo
Exprime assim tanto desejo
Que de longe ver n’altura

E que agora deitou-se.

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Gedeane Costa
Recife/PE

Aprendi de Tudo na Vida

aprendi de tudo
na vida
arrependi, expressei...
vergonha
atrevida.

aprendi
de tudo na vida
colhe o melhor
de pão em pão
de suor em suor.

aprendi, de tudo, na vida


a traição é lança envenenada
o amor é o bálsamo da ferida
antes que desça a lágrima furtiva
é melhor viver
quando se ama e é amada.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Giselly Corrêa Barata


Fortaleza/CE

Quando viver é lutar e lutar é viver

subverter a lógica O Estado é a violência


escolher a vida,
resistir à morte revolucionário
demarcar espaços quem vive para lutar
meu corpo, assentado sobrevivente
me protege, quem luta para viver
enquanto é alvo
não me categorize,
Ana, Duda, Dandara nem boazinha, nem má
tantas de nós não preciso de validação,
enquanto não podemos nem humanização
parar de lutar
viver de verdade, gozar sou o que sou
de um grande amor, e o que fui
da vida familiar, já nem lembro
de alguém pra amar devo ter matado,
queimado
não é só violência institucional jogado fora
é instituição de violência como fiz com teus lamentos.
violência não é um estado

@gisellyjornalista

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Gislene da Silva Oliveira


Paragominas/PA

Azul da cor do mar

“É... na vida a gente tem que entender...”. De encontro aos versos do nosso querido Tim Maia,
hoje mais do que nunca percebo que na vida a gente não tem que entender, antes é preciso sentir,
experimentar, viver.
Aprendi com você que os sonhos não precisam ser sempre azuis da cor do mar, mas podem ser
coloridos e podemos pintá-los com as cores dos amores vividos, das vitórias conquistadas, das
amizades verdadeiras, dos sentimentos incompreendidos, das dores silenciadas, das paixões
arrebatadoras, do terno sentimento de tranquilidade e paz. E está tudo bem! Cada cor traz um tom,
uma graça, um efeito, todas têm um lugar certo, sua hora, sua combinação.
Assim é a vida com uma imperfeita combinação perfeita. Ser um doce, mesmo cansado ir lá e
bater a foto do que a sua garota quer ver, rsrsrs. Ser um ogro sem assunto, sem papo, de cara feia e
algumas palavras: “Que passou?”.
T-u-d-o bem! Vai ficar tudo bem. E se não ficar... eu ficarei assim mesmo. Não precisa ser azul da
cor do mar sempre, só precisa ser e ser você. Só você. Você que me faz bruxa, deusa, artista, melhor
ainda me faz ser eu mesma. Mesmo que me corte as pernas, os braços, fure a cabeça. Aff... até sinto
as alfinetadas nos meus vuduzinhos, que esculpes com tanto carinho.
Pensando bem, é possível que esculpir seja uma metáfora desse relacionamento, você diz que
não sabe para onde vai, que “jodeu”, que deveria ter feito de outro jeito. Bem igualzinho como faz
com a gente, até as espetadas... rsrsrs. Mas no final, fica bem. O resultado é bom... você junta as
partes cortadas, passa o prime, faz o molde, lixa, pinta tira as imperfeições e, caramba, tem uma nova
arte nas mãos.
Que sorte a nossa! Termos dois mundos! Poder estar aí e aqui ao mesmo tempo (no teu e no
meu tempo) e ao mesmo tempo saber que o azul do mar que nos separa é tão bonito quanto o azul
do céu que nos une. Fica bem. Fica no teu tempo. Meu coração não tem relógio. Ele pulsa por você há
muitas vidas.

https://www.facebook.com/gislene.oliveira.56/
https://intagran.com/@portuguescomgis.

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Guilherme Hernandez Filho


Santos/SP

As letras e a gastronomia

Literatura e gastronomia sempre tiveram certa afinidade, e é interessante


se notar que muitos grandes poetas e escritores se envolveram com a
gastronomia. Alguns, por gosto pessoal, outros talvez por brincadeira, mas,
enfim, ela acaba sendo mais uma forma de arte, uma vez que é uma
manifestação humana capaz de impressionar positivamente, ou não, os órgãos
dos sentidos.
Desde a Grécia antiga que há registros de livros sobre o assunto, mas
principalmente tratando de alimentos e bebidas, como fazê-los. Já as obras mais
específicas e detalhadas são do século XIV, e que foram muito utilizadas até os
anos 1700, quando surgiram muitos compêndios sobre cozinha. Em 1825,
Savarin, gastrônomo francês lançou o verdadeiro primeiro tratado, sobre o
assunto. Mas trata-se de matéria específica.
Muitos escritores incluíram comentários, ou mesmo receitas, em suas
obras. Consta que Camilo Castelo Branco, escritor português, chegou a descrever
a deliciosa sopa “caldo verde”, em um de seus romances.
Vinicius fez, em Petrópolis, 1962, um lindo poema, “Feijoada a minha
moda”, que dedicou a Helena Sangirardi, professora de culinária e que tinha
programa na TV, com a receita completa em versos que se iniciam assim:
“Amiga Helena Sangirardi, Conforme um dia eu prometi, Onde, confesso
que esqueci, E embora — perdoe — tão tarde...”.
Caymmi fez música, com seu poema Vatapá, onde descreve como fazer a
iguaria, lembrando repetidamente que não prescinde da negra baiana “que saiba
mexer”. Tece ainda outros elogios à culinária baiana, lembrando algumas de suas
delícias em “Você já foi a Bahia”: vatapá, caruru, e mungunzá.

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Chico, em “Feijoada Completa”, ensaia e descreve com perfeição o evento


de uma feijoada, que é sempre uma festa, regada a caipirinha.
“Prato Fundo” foi uma brincadeira de Noel, sobre a comilança, destacando
sua gulosa família. E Adoniram Barbosa registrou o “Torresmo a Milanesa”, este
gosto tão do povo, que passou para a história na voz de Elis Regina.
Tantos outros estão sendo aqui esquecidos, mas quero citar um escritor e
jornalista, de São João da Boa Vista, que conheci pelo Facebook, e que é dado
também às artes culinárias. Ele escreve muito bem e acompanho suas
postagens, que sempre têm pequenos contos, muito bons, que são finalizados
amarrando a algum prato, cuja receita ele posta para seus seguidores.
Para aqueles que gostaram da ideia, encerro aqui minha crônica,
deixando-lhes as indicações de como fazer um de meus pratos prediletos de
entrada, ou mesmo para acompanhamento. Simples, leve, sem grandes
sofisticações e fácil de fazer. Não confundir com a sopa homônima, também
servida fria.

Aspic de Gaspacho.
Ingredientes:
2 xícaras de chá de tomate sem semente picado bem miúdo
½ xícara de chá de pimentão verde picado bem miúdo
½ xícara de chá de cenoura ralada em ralo grosso
½ xícara de chá de cebola bem picadinha
100 g de cogumelo em conserva cortado em fatias finas
½ xícara de chá de pepino picado miúdo
1 colher de sopa de salsa picadinha
1 colher de chá de cebolinha verde bem cortada
1 colher de chá de alho em sal
1½ colher de chá de sal
1 de colher de chá rasa de molho de pimenta
¼ de colher de chá de molho inglês
2 caixas de gelatina de limão

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2 xícaras de chá de água fervente


1 xícara de chá de água fria
2 colheres de sopa de vinagre branco
½ colher de chá de pimenta do reino moída

Modo de fazer:
Misture todos os vegetais e condimentos. Reserve.
Dissolva a gelatina na água fervente, e acrescente a água fria.
Deixe amornar e misture os vegetais reservados.
Leve à geladeira em uma tigela grande até que se firme.
Guarneça com tomates em rodelas e fatias de pepino.
Servir com folhas de alface.

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Hélio Guedes
Petrópolis/RJ

O Menino e o Bicho

De forma de quem não esperava


O menino voltava do mato,
Mas sempre olhando para trás,
Pois era do mato que ele gostava.

Vivia dentro do menino um bicho,


Mas essa história era com a vida
Da mataria que só a meninice ensinava,
Ensinada como água corrida de rio.

Às vezes, o menino sentia falta


Do bicho e esse do menino, mas logo
Se encontravam, pois, o menino
Era o bicho e o bicho era o menino.

Juntos trocavam de vida,


De alma não, pois era uma só.
Corriam, espetavam o pé no espinho,
Brincavam de briga e de voar em cipó.

Foram felizes, o menino e o bicho,


Até o dia que o bicho no mato sumiu
E o menino cresceu e, agora sozinho,
Lembra do bicho que para longe fugiu.

https://www.facebook.com/helio.oliveira.771282

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Hellen Bravo
Botucatu/SP

Suco de Ameixa

Asdrubal acorda sempre com pontualidade Britânica às oito horas, graças


ao seu intestino que funciona como um relógio perfeitamente regulado. E,
diariamente, ele lava o rosto, escova os dentes, penteia o bigode grisalho diante
do espelho e se veste. Sai de casa, cumprimenta a vizinha do outro lado da rua
que rega as flores do quintal, faz uma piadinha com o jornaleiro na banca,
compra jornal e faz o mesmo caminho de sempre até a padaria. Compra pão,
leite, frios, sonho e uma garrafa de suco de ameixa. Seu dia segue sem grandes
emoções exceto por algumas exaltações causadas pelas notícias do jornal.
Dia seguinte, Asdrubal acorda com seu “intestino-despertador”
pontualmente às oito, lava o rosto, escova os dentes, penteia o bigode grisalho
diante do espelho e se veste. Sai de casa, cumprimenta a vizinha do outro lado
da rua, faz uma piadinha com o jornaleiro, compra jornal e segue para a padaria.
Compra pão, leite, frios, sonho e uma garrafa de suco de ameixa. Seu dia segue
sem grandes emoções.
Outro dia, mais uma vez Asdrubal acorda com seu “intestino-despertador”
pontualmente às oito, lava o rosto, escova os dentes, penteia o bigode grisalho
diante do espelho e se veste. Sai de casa, cumprimenta a vizinha do outro lado
da rua, faz uma piadinha com o jornaleiro, compra jornal e segue para a padaria.
Compra pão, leite, frios, sonho e uma garrafa de suco de ameixa. Nenhuma
novidade!
Novo dia e Asdrubal acorda cansado de sua rotina diária. Lava o rosto,
escova os dentes, dessa vez não penteia o bigode grisalho diante do espelho e se
veste. Resolve fazer um caminho diferente para chegar até a padaria, dando a
volta no quarteirão. Virando a esquina, tropeça num buraco e quase cai, ao
dobrar outra esquina se depara com um rottweiler rosnando, então acelera o

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

passo e vira outra esquina. Chega à padaria compra pão, leite, frios, sonho e...
Não tem suco de ameixa!
Volta contrariado para casa pelo caminho que faz regularmente e nunca lhe
trouxera problemas. Ao longo do dia não se exalta com notícias no jornal, pois
não passou na banca como todos os dias e ao cair da noite ele dorme.
No dia seguinte Asdrubal acorda às dez horas... Maldito suco de ameixa!

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Iracema de Alencar
Jacarepaguá/RJ

Folha Mitológica

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Ivo Aparecido Franco


São Bernardo do Campo/SP

Exumação do homem contemporâneo

Quando à tona vier meu corpo podre O que é triste no final das contas
Fedendo à solidão velório e enxofre É teu olho bom que não enxerga
Levarás um pano a teu nariz
Criatura infeliz Não devia ser de inúteis carniças
A exumação a ocorrer nesse momento
Não é nada a podridão de um corpo Dever-se-iam exumar ideias mortas
A triste deterioração de um morto Soterradas em teu pobre pensamento
No fim das contas por que ficar triste
Por alguém que de fato nem existe¿ Jamais terá percepção
Que o frigorífico da alma
Chorume, terra, escuridão minhocas É o ensino, a luz, a reflexão
Tudo que resta são ideias mortas
No fim das contas esse breu profundo Decomposta é a tua alma
São apenas invisíveis portas Minha exumação é só um equívoco
Pois podres são teus sentimentos
Não será triste meu olho saltado Putrefato é teu espírito
Ou a ossada fria de minhas pernas

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Jax

Um Furo na Parede

(versão desperta)

Tarde marota de domingo, nada pra fazer, nem chuva, nem sol, tempo
fresco, sofá confortável, televisão desligada (o que aumenta o conforto), celular
no fundo do bolso de alguma calça, mulher e filhos no shopping, quietude
absoluta, aquela imensa parede branca diante de si.
E o furo no meio da parede.
No meio, não exatamente. A bem da verdade, na parte superior da parede,
um pouco mais à direita do que à esquerda. Está no meio, isso sim, do olhar.
Desse olhar preguiçoso, pretensamente meditativo, desejoso às vezes de ver
mais do que pode ou do que seria natural.
Se uma das pretensões básicas do ser humano consiste em saber a origem
de tudo na vida, o tipo esforça-se para lembrar como aquele furo foi parar ali.
Para evitar dúvidas, reivindica seus direitos autorais de imediato. Furo
aparentemente tão perfeito só pode ter sido sua obra. A família acabara de
mudar-se para o apartamento. Ainda havia caixas de mudança a desfazer,
quadros a pendurar nas paredes. Certamente, dias atrás, registrara-se consenso
familiar na colocação de mais um desses quadros. Como consequência, ele
produzira o orifício necessário, que ali permaneceu incompleto, sem gancho nem
o penduricalho. E a bucha?
De onde estava, não conseguia distinguir se havia ou não bucha dentro do
tal furo na parede. Questão de somenos importância, de resto. Refutou a ideia de
erguer-se de sua comodidade para tirar tão comezinha dúvida.
O ponto relevante da história é que o furo estava feito, perfeito e acabado.
Primor! Faltava falar como obra clássica da Antiguidade. Só que naquele
ambiente nada havia de antigo. Apartamento recém-construído, cheirando a

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

tinta, enquanto o novo proprietário andava ainda na casa dos seus quarenta
anos, com muito chão (e parede) pela frente. O furo não falou, portanto. Em vez
disso, verteu água, límpida e clara, feito ribeirão. Sem que se entendesse como
tanto líquido poderia fluir por orifício tão pequeno e formar linda cascata, que
inundou a sala e refrescou ainda mais a tarde dominical. No sofá, o quarentinha
sentia o prazer dos pés na água refrescante e tentava identificar as espécies de
peixe que desciam pela cachoeira e nadavam graciosamente entre as pernas dos
móveis. Pena que a mulher e os filhos estivessem perdendo semelhante
espetáculo. Quem mandou ir a shopping? A Natureza supera qualquer comércio.
Se, por um furo pode sair tanto, outro tanto pode entrar, no entanto. Eis
que, despregando-se momentaneamente do aprazível sofá, o meditabundo ser
envereda por aquele canal, parede adentro, num misto de curiosidade e de
aflição ante o desconhecido.
Que diferente perspectiva! Das águas transparentes alimentadas pela
pujante cascata passar ao deserto arenoso por detrás da parede. Mesmo se o
tempo permanece fresco, sem alterar-se o clima da tarde de domingo, o viajante
sente a garganta seca e sua interiormente sem saber se poderá matar a sede.
Caravanas passam ao longe, mas ele não se sente seguro para aproximar-se. As
pessoas não falam a mesma língua num só lugar, que dirá em ambientes que
variam da água para a areia.
Melhor regressar ao conforto da sala e do sofá. Mal se reinstala e percebe
algo diferente. Onde foi parar o furo? Abandonou seu posto na parede e iniciou
trajetória descendente, decadente, até o rés-do-chão. Não satisfeito, alargou-se
por si só, virou cratera. Já em dúvida se seria a mesma obra de sua suposta
autoria, o homem recolheu as pernas para cima do sofá e olhava o enorme
buraco como se estivera a mirar a boca do precipício.
Tentava compreender os dramas e comédias que ali pareciam desenrolar-
se. São muitas, porém, as situações que escapam à percepção humana. Ora o
caso da menina pobre e faminta ficava obscurecido por nuvens que surgiam da
cratera, ora a alegre armação de um grupo de amigos iluminava-se a ponto de
impedir que se visse o desfecho da trama.

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O tipo insistiu a mais não poder em desvendar essas ocorrências, mas a


monotonia da tarde dominical paralisava a ação resoluta da mente ao invés de
estimular a dose certa de reflexão e interpretação. O buraco no chão foi
encolhendo-se e deu lugar ao furo, que retornou à parede, mas não pensem que
isso significou a volta ao statu quo ante.
Em seu estágio quarentão, o tipo aprendera que, uma vez dado o furo,
tudo pode acontecer. Não há maneira de corrigir o erro cometido, de compensar
o gesto infeliz ou de remediar o malfeito. Fica-se ao sabor das circunstâncias,
sujeito à mágoa, ao rancor e, pior ainda, ao desprezo. Para que persistir, pois,
em mirar esse furo na parede, com a obsessão dos tolos, como se houvesse
possibilidade de meramente inserir-lhe um gancho e apor um quadro que
reconstitua o momento perdido?
Ocorreu-lhe que aquele pequeno orifício na parede não necessariamente
traduziria o começo de vida nova, representada pela imagem a ser ali fixada.
Poderia ser resquício de algo passado, que ali estivera, mas não mais se
encontrava. Paisagens ou abstrações removidas, amores passageiros, aspirações
perdidas, sonhos desfeitos, o rol do que passou pode ser incomensurável. Por
outro lado, o futuro também se afigura imenso, pleno de alternativas. Em súbito
arroubo poético, sentindo falta da esposa e dos filhos, o “pensador” descobre que
o futuro rima com o furo, pelo qual voltam a transitar mil imagens, devaneios e
elucubrações vespertinas.
Tamanho o poder imaginativo do ser humano que o simples furo na parede
se multiplica. Talvez já um tanto cansado a essa altura da tarde, o pobre espírito
só consegue associar a superfície assim furada a um queijo suíço, matéria da sua
predileção, e ceder à realidade da fome: urge alimentar o estômago. De forma
decidida, deixa o sofá e resolve sua aflição concreta e imediata.
De volta ao local, já escurecendo, acende a luz e desinteressa-se de
continuar a inquirir o foco anterior de sua atenção. Lembra-se de que não
terminara de ler as notícias.

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Retomando o diário largado no canto esquerdo do sofá, conclui seu


domingo surreal com mais meditações contraditórias sobre o significado, os prós
e os contras dos furos jornalísticos.

Divulgaescritor, antiga coluna do autor, dezembro 2020. A “versão sonâmbula”


deste conto aparece em JAX, De Volta a Ibitinema (com novas histórias na
bagagem), ed. Astrolábio, São Paulo e Lisboa, 2022.

JAX, Brasília, DF, outubro 2022.

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Jeane Tertuliano
Campo Alegre/AL

Yo soy una

Yo soy una

Desafetos
Não afetam
O meu clímax.
Yo soy una,
Mas sou inteira
Tal como a lua cheia.
Minhas fases
Me fazem
Autêntica.
Peculiar é a ferramenta
Que me desmonta
E remonta, ferrenha.
Eu não me caibo
Enquanto não acabo
Com a fome
Que me alimenta.

https://instagram.com/jeanetertuliano/

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Joaquim Bispo
Odivelas, Portugal

A gruta da moura encantada

No tempo de D. Dinis, todos os mouros ligados ao controlo militar e


administrativo do território lusitano tinham já sido expulsos das terras do
Algarve. Mantinham-se, no entanto, as populações há muito arabizadas e mais
ligadas ao solo e ao mar da região do que às elites do califado.
Ali Agat, por esses tempos apanhador de medronho na serra de Estoi, que
depois vendia nas povoações ribeirinhas, andava certo dia embrenhado na mata
arbustiva, atarefado a apanhar os frutos maduros e a encher com eles uma cesta
de vime. Os demasiado maduros e os já debicados pelos pássaros iam-lhe
enganando a fome. Quando o calor apertou, recolheu-se a uma sombra cerrada e
foi roendo o pão de grão de bico que tinha trazido de casa. Depois, deitou-se a
dormir debaixo de uma alfarrobeira de copa densa. Quando acordou, manteve-se
ainda um pouco, de costas, no chão forrado de folhagem, a saborear o fresco, de
olhar perdido no interior da copa da árvore, atravessada aqui e ali pelos raios de
sol de princípio da tarde.
Percebeu então, uma alfarroba de brilhos dourados e maior do que as outras.
Apanhou-a e logo suspeitou, pelo peso e pelo brilho, que devia ser de ouro. Foi
tomado de enorme orgulho e alegria. Possuir uma alfarroba de ouro era algo que
nunca se atrevera a desejar. Tomou-lhe o peso, admirou-lhe os reflexos, a
curvatura elegante. Durante um bocado, brincou com ela, como uma criança que
tem um brinquedo novo. Quando ficou satisfeito, meteu-a no bolso da jelaba e
apressou-se a voltar para casa, para a mostrar à mulher. Andou, andou toda a
tarde, mas a sua aldeia ficava longe e a alfarroba cada vez lhe pesava mais no
bolso. A certa altura, sem poder mais, resolveu enfiá-la na loca de uma árvore.
Viria buscá-la depois. Pôs-se à procura de uma apropriada e foi então que uma
cabra, que por ali andava a pastar, o interpelou:

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— Dá-me essa alfarroba, Ali Agat! É do meu pai; essa e muitas outras
alfarrobas de ouro que deixou à minha guarda, quando teve de fugir para
Granada.
Perante a atitude surpreendida dele, a cabra explicou-se:
— Eu sou uma princesa moura, filha do emir de Al-Ulya. Como teve de fugir
à pressa, quando o rei cristão entrou na nossa cidade, lançou-me um encanto,
para eu ficar sempre de guarda aos seus tesouros.
— Como sei que não me estás a mentir? — respondeu Ali Agat, desconfiado.
— Vem comigo e verás! — disse a cabra, tomando uma vereda estreita.
Ali Agat seguiu a cabra por muito tempo. Depois de serpentearem pela
vereda da serra, chegaram, à noitinha, à entrada de uma gruta, meio escondida
por baixo de um grande arbusto.
— Baixa a cabeça e entra! — comandou ela, mas Ali Agat não queria entrar
na gruta da cabra, sem saber o que viria depois. — Lá dentro vais conhecer
tesouros como nunca imaginaste — insistiu ela.
Ainda desconfiado, o algarvio acabou por entrar. A gruta era espaçosa e
profunda e o chão estava ladrilhado de alfarrobas de ouro.
— Uma por cada súbdito do meu pai — esclareceu a cabra —, mas ele fugiu
há tanto tempo que já não deve vir buscar-me, nem livrar-me deste encanto. Só
tu podes salvar-me. Basta dares-me um beijo. Quando mo deres, quebra-se o
encanto e eu volto a ser a jovem princesa que era. Para isso, estou disposta a
dar-te todo este ouro. Mas, com uma condição: tens de retirá-lo da gruta antes
do nascer da lua.
Ali Agat, muito relutante, mas pensando como ficaria imensamente rico só
por beijar uma cabra, acabou por aceitar. Apenas lhe deu um beijo na boca, ela
transformou-se numa linda jovem, de belos cabelos negros e vestida com uma
longa e leve jelaba verde-água. Ali Agat ficou encantado com a beleza da
princesa, mas precisava apressar-se a recolher o ouro. Boa parte da noite entrou
e saiu da gruta, carregando pesadas alfarrobas de ouro. Finalmente, quando, já
cansado, arrastava a última alfarroba para fora da gruta e rejubilava com o
sucesso, aconteceu o que temia: o grande halo prateado da lua já se erguia

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majestoso no céu escuro. Imediatamente, todo o ouro desapareceu, suspeitando


ele que tivesse voltado para a gruta, cuja entrada se fechou silenciosamente. E a
linda princesa voltou a ser a cabra de antes.
— Vê o que fizeste! — ralhou ela. — Com os teus vagares dobraste-me o
encanto.
Ali Agat não sabia o que dizer, mas acabou por se desculpar com o cansaço.
Disse-lhe que se esforçara tanto que até se esquecera da mulher, que já devia
estar preocupada à espera dele. A cabra compreendeu:
— Volta lá para a tua mulher, já que, a mim, só me fizeste mais infeliz. Mas
sempre pelo mesmo caminho e sem olhar para trás. E leva estes dois saquinhos
de figos para a viagem.
Ali Agat voltou pela mesma vereda, recolheu a cesta de medronhos e dirigiu-
se para casa. Quando sentiu fome, tentou comer os figos que a cabra lhe dera,
mas ainda estavam verdes e leitosos e já lhe tinham posto os bolsos a colar.
Chegou finalmente a casa, onde a mulher já estava muito aflita, sem saber onde
o procurar. Contou-lhe então tudo o que lhe tinha acontecido e porque se tinha
atrasado:
— Quando acordei da sesta, deparei-me com uma alfarroba de ouro mas,
quando vinha ter contigo, encontrei uma cabra, que, na verdade, é uma princesa
moura encantada e que tem uma gruta maravilhosa cheia de ouro. Disse que
seria todo meu se eu lhe desse um beijo e o tirasse da gruta antes de a lua
nascer. Não consegui retirá-lo a tempo, porque entretanto nasceu a lua. Mas
trouxe esta cesta de medronhos e estes dois saquinhos de figos. Só que ainda
estão verdes.
— Ai, Ali Agat, é sempre a mesma coisa! — queixou-se a mulher. —
Apanhaste outra vez uma barrigada de medronhos, deitaste-te a curtir a
bebedeira e voltaste a sonhar com aventuras com mouras encantadas. Aposto
que a cabra é que se regalou com a alfarroba, se já estava bem dourada. Porque
é que não deixas o medronho e voltas para a apanha da amêijoa?

http://vislumbresdamusa.blogspot.pt/

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Joaquim Cesário de Mello


Recife/PE

Dias Velhos

Os dias quando envelhecem Os dias quando envelhecem


se tornam longos, lentos e tediosos são mais tolerantes do que antes
tão pesados como os carregados minutos indulgentes até com a própria morte
no arrastar tardio das horas demoradas que se tiver sorte vai demorar
que nem esses dias assim tão dilatados
Os dias quando envelhecem
não parecem nem mais ser dias Os dias quando envelhecem
e com tantas memórias acumuladas são dias cansados de dias
têm cheiro mofado do século passado que ficam se olhando na janela
lembrado a rapidez dos antigos dias
Os dias quando envelhecem
ficam enevoados e embaçados Os dias quando envelhecem
como se fossem encobertos de fumaças também adormecem ao final do dia
feito véus grisalhos em quedas-d’água e esperam logo cedo acordar
para viver mais um envelhecido dia

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Joedyr Bellas
São Gonçalo/RJ

Chapéu de Feltro
Eu o conheci lá pelos idos dos anos 1970. Esguio e ereto. Um mulato elegante no
terno de linho branco. Por ora, não me lembro se havia um lenço arrumado com
a ponta de fora no bolso superior do terno ou se havia um cravo na lapela. Não
me recordo. A memória vai turva, cheia de enganos, falsas verdades e mentiras
de eu jurar de pé junto a sua ocorrência com data, detalhes, cores e cheiro.
Mas quero voltar ao seu Juvenal. Eu dizia que não me lembrava do lenço exposto
no bolso superior do paletó ou do cravo na lapela. Realmente, não me lembro,
mas do chapéu de feltro na cabeça dele era de lei. Um cachimbo no canto da
boca. O fumo a aromatizar todo o ambiente. O andar gingado e lá vinha seu
Juvenal descendo ou subindo a ladeira. Não importava o rumo. Era o seu Juvenal.
Diziam coisas dele. Das malandragens, das mulheres, da capoeira, dos trancos e
barrancos, da cachaça, do bilhar, das apostas no cavalo ou no carteado, da
navalha sempre posta na palma da mão, quando necessidade havia da navalha
na mão.
Pé de valsa.
Dona Eponina, eu gostava de conversar com ela na varanda da casa dela. Ela
contava coisas, sabia histórias e ia falando do seu Juvenal, meu Juvenal. Das
carícias, das safadezas ditas no canto dos ouvidos. Eu sorvia em pequenos goles
o café preto oferecido por dona Eponina, querendo que não terminassem as
coisas narradas por ela. Sabe menino. Eu não sabia ou fingia que não sabia,
porque muito das histórias eram repetições, mas inédita no ineditismo das
saborosas aventuras, contadas às avessas, contadas de frente pra trás, contadas,
às vezes, com as vírgulas trocadas de posição, os pontos embaralhados e as
pausas ofegantes, ela interrompia a narração para uma mordida no bolo de milho
ou para enxugar uma lágrima intrometida no canto do olho. Tudo mentira,
menino. Os fuxicos sobre meu moço, tudo mentira. Carinhoso. Buquê de rosas na

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mão e olhar somente para os meus olhos. Homem de casa, de não sair aos
pinotes ou na ponta dos pés para não interromper meu sono. Mentira. Era uma
casa alegre, de crianças correndo pelos cômodos, de frutas no quintal, de cão
farejando comida, de juras de amor, não o amor eterno pois da eternidade
sabíamos o quanto ela é frágil. Então íamos vivendo cada dia, cada momento,
cada segundo, cada chamego, cada discussão sem fundo ou fundamento, íamos
vivendo. Era o nosso lema. A vida. As alianças de ouro no dedo e um canto do
sofá para a gente descansar da lida, falar das coisas, dividir as novidades ou os
casos velhos, com pinta de novidade, era assim menino.
Acho que era.
Havia cadeiras na calçada, moleques correndo pra lá e pra cá, uma cadeira de
balanço na varanda onde dona Eponina esparramava seu corpo cansado, as
pernas um pouco inchadas, e o amor por seu Juvenal intacto, podiam falar o que
quisessem falar, mordam a língua, podiam derramar o veneno que quisessem
derramar, podiam se esgueirar por entre os galhos da macieira ou se esconder
por trás de palavras as quais não faziam ninho. Dona Eponina, o que eu me
lembro dela era de um coque no alto da cabeça, de uma roupinha colorida toda
passadinha e cheirosa. As vaidades de dona Eponina.
E lá vinha seu Juvenal, descendo e subindo a ladeira. Não me lembro do lenço no
bolso do paletó nem do cravo na lapela, mas daquele chapéu de feltro no alto da
cabeça dele, ah, desse chapéu não tem como eu me esquecer.
Era com esse chapéu que seu Juvenal reverenciava as donzelas e era esse
chapéu que dona Eponina conservava no cabideiro em um canto da sala.

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José Manuel Neves


Almada/Portugal

As cores que dei à Saudade

Olhei o dia que terminava,


E a pouca luz que restava,
Enchia de sombras a cidade.
Lembrando esse dia que passou,
Quando de nós só a dor ficou,
Pintei de cinzento a saudade.

A noite era uma donzela,


Roçando a minha janela
Com desejos de ternura.
Desliguei o pensamento.
E na paz desse momento
Dei à saudade a brancura.

Mas sem poder descansar,


Dei por mim a transformar,
Um sonho em realidade.
Com o desejo de te ver,
Sem vontade de te perder,
Pintei de verde a saudade.

https://joseneves.tambemescrevo.com/

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JulyanneKim
Taboão da Serra/SP

A quem queira saber

Sou viajante, sem uma morada para me abrigar


Não tenho genero definido, pode me chamar como quiser
Me alimento das alegrias, das lamentações
Um amor mal passado, ironias salpicadas de sarcasmo, uma taça de metáforas e
como sobremesa, doces ilusões
Dos sonhos sou o guardião, adentre com cuidado esse portão
De mim, as palavras vertem como uma fonte de agua
Para alguns minhas palavras são loucura
Para outros são uma luz na penumbra
Não tenho intenção de incomodar, sou uma criatura dada a divagar
Ando descalço sobre brasas
Sinto tudo com uma intensidade passivel de se questionar
Aceito com um sorriso de canto, que a vida não é um mar de rosas
Elas perfumam por um tempo, chegam a inebriar
No fim, elas esmorecem, pétalas transformadas em braços, agarrando para sufocar
quem não se desvencilhar
Prefiro trabalhar com as pedras, minhas antigas conhecidas
Inspiração para vencer a fadiga, sentir a dor da perda, essa atroz agonia
Sem rosto, apenas uma máscara tecida com fragmentos de muitas vidas, outrora,
vividas e vivídas em minha memória
Me chame pelo nome que lhe aprouver, aceito como paga o que tiver
Sou um mágico amador, um perfeito enganador, para sempre sonhador
Sou o que chamam de escritor
@literalmente_li

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Larissa Reggiani Galbardi


Cafeara/PR

Era uma vez uma mulher qualquer

Era uma vez uma mulher qualquer, Era uma vez uma mulher
comum, nada tinha ela de singular, qualquer, com uma carreira
nenhuma peculiaridade estranha. apropriada, um marido comum e
Educada com primor razoável e filhos bonitos, uma mulher sem nada
propriedade, cresceu para escolher uma de singular ou de excentricidades,
carreira apropriada que não a que apoiou seu marido, criou seus
atrapalhou na sua missão. Missão que filhos, não deixou que seu trabalho
não escolheu e não questionou, afinal tirasse o foco de sua família, uma
era o esperado. mulher qualquer que aceitou sua
Era o esperado e foi aceito, embora missão, sem nem mesmo notar que
ela não soubesse por que, nenhuma de era a missão de ser coadjuvante.
suas amigas sabia também, mas tremia Era uma vez uma mulher
só de pensar em perguntar, os seus pais qualquer, estranha, cheia de
já haviam ficado perturbados por muito singularidades, um tanto excêntrica,
menos, refreou então, a tímida não se sabe se é possível dizer que
curiosidade que lhe afligia, enterrou foi educada com propriedade, sua
esses pensamentos antes que se educação foi feita em caleidoscópio,
tornassem sôfregos. cresceu para querer, desejar...
Uma mulher qualquer que se casou Escolheu uma carreira na qual pôde
com um homem qualquer, logo após se refletir suas peculiaridades.
formar. Ele também era comum, sem Questionou os pais; avós e
nada de singular a não ser sua ambição, professores, dividiu o conhecimento
que coube a ela apoiar, o que fez com as amigas e amigos: podia sim
admiravelmente, era o esperado. escolher sua missão, o que ela fez,
Tiveram dois filhos comuns, muito resoluta, arrastando colegas junto...
bonitos segundo os amigos, mas sem Não foi a primeira vez que arrastou
nada de singular, nenhuma alguém parra si mesma, para sua
peculiaridade. Os parentes diziam que órbita de astro peculiar.
tiveram sorte, um menino robusto para Uma mulher qualquer que chegou
seguir os passos do pai e uma menina a ficar noiva, mas desistiu do
adorável que aprenderia com a mãe a casamento quando o noivo exigiu
propriedade da missão. que, para apoiar os sonhos dele, se

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

esquecesse dos sonhos dela. Passou, espelho invertido, a peculiar deleitou-


depois, a namorar sem preocupação e se com as sensações que a tomavam,
decidiu que teria filhos quando e se certo sufocamento, certo êxtase, um
quisesse. conhecer, saber... A comum tentou
Era uma vez uma mulher qualquer, estrangular o que sentia, lutando
estranha, peculiar, que ignorou a palavra para quebrar o encantamento que a
propriedade; escolheu; desejou; quis... assolava, pensou no marido e nos
Uma mulher com órbita gravitacional filhos, mas a tentativa de escapar
que decidiu que a própria missão era a aumentou o deslumbre, respirava
de brilhar. afogada em busca de ar, sentiu... A
órbita da outra a magnetizava,
Era uma vez duas mulheres ficaram assim paralisadas, olhos uma
quaisquer, uma comum, sem nada de na outra, por um segundo, um
singular, já a outra, estranha, minuto, uma década, um século, um
colecionadora de peculiaridades. Duas milênio...
mulheres que se encontraram num
corredor de supermercado às dezenove Seus olhares separaram-se
horas em uma noite de primavera. repentinamente, só que o feitiço já
Entreolharam-se de passagem, tinha se entranhado em ambas.
reparando no cereal infantil e na garrafa Partiram... Cada uma para a sua vida,
de champanhe, sorriram simpáticas, partiram as mesmas e partiram
nada demais. Algo estranho aconteceu outras, duais, díspares... Embora
quando tentaram desviar o olhar, uma brilhasse e a outra fosse
estranho para a peculiar, cataclísmico coadjuvante, partiram as duas
para a comum. Tentaram desviar o olhar pensando “Somos a mesma, somos
e não puderam, fitaram-se como a um uma, somos milhares”.

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Leandro Emanuel Pereira


Matosinhos, Portugal

Odisseia Biológica

Mera odisseia biológica e aleatória;


Já Darwin era firme em afirmar;
Que apenas na sua memória;
Estava a seleção natural a governar...
Sermos Fortes, fracos ou feios;
Só depende da variabilidade genética;
Originada por diferentes meios;
Todos menos uma aparição exotérica…

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Li Poeta
Cariacica/ES

O que ainda me resta


Mesma machucada e ferida,
sigo agradecendo pela vida.
Ainda me resta meu amor-próprio.
Ainda me resta meu doce amor.

Diante dos desencontros que,


tive na vida livramentos representou.
O que ainda me resta é seguir,
com amor e gratidão no coração.

Ainda me resta meus sonhos.


Ainda me resta meu amor por mim.
Isso tudo valorizar em mim.
Lutar eu não vou mas por você.

Vou seguir colorido o,


meu jardim de amor.
Vou seguir resgatando e reconstruindo,
todo amor que de mim você despedaçou.

O que ainda me resta?


É o meu amor por mim.
O que ainda me resta?
É o meu amor-próprio.

@liecifranborgesmartins

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Luciane Aparecida Varela


Francisco Beltrão/PR

Renasci!

Renasci após te conhecer, vivenciei o pior dos mundos ao seu lado,


Mas infinitamente me descobrir linda e única,
Pois percebi que ao seu lado era apenas a coadjuvante da nossa história.
História que nasceu como um conto de fadas, mas o príncipe encantado
Foi pelo mundo maltratado e assim achou que podia proceder,
Como pode transformar nossa trajetória em ruínas de enlouquecer.
Porém a vida é mágica e nos faz renascer, ao perceber que eu era importante
E que somente a mim mesma podia salvar.
Busquei lá no fundo minhas origens e renasci, renasci para o mundo
E principalmente para mim, hoje me amo em primeiro lugar e desfiz o
Lar que muito me judiou, busquei em mim e em Deus a força para
Recomeçar e transformar minha vida na bela trajetória que aqui resolvi contar.

https://www.instagram.com/lucianeaparecidavarela

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Luís Amorim
Oeiras, Portugal

Tempo a passar

O badalar dos minutos no relógio de parede acompanhava os tempos monótonos


que a visitavam diariamente, avançando as horas quase em contramão,
impedindo o seu progredir rumo a vida mais interventiva, onde planos antes
delineados pudessem ter positiva sequência. Mas apenas deambulava sua mente
e corpo num restrito terreno de acção e emoções, sem nada fazer que não o
gastar do tempo de tal modo que muitos poderiam descrever como inútil, talvez
esperando por alguém que lhe mostrasse o ajustado caminho a seguir. Nada mais
produzia do que estender vigorosos passos debaixo de intensa luz solar, com nulo
esforço ou aquando chegada da impiedosa chuva, pedindo sua clemência na
justificada ausência de fazer nada, apenas observando fortes pingas lá fora sob o
calor que a sala muito sabia aquecer. Jovem era por vistosa aparência e muita
vida ainda teria pela frente, motivo pelo qual uns quantos antecipavam no
justificar dos seus repetidos dias, sem avanços que imenso prometiam à partida,
mas que com seu rejeitado esforço, tudo deixaram em suspenso. Não houve
quem lhe dissesse o ser preciso aplicação para os projectos saírem das ideias,
nem ela eventualmente pensou que fosse passar tempo em demasia, sem fazer
progressos que se vissem. Assim, ninguém percebia como ela envelhecia e tudo
continuava parado, menos no seu vaguear pelo tempo que despontava lá fora,
umas vezes estando mesmo em casa por não existirem melhores condições.
Quando finalmente deu sua percepção do tempo que passara, tentou ir atrás
dele, quase no desespero para recuperar o perdido, mas solar idealizado estava a
pôr-se, deduzindo ela que ainda teria nova oportunidade pelo dia seguinte,
quando luz solar estivesse outra vez pelo alto, sorrindo-lhe afectuosamente. Só
que muito ela teria de correr para o apanhar com apropriada intensidade,
parecendo seu interlocutor já não raiar como antes, quase sempre no ocaso, a

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

fazê-la gastar mais energias como se ele afinal, estivesse atrás dela e fosse
preciso correr um círculo gigantesco para voltar a estar bem posicionada com a
luminosidade mais propícia ao desempenho que antes não tivera. Talvez ela já
não tenha agora o suficiente para chegar ao destino idealizado no passado
longínquo e opção melhor seja mesmo o circular inconsequente mediante a
enfrentada meteorologia, sabendo como muito bem lhe aconchegará o ego, ouvir
a chuva lá fora, se esta assim disposta estiver para a confortar. Mas o enfrentado
tempo é de belo primaveril calor, a convidar para sair e ouvir a música que aves
trazem de paragens outras, tal como os sinos que os campos parecem tocar,
fazendo igreja distante surgir mesmo ali, no anúncio com devida antecedência ao
sermão que irá ser proferido, certamente em honra de pecadores alguns, os
quais já deverão estar a caminho, na certeza de que seguindo a luz solar com
vigor como sucede no seu improvisado esforço de passadas ofegantes, todos
chegarão no tempo da certa hora.

facebook.com/luisamorimeditions

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Maite Diniz Ardies


São Paulo/SP

Mulheres

Tinha todas elas

Uma menor que outra

Maior que aquela

Mais bonita que essa

Menos estranha que a ela

Mais perfeito que nela

Havia todos os tipos

Emaranhado de estereótipos

Umas gordas e vistosas

Outras magras e espaçosas

Umas ruivas espichadas

Outras loiras esbranquiçadas

Havia todas em uma

Uma em todas revelada

@maiteardies @toquenatoca

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Marcel Luiz
Contagem/MG

Tarde de sertão
a várzea estendida ao sol
chamava Diadorim
para um trote a dois
numa valsa de vento de rio

o sertão, bravo de amor


anunciava uma revoada de pirilampos
para a tardinha sinfônica
iluminada com cipós São João

ingazeiros e umbuzeiros
aguardando a passarada
num festejo de dia de santo
no arraial de troncos e folhas

noite ao longe

cada breve suspiro


angariado da janela do carro
cantava em mim paisagens
e belezas em movimento

fotogramas de Siron
- natureza viva

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Marcos Antonio Campos


Natal/RN

Anjos Tortos

Jim Morrison, ex Doors


Ex pó, expoente
Imagine John Lennon
Morto por alguém tão doente
Numa curva em “S”
Ayrton sai de cena
James Dean
Morto tão teen
Para quem Kurt Cobain
Jesus doesn’t want me for a sunbeam
As guitarras Jimmy, Hendrix
A voz Jane, Joplin
Elis Jazz
Nas rochas, Glauber
Nos seixos, Raul
Sem alternativa
Elvis drogado por overdose acidental
Amy Winehouse numa intoxicação alcoólica
da mistura eclética de gêneros...
Marilyn Monroe desejada
Madalena perdoada
Por ironia do destino
Os Mamonas Assassinas
Mortos na serra da Cantareira
Nara os separa, Clara os une.
Todos mortos
Todos anjos tortos

@marcosantoniocampos89

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Maria Carolina Fernandes Oliveira


Pouso Alegre/MG

Minha Mãe

Azul, vermelho, amarelo. O azul que aconchega o beijo do furioso enlace das
cores quentes, em verdade, tenta esconder a tristeza que carregam os céus do
fim do dia. Minha mãe diria que é pintura e dedicaria segundos genuínos para
apreciar essa ginga da natureza. Depois, voltaria para a cozinha para tirar o café
do coador, e o céu se tornaria memória inebriada pelo cheiro marrom dos grãos
moídos. Algum aroma me acalenta mais? Sinto-me nos braços dela, da senhora
minha mãe. Doce. Fátima e doçura poderiam ser sinônimos no dicionário e não
haveria qualquer polêmica. Mas o piscar dos olhos muitas vezes nos trai, e da
açucarada lembrança voltei a ver, na janela embaçada do ônibus, uma tarde
colorida e triste. Meu problema não é, afinal, com as cores em si, mas com a
máscara. Todos os entardeceres são melancólicos, ponto. Conjugam em si o que
já foi e o que está por vir e, no fim das contas, nostalgia e expectativa se esvaem
e o presente escorre pelos dedos. Contudo, diferente das cinzas, as tardes
coloridas tentam mascarar a efemeridade do tempo, um bailado hipnotizante que
vai do roxo ao verde e do verde ao rosa, e então já é tudo tão anil que não mais
se sabe por quanto tempo o presente foi ignorado, e os inconclusivos minutos
que se foram na embriaguez do espetáculo estarão perdidos para sempre. Fecho
meus olhos e tento resistir à aquarela hipnótica. O balanço do ônibus
sorrateiramente me embala, minhas narinas são tomadas pelo cheiro distante do
café e dos consequentes pães quentinhos sobre a mesa, contornados pela família
reunida e pelos abraços grátis e infinitos. Aromas e sotaques com o gosto
maternal do bolinho de frigideira e do virado de banana beliscam as papilas
gustativas. Não visualizo um lugar, mas o aconchego de uma cozinha que poderia
estar em qualquer uma de nossas andanças pelas terras mineiras. Minha terra. A
lembrança me envolve em uma experiência sensorial e, na longínqua tentativa de
fugir do alienante espetáculo do entardecer, os olhos ainda cerrados, meus
pensamentos se aninham no colo daquela que sempre me faz esquecer o quanto
viver é fugaz. O tempo presente se esvai. E não doeu nada.

Lavras, 13/12/17

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Maria Pia Monda


Belo Horizonte/MG

Instinto de proteção

Fico deitada na mesa da cozinha, nua e meu, captaria a intensidade da


de barriga para cima, como um cadáver respiração e o som abafado de um
desairoso e obsceno. Uma das minhas choro que vem de longe.
pernas compridas oscila, pendurada na Tudo aconteceu muito rapidamente.
borda, a outra está dobrada em ângulo Acostumada no meu papel de
sob as costas. As pontas dos dedos de espectadora impotente, desta vez eu
uma mão quase alcançam um cinzeiro me tornei protagonista de uma cena
que seria hora de esvaziar. que se repete com frequência,
A mãe faz movimentos bruscos, vagueia sempre semelhante a si mesma,
pela sala sem uma meta ou um objetivo talvez diferente apenas pela
aparente: vacila, se vira, leva as mãos intensidade das emoções envolvidas.
às têmporas e balança a cabeça. Parece Ímpetos de violência e uma dor que
uma fera enjaulada. Já guardou a me machucou na superfície, mas que
agulha e o fio, com os quais, certamente não me feriu tanto
aproximadamente, tentou consertar as quanto feriu a menina.
rachaduras e os buraquinhos que, com Uma menina bonitinha, muito gentil e
as brasas do cigarro, ela mesma delicada, que sempre me tratou com
provocou em quase todo o meu corpo. extremo cuidado. Beijos, carícias e
Um cuidado que eu teria feito sem. abraços - que, obvia e infelizmente,
A lâmpada de halogênio difunde uma luz eu nunca pude retribuir - com os
patibular, que destaca minha nudez quais ela consegue me fazer sentir a
perolada e gera sombras sinistras. boneca mais sortuda do mundo.
O silêncio, há alguns minutos, Uma menina que, no entanto, ainda
finalmente substituiu os gritos, mas um não aprendeu a se esconder bem ou
ouvido, mais agudo e mais vivo do que o a fugir rapidamente, quando, no olhar

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

da mãe, a chama perigosa do ódio Se eu apenas pudesse lhe dizer que


acende e queima a lucidez de cada ela sempre poderá contar comigo!
pensamento. Que eu sempre serei a sua amiga
Eu gostaria de confortá-la, de fazê-la mais fiel.
sentir que não está sozinha, de lhe dizer Mas temo que ela não confie mais em
que embora o mundo seja um lugar mim, que não vamos mais brincar
horrível, ela com um sorriso consegue juntas, que ela nunca mais vai se
torná-lo melhor, mas minhas mãos atrever a me tocar.
inúteis e sem alma não podem protegê- Agora que a mãe dela me escolheu
la, meus estúpidos olhos de plástico como arma a ser usada para batê-la.
nem sequer podem chorar por ela.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Maria Vania Bandeira de Matos


Aracaju/SE

Fomos criados por Deus!

Estamos em um período onde ninguém se importa com o outro. É cada um por


si. Os humanos se sentem seres tão superiores que não percebem mais a
necessidade de cuidar do próximo, da natureza, dos animais. Destroem tudo o
que veem pela frente. O único objetivo é a sobrevivência. Dia após dia.
Devastação das matas, maus-tratos aos animais, guerra, fome. Estão todos
cegos de ódio e revolta.
Mas alguém enxerga fora de si. Alguém percebe a realidade. Olha ao redor e vê a
escuridão devastando o mundo. Percebe que viramos monstros. Algo acontece.
Um animal a olha nos olhos. Inocente. Vulnerável. A alma dele pede ajuda.
Aquele pedido de socorro inunda seu ser. Seu coração se enche de luz, e através
dela, percebe que pode mudar o mundo. Melhorar.
Percebe que ainda tem forças para lutar e fazer a diferença. O bem não morreu,
apenas adormeceu. Sua missão é despertá-lo em todos. A luz se difunde. A luta
começou!!!
Corações se unem em prol de todos. Amor. Compaixão. Aos poucos, o bem
desperta. Agora temos um novo objetivo: A Vida!! Solidariedade. Comunhão.
Agradecimento. A escuridão agora conhece a luz! Nesse novo mundo, cada
atitude é tomada para todos/por todos. A solidão não existe mais. Todos se
apoiam. A mata? Os animais? Fazem parte desse novo lugar. São fundamentais.
Todos veem isso. Somos um organismo vivo. Precisamos alimentá-lo bem.
Precisamos de saúde. Vamos tratar suas cicatrizes. Daremos amor. Venceremos o
egoísmo. Derrotaremos a indiferença. Preconceito? JAMAIS! Todos somos iguais,
mesmo sendo diferentes. As diferenças nos completam. Somos todos originais.
A luta só começou! Falamos a mesma língua. Entendemos uns aos outros. Não
existe maldade. Temos conhecimento. Temos sentimento. Temos emoção. Hoje,
nós aprendemos a viver. Nós voltamos a sonhar. A magia retornou. A paz está
presente. Mudamos o mundo. Renascemos. Revivemos. Somos amor. Somos
um só.
Organismo vivo. Perfeito em todos os detalhes. Revolucionamos.

Fomos criados por Deus!

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Martha Bastos Guedes


Lauro de Freitas/BA

Gioventù

Numa casa pequenina, numa floresta esquecida de um reino distante mora uma
velha. Enrugada e rabugenta como quase toda velha. Com ela, um gato,
companheiro de horas de nada fazer, a não ser imaginar outro reino distante
onde venha a ser uma bela donzela, de cabelo sedoso, alongado ao vento. Em
lugar da floresta onde pia a coruja, a planície suave que margeia o rio de águas
cantantes. Lá repousa a donzela a sonhar com o amado que face não tem, mas é
belo e ágil. E se chama Rolando. E é nobre de alma.
Histórias sempre tem a velha a contar, mas nem sempre tem quem a possa
escutar. Ao gato não interessa. A quem pode interessar? Então ela conta para
outra velhinha que vive sozinha. Que repete o gesto, exprime desgosto, sorri
com amargura e some na moldura quando a narradora se vai. O gato boceja e o
dia termina como todo dia.
Até chegar esbelto cavaleiro, de lança e escudo e espesso toucado que o rosto
não mostra. Que pede água, pão e descanso. Será Rolando? _ pergunta-se a
hospedeira. Bem pode ser _ palpita-lhe o coração. Tão pálido e belo, tão negro
cabelo, finos os dedos, longas as mãos. Sem dúvida, é ele! Contempla a si
mesma, agora sem rugas, sem olhos caídos. Macia a pele, ligeiro o andar.
O hóspede a observa. Em que está a pensar? Então se levanta e a toma pela
mão. Dourado é o halo que envolve a alma. E nele se esvai a imagem sonhada.
O dia amanhece como todo dia. Ao gato não responde, não pragueja a dona, que
imóvel está. Assim há de ficar. Até que me ocorra contar outra história que a faça
acordar.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Matheus Kennedy Henriques de Macêdo


Juarez Távora/PB

Eu Era Negro

Era quinta-feira. Eu e minha esposa estávamos indo ao supermercado


comprar alguns alimentos que faltavam em nossa dispensa. Simples soldador,
nunca deixei faltar nada na mesa de minha casa. Aos quarenta anos de minha
existência, criei meus filhos com muito amor e dedicação.
Chegamos ao supermercado. Minha esposa foi direto aos blocos onde
ficavam os produtos que iríamos comprar enquanto eu estava a olhar os preços
dos produtos em geral. Corredor por corredor, eu via algumas pessoas me
olhando com estranheza. Isso era normal, afinal eu era negro. As pessoas
tendem a achar que nós negros somos bandidos, traficantes ou gente de mal
caráter. Nem dei bola para esses olhares.
Quando minha esposa pegou o que queria, fomos para o caixa. A balconista
olhou para nós e sorriu com certa ironia. Devia ser também porque éramos
negros. Enquanto minha esposa passava os produtos, fui olhar o preço das
latinhas de refrigerante empilhadas já como árvore de Natal próxima à porta do
estacionamento. Nessa porta ficavam dois seguranças, daqueles de óculos
escuros e que só dão bom dia a gente de estirpe. Eu, como não era nada disso,
fui ignorado.
Sem querer, bati com o cotovelo numa latinha que saiu rolando pelo
supermercado até o estacionamento. Saí correndo atrás dela. Os seguranças
correram atrás de mim. Por certo, achavam que eu estava roubando aquela
latinha, afinal eu era negro. Me seguraram por trás. Dei um soco num deles. A
fúria contra mim aumentou.
Já no estacionamento eles me pegaram, me deram inúmeros socos na
barriga e golpes no rosto. Nisso, minha esposa chegou. Ela começou a gritar
pedindo socorro, mas outro segurança apareceu e a conteve. Eu tentava escapar
daqueles brutamontes, mas eles me colocaram no chão, seguraram minhas mãos
e me chutaram com força. Estavam com sangue nos olhos quando um deles pôs
o joelho sobre o meu pescoço na premissa de me imobilizar. Mas eu já estava
imobilizado. Minha esposa chorava. A gerente chegou e nada fez. Eu já estava
sem ar. Naqueles agonizantes cinco minutos eu só queria respirar. Depois disso já
era tarde. Meu chinelo e a latinha fujona estavam perto de meu corpo maltrapilho
e sem vida, afinal, eu era negro.

@matheus.kennedy.1420

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Mirian Santos
Gravataí/RS

Ser Amigo

Ser amigo é lembrar, não esquecer...


Ser amigo é escutar, sem se aborrecer....
Ser amigo é falar, sem ofender...

Ser amigo é comemorar as alegrias, mas também apoiar nas tristezas...


Ser amigo é admirar as qualidades, mas também consolar nas fraquezas...

Ser amigo é compartilhar, abrigar, ajudar com muito esmero...


Ser amigo é ser sincero,
É ser humano,
É ser eterno.

https://www.instagram.com/vegmirian/

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Mônica Monnerat
Santos/SP

Aniversário com café (haibun)

Nas férias de menina, na pequena Porto Belo, era vizinha de alemães, daqueles
de cabelos loiros, quase brancos. Ficava da janela da cozinha observando as
crianças da casa ao lado, umas seis, mais ou menos, conversando entre si em
uma língua que não entendia. Achava lindas as faces rosadas, os olhos azuis
brilhantes e os cabelos lisos e claros.
Um dia, não me lembro bem como, fizemos amizade. Na semana seguinte, uma
delas me disse que iria fazer aniversário e que iria me convidar. Fiquei muito
feliz. A mãe dela falou para minha avó que gostaria que eu fosse tomar café com
a Claudia.
Confesso que não entendi direito. Tomar café? Mas eu era criança, não tomava
café e também não gostava de café com leite. Mesmo assim, minha avó comprou
um presente, eu pus um vestido mais arrumadinho e toquei na casa vizinha.
Fui muito bem recebida pela família que me chamou para o tal café. Era uma
mesa cheia de bolos, tortas daquelas cheias de cremes que eu adorava e uns
doces diferentes. O café era o que menos importava, mas tomei com gosto pois
veio acompanhado de pãezinhos maravilhosos! Desse dia em diante passei a
adorar tomar café!

Festa de aniversário –
Nada tão encantador
quanto café com bolo

https://www.facebook.com/monica.monnerat.18/

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Nanna Fazzio
Assis/SP

As pedras

Até as pedras se reencontram!


Frase engraçada que ouvira falar desde menina. Ria perguntando-me de que
forma elas se reencontrariam.
Alguém as levaria de encontro umas com as outras?
Seria a força do vento?
De que forma se daria esse encontro?
Com o passar dos anos pude observar as mais diferentes formas das pedras se
reencontrarem.
Vi uma pedra partindo-se ao meio, perdendo-se no tempo.
Vi cada pedaço tomando o seu rumo.
Um seguiu para bem longe, talvez, levado por um caminhão de mudanças, ou na
mochila de um viajante.
Vi o outro pedaço ficando para trás, mantendo-se firme, ali, onde fora deixado,
se esperava a sua outra metade, ninguém sabia.
Mas aconteceu, as pedras reencontraram-se!
Falaram dos velhos tempos, de amores esquecidos, da alegria do reencontro, de
estarem ali juntas, lado a lado.
Apaixonaram-se! Fizeram planos! Tornar-se-iam uma só novamente.
Esqueceram-se, porém, que eram apenas pedras, que a ruptura entre elas já fora
feita.
Hoje eu bem sei que pedras também se reencontram, mas não permanecem
juntas para sempre.
Pobres pedras!

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Nathalia Mageste
Mogi das Cruzes/SP

6 anos
Layla Bennett passou anos na tentativa de engravidar. Na primavera de 64,
deixou o assunto de lado, e foi passar as férias em um resort com John Bennett,
seu marido. O lugar era paradisíaco, mas para diversificar o passeio, o casal
caminhou até uma praia próxima.
Enquanto conversavam, uma cigana se aproximou perguntando se poderia
ler a mão de Layla. A cigana insistiu, dizendo ter uma mensagem importante e
que precisava transmiti-la. John se opôs, mas a esposa acabou cedendo à
curiosidade.
Em sua leitura, a cigana informou que o sol brilharia na vida da consulente
por exatos 6 anos. Logo, uma tempestade chegaria para devastar tudo, mas ela
deveria aguardar para ver o brilho do arco-íris.
John puxou imediatamente a esposa afirmando que aquilo não passava de
uma crendice. Ele pagou a leitura com algumas moedas e, mesmo sem aparentar
ter dado importância, ficou intrigado com aquelas palavras.
Ao se distanciarem da vidente, Layla se aproximou do mar. Antes de
mergulhar, sentiu um forte enjoo, que a fez retornar para areia. Sua palidez
preocupou o marido, que logo pediu um táxi com destino ao hospital mais
próximo.
O atendimento foi rápido, e ainda que estivesse abatida, Layla precisou fazer
alguns exames. John esperava na recepção quando o médico apareceu com a
notícia de que eles seriam pais. A Alegria contagiou o ambiente e o dia do casal.
O feto se desenvolvia de forma saudável, e em uma linda noite de Natal,
Layla deu à luz a uma menina, cujo nome seria Claire. A casa ficou mais alegre
com a presença daquele ser tão esperado. Claire sempre foi uma criança doce,
que se contentava com um simples abraço. Não exigia nada, apenas a atenção e
o companheirismo de seus pais e amigos.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

No seu 6º aniversário, seus pais organizaram uma festa junto às


comemorações de Natal. Todos elogiaram a decoração e o buffet. A casa dos
Bennett tinha espaço para muitas pessoas, o que também foi muito exaltado
pelos convidados.
O piso inferior da mansão continha quadros e objetos elegantes, e o lustre de
cristal preso ao teto, na sala de estar, era um dos artefatos mais luxuosos do
lugar. Já o piso superior, comportava os quartos, o escritório, a biblioteca e
demais cômodos.
A aniversariante recebeu muitos presentes, mas estava ansiosa pelo mimo
da vovó Lily, pois ela sempre acertava na escolha. Ao abrir o embrulho da avó,
Claire pulou de alegria. Era um vestido que a encantara na vitrine de uma loja,
há alguns dias. A menina vestiu a peça em seu quarto, mas Layla notou que a
barra estava muito comprida. Lily concordou, pedindo a neta que lhe entregasse
a roupa, pois a loja faria os ajustes.
Claire se sentia uma princesa com o traje e queria exibi-lo para as amigas.
Sua mãe permitiu, mas ordenou que retornasse o quanto antes para trocá-lo.
Enquanto isso, escolhia outra roupa no closet da menina.
Claire saiu do quarto e se dirigiu até a escada. Ao olhar para baixo reparou
que todos os colegas da sua classe estavam no piso inferior. A euforia a fez
descer as escadas freneticamente, mas o percurso foi interrompido pelo vestido,
que enroscou em seus pés. A garota rolou pelos degraus de forma brusca. Os
convidados se desesperaram para prestar socorro, mas ela já estava desacordada
no chão da sala.
A agitação repentina fez Layla sair do quarto depressa e se deparar com a
cena. John estava com a filha nos braços, carregando-a para fora da casa. Um
dos convidados ajudou John, colocando Claire dentro do carro e dirigindo até o
hospital mais próximo, mas a menina morreu no caminho.
A partir daquele momento, o casal tinha um funeral para planejar. A equipe
organizadora pediu que levassem uma foto de Claire, para compor a cerimônia.
John entregou a mais atual, horas antes do acidente.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

No velório, Layla precisou ser amparada por amigos e familiares. Após o


enterro, ela e o esposo decidiram se alojar no apartamento que haviam
comprado no início do casamento. Mas Layla foi engolida por uma profunda
depressão. Era como se o mundo lhe devesse algo. Parecia que tudo ao seu redor
existia apenas para deixá-la mais amargurada.
O peso da situação a fez buscar por um especialista, que lhe receitou
algumas medicações. Em uma manhã fria de segunda-feira, John havia saído
para trabalhar, e Layla aproveitou para triplicar a dosagem dos remédios. Ao
levar os comprimidos até a boca, lembrou-se das palavras da cigana. Aquelas
palavras foram tão impactantes que a impediram de fazer uma besteira.
Imóvel, Layla permitiu que sua mente e corpo vagassem por horas. A
situação era insuportável, sufocante e desesperadora, como estar dentro de um
poço profundo de areia movediça.
À noite, conversou com seu marido, que desde a morte da filha, se dedicara
apenas à Layla. John sugeriu até começar uma nova vida longe de tudo, mas
Layla recusou.
Por não saber mais como lidar com tamanho sofrimento, ele optou pelo
divórcio. A separação aconteceu, e para enfrentar a dor, John foi embora do país,
deixando tudo para trás.
Desde a tentativa fracassada de suicídio por remédios, Layla seguia firme
com as palavras da cigana em mente, o que a mantinha de pé. Mais fortalecida,
podia sentir os efeitos positivos da terapia e dos antidepressivos. Sobretudo,
tinha o apoio constante de amigos e familiares.
Algum tempo depois, ela conheceu Adrian Wood, um homem alegre e
disposto a viver intensamente ao seu lado. A relação resultou em uma gravidez
inesperada, e a sorte sorria novamente para Layla. Aquela era a sua
oportunidade de recomeçar.
As palavras da cigana surtiram grande efeito em sua vida, pois trouxeram
conforto e resiliência para os seus dias, que estavam obscuros pela dor. Layla
sentia gratidão por ter ouvido o que ela tinha a dizer e por ter aguentado firme,

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

pois aprendeu que a felicidade podia se repetir várias vezes e de maneiras


diferentes.
Mesmo com uma nova vida, todos os anos, ela visitava o túmulo de Claire. E
sempre ao final das visitas, um lindo arco-íris surgia para saudá-la.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Nazareth Ferrari
Taubaté/SP

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Nercy Grabellos
Rio de Janeiro/RJ

Voar

Gostaria de ter asas, decolar, voar, plainar, deslumbrar, sonhar, apreciar, salvar,
agregar, cogitar, extasiar, amar, encantar, respirar, ganhar, acariciar;
Nos céus, olhar, pensar, desestressar, decifrar, vivenciar, fascinar, gostar, esgotar,
esgotar, chegar, flutuar, deleitar, aterrizar, escapar, acalmar, palpitar, vislumbrar;
No voo, sentir, ouvir, intuir, redimir, agir, conseguir, abstrair, pressentir, deduzir, vir,
concluir, exprimir, contribuir, extrair, induzir, construir;
As asas, usar, mostrar, baixar, descansar, acalentar, pulsar, conscientizar, encontrar,
causar, enveredar, cuidar, lembrar;
Sem medo, conhecer, viver, aprender, reconhecer, ser, correr, estender, escolher,
agradecer, perceber, entrever, entender;
No espaço, êxtase, felicidade, encantamento, conhecimento.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Ornélia Goecking Otoni


Contagem/MG

Funeral

Acordou cedo.
Chovia.
Pôs o casaco carmim.
Ligou a vitrola, perturbando os vizinhos.
Fez panqueca, sorria feito moleca, enquanto ele zombava de mim.

Ao meio dia tomou um porre,


Pedia baixinho: me socorre.
Queria esquecer, hibernar, e so despertar quando um novo século despontasse,
numa outrora qualquer que não a desapontasse.

Aquela paixão ainda insistia, mas aos poucos morria, definhava.


Perguntei-me porque ele não me amava

O sorriso ora belo, sincero, agora era dolente, teimoso, insistente, e queimava as
maçãs do rosto.
Dera-se tanto, e recebera tão pouco!
Estava se acostumando com o coração parco, opaco, oco, tristeza farta em dias
tão loucos

Entendi seu grito, aflito,


Mas ele nunca entenderá.
Morri naquela hora, perdida.
O amor que fora fôlego, agora jazia trôpego, sem vida.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Ovidiu-Marius Bocsa
Romênia

Tentativa
Eu semei grãos da cor dos bloqueios do meu amigo,
Na esperança de ter muitos amigos;
Mas muitos foram salpicados por corvos, corvos
Ou por Woody, o pica-pau;

Em uma terra, além do que era comum;


Em outro idioma do que eu estou acostumado;
Não esperava crescer um bonsai,
Ou uma Sequoia, mas gostei de imaginar.

Como Pinóquio, eu enterrei algumas boas palavras


Na mesma terra infrutífera, em vão acreditando que
Uma árvore crescerá a partir de uma moeda de dólar,

Com filiais como Santa's para crianças indignas,


Mas em vez de folhas, crescerá notas de banco
E isso não aconteceu!

Então, saí com os chineses para pegar arroz.


Que bom: um chinês - um grão de arroz;
Um chinês - um grão de arroz; Um chinês - um grão de arroz.

Finalmente, eu guardava esse grão:


Eu não tinha lugar para semear, ou ninguém precisava disso;
Mesmo que eu escrevi minhas letras mais bem sucedidas sobre o grão,

Mas a palavra "felicidade", ou talvez um sinônimo disso,

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Ninguém o viu: porque letras muito pequenas;


É preciso uma lupa para ver coisas tão pequenas,

Quase insignificante, que muitas vezes passa desapercebida,


Mesmo que eu passasse com eles algumas horas douradas
- não guardado com os Cavalheiros Cinzentos da História de Momo.

Eu pensei que se eu tivesse o destino de Robinson


Esse grão seria útil, escondido no bolso do meu peito.
E eu vou levar você comigo lá também.

Eu semei a lua na água, como qualquer sonho lunático


Que seus raios me inspiram
Assim que ele se levante de lá.

Eu semei um haiquei
longe do mundo louco
a câmara secreta

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Paula Patrícia Góes Vieira


Boa Vista/RR

O Casarão

Tudo começou quando nos simples casarão. Nessa noite me


mudamos para a cidade natal do meu levantei para ir beber um copo com
pai. Cidade linda, pacata, chamada água, no trajeto em direção a cozinha
Urucurituba, localizada no interior do notei que ao caminhar pelo corredor
Amazonas. Ao percorremos a cidade nos (que era desprovido de boa
deparamos com uma casa que tinha iluminação) a cada passo que eu dava
uma placa de aluga-se, meu pai e minha o piso fazia grunhidos e rangidos,
mãe se encantaram por ela, e logo como se os pregos estivessem
conseguimos alugá-la. Ela se localizava folgados dando a impressão de
bem na entrada da cidade com vista tábuas frouxas, parecia que a
para o rio Amazonas perto de onde qualquer momento o piso se
chegavam os barcos. quebraria, era um barulho
A casa era antiga, estilo rústico, as horripilante.
portas, janelas e o assoalho de madeira, Foi então que finalmente, cheguei
as paredes com um misto de tijolos e na cozinha. Estava escuro, a luz que
taboas, a estrutura com vigas e pilares iluminava era somente a da
em tora de madeira, davam um ar de geladeira, pois deixei a porta aberta
natureza, trazendo uma paz. Tinha um até eu beber minha água, assim que
escritório bem na entrada, duas salas, acabei, percebi um vulto, que passou
cozinha ampla, vários quartos e um de meu lado em direção a mesa,
pátio enorme na lateral. Excelente lugar senti um arrepio e um medo
para um casal com 6 filhos. profundo, fingi que nada tinha
Mas foi ao cair da noite, no mesmo acontecido, assim que passou essa
dia que chegamos que me dei conta de sensação, voltei correndo para o meu
que onde estávamos, não era um quarto.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Ao chegar despertei a minha irmã mais abri a boca para dizer nada
mais velha e contei o que tinha sobre isso.
acontecido, ela sonolenta, pediu para De dia era uma maravilha viver
que eu voltasse a dormir, que talvez o ali, andávamos de bicicleta no pátio,
que tinha visto fosse fruto da minha brincávamos de queimada, de rouba
imaginação, sabe como é criança, nova bandeira, fazíamos piqueniques aos
casa, sinônimo de nervosismo, finais de semana no jardim, minha
insegurança, uma porta aberta para mãe separou um quarto para
imaginação, não consegui dormir, passei brincadeiras, explorávamos toda a
a noite em claro. No dia seguinte, casa brincando de pique-esconde,
passado o terror da primeira noite no mas pela noite ela se transformava
casarão, em pleno café da manhã, pedi em um lugar sombrio e assustador,
aos meus pais que nos mudássemos pelo menos para mim.
dali, eles simplesmente me ignoraram. Certa vez, ao cair da noite, minha
Durante três meses, passei as mãe recebeu a visita de uma amiga,
noites escutando barulhos com se educadamente nós retiramos da sala
alguém ou alguma coisa estivesse de estar e como de costume, minha
caminhando e arranhando as paredes, irmã maior foi preparar o jantar
outras vesses sendo arrastada do solo enquanto eu brincava com nossos
até o teto, as vesses era como se irmãos menores na sala de janta. A
estivesse procurando algo e outras era comida ficou pronta, minha irmã
como se alguém estivesse sendo pediu minha ajuda para colocar a
torturado. Ouvia choro de mulher e mesa e de um outro irmão, para ir
crianças, quando não, gritos, que chamar a mamãe e a amiga para
somente sessavam às 04: 00 horas da jantarmos, num instante meu irmão
manhã, a partir daí era eu conseguia retornou dizendo que a mamãe iria
dormir. Com o tempo fui me demorar mais um pouco e que
acostumando, afinal era somente eu que podíamos ir nos adiantando, minha
escutava e via coisas, cheguei a contar irmã nos serviu e quando estávamos
para meus irmãos, e eles contaram para preparados para comer, aconteceu
o papai e eu levei uma surra, e nunca algo assombroso e atemorizante.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Uma espécie de nuvem negra foi o que nos salvou, não sei dizer o
entrava pela janela, ao vê-la que poderia ter acontecido se elas
paralisamos por segundos, que mais não tivessem aparecido. Foi quando
pareciam horas, nossos corpos meus pais e meus irmão passaram a
começaram a gelar, uma sensação de acreditar em mim. Não ficamos mais
horror tomou conta de nós, não nem um segundo ali.
conseguíamos falar, foi uma paralisia Depois que nos mudamos,
completa, à medida que se aproximava, ficamos sabendo que ali vivia uma
nosso corpo ficava ainda mais rígido, família com uma boa condição
como mármore, duro e frio. Ela pairava financeira, alcançada através de
sobre nossas cabeças, não pactos com forças malignas. Por fim a
conseguíamos reagir, era como se família a beira do precipício
estivesse sugando nossas forças. financeiro, sem prestígio e sem
Foi então que escutamos de longe dinheiro, a solução que encontraram
alguns sussurros... Era voz da mamãe e foi um suicídio coletivo com um sumo
da amiga vindo em direção a cozinha, da mandioca, somente um se salvou,
percebemos que a nuvem se afastava de era a mesma “encarregada” de alugar
nós em direção a janela até sumir, a casa. E como ela sobreviveu?
minha mãe apareceu na porta da Sinceramente, a verdade é que eu
cozinha com sua amiga, elas não não quis saber, lembrar daquele lugar
chegaram a ver, mas perceberam que me dá calafrios.
algo estava estranho, a chegada delas

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Paulo Cezar Tórtora


Rio de Janeiro/RJ

Ao Acaso

Se eu te encontrar na rua, passando, assim, por acaso,


em uma noite de lua, meu Deus, seria um arraso!

Nós dois, depois da surpresa, riríamos pra valer


imaginando a certeza do que poderia ser.

E então aconteceria ― e eu não quero nem saber ―


a volta da poesia dourando esse amanhecer.

E os dias, sim, desde então, seriam só de risadas


e as noites só de paixão e de fogo as madrugadas,

de felicidade completa esse nosso amor fugace


seria (disse o poeta) “eterno enquanto durasse”.

Porém, o tempo implacável, que corrói as simpatias,


seria a sombra provável a macular nossos dias.

E sem que a gente sentisse, o riso e a adrenalina


transformando-se em mesmice seriam tédio e rotina.

Então, que fique ao acaso, eu na minha e tu na tua,


imaginando o arraso ― se eu te encontrasse na rua...

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Paulo Luís Ferreira


São Bernardo do Campo/SP

Para quando ele chegar


Nos preparativos da chegada de Eduardo, a cozinha mais parecia uma linha
de produção industrial, uma fábrica de aromas e sabores; com mulheres
correndo de lá para cá, de cá para lá, sem descuidarem dos mínimos detalhes.
“Ele nunca vai esquecer do meu tempero.” – dizia uma das tias.
Lucélia, a prima mais nova de Eduardo, com olhar de sonho e fala maliciosa,
replicou:
“Eu que vou temperá-lo no fogo brando até o ponto”
Rosana tentou experimentar o molho da moqueca, mas a tia Carminha não
a deixou lamber a colher de pau.
“Você parece criança!” – disse dona Helena, a mãe, que transparecia um
semblante preocupado, – “Meu Eduardo, tanto tempo fora de casa, nesse Estados
Unidos, vivendo de alface e maionese, deve estar um palito de fósforo o
coitadinho.”
“Não se preocupe tia, nestas férias vamos engordar o bichinho.” – disse a
prima mais velha Lucinda, sempre na mordacidade e lascívia.
Enquanto a tia Leda, a aplicada doceira, ia intercalando as várias camadas do
bolo de chocolate. Sílvio, o irmão mais velho, tentou, disfarçando faceiramente,

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

tirar uma lasquinha do atum e palmito do cuscuz, já posto na mesa, mas tia
Carminha ameaçou com o rolo de macarrão, fazendo-o passar
atabalhoadamente, com um sorrisinho de galhofa, pela porta de vai-e-vem.
“O Eduardo sempre reclamou da comida americana, imaginem, só comendo
enlatados!”
Tia Berenice, num muxoxo de desagrado, demonstrou seu inconformismo
com esse modo de vida. As crianças corriam em grande algazarra, vindos do
quintal para a cozinha, e daí pelo corredor para a sala.
“Estas crianças... Bem que o Roberto podia tê-las levado para o aeroporto!”
Dona Helena, desaprovando o comentário:
“Aonde ele iria enfiar essas crianças, Berê? E a bagagem do Eduardo?”
Na sala, a televisão, sem telespectador, dava notícia para as paredes:
“Acidente aéreo há pouco. Avião choca-se com cabeceira da pista e
explode!...”
Juninho, que passava em mais uma de suas correrias parou um instante
diante o monitor para ver a fumaça que ainda saia dos destroços. A Belinha,
também na correria, adentra a sala, vermelha como um pimentão, puxando o
Juninho. E eles saíram correndo em direção a cozinha gritando:
“Vó, a televisão disse que o avião caiu e pegou fogo!”.

https://www.facebook.com/pauloluis.ferreira.10

paulolaspalmas@yahoo.com.br

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Paulo Roberto de Oliveira Caruso


Niterói/RJ

A lágrima do palhaço
A lágrima do palhaço
tatuada nas bochechas
na realidade vos digo
tem nascente na alma
Escorre pelos olhos
fugidia, arisca
Uma lesma escorregadia
que desliza sobre a pele
numa fuga de si mesma
até ser absorvida
pela brisa do acaso
para longe do palco
para longe dos olhares
para longe dos holofotes
E, apesar disso,
há quem ria
na arquibancada
do circo montado
no meio do nada
num terreno baldio
ou num estacionamento
onde estacionam
almas ávidas
por sorrir,
por gargalhar
sem sequer imaginar
que por baixo do palhaço
há um ser humano...

www.reinodosconcursos.com.br

100
LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Regiane Silva
Belford Roxo/RJ

Souvo

Quem vê por fora


Pensa que é forte
Rocha
Mas há gema, clara
Sentimentos
por dentro
Todos os dias
luta para preservar a frágil casca
porque se vacilar
lhe quebram
usam
devoram
pisam, zombam do resto
lhe entristecem.

101
LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Ricardo Ryo Goto


São Paulo/SP

Cavalo de Batalha

Para Tchekov

“Dizendo nosso senhor Jesus Cristo: arrependei-vos...etc, certamente quer


que toda vida dos seus crentes na terra seja contínuo e ininterrupto
arrependimento”- primeira tese de Martinho Lutero contra o comércio das
indulgências.

Os gregos alojados no cavalo de madeira, recolhido pelos troianos com a


intenção de ofertá-lo a seus deuses, mostraram-nos, exemplarmente, que os
organismos, grandes ou pequenos, inauguram sua destruição de dentro para
fora.
Suas regras, critérios, valores, enfim aquilo que estrutura a vida material e
exterior, uma vez desconcertado, dissolvido e abalado, há de fazer o edifício
desmantelar-se e ruir.
Ulisses percebeu nos inimigos o que já conhecia em seu companheiro de
batalhas, Aquiles, um ponto fraco. Atacou-o, pondo fim à guerra.
Martinho sentiu que, em menor escala, estaria re-editando este mito em
sua vida. Corroído pelos vícios, tentou encontrar as conexões que o levariam a
uma explicação. Inutilmente.
Os sonhos que tivera levaram-no a expectar, feito um oráculo, uma grande
profecia: tornar-se-ia rico ?
Os acontecimentos inseridos na rotina reforçaram esta crença. No cartório,
ao retirar uma pasta de um processo e entregá-lo nas mãos do advogado, divisou
o endereço do acusado: Rua do Hipódromo número…
Não fossem os antecedentes oníricos e esta visão momentânea afigurar-se-
ia de somenos, irrelevante.
Sugestionado pelo termo-conceito, reteve-o em sua mente. A todo instante
assomavam-lhe imagens e sons do imponente animal.
A colega de trabalho, com quem tivera uma aventura extra-conjugal,
desfilava pelas mesas dos escritórios com um gracioso rabo-de-cavalo que viera
fazer coro, junto com os demais elementos para a realização de um propósito
cada vez mais audacioso.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Até mesmo no almoço, seus olhos, como que teleguiados, pousaram


naquele prato que nem era o seu preferido: bife a cavalo.
À tarde outros processos em andamento estimularam a associação com um
palpite de jogo: um acidente envolvendo um automóvel e um cavalo andando
solto na rodovia; um desses animais invadira a plantação do sítio vizinho
provocando danos; um funcionário de um haras, acusado de maus-tratos aos
equinos.
Abstraídos de seus contextos, restou-lhe uma única certeza: CAVALO na
cabeça.
No fim do expediente foi, como tantas vezes, ao local onde, segundo a
esposa, praticava um de seus vícios hediondos: comprar livros velhos,
empoeirados e mofados.
Numa prateleira de ofertas, correu os olhos sobre os exemplares e lá
estava ele: em estado deplorável mas com todas as folhas.
Retirou-o da estante, vislumbrou o número da última página, dirigiu-se ao
caixa e pagou.
Passou na lotérica, perseguiu o bilhete com o número desejado. Apontou-o
para a balconista, levou a cartela inteira.
Movido pela premonição, mais que pelo incorrigível hábito, parou na banca
de apostas, cravou o mesmo número na milhar, arriscando um valor pouco usual.
Alguns metros a frente, estacionou o corpo na cadeira junto à mesa do
costumeiro bar, pediu o de sempre.
Era uma questão de tempo, restava-lhe aguardar.
Acendeu o cigarro, e pôs-se a desfrutar de seus prazeres maiores.
Ainda lúcido, começou a ler aquelas frases construídas numa sintaxe
arcaica, num léxico rebuscado, numa prolixidade comparável às advertências e
reclamos da esposa Estela.
E por mais que o intelecto entendesse o motivo, o significado e a
importância desses avisos, seu coração era refratário a toda admoestação, a todo
arrependimento.
Afinal, não estava ali para elucidar os caminhos pelos quais os gregos
invadiram e destruíram Tróia.
Nas letras, mais um número. Era o quanto lhe bastava.
Quando chegou sua hora, levantou-se meio zonzo, cuspiu a última ponta de
cigarro no chão, pisando-a. Pagou a conta e trançou as pernas até o ponto de
ônibus.
Enquanto retornava para casa, deleitava-se com o pensamento de ganhar o
prêmio. No bolso do paletó, apalpava carinhosamente seus bilhetes.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Chegando, foi logo tomar um copo d’água que o álcool havia sequestrado
do organismo em seu metabolismo. Estava calmo, não havia motivo para brigar.
Na aposta do bicho havia um número de telefone. Ligou para o tomador de
apostas e escutou ansiosamente os algarismos. Pediu para que repetisse,
enquanto anotava-o no verso do papel.
Sentou na cadeira para conferir os demais papéis. Passava os olhos de um
para outro, duas, três, quatro vezes. Exultante de alegria.
Sim, havia ganho a guerra. Derrotara Tróia ?
Lembrou-se de chamar a esposa.
Quando estabeleceu contato, teve de ouvi-la primeiro, descontrolada,
amargurada, quase revoltada, contar-lhe que o filho doente não voltaria mais do
hospital. Ela, apenas para apanhar suas coisas. Laconicamente.
A mente, cada vez mais lúcida, resolveu não lhe comunicar nada.
Desnecessário. Tudo bem, disse, afinal.
Desligou o fone, pôs-se a embaralhar as imaginadas coisas, como foram e
como poderiam ter sido.
A pequena fortuna poderia remediar os problemas de saúde do filho, das
finanças mal-administradas da casa, mas não cicatrizariam as feridas do
casamento nem o alforriariam das algemas do vício.
Lembrou-se então do sonho em que Jasão montava Pégaso para ir ao
encontro do Velocino de ouro.
Seus olhos petrificados ante a visão do sangue a escorrer dos braços,
lacerados em cortes longitudinais, como os cabelos vivos da Medusa, fitavam,
longinquamente, através dos papéis espalhados sobre a mesa, as teses que seu
homônimo pregou à porta da igreja, defendendo seus pontos de vista contra os
dogmas domésticos estabelecidos até então.
Mas os gregos escondidos no bilhete premiado, saíram aos milhares, junto
com o fluido vital que ainda o animava.
Acharam seu ponto fraco, seu calcanhar vulnerável, e dentro em breve,
estaria perdido.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Roberto Schima
Itanhaém/SP

O Outono do Tio Maneco

E eu inspiro. que, para a criança que eu fui, eu o


Mundo de sol. tomasse por um velho.
O céu está azul. A vizinhança não cansava de
É final de verão. dar palpites sobre a vida dele:
Quando alguém me pede para — Entra pro Exército.
falar sobre o Tio Maneco, costumo — Começa a lutar boxe.
responder: — Vira leão-de-chácara!
— Ele foi um gigante! Tio Maneco desconversava e
Passo, então, a descrevê-lo. seguia caminho. Quando sorria, se
De fato, Tio Maneco possuía pouco entregava. Apesar da estatura e de
mais de dois metros. Um colosso! uma força física que se fazia
Precisava se curvar para passar sob os descomunal, não passava de um
batentes das portas. Não causava bonachão tímido, um coração mole e
espanto, pois, chamar a atenção por um manteiga derretida. Era tão
onde quer que circulasse. Era uma garoto por dentro quanto eu era por
figura imponente e desleixada. fora, apesar de sua idade na época
Comumente, vestia-se de camiseta azul ser o dobro da minha.
— onde sua pança se destacava —, — Exército? Boxe? Leão-de-
bermuda jeans esverdeada, um par de chácara? Cruzes! Sou de bem com a
sandálias e um chapéu de tecido vida. Não quero machucar ninguém e
também azul. "Confortável", era a sua nem ser machucado. Já imaginou eu
justificativa e seu lema. apanhando e chorando no ringue?
— Imagina se levantasse pesos! — O coração mais puro que
comentavam numa pontada de inveja. conheci.
O porte do Tio Maneco intimidava. Ria e ria até não poder mais.
A barba — cultivada menos por vaidade Eu o amava por isso.
e mais por preguiça em apará-la Um dia, caminhávamos por
regularmente — acrescentava-lhe mais uma praça e ele gritou:
idade do que os vinte e poucos anos — Cuidado, Tico! — alertou-me.
apontados na carteira de identidade. Os Tomei um baita susto.
óculos de aros pretos contribuíam para — O que foi, tio? — indaguei.
uma maturidade enganosa, apesar de Imaginei um carro pronto a me
atropelar ou um piano a cair na

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minha cabeça. Girei a cabeça para os E sorria de dentro da barba,


lados à procura da possível fonte de empurrando os óculos acima do nariz.
perigo. Nada. Olhei para cima. Nada. Tio Maneco era assim.
Olhei pra baixo. Nada... Menos para ele. Não se dissesse que lhe
Apontou para o chão: faltavam alguns parafusos porque
— Quase pisou na formiga. sempre se destacara na escola por
Devo tê-lo encarado de um modo suas boas notas, principalmente em
tão esquisito que, prontamente, Matemática e Ciências. Ademais,
justificou: quem seria louco de falar isso na cara
— É vivo... Quer viver. dele, por mais que fosse um gigante
A formiga seguiu caminho, gentil?
indiferente. Um lado que ele dava pouco a
Veja bem, para qualquer um não conhecer era o seu senso de humor.
passaria de um inseto insignificante Reservava isso a poucos. Eu era um
entre milhões de outros, sem qualquer dos privilegiados, pois éramos muito
importância e pronto a ser pisoteado. unidos. Uns diriam termos a mesma
Mas não para o Tio Maneco. Aquele idade mental.
homenzarrão podia passar horas Um dia, perguntou-me:
agachado a observar o marchar das — Tico, você sabe qual é a nota
saúvas em direção ao formigueiro. Um musical da piedade?
seixo apanhado no rio se tornava fonte — Não.
de admiração e minucioso exame, assim — É o dó. Ai, que dó!
como o musgo sobre um tronco. Ele via Sorria. Continuava:
aquilo que fugia a maioria de nós. Não — E aquela que é contrária da
era difícil encontrá-lo sentado no alto de Lua?
um morro, fisionomia distante, olhar — O Sol!
perdido no horizonte, ensimesmado com — Ah, muito bem! Responda-
algum pensamento profundo ou, me, agora, quais são as notas
conforme dizia, "vazio de tudo". musicais mais fedidas.
Mantinha vasos de plantas com aquilo — Hein?
que todo mundo classificaria como mato "Mais fedidas?"
ou ervas daninhas, porém, a exemplo Pensei, pensei e pensei...
das formigas, chamavam-lhe a atenção Porém, não consegui adivinhar.
por suas particularidades: a forma das Derrotado, falei:
folhas, os insetos que nelas pousavam, — Não sei, tio.
suas flores silvestres, o tamanho que — O Fi-o-fó! — gritou e caiu na
atingiam e, claro, seu argumento mais gargalhada.
poderoso: Não pude deixar de rir também,
— Quer viver. embora fosse mais pelo jeito dele do
que pela piada. Segurou a barriga

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

como se prendesse o intestino para que pontudas, um único dente na boca e


não fosse embora. Rolou no chão de pernas curtas.
terra batida sem se importar com a Franzi a testa.
poeira grudada na roupa. — Pois é, Tico. Como você, as
Eu era novo e ingênuo demais pessoas se desapontaram. Esperavam
para entender esse tipo de coisa e, aliás, uma criatura imensa, arrogante e
minha mãe - irmã mais velha dele - amedrontadora, portando armas de
teria dado uns sopapos no Tio Maneco, raio e desintegrando todo mundo.
gigante ou não, por falar esse tipo de Nunca um nanico espacial.
coisa para mim. Entretanto, eu não o via — O que aconteceu?
dessa maneira. Se viesse de outra — Um dos repórteres, metido a
pessoa, soaria vulgar, asqueroso até. galã e corajoso, quis ser o primeiro a
Contudo, do Tio Maneco era apenas e entrevistar o "coiso". Seria uma
genuinamente engraçado. exclusiva para a emissora e, quem
Ele adorava inventar histórias sabe, promoção pra ele. Cheio de
hilárias. Não sei de onde tirava as ideias. valentia diante do tampinha, foi com
Talvez das divagações que fazia, sei lá. o cameraman bem perto. Respirou
Misturava mistério, terror e coisas do fundo, fez pose e, com um largo
espaço. Eu, moleque de tudo, adorava, sorriso perguntou: "Prezado Sr. Sei-
por mais que um relato ou outro me lá-o-quê, poderia dizer aos caros
fizesse sentir um arrepio na espinha. telespectadores qual a sua opinião
- Pois é, Tico, um dia, um disco- sobre nós, terrestres?"
voador pousou bem no meio de uma — Puxa! — murmurei,
cidadezinha. Foi aquele alvoroço. Gente admirado. — E aí?
fugindo pra's sete bandas. Tio Maneco fez a sua tradicional
Eu assistia a vários seriados sobre pausa dramática, levou as mãos à
monstros do espaço. Arregalei os olhos barriga e, abrindo ele próprio um
e apurei os ouvidos. sorriso perolado, respondeu:
— Verdade? — O nanico arreganhou a
— Verdade. Era um troço grande e bocarra e engoliu o cara de uma vez!
prateado. Os repórteres não tardaram a Em seguida, pegou o microfone do
aparecer feito carrapatos em lombo de chão, olhou a câmera e falou
cachorro. Cercaram a nave antes que as calmamente, cuspindo um osso:
"otoridades" dessem o primeiro peido. "Deliciosos!"
Então, a porta da espaçonave se abriu. O gigante desatou a rir e, claro,
E eis que, de lá de dentro, surgiu ele... o eu ri também.
alienígena! Emendou em seguida:
— Co-como era, tio? — Sabe qual é o maior medo de
— Ah, baixinho, cabeçudo, olhos um robô, Tico?
grandes, um par de antenas, orelhas — Não, tio. Qual é?

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

— Que um vampiro-robò corra Se ser levado a sério for sinônimo de


atrás dele gritando: "Óleo! Óleo! Óleo!" chato, com certeza eles são! O que
E sabe qual é o maior medo de um eu sei, Tico, é que as ditas nações do
vampiro? Morder o pescoço de um robô Primeiro Mundo foram as
por engano e quebrar os dentes! responsáveis por duas das mais
E gargalhou a solta tal qual um devastadoras guerras que o mundo
menino. Sem se conter, indagou em conheceu em toda a história da
seguida: humanidade e em milhares de anos
— O que diz a tabuleta pregada na de civilização. Milhões de histórias de
guilhotina? sofrimentos, massacres, degradação,
Dei de ombros. crueldades, insensatez, deprezo à
Falou: vida. E, ainda hoje, possuem o
— "Curo dor de cabeça por potencial bélico pra destruir a todos
$15,00. Serviço garantido ou seu nós dezenas de vezes. Isso é ser
dinheiro de volta." evoluído? Vejo mais sabedoria nas
Ficou sem ar de tanto que riu. abelhas. O penico pode ter
Achei um tanto trágico e de mal melhorado, mas o conteúdo continua
gosto fazer piada com uma coisa tão a feder. Não estou dizendo que se
horrível. manter deliberada e eternamente do
Talvez adivinhando meus Terceiro Mundo a fim de conservar os
pensamentos ou diante de meu riso privilégios de uma minoria seja um
forçado, Tio Maneco falou: elogio... A única certeza neste mundo
— Não pense mal de mim, Tico. Às é que, por mais chique que sejam os
vezes, fazer troça de ruindades é a pratos que comem, o cocô dos
única saída que nos resta. Não significa poderosos fede tanto quanto o nosso,
que zombamos dos que sofrem, mas mas a sujeira que fazem pode ser
sim daqueles que os fazem sofrer. bem pior.
Políticos tapeiam o povo. Bandidos Na época, não entendi patavina
roubam dos mocinhos. O Primeiro daquele discurso do Tio Maneco.
Mundo explora o Terceiro Mundo... Relembrando aquele e outros
— Um estrangeiro falou na TV que momentos mais meditativos,
o Terceiro Mundo leva tudo na percebo, agora, que além da
brincadeira. inocência, da malícia moleca, do
Tio Maneco tirou o chapéu de protetor de plantas e animais, do lado
pano, meneou a cabeça, fisionomia comediante, havia algo de filósofo
grave. dentro dele, inconformado com o
— O Primeiro Mundo fala como se mundo que o cercava. Encontrava nos
estivesse no topo do desenvolvimento. gracejos uma maneira de suportar o
Em termos técnicos até pode ser; cotidiano.
cultural, até certo ponto. Brincadeira?

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Um dia, flagrei-o dando um tapa simplesmente os homens, gente. Mas


num pernilongo em seu braço. Ele não voltando a vaca fria, quando
fez questão de disfarçar. Minha matavam um animal — foca, urso ou
fisionomia disse tudo: e o argumento de baleia —, pediam perdão à presa e
que o inseto — como todo ser vivo — agradeciam ao seu espírito pelo
desejava viver? sacrifício da vida para terem do que
Tio Maneco deu de ombros. se alimentar.
— Olha os calombos nos meus — Você agradece, tio?
braços. Coçam pra diabo! Ora, tenho Tio Maneco se limitou a me
direito a vida também! fazer um cafuné. Desconversou:
Ele também lutava contra as — Sabe o que é custo de vida,
próprias incongruências — ou hipocrisias Tico?
—, pois, apesar de todos os seus gestos — O que é?
e falas a respeito da vida de todas as — É a prova de que nem tudo
criaturas, como bom comilão, adorava que sobe, desce!
um bom churrasco, um bife à milanesa, Sorriu sem vontade de sorrir.
almôndegas, linguiças, frango frito e Um dia, aconteceu dele
salsichas. Tinha consciência do fato, e bebericar um guaraná no boteco do
enquanto saboreava o seu filé, por vezes Seu Manoel. Maldizia o uso de uma
parava e punha-se a remoer os cobra na garrafa de aguardente. Um
pensamentos. Sentimentos conflitantes bêbado da vizinhança que lá enchia a
perpassavam por seu rosto, mas, no cara não gostou e enfiou uma faca
final, saboreava a carne coberta de em sua barriga. O sangue manchou a
farofa e dizia: camiseta azul e a bermuda verde.
— Delicioso! Estou certo de que meu tio poderia
Prensei Tio Maneco na parede um ter reagido e, devido ao seu tamanho
dia, mencionando o fato. e força, dado cabo do agressor, mas
Sorriu daquele seu jeito Davi em imagino que o seu pensamento
corpo de Golias, embora sem achar básico — "Quer viver." — prevaleceu
graça. Disse: até diante de um bebum desgraçado.
— Os inuit... No final, foi ele quem
— Quem? balbuciou:
— Inuit. O povo do extremo norte, — Ah, Tico, eu queria viver...
que construía iglus e caiaques. Meio que chorei e meio que ri
— Ah, esquimós, tio? no funeral, enquanto o pesado caixão
— "Esquimó" é um termo baixava e eu relembrava as anedotas
pejorativo dos que se referiam a eles de Tio Maneco, o gentil gigante,
devido ao hábito de se alimentarem de principalmente sobre as notas
carne crua. Difícil fazer fogo sobre o musicais mais fedidas. Compreendi
gelo, né? Eles se vêem como inuit,

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

porque as lágrimas serviam tanto à Ah, Tio Maneco, queria tanto


tristeza quanto à alegria. que estivesse aqui!
Sempre me recordarei dele por O silêncio é a resposta, porém,
suas piadas, por sua admiração pelas quem sabe, de algum lugar, ele me
formigas, pelos seixos, pelos elementos sorri.
da natureza e por seu misto de Muitas saudades e um vazio.
felicidade e melancolia perante a vida. Sob mais de um aspecto, você foi,
Hoje, possuo a sua idade naquela verdadeiramente, um gigante.
época. Diante de seu túmulo, esboço um E chega o outono.
meio-sorriso, não obstante a umidade Há cinza no céu.
nos olhos. Guardo a presunção de, Tempo da lua.
enfim, entendê-lo melhor. E eu suspiro.

http://www.revistaconexaoliteratura.com.br/search?q=roberto+schima
https://clubedeautores.com.br/books/search?where=books&what=roberto+schima
https://www.wattpad.com/user/RobertoSchima
rschima@bol.com.br

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Rodrigo Domit
Jaraguá do Sul/SC

Quimeras

De tempos em tempos

encontro-me diante

destas criaturas míticas:

quimeras íntimas

Metade desconhecidas

A outra

amores antigos

http://linktr.ee/rodrigodomit

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Rommel Werneck
Santo André/SP

Será tão bonito!


“Morreu, Vae a dormir, vae a sonhar... Deixal-a!
(Fallae baixinho: agora mesmo se ficou...)”
António Nobre

Seria talvez ao crepúsculo imenso,


Um monge vestindo brocado e cetim,
Diria sentenças cristãs em latim,
À Lua, à necrópole, a todos no incenso...

Em negras mantilhas, em cruzes “em fim”,


Mulheres fiéis chorarão tão intenso
Que até multidões, as de orgulho pretenso,
Em dor, orarão ao bom corvo por mim...

Será tão bonito! Descendo o caixão...


Em santo silêncio, em silêncio do céu,
Ao vento sangrando... Será tão bonito!

Um jovem rapaz lagrimando em conflito,


Nas águas que formam-lhe um lúgubre véu,
Trará um chapéu ao gentil coração...

Texto publicado na Antologia Necrópole (2022) da Editora Carnage

www.rommelwerneck.com

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Roque Aloisio Weschenfelder


Santa Rosa/RS

Eu Já Sabia

Nestes tempos em que o “salva-se quem puder” parece tomar conta, é tão
prosaico dizer “eu já sabia”.
O dinheiro viaja em mala que é de ninguém e não se sabe de onde ele vem
nem para onde ele vai. A grana virtual chega a paraísos fiscais, oriunda de
estranhos esquemas corruptos.
O vento sopra diferente. De repente, quem se sentia seguro, sabe que
poderá ver o sol nascer quadrado em idade já nem tão nova porque há uma
lavagem de sujeiras incrustadas por anos na pele de quem usa o que o cidadão
paga para ser de todos e cobrir as necessidades mais prementes da coletividade.
Já a prosa é mais de delação, é mais reservada entre antigos parceiros. Já
parece que um mais um ainda resulta em dois e já não se garante o privilégio do
foro.
De uma hora para a outra, a verdade parece ser mais necessária do que o
subterfúgio, e antigos protetores chegam a se tornarem acusadores, talvez para
salvar um restante de reputação.
Na prosaica leitura dos dias, há um quê de sentido: o verbo se faz verdade,
mesmo sem a materialidade do que pode ser evitado. Se alguém pensa se
utilizar de algo ilícito, jamais colocará em seu nome, nunca confessará o óbvio,
muito menos fará cara de safado, sempre um inocente em tudo, acusado
injustamente.
Andando na contramão dos fatos estão todos aqueles que poderiam ser o
exemplo, mas preferem não sê-lo. Na roda do tempo, giram raios que ficam
invisíveis na velocidade, porém se individualizam no momento parado. A
luminosidade matutina chega, muitas vezes, colorida e, colorida, ela se despede
no fim do dia. Durante a jornada, todavia, tudo é normal.
Nenhum temporal dura sempre, e o tempo bom tem seus dias contados
também. Assim que a plebe perceber que a elite se digladia, ela toma o partido
de um ou de outro; até ódio contra o irmão é capaz de gerar para defender seu
lado assumido. Pobre plebe sem prosa convincente!
Na elítica turba, sopram ares quentes, gelados por defensores do público,
aqueles ainda não pervertidos... A sensação é de esperança para a plebe, porém
muita paciência se faz necessária por causa da burocracia legal, quase letal.
Está na hora de a prosa mudar. Pagar imposto é fácil e rápido, demorado é
ver algum trocado voltar como investimento. Uma guia, até online pode quitar o
débito do contribuinte, em segundos. Para investir precisa haver projetos

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

melindrosos, pilhas de documentos, pastas de processos, licenças de tantos tipos


que sequer há como decorar os nomes – e a propina. Ah! A propina, o
superfaturamento! A lavagem do dinheiro por empreiteiras, por políticos
intervencionistas – o QI (quem indica) imprescindível!
Já se pode estudar em casa e fazer o tema na escola. Já se pode orar em
casa e apenas levar o dízimo à igreja. O que ainda não se pode é desburocratizar
o poder público. Ainda se precisam empregar mais pessoas do que há lugar para
acomodar todas em assentos, mesas e máquinas disponíveis. Quanta prosa
jogada fora, enquanto nada pode ser feito por causa da pauta trancada! Quanto
tempo passado entre uma tragédia anunciada e seu acontecimento!
A prosaica ideia está em ebulição. De súbito, de onde nada se espera vem
algum sinal positivo, já parece que a matemática pode ser exata outra vez, o
honesto não precisará passar vergonha; a traição, quando para incriminar pode
beneficiar a muitos e prejudicar somente aos comparsas. Delatar vira verbo
conjugável e aplicável.
Para a esperança aumentar, para o futuro vislumbrar melhoras, ainda será
necessário garantir toda a devolução dos recursos de alguma forma desviados
para fins escusos.
A prosaica cidadania agradecerá quando, à tarde, no ”happy hour” for
possível dizer:
“Eu já sabia, esse agora também pagará!”

www.facebook.com./roquealoisio.weschenfelder

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Rosangela Maluf
Belo Horizonte/MG

Presentes que me dou (5) - Plantas & Flores

Durante muitos anos em minha vida, quadrados de terra boa pedindo pra
correndo feito uma louca, pra lá e pra cá ser cultivada, descobri essa paixão
- trabalhando em horário integral, escondida. Foi então que me
lecionando à noite para a Graduação, e dediquei, de todo coração, a plantar
ocupada com os cursos de Pós, nos meus próprios vasos. Organizar os
finais de semana - pouco tempo me jardins, colher as flores, regar, cuidar,
sobrava para o que quer que fosse. limpar, sempre com uma alegria
Havia uma pessoa especial que me imensa dentro de mim. Alguns anos
ajudava em tudo: com a organização da depois, morando novamente em um
casa, da cozinha, com as crianças, as pequeno apartamento, passei a
compras, tudo. Nas manhãs de sexta redescobrir e resignificar o bem que
feira íamos as duas, Dalvinha e eu, as plantas faziam por mim e o meu
comprar flores na feirinha do Colégio amor desmedido por elas.
Arnaldo. Organizar os vasos na janela para
Eram vários quarteirões ocupados pelas que peguem o sol da manhã.
barraquinhas e a feira se espalhava Algumas plantas precisam dos raios
também pela Bernardo Monteiro. Uma solares, outras gostam apenas da
maravilha para a visão e o olfato. Nunca claridade e ainda como as violetas,
demorávamos mais que uma hora, pois preferem as sombras. A gaveta do
nós duas tínhamos sempre, muito o que armário especialmente reservada
fazer. Voltávamos pra casa com os para os alicates, tesourinha,
braços cheios de cores. Ela escolhia os espátulas, barbante, pinças, adubos
vasos mais coloridos e eu, sempre os em pó e líquido, luvas de borracha e
meus verdinhos preferidos: avencas, tudo mais para o cuidado rigoroso
renda portuguesa, dólar, jiboia, coração com os vasos que agora eu voltava a
magoado, lírio do vale, entre outros. ter. Na parte de cima do armário
A verdade é que, enquanto corria pra ficavam as pedrinhas brancas, as
sobreviver, fui adiando pedras médias e as maiores para dar
inconscientemente a paixão pelas um charme aos vasos mais estreitos
plantas, pelas flores. Muitos anos e compridos onde coloco as
depois, vivendo na zona rural, isolada de suculentas. E ainda os sacos de areia,
toda e qualquer civilização, sem sacos de adubo só esperando a hora
vizinhos, sem ruídos, muitos metros certa pra serem colocados.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Conversar com elas se tornara um avião e agora enfeitava como uma


hábito. Entre todos os vasos, tenho uma princesa, a minha mesa de jantar. Por
preferência gritante: a avenca. Ela se enquanto ela nada responde...
chama Jandira e todas as minhas A renda portuguesa é Elvira. Uma
amigas perguntam por ela como se majestade. Imponente, com suas
fosse mesmo uma pessoinha. Jandira folhas, cuidadosamente rendadas
sobreviveu a chuvas de granizo, geadas, pela caprichosa natureza. Raramente
sempre retomando o fôlego e fazendo perde um galho. Linda, singela e
do meu vaso preferido, um motivo de forte. Encantador o vaso! A cada dia
admiração ímpar. com suas raízes peludinhas e brotos
Quando saí do Sul, de volta às Minas surgindo por todo lado. Ela é mesmo
Gerais, trouxe na mala três raminhos da muito chique. Tem um charme todo
avenca. Tive o cuidado de molhar especial. Gosta de muita claridade,
bastante a terra ao redor dos ramos. mas sensível como é, não lhe agrada
Envolvi-os bem umedecidos com o sol. Todo cuidado é pouco com essa
algodão, depois jornal. Coloquei todos rainha. Adubo de vez em quando,
eles em saquinhos plásticos e assim, coloco pedrinhas brancas para
viajaram de Nova Petrópolis até Porto enfeitar. Água na medida certa, nem
Alegre, de PoA até BH - de carro, de pouca nem muita. Ela também não
avião, de Uber! reclama nunca...
Levou tempo, mas voltou a brotar. O antúrio chama-se Edu! Resistente,
Novos e frágeis raminhos, enchendo de não exige muito e é bastante
alegria meus olhos que brilhavam com generoso. Retribui com suas flores
mais intensidade a cada folhinha nova coloridas o cuidado que tenho com
que surgia no vaso. Com toda paciência ele. É cheio de manias, por isso,
retirava folhinhas mortas. Com a muita paciência com ele. Pode estar
tesourinha, cortava apenas aquelas já lindo, colorido em um dia e daí a
amareladas e quase secas. Separava pouco, sem que eu saiba a razão, me
tudo num cantinho da mesa. Com um aparece com um queimadinho nas
garfo, fofava a terra tendo o cuidado de folhas. Ai, ai, ai...o que pode ter
não encostar em nenhum ramo novo. acontecido? CTI urgente e pouco a
Colocava mais terra adubada. Espalhava pouco ele se recupera, voltando a
pedrinhas brancas. Molhava a terra. apresentar seu leque de flores laranja
Deixava escorrer. Borrifava águas nas avermelhadas, tão alegre e tão lindo.
folhas verdinhas, como se fosse um Tem um olhar sapequinha, especial...
banho de chuva. E falava com ela. Em tempos mais quentes, escolho os
Agradecia por me fazer tão feliz. gerânios. Pela florada, pelas cores,
Elogiava-a, lembrando o quanto ela pelo cheiro delicioso. Por serem tão
havia sido forte, sobrevivido a tantas lindos e tão especiais pra mim,
variações de temperatura, viajado de recebem o nome dos filhos. Léo o Gui

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

são vermelho e laranja. Fáceis de cuidar, total. As pedrinhas esperando a hora


adoram um solzinho e perdem muitas certa e o lugar exato onde serão
folhas que se tornam castanhas da noite colocadas. O paninho molhado pra
pro dia. Mas possuem também uma limpar o plástico dos vasos antes de
imensa capacidade de regeneração, dali voltar com cada um deles para os
a pouco os vasos florescem novamente. cachepots, quase todos em cana da
E sorrio pra eles com aquela índia ou palha. São tão bonitos!
cumplicidade que tanto eles quanto eu, Assim, com calma e alegria, entre
já conhecemos. sorrisos e suspiros, retomo a rotina
As violetas gostam de sombra e pouca de cuidar dos vasos, das folhagens,
água. Coloco-as nas janelas dos das flores. Elas me deixam mais leve.
banheiros. Não recebem sol direto. A Mexer com elas, me acalma. E tem
claridade que lhes incide dura poucas mais: todas têm o mesmo gosto
horas durante o dia. Silenciosamente musical que eu. Gostam de ouvir as
vão fazendo surgir seus brotos e suas mesmas músicas que eu.
flores. Variam do roxo intenso ao Permanecem calmas enquanto eu
branco, passando pelos mais diversos canto e elas só escutam. São manhãs
lilases, rosas e branco. São seis consagradas. Quase uma Ode à
vasinhos, todos do mesmo tamanho. alegria. Beethoven que o diga!
Não são muito fáceis de florir. Faz uns E antes que eu me esqueça, tenho
bons quatro meses que nenhum deles também um belo vaso da espada de
me alegra com suas flores, mas sou São Jorge que Dalvinha me deu de
paciente, vou esperar com calma. Falo presente (já que essa planta não
baixinho com todas elas e tenho certeza deve ser comprada, mas “ganhada”).
de que me ouvem... Muito sério, com cara de poucos
Mini-samambaia, lirinhos-do-vale e amigos, o são Jorge não é de muita
várias outras folhagens das quais graça. Mas é ele quem isola as
desconheço os nomes. Tenho trabalho energias negativas. Preserva a
de sobra ao longo daquele dia limpeza energética da casa. Cerca o
especialmente escolhido para cuidar ambiente de luz, mantendo os bons
delas. Gosto de organizá-las, lado a fluidos. É ele o santo que me guarda,
lado, nas três janelas onde bate o sol da cuida do meu dia a dia ... e há de me
manhã. Os vasos enfileirados esperando proteger, é claro, de todo mal.
a hora do banho, do corte, da limpeza Amém!

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Rosangela Mariano
São Leopoldo/RS

Evolução

Natal se fez encanto

no século da dor.

Múltiplos "améns"

se fazem ecoar

em recifes desertos

de sonhos e amparo...

Natal não é apenas

uma data pendurada

no calendário...

Natal é para lembrar,

relembrar, saudar

e nunca esquecer

que existiu e

existe Jesus...

Há mais de 2000 anos,

esfacelou-se a hegemonia

da frieza crua dominante

até então!

Jesus - inegável sua força

espiritual...

... rasgando o véu da

ignorância idólatra!

Jesus - inegável seu AMOR

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

imensurável...

... dividindo o Planeta

em antes e depois de Cristo!

No imorredouro tempo,

nos cosmos infindos,

galgou o Planeta Terra

mais um degrau no infinito:

- Nasceu Jesus!

http://lunaraescritora.blogspot.com

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Roselena de Fátima Nunes Fagundes


Camaçari/BA

Santa Bárbara e Iansã


Na igreja católica romana
é a nossa Santa Bárbara,
tão presente e serena,
de raios e trovões protetora!

Na religião da Umbanda,
é a Iansã, nossa deusa,
é a grande guerreira,
tão valente e poderosa!

Bárbara ou Iansã é a mesma,


seja em qualquer religião,
é a fé sem ensimesma,
é a crença do coração!

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Ruan Vieira
Aracaju/SE

Obra de arte

Numa tela branca

quis pintar teus traços

E pus teus olhos,

teu nariz, teus lábios

Tuas sobrancelhas,

tuas orelhas, teus cachos

O teu pescoço,

teus ombros, teus braços

E desenhei teu corpo esbelto e nu

Teus lindos seios, tuas curvas sensuais

E fiz tuas coxas, tuas pernas magistrais

E fiz a flor que desabrocha sutilmente

Nas estações do teu corpo e mente

E fiz teus pés, teus delicados pés

Finalizando a obra de arte que tu és.

https://instagram.com/libertospelapoesia?utm_medium=copy_link

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Sérgio Soares
Simão Pereira/MG

A fábula da Mosca Azul – uma história imoral

Conta-se por aí que, certa vez, lá pelas bandas de Prosperidade, surgiu no


pequeno vilarejo um mascate, desses que vendem garrafadas e prometem
sortilégios para todos os gostos: traz-de-volta-o-amado, cura espinhela caída e
gota, levanta a honra de marido cansado – mas dessa vez, o carro chefe do
ambulante era outro, a beberagem mais potente de que já se havia ouvido falar a
“Garrafada de Asa de Mosca Azul”. Para valorizar ainda mais o produto, garantia
que havia recebido a receita original da beberagem, de um Monge vindo lá do
Tibet. E o que tinha de tão especial nessa garrafada? Ela assegurava a quem a
bebesse um poder e fama inimagináveis.
Não demorou muito para a que a notícia se espalhasse feito rastilho de pólvora
pela cidade, e menos ainda para que todo o estoque do mascate se acabasse em
menos de um dia, que de bolso cheio fechou a banca, e seguiu viagem rumo à
próxima cidade.
Não havia em Prosperidade quem não tivesse em casa pelo menos duas garrafas
da bebida, que era tomada, como dizia a bula, diariamente até que o efeito
cessasse. E assim a cidade inteira se rendeu às goladas da Mosca Azul,
aguardando pelos resultados prometidos, mas que de fato nunca vieram para
todos. Apenas o coveiro, a Diretora da Escola e o Prefeito puderam se beneficiar
dos efeitos da formulação.
No único cemitério da cidade, o coveiro, depois de começar o tratamento com a
Mosca, encheu-se de poder e empáfia, e na condição de responsável pelos
arremates dos passamentos dos ex-viventes promulgou que, daquele dia em
diante, estava proibido que se morresse aos finais de semana, morte somente de
segunda à sexta-feira, em horário comercial. Quem descumprisse essa regra, que
enterrasse o defunto no quintal da própria casa.
Não demorou para que o homem, até então mal quisto por feder a defunto, fosse
visto circulando nas altas rodas da sociedade Prosperense, e até um cacho dizem
que havia arranjado. Mas da mesma forma que tudo que sobe, um dia desce, o
reinado do Senhor das Mortes findou-se em um sábado, às quatorze horas, hora
mortis da mãe do Juiz da Comarca. Como estava terminantemente proibido
morrer-se fora dos dias estipulados, na segunda-feira, à primeira hora o coveiro
estava demitido, no olho da rua.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

A Diretora da Escola, também empoderada pelos efeitos da poção, guardadora da


honra e dos bons costumes na cidade de Prosperidade, baixara então uma norma
que dizia que as meninas, moças e professoras só poderiam entrar na escola se
estivessem com suas vergonhas cobertas por um longo xale que as tampasse dos
pés a cabeça, deixando de fora apenas os olhos. Para as meninas e moças ainda
virgens, a cor apropriada era o rosa, para as senhoras desposadas a cor indicada
era a azul.
Não tardou para que aquela novidade tomasse conta das rodas de conversa nas
praças e botequins, com apoiadores e críticos, mas como a irmã gêmea do poder
é a fama, e sua prima a hipocrisia, a Diretora foi homenageada na Câmara
Municipal com o título de Cidadã Benemérita, isso até que o grupo dos
descontentes descobrisse que a pudica Diretora, tão zelosa da moral e dos bons
costumes, era na verdade amázea de um homem casado. A história explodiu
como uma bomba, pois o homem em questão era o Professor de Ensino
Religioso. Na semana seguinte ele estava demitido, e ela, aposentada, havia se
mudado para outra cidade.
Já o Prefeito se locupletou com os efeitos da beberagem. Ele que já tinha a fama
do cargo, passou a acreditar piamente que o fato de ocupar a cadeira principal do
Paço lhe dava poderes absolutos sobre tudo, e sobre todos, inclusive sobre as
finanças municipais, que passou a tratar como se suas as fosse, na certeza quase
absoluta de que nada lhe aconteceria por ser um homem poderoso, de
relacionamentos republicanos, que lhe garantiriam um eterno salvo-conduto
diante dos órgãos de fiscalização.
Mas um dia a casa cai, e no caso do Prefeito caiu a casa, as fazendas, os imóveis
e as contas no estrangeiro, e por conta disso seu novo traje passou a ser o cor de
abóbora, e o novo endereço domiciliar, a Penitenciária Estadual. E quanto às
amizades republicanas? Preferiram abster-se de comentar o ocorrido e, uma a
uma, foram saindo de fininho para não terem o mesmo destino do “Poderoso
Prefeito”.
E qual a moral da história dessa fábula imoral? Viva a vida com sabedoria e
dignidade, pois tudo na vida passa, e um dia acaba (inclusive o Poder e a Fama).

https://articulancia.blog/
https://sergiosoares517.wixsite.com/sergiosoares

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Sigrid Borges
São Paulo/SP

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Suramy Guedes

A escolha de Maria
Maria estava em pé na cozinha. Olhava para a velha cômoda com seus
puxadores em metal, corroídos pelos anos de uso. Parecia com a da sua mãe.
Mordia os lábios. Passou a mão livre pela testa úmida. Respirou fundo. Fechou os
olhos e franziu o cenho. Pôs o copo com um resto de água sobre a pia e
caminhou sobre a ardósia até a porta e a abriu. “Oi Dona Laura!”, Maria
cumprimentou a mulher que acabara de chegar. “Bom dia, Maria! Tudo pronto?
Vamos? Tem que chegar com antecedência. Está marcada para as nove e já são
sete da manhã”.
“Você pega a bolsa? Está ali”, pediu Maria apontando para a poltrona.
“Claro”, respondeu-lhe a outra. “Tá começando a doer muito. Não vejo a hora de
me livrar disso”, afirmou a jovem. “Calma! É assim mesmo. Tudo isso vai passar
e você nem vai se lembrar. Apenas pense que está realizando o sonho de uma
família e que assim que tiver condições terá a sua também. Você só tem 18 anos
e a vida toda pela frente. O dinheiro vai te ajudar muito”, argumentou a mulher.
Maria encostou-se na porta do banheiro. Seu peito subia e descia muito
rápido. Olhou para a sua barriga, enquanto suas mãos a acariciavam.
“Vamos logo ou esse bebê nascerá aqui mesmo. Não pode dar nada errado,
ordenou a mulher de meia idade. “Eu só quero o melhor para ele. Só o melhor”,
disse a moça. “Eu sei, meu bem. Agora vamos, anda!.” Laura segurou uma de
suas mãos e a puxou.
Estavam por sair porta afora, quando Maria parou: “Esqueci de pegar a
minha identidade. Preciso levar, né?”. Laura a olhou com ar severo e disse: “com
certeza. Onde está?”, perguntou. “Ali, numa daquelas gavetas menores da
cômoda. Vê se você acha pra mim, por favor!”, pediu Maria.
Laura virou-se de costas para ela e dirigiu-se em direção ao móvel. Abriu
uma das gavetas e começou a remexê-la sem cuidado. Enquanto o fazia, acusava
a menina de estar atrasando a partida e de colocar tudo em risco. Continuou a
procurar o documento e não percebeu quando Maria saiu do quarto. Só se deu
conta quando ouviu a chave girando na fechadura pelo lado de fora. Imóvel, com
os olhos esbugalhados, ficou a olhar para a porta fechada, enquanto ouvia os
passos apressados que avançavam pelo corredor.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Tauã Lima Verdan Rangel


Mimoso do Sul/ES

Decanato De Fé 1

As contas gastas do rosário estão a dançar


Nas mãos enrugadas, fazem se movimentar
Uma oração concentrada espalha-se no ar

Em lufadas em fé, são as manifestações


De tantas guerras vividas pelos corações
Uma mistura de esperança e lamentações

O movimento sereno dos dedos adestrados


Revelam a proximidade com os Sagrados
Dos espíritos em suas devoções dedicados

O rosário fecha mais um ciclo da oração

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Tim Soares

R.I.P. Robot

Meu hardware obsoleto já não serve mais para esse mundo imediatista
Todos os meus bit’s, byte’s e tera’s de lembranças estão na nuvem da melancolia
Nem todos os dados processados de pseudo redes sociais e sites de pornografia
Podem garantir o meu hype por mais alguns dias
Sou incompatível com os softwares do momento, quem diria?
E nem todos os vírus dos quais me recuperei, garantem a minha estadia

Fui substituído por smartphones, smartwatchs, smartvs e tantos outros


smartrecos
Descartado como um simpático boneco
E hoje me resta apenas a certeza de que meus pentes, placas e componentes
Não têm espaço no “glorioso” presente

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Vagner Santos Pereira


Barra Mansa/RJ

A Colina da Vitória Eterna

De bom grado Lucas recebeu de Ele retirou a bandeira de sua


seus superiores militares a última pátria da mochila. Desfraldou-a e
missão dos seus superiores militares. orgulhosamente a hasteou. A flâmula
Seria a mais importante e decretaria o tremulou sob a regência de um vento
fim da guerra. Foi alertado de que primaveril. Contente prestou
poderia haver ainda inimigos à espreita, continência à bandeira e pensou:
lhe aguardando em tocaia. Ele não se “Essa colina voltará a florescer
importou com os apuros do caminho. novamente. E mais bonita do que
Pôs a mochila nas costas e apanhou a antes”.
bicicleta. Pedalou feliz com todas as
forças que ainda lhe restavam. Ao pé da Ouviu os repiques dos sinos da
colina abandonou a magrela. catedral. A felicidade reinava no vale.
Fim oficial da guerra.
Antes de chegar no cume, se
deparou com a colina banhada em De repente ouviu um zunido
sangue e enfeitada de cadáveres, quebrando a harmonia dos sinos.
aliados e inimigos. Aos tropeços Sentiu uma ligeira pontada no peito.
alcançou o topo. Ali, ele era a única Nem teve tempo para saber o que era
vivalma. Lá de cima, avistou toda a e de onde veio. Tudo ficou escuro,
sorte de desgraça proporcionada pela tudo se apagou.
estupidez daquele morticínio bélico. Quando abriu os olhos, teve uma
Sabia que seu último ato decretaria a grata surpresa, viu seu amigo Atílio
vitória do seu povo. Findaria em lhe estendendo a mão.
definitivo aquele conflito que nunca
Atílio disse:
deveria ter acontecido.
— Me dê sua mão, meu amigo.
Olhou emocionado para o vale onde
nascera e crescera, sabendo que aquele Lucas obedeceu e Atílio o puxou
doce florão renasceria mais exuberante. para si. Estanhou, pois já estava de
Carregava consigo a certeza de que as pé antes, não compreendendo como
boas pessoas reconstruiriam uma caíra sem nada perceber ou sentir.
sociedade melhor, e, educariam as Mais estranho ainda foi o fato do
crianças para serem pessoas de bem. amigo de longa data estar ali. Ficou
Vislumbrou a catedral onde fora confuso, pois sabia que Atílio havia
batizado e onde se casará com Joana. sucumbido na Batalha de Vadis há

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

dois verões. Pensou estar delirando, além dessas fronteiras.


afinal estava perto da exaustão. Não se Eles se desvencilharam.
importou com aquele detalhe tão
pequeno diante de sua felicidade. — Vencemos a guerra. Podemos
agora voltar para nossas famílias.
Eles se fitaram, escancarando Reconstruir nosso belo país, uni as
francos sorrisos de lealdade. Aquele pessoas gentis e alegres.
momento ímpar inspirava uma eufórica
alegria. A guerra acabara e Lucas — A estrada a qual seguiremos é
reencontrara o amigo, quase irmão, que sem fim.
julgava ter perdido. O olhar vidrado pela — Você continua o brincalhão de
benevolência milagrosa daquele sempre.
encontro sublime. Onde ambos corações Lucas riu, pondo a mão no ombro
transbordavam uma alegria contagiante,
do amigo. Então, percebeu que Atílio
de esperança e de fraternidade. Ao fazer apresentava uma aparência mais
isso, derramava-se um milagroso rastro
jovial do que da última vez que o
de luz, dissipando as máculas odiosas de vira. Reparou que Atílio não mais
sangue inocente sobre o chão.
carregava uma cicatriz
Abraçaram-se fortemente. Não constrangedora, causada pelo
como irmãos de armas. Abraçaram-se estilhaço de uma granada quando
como velhos amigos que se consideram estavam encurralados em uma
irmãos. Entrelaçaram suas almas. Uma trincheira. Sentiu que o amigo
paz fora do comum invadiu Lucas. Era ostentava um perfume bom, ele
sublime, divino e acolhedor. O calor do próprio desconhecia aquela fragrância
abraço era um bálsamo que fazia divina. Ainda constatou que o outro
esquecer o conturbado anos anteriores. não usava fardas ou qualquer aparato
Lucas chorou. Atílio compreendia as militar. No lugar desses, uma alva
lágrimas verdadeiras do outro e insistiu veste que deixaria qualquer nuvem
para que ele abrandasse o coração. do céu com inveja.

Ao fundo os sinos ainda dobravam — Olhe ao redor. — Ordenou


fazendo menções de hosanas. Atílio Atílio.
disse: Lucas atendeu o pedido.
— Meu amigo, agora podemos ir Primeiro, elevou os olhos para cima,
para casa. viu a bandeira se agitando e sorriu.
Depois para o vale, pensou na
— Sim! Voltaremos, sim. Tudo será felicidade da população em festa. Por
como antes. fim, olhos para os pés, e, levou o
— Engana-se. Nada será como o dia maior susto. Ele se viu caído, ferido
de ontem. O futuro que nos aguarda vai gravemente. Sua curiosidade o fez se

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

agachar e verificar aquele corpo que Reconheço seu nobre esforço.


jazia no chão. Percebeu que não mais Permaneceu digno em tempos de
havia sinais vitais que animassem anarquia, não encrudesceu o coração.
aquele receptáculo corporal. Quando fez — Tudo foi em vão!
menção ao desespero e se lançar em um
turbilhão de incertezas materiais, ouviu — Não foi, é, ou será em vão.
Atílio dizer solene: Muitas das vezes, joga-se a semente
na terra, porém será as próximas
— Não tema, amigo. gerações que farão o benefício da
Lucas voltou suas atenções para colheita.
Atílio. Aturdido, julgou estar — Sempre é difícil abandonar
devaneando. Parou e respirou, tentando quem se ama.
reorganizar os muitos pensamentos que
tentava atropelá-lo, indo na contramão — Deus não desampara ninguém.
de suas crenças. Teimoso, insistiu em A morte nunca será capaz de ceifar
contemplar o corpo caído. Sentiu pavor. vínculos de amor verdadeiro. E toda
Atílio repetiu o apelo anterior para que vez que for lembrado com carinho,
não se jogasse em um falso desespero estará aceso nos corações dos seus.
momentâneo. Parece engraçado, quando isso
acontece comigo, eu sinto que estou
— O que aconteceu comigo? — sendo alimentado por uma energia de
Perguntou Lucas. — Eu estou vivo aqui santo acalanto.
conversando contigo, mas meu corpo
está caído e morto. — Suas belas palavras insinuam
que tudo será fácil a partir de agora.
— Não se apegue as coisas
perecíveis da Terra. O corpo físico nada — Não uso o “fácil” como banal
mais é que uma roupa necessária, cuja ou leviano. Sei que o recomeço dessa
nossa verdadeira essência precisa vestir terra será árduo e dependerá da força
para labutar nesse plano físico. de vontade de cada indivíduo. Essa é
a herança de dificuldades que essa
— Então, quer dizer que morri? geração terá de superar. Além de
— Fisicamente, sim. — Atílio sorriu, reconstruir, terão de se curar de
desarmando a retranca do amigo. — quaisquer feridas de desamor. — Fez
Espiritual, não. uma pausa e encarou Lucas dentro
— E agora? dos olhos. — Saiba, a vida é fácil;
quem a complica são as pessoas.
— Hora de abandonar armas e
seguir um novo caminho. — Então, o que devo fazer agora?

— Eu tinha outro plano. — Ainda conserva dúvida, amigo?


— Atílio estendeu a mão mais uma
— Sei, eu os conheço bem. vez.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Lucas deixou aflorar uma lágrima uma magnífica escadaria sinuosa


que rolou pela face. Ela remetia um desceu como um sereno afluente até
misto de saudade do que se deixa para próximo deles. Era de tijolinhos
trás, e uma estranha curiosidade do dourados, cuidadosamente
estar por vir. Deu as costas para Atílio. encaixados. As laterais eram
Olhou enternecido o vale como se fosse enfeitadas por uma imensa
sua primeira vez ali. diversidade de flores que explodiam
— Mas, você é livre para fazer outra em uma bela profusão de cores.
escolha se preferir. Delas vinham um perfume inigualável
e sublime.
Lucas girou e sorriu gentil para o
amigo. Usou ambas mãos para cobrir e Alegraram-se como se
apertar a mão estendida de Atílio. Eles comungassem com o Divino.
se abraçaram. E, Atílio confidenciou: Sem questionamentos quanto ao
— Quando lhe for permitido, poderá futuro ou arrependimento em relação
retornar para visitar e ajudar os ao passado.
corações que aqui ficaram. Lembre-se: Os dois amigos, sem olhar para
Deus não desampara ninguém. trás, subiram a escadaria rumo ao
As nuvens se afastaram. Dos céus, infinito Maior.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Valéria Barbosa
Rio de Janeiro/RJ

Faço samba

Quando eu faço samba


canto com os passarinhos,
acordando de mansinho,
até amanhecer.

Eu canto samba
no romper da madrugada,
com sinfonia afinada
com os pios do viver.

Eu canto samba acordando


o sol e o tempo.
O meu canto é diferente
é de louvor ao Deus Maior.

É samba firme
que sacode sentimentos.
Samba de fé é livramento
que aquece o viver.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Valter Bitencourt Júnior


Salvador/BA

Frase

A vida é uma necessidade sem fim!…

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Vanderlei Kroin
Mallet/PR

Perfume

Aspiro o ar, andando na rua


Na noite fresca de um dia qualquer
E o aroma desperta minha imaginação
É um perfume que me envolve
Não sei de onde vem
Procuro em vão as origens
Olho para os lados, para o céu
Será esse perfume a natureza?
Será o de alguma mulher?
Penso em tanta coisa
Por um tempo estou embriagado
Perdido em vertigens
E a fragrância, do nada, se dissolve
Estou sozinho, à beira do além
Iluminado pela lua
Entrei num sonho e fui encontrado
Longe da rua, na porta da casa
Que não mais se abre porque não me quer.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Vânia Lúcia Malta Costa Catunda


Brasília/DF

Cigarra
Dias de calor é um deleite ,para a cigarra
Nas árvores das praças ,sua presença é notada .
Faz um festival junto das demais.
Solta a voz corajosamente .Canta estridamente!
Timidez não é com ela não !
Radiante da vida, não respeita os barulhos urbanos.
É Indiferente as sirenes , ao movimento dos carros.
Ao conversar da população ,aos gritos dos vendedores.
Nada faz intimidar seu lindo ribombar
Uma manifestação de felicidade ,estampada publicamente .
E que atrai a cada um que passa .
Cigarra, cigarra, seu cantar é um dom !
Canta,canta com o bater de suas asas !
Seu canto detém uma certa magia no ar.

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Vera Raposo
Teresópolis/RJ

As Mulheres e as Flores

Mulheres que enfeitam nossa vida


Delicadas como o jasmim
Alegres como as margaridas
Quantas fazem parte do seu jardim?

Conheci Rosa, Hortência e Margarida


Mulheres amorosas que falavam de amores
Fazem a vida florida
As mulheres e as flores

Seu sorriso é o desabrochar de um botão


Seu coração pode guardar dores
Das sementes espalhadas pelo chão
De quantas Dolores?

Perfumadas, inebriam o ar
São as maravilhas da vida
Mulheres e Flores para o amor cultivar
Desde as rosas até as singelas margaridas

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Vitor Sergio de Almeida


Uberlândia/MG

Soneto - Tudo é política

Plural, cidadã, justa, a equalizar...


Bem a fazer, justiça hão a balizar.
Pelo povo, alva representação.
Democracia - valorização.

Formula, implanta, fiscaliza a ação


segurança, saúde e educação.
Menor, maior; direito a avalizar.
Eleva o bem-comum – mobilizar.

Neutro não há. Todos hei a manifestar


consciência social a gestar.
Dinheiro do povo a representar.

Voto: sublime ato, ônus plausível


vote em quem conhece, astuto, acessível.
Augúrio. Um mundo melhor é possível.

@vitor_sergio_ (Instragram)
http://lattes.cnpq.br/2112854611217382 (Lattes)

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Wagner Azevedo Pereira


Nova Iguaçu/RJ

Elegância
Que o amor invadisse bem sua alma
e lhe deixasse sem saber o que fazer
com a delícia, carinho que acalma
disputando com o tempo pra vencer.

Vencer a distância que separa nós dois


e provocar o destino traçado a emitir:
a felicidade que não se deixa pra depois,
a mocidade pronta para nos permitir.

Sua elegância desperta sem intenção!


Nem sei falar nada sobre o seu olhar,
no andar mais que o poema da canção

desfila e sempre nos deixa sem esperar


o canto lírico tonal de verbivocovisão
num soneto elegante, sob luz cris ou lunar!

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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

Willian Fontana
Rio de Janeiro/RJ

Diamante das Paixões

Um objeto astronômico discrepante porém algo com formas minerais


adentrou as fronteiras do sistema solar geometricamente definidas como
irrompendo o cinturão de Oort contra algum tipo de matéria cristalina. A
todos prognósticos do sofisticado análise ao processar os dados
sistema de monitoramento do próximos foram taxativamente
equivalente cinturão. Tal que havia conclusivos. Era um raro diamante de
mapeado todos potenciais objetos em grandes proporções o qual a
diâmetro do qual pudessem sair do densidade o tornava praticamente
escopo das circunferências de nosso indestrutível e sua reentrada na
sistema e se tornar potencial risco a atmosfera da Terra seria devastadora,
vida da Terra, não fora capaz de prever pois não arderia ou iria se
aquilo, porém. O objeto tinha estimados despedaçar. Os cientistas logo
18 quilômetros é não fora capturado concluíram que o gigante diamante
pela gravidade de qualquer órbita astronômico era o resto de uma
planetária, nem de Júpiter que costumas estrela pulsar que perdeu a vitalidade
o fazia. Antes seguiu reto numa se tornando um planetoide cristalino
projeção que dentro de poucos meses de diamante ao conservar carbono e
iria coincidir com a passagem da Terra oxigênio sob alta pressão, lhe
em sua translacional volta ao Sol. Não aumentando exponencialmente a
era o fato de diminuir a velocidade ou densidade. Vagando pelo espaço
alterar o rumo que gerou consternação profundo por milhares anos, por
com o passar do tempo, antes era o fato algum fenômeno astronômico
dele seguir incólume a atração de todos desconhecido, adentrou as aias do
objetos astronômicos de nosso sistema, sistema solar.
mesmo tendo maior aproximação Mas o que gerou expectativa na
possível com Júpiter. Parecia com uma humanidade gerou também a cobiça
programação de navegação traçada e aos poderes capitalistas das nações
especificamente clara, a Terra. imperialistas. Criar meios de
Faltando poucas semanas para se estabilizar este astro em órbita da
tornar visível a olho nu, sondas Terra e estudar, e explorar, suas
adjacentes perceberam não ser um propriedades com uma riqueza com o
cometa, muito menos um potencial valor de toda produção de riqueza de
asteroide de contornos disformes, todas as nações do mundo. Os

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acionistas e investidores alardearam o quais nem tem lógica ter direitos e


potencial fim da fome, miséria e viver, perante astrologia e
desigualdade no mundo, todavia os numerologia. Apenas quem é grande
meios de extrair riquezas de algo do e forte o bastante sabe da
qual o quilate era igualmente altíssimo necessidade de subjuga-los pegando
seria difícil e poderia tirar-lhe o valor. o que lhe acha útil e destruindo o que
As sedições capitalistas de assim não julgar. Esse diamante é a
multinacionais logo tramavam a joia da coroa de nosso poder sobre o
centralização capitalista de seu poder a mundo, o satélite de nossa oligarquia
interesses egoístas e monopolizadores e definitiva! – Completou o célebre
nisso motivados rapidamente correram bilionário e presidente do consórcio,
na frente das nações socialistas ou mais Kaos Speer, dono da empresa
altruístas sob as repreendas de líderes genética Blood Gabs e Bitzone ao
religiosos e espiritualistas ao verem lado do bizarro Álvaro Watchman, um
desviarem rios de dinheiro como meio excêntrico filantropo midiático que
de criar recursos de estancar sua rota e ocultava as escuras planos nada
reboca-lo numa órbita estável da Terra, sociais ou humanitários.
proclamando propriedade dos Todos aplaudiram entusiasmados,
conglomerados das multinacionais ainda que o povo das nações e os
ocidentais. Os planos eram miseráveis fossem alheios aquela
grandiloquentes e megalomaníacos, e reunião secreta feita com o resto da
visava pagar dívidas de seus países elite do mundo, com os banqueiros
nativos que legislavam a favor da que via naquilo seus bancos
empreitada sob o escrutínio de um lobby transcenderem a um patamar sem
feroz ainda que marqueteiro ao povo, precedentes, enquanto técnicos
sob promessas ilusórias. E em duas braçais trabalhavam terceirizados no
semanas as empresas espaciais privadas projeto deles, alheios a seu conluio
lançaram suas missões conjuntas na sua egoísta da centralização final de todo
abordagem, ao maior diamante do poder global no capital extraterreno
sistema solar, a chamada mãe de todas daquela cúpula egonômica oculta.
as riquezas. Havia diferença entre quem faz,
Num discurso privado aos cientistas quem apenas é pago e quem
e acionistas do consórcio trabalha. Os que apenas fazem
megalomaníaco o presidente, dono de normalmente não são formais e nada
empresas de vendas como Bitzone Inc (ou pouco) ganham, ao contrário dos
anunciou. que apenas ganham e nada fazem.
– O vulnerável é fraco demais para Apenas poucos os que trabalham e
não sê-lo, a minoria é pequena demais ganham pra fazer o que lhe é
para se notar e ter direitos, muitos dos atribuição, tornando os que apenas

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ganham em relés vagabundos mediante sua posição e horário. E


profissionais, ao contrário dos alguns chegaram a mencionar a
voluntários sem justa remuneração. existência em si mesmo do chamada
As empresas Green Origin e Puton Sateon como se aquilo mostrasse
abordaram o objeto com sucesso. variações de mundos paralelos.
Todavia, ao lançarem seus propulsores Todavia, toda e qualquer
afim de frear o objeto, interferências experimentação era proibida e
magnéticas incomuns afetaram as mesmo os que isso burlassem não
comunicações e o funcionamento dos poderiam publicar as pesquisas sob
equipamentos como se emitisse algum pena de processos de espionagem
tipo de interferência magnética. industrial e científica.
Sensíveis alterações gravimétricas Porém, mais que interessado em
também foram relatadas pelos estudos científicos o consórcio de
astronautas privados, conforme disse o países via nos céus seu maior
astronauta Walt Finney como. depósito bancário a negociar com
– Parece ser uma espécie de todos países quitar todas dívidas,
emissão de energia gerada na entidade comprar toda grande empresa e
cristalina, sugerindo algum tipo de mesmo anexar territórios extensos
controle e artifício de engenharia por comprados de outros países. Se
alguma forma de vida inteligente. dizendo possuidores a barganha era
Porém, fixamos os cabos de reboque e especulativa a algo que nenhum dos
confirmamos a composição do objeto países comprados poderia
como o maior diamante jamais literalmente tirar ou usufruir dos
encontrado. céus, senão como a bolsa de valores
de ouros depositados nunca vistos o
– Pode ser algum tipo de acúmulo que levou a uma verdadeira confusão
de energia de cristais. – Sugeriu Kaos econômica sem precedentes. Com o
Speer na base. diamante aquele consórcio tinha
Ao estabilizarem a gema espacial poder financeiro para literalmente
em orbita logo fora visto a olho nu comprar o planeta inteiro como se
durante o dia por todos. qualquer pessoa tivesse direito a ter
uma parte (que jamais teria) do
Sobretudo ao passar diante do Sol,
diamante.
o prisma cristalino do gigante diamante
refratava a luz eclipsando e gerando Logo, alguns rebeldes se uniram
efeitos atmosféricos e astronômicos a ativistas e tentaram realizar uma
impressionantes. Alguns astrônomos operação ousada. Lançar-se ao
amadores chegaram mesmo a teorizar espaço e tentar realizar um assalto
que este refletia a própria Terra em que tirasse a GBDE (Guarda Bancária
espectros de aspectos diferenciados do Diamante Espacial) e assim

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passarem a ter posse sobre este na consideravam irrelevante. Eles já se


tentativa de libertar o mundo de seu julgavam donos do mundo e de tudo
alegado poder capital infinito. que nele estava, ainda que contra
Uma vez vencendo a GBDE o grupo inúmeras convenções e tratados
de ativistas internacionais liderados por internacionais.
John Octavios buscou por reentrâncias Logo, ao descobrirem a nação
no artefato, donde ao adentrar, afim de dos ativistas e do grupo internacional
romper os cabos passa a ter vislumbres em questão, estes passaram a ser
através dos prismas ao passar pela luz classificados como terroristas assim
solar. Vislumbres de outros mundos como todos países do mundo que lhe
possíveis ou talvez deletérios delírios abrigassem passaram a ser
dum espelho que refletia reflexos considerados inimigos. A partir disso
alternativos? Tais possíveis mundos um ataque massivo de drones fora
refletidos através deste permitiam lançado e ainda que armas de Pulso
mesmo aproximar em zoom de terras Eletromagnético cessassem o ataque
distópicas e pós-apocalípticas. não demorou para que os
Alardeados por aquilo não sabiam porém Imperialistas diamánticos lhes
que o ato destes conflagraram um atacassem com armas nucleares.
incidente internacional ante um tratado Agora o mundo estava em
orbital legal (TOL) criado pelos países guerra, na maior e última de todas
imperialistas que lhes tolhia os direitos guerras, uma de destruição mútua
que lhe apraziam sobre o artefato e assegurada por causa de uma crise
considerava tal ato uma atitude de econômica provocada pelo monopólio
guerra. Ainda que não associado hipotético do diamante orbital. A
diretamente a governos opositores e Grande Guerra de auto-aniquilação
dissidentes o grupo invasor não que varreu a maior parte da
compactuava com a compra de civilização humana da Terra em
territórios de nações inteiras, contra o poucas semanas e mergulhando o
que estes atendiam interesses comuns mundo a beira do hecatombe de um
dos povos que passaram ver todos seus longo inverno nuclear, restando os
bens comuns negociados, dos recursos poucos ativistas ainda orbitantes
naturais básicos, e mesmo suas fitarem dos céus alguns dos reflexos
cidadanias ante a privatização de do diamante se tornarem realidade,
soberanias nacionais. ao contrário doutras onde um mundo
Ao vencer a guarda imperial dos de grandes cidades cristalinas
países possuidores nada poderiam fazer exaltavam as viagens no tempo.
igualmente, a não ser anunciar a Com o fim das provisões e sem
reinvindicação do artefato em rede ter como retornar, estes homens
nacional de todo mundo, o que morreram restando apenas ao

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diamante orbitar o mundo desabitado a espessa camada de cinzas e fumaça


para finalmente revelar sua verdadeira e pensou:
essência, um teste extraterrestre sobre Talvez antes tivéssemos
a ganância e poder dos seres de outros necessidade apenas de nossos
mundos, para saber se estes estavam direitos, precisando apenas de
aptos para ampliar seus horizontes além justiça, merecendo apenas o que
mundo e meros interesses de riqueza e fazemos, pois o oposto a isto é parte
poder. Num último suspiro, John do problema na sociedade.
Octavios fitou a Terra agora cinzenta sob

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Espaço das Artes

Espaço especial dedicado aos trabalhos artísticos não literários


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Foto
Francisco Júnior
Patu/RN

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Caricaturas
Jamison Paixão
Las Palmas de Gran Canária/ Espanha

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147
LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023

https://www.facebook.com/paixaodeoliveira

https://www.facebook.com/jpartes.desenho.3

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Fotos
Jamison Paixão
Las Palmas de Gran Canária/Espanha

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https://www.facebook.com/paixaodeoliveira

https://www.facebook.com/jpartes.desenho.3

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Melancolia ao entardecer(desenho)
Maria Carolina Fernandes Oliveira
Pouso Alegre/MG

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Fotos
Roberto Schima
Itanhaém/SP

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Revista Ikebana 3ª edição

A Revista Ikebana é uma revista literária independente com enfoque em


produções nacionais de autoras/us/es pertencentes a grupos minoritários.

Contato: revistaikebana@gmail.com

Ikebana nº3

Volume 1

https://drive.google.com/file/d/1QdiqCsgcArkE-IdPtpx5xC5ZhOtLYOFM/view

Volume2:

https://drive.google.com/file/d/1ZQDZcLjYoD3jdyLi-5k-w3OUq0z_gfnL/view

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Concurso:“A vida e a obra de Clarice Lispector”

A Revista SerEsta, está promovendo o Concurso: Concurso:“A vida e a obra de


Clarice Lispector”. A participação é gratuita e os textos e ilustrações podem ser
enviados até dia 23 de fevereiro de 2023.
Confiram todas as informações acessando o edital neste link:

https://revistaseresta.blogspot.com/p/edital-de-concurso.html

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LiteraAmigos
Espaço dedicado a todas as entidades e projetos amigos que de alguma forma
nos ajudam ou possuem proposta de trabalho semelhante a nossa:

Corvo Literário

O Corvo literário é um espaço para entrevistas, notícias, e contamos com a


propagação da arte, em especial da participação de todos.
literatura. Mas também para discussões e
Acessem o site e enviem seus textos com
debates, por isso sempre traremos opiniões,
tema livre:

https://corvoliterario.com/

https://corvoliterario.com/contact/

“Blog Concursos Literários”

Blog criado em 2011, com o objetivo de em suas postagens os concursos que


divulgar editais e resultados de concursos cobram quaisquer taxas de inscrição ou
literários e prêmios literários. publicação dos autores. Além disso,
muitos organizadores de concursos
É considerado por muitos autores como uma
literários reconhecem este espaço como
fonte completa e acessível de
uma referência no apoio à divulgação.
editais e resultados de premiações
Acessem o site e conheçam os Concursos
realizadas no Brasil e em todo o mundo. O
do mês, do ano e as seleções
projeto também é elogiado por não incluir
permanentes:
Blog: https://concursos-literarios.blogspot.com.br/

Facebook: https://www.facebook.com/concursosliterarios/

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Editora Pé de Jambo -Fundada em fevereiro de 2019, em meio a pandemia do Covid-


19 pelo escritor Mikael Mansur-Martinelli, a Editora Pé de Jambo é uma empresa
prestadora de serviços editoriais, revisão gramatical, copidesque e orientações textuais
para autores independentes. O principal objetivo da Editora é contribuir para a
disseminação da Literatura, principalmente de novos autores e transformar em uma
forma acessível a todos.
Veja os editais no site:
https://editorapedejambo.wixsite.com/editorapdejambo/antologias

Blog Alan Rubens


No blog do autor Alan Rubens, o leitor terá a oportunidade de ler textos incríveis escritos
pelo próprio Alan e também de autores convidados de todos os lugares, numa reunião de
talentos eclética e divertida.

https://alanrubens.wordpress.com/

Mulheres Audiovisual” - uma plataforma criada para unir as mulheres e a arte em


geral, cadastre seu portfólio e participe:

http://mulheresaudiovisual.com.br/

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Literatura já - No canal e podcast “Literatura já”, criado pela escritora Joyce


Nascimento, você encontrará muita leitura e narração de textos: poesias, contos e
crônicas autorais e de outros escritores. Entrevistas, bate-papo com convidados, dicas e
informações sobre o que está acontecendo no mundo literário. Tudo em formato de
áudio publicado toda sexta-feira, a partir das 19h.
Se inscrevam e não percam nenhum conteúdo!

https://open.spotify.com/show/7iQe21M7qH75CcERx5Qsf8

Maldohorror - Coletivo de escritores fantásticos e malditos


Aventurem-se lendo o que há de melhor na por autores consagrados e também por
literatura de Terror/Horror. Visite o site do iniciantes, numa grande mistura de
Coletivo Maldohorror, que reúne os estilos.
melhores contos de terror, poesias malditas,
crônicas ácidas e histórias imorais, escritos

Site oficial:
www.maldohorror.com.br

Página do facebook:
https://www.facebook.com/maldohorror/

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Portal Domínio Público

Tenha acesso gratuito e legalizado à milhares de textos, sons, vídeos e imagens do Brasil
e do mundo em domínio público.

http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.jsp

Sci-fi Tropical

Semanalmente, o site Sci-fi Tropical traz um exclusivo, o leitor terá uma experiência
artigo, resenha de livro ou análise sobre o imersiva nas histórias. Rubens Angelo,
cenário do fantástico nacional, permitindo criador do site Sci-fi Tropical, é formado
que os fãs do gênero, tão acostumados a ler em design, mestrando em mídias
obras estrangeiras, conheçam também criativas e, principalmente, fã
autores nacionais que ajudaram a consolidar incondicional da ficção científica.
a ficção-científica por aqui. O site traz ainda
Venha conferir:
O PROJETO MINIBOOKS FANTÁSTICOS, com
obras de autores de FC em língua
portuguesa para download. Com um design

https://scifitropical.wordpress.com/

Canal “Conto um Conto” - Canal do Youtube criado pelo locutor Marcelo Fávaro, onde
podemos “ouvir” clássicos da literatura mundial. O canal proporciona entretenimento

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inclusivo e de qualidade para todos os amantes da boa literatura; tem Guimarães Rosa,
Monteiro Lobato, Stephen King, Edgar Allan Poe, Machado de Assis e muito mais.
Conheçam, se inscrevam e aproveitem.
Ouvir histórias é relaxante e instrutivo!!

https://www.youtube.com/channel/UCsqheVzvPGoI6S3pP3MBlhg

Site “Seleções Literárias”

https://selecoesliterarias.com.br/

Podcast Toma aí um poema

O Podcast Toma Aí um Poema tem com objetivo declamar o máximo de poemas


brasileiros possíveis e disponibilizá-los em áudio para torna-los mais acessíveis, nos
diferentes canais e formatos. Acesse o site e envie seu poema!!
https://www.jessicaiancoski.com/toma-ai-um-poema

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Modelo de envio de textos para publicação na revista

No meio do caminho (título)


Carlos Drummond de Andrade (nome para publicação – este nome não
será trocado)
Rio de Janeiro/RJ (cidade e estado onde vive – país somente se for do
exterior)

(no máximo 3 textos com até 3 páginas)

(texto – utilize fonte arial ou times new roman)


No meio do caminho tinha uma pedra,
tinha uma pedra no meio do caminho,
tinha uma pedra,
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento,
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho,
tinha uma pedra,
tinha uma pedra no meio do caminho,
no meio do caminho tinha uma pedra.

https://www.pensador.com/melhores_poemas_de_carlos_drummond_de_andrade/

(site, página ou blog – pessoal ou de divulgação de obras)

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