Você está na página 1de 14

MAPAS DA HISTÓRIA: A ESTRUTURA DE UM PILOTO DE UMA

HORA PRA TV
Daniel P. Calvisi
Tradução Helvécio F. F. Junior

Toda série de TV começa com um personagem instigante. Seu protagonista, o


personagem principal, é a âncora do show. Sua mulher ou homem deve ser alguém com quem
nós queiramos passar muito tempo. ​Muito tempo, algumas vezes anos, se a série for um
sucesso. Esse é um grande compromisso de tempo para o espectador! Então faça o herói valer
a pena.

Vamos dar uma olhada em algumas características de um protagonista poderoso para


TV.

Herói/Anti-herói/novato/peixe fora d’água: ​Que arquétipo melhor se encaixa em


seu protagonista? Um herói é alguém para quem torcemos por estar sempre tentando fazer a
coisa certa (Rylen Gives ​em ​Justified​). Um anti-herói é alguém por quem torcemos à despeito
de estar fazendo coisas horríveis por motivos egoístas (Frank Underwood em ​House of
Cards​). Um novato é alguém que acabou de entrar num novo mundo ao qual ele deve
provar-se adaptado (Rick, em ​The Walking Dead)​ . Um peixe fora d’água é alguém que
representa o pólo oposto do novo território dramático no qual se encontra (Daenarys, em
Game of Thrones)​ .

Ordinário/Extraordinário: ​Seu personagem é um zé mané ordinário que foi jogado


na parte funda da piscina e agora precisa nadar ou afundar... ou um agente habilidoso (um
“especialista”) que faz coisas com as quais nós apenas podemos sonhar? Os melhores
protagonistas são ambos, como Walter White em ​Breaking Bad​, um professor de química
comum, que usa suas habilidades excepcionais em ciência para tornar-se a força dominante
do comércio de drogas.
Habilidade: ​No que eles são bons? Eles devem ser bons em ​alguma coisa​, mesmo
que sejam perdedores. Mesmo aquele personagem do qual adoramos rir precisa vencer aqui e
ali.

Arco de Redenção: ​Nós sempre adoramos assistir um personagem lutar para


redimir-se de pecados anteriores ou curar-se de abusos passados. O exemplo quintessencial
disso é Don Draper, em ​Mad Men.​

Objetivos externos e internos: ​Seu protagonista deve ter alguma coisa interessante
para fazer em termos de um objetivo físico e uma necessidade emocional, e eles precisam
agir para atingir tais objetivos. Esses dois objetivos podem formar as histórias “A” e “B” e
gerarem linhas perenes para a ação na série.

Identificabilidade (“Interesse de torcida”): ​Nós não precisamos entender ou


reconhecer completamente o protagonista, mas precisa existir uma razão para que nós
torçamos para que ele atinja seus objetivos.

Mau comportamento: ​É interessante conferir ao seu protagonista uma característica


que esteja constantemente trazendo-lhe problemas. Uma esquisitice ou compulsão.
Transtorno obsessivo-compulsivo, sexismo, pavio-curto, ego, etc.

Fraqueza Fatal: ​Essa deve ser sua pior característica, seu calcanhar de Aquiles, o
ponto cego que ameaça arruiná-los. Pode ser uma característica da personalidade, racismo,
algum elemento do histórico do personagem, como a identidade verdadeira de Don Draper,
que é Dick Whitman, ou o senso de preterimento de Jon Snow por ser ele um bastardo de
Ned Stark.

Tomada de Poder: ​Nós queremos ver nosso herói atingir seu verdadeiro poder e
realizar uma demonstração de força que o traga para mais próximo de si mesmo. Ele levanta a
máscara, tira as luvas e encontra suas própria coragem - chame como quiser. Acredito que
você precisará ter esse momento no piloto e também ao final de cada temporada, senão de
cada episódio.
Identidade: ​A maior parte das séries de hoje em dia desenvolve uma temática
identitária ao redor do protagonista. O que significa ser um homem ou mulher na sociedade...
status... moralidade... viver por um “código pessoal”, etc. Estes são todos temas que se
relacionam com o tipo de pessoa que nosso herói deseja ser. Pense nos arcos de Walter White
em ​Breaking Bad​, Jack em ​Lost​, e Ned Stark na primeira temporada de ​Game of Thrones​. A
televisão é um meio particularmente bom para explorar este tema, uma vez que estaremos
assistindo ao crescimento pessoal deste personagem ao longo dos anos (exceto pelo pobre
Ned).

Aliado Dinâmico: ​Todo protagonista precisa de um melhor amigo ou ajudante que irá
permanecer com ele na longa marcha. Um personagem que representa o maior
aliado/campeão/parceiro-de-crime do protagonista e ajuda a facilitar as mudanças nele.

Sombra: ​Esse é um personagem que representa o pólo oposto do protagonista,


sempre espreitando e sempre criando conflito.

Vamos observar uma lista fascinante de personalidades da TV, capturados numa lista
de elementos que são vitais para a criação de um personagem dramático tridimensional.

RUSTIN COHLE (​True Detective​)

Característica Definidora: Pessimista


Habilidade: Obsessivo
Mau Comportamento: Inflamatório/Iconoclasta
Calcanhar de Aquiles: A morte da filha
Objetivo exterior: Resolver o caso
Objetivo interior: Encontrar a paz com o universo
Aliado Dinâmico e Sombra: Detetive Martin Hart
Arco do Piloto: de cadete espacial à bom detetive
Arco da Primeira Temporada: De assombrado a sereno
Arco da série: Nenhum*
*​A dupla Cole/Hart durou apenas uma temporada em True Detective​.

WALTER WHITE (​Breaking Bad)​

Característica Definidora: Controlador


Habilidade: Química
Mau Comportamento: Soberba
Calcanhar de Aquiles: Sua família e sua vontade de poder
Objetivo exterior: Tornar-se um barão das drogas
Objetivo interior: Proteger sua família/ obter o que lhe é devido
Aliado Dinâmico: Jesse Pinkman*
Sombra: Hank, seu cunhado
Arco do Piloto: de patético professor de química à fabricante de metanfetamina bem-sucedido
Arco da Primeira Temporada: Walt desenvolve sua característica droga azulada e facilita o
negócio de distribuição ao fechar um acordo com um gângster perigoso.
Arco da série: Perdedor infestado pelo câncer torna-se um barão das drogas sociopata.

*Veja a nota sobre o arco um em meu mapa de piloto de ​Breaking Bad e​ m ​Análises de Caso​,
sobre como os papéis de Hank e Jesse invertem-se ao longo da série.

DEPUTADO FRANCIS “FRANK” UNDERWOOD (​House of Cards​)

Característica Definidora: Manipulador


Habilidade: Astúcia
Mau Comportamento: Anti-ético (frequentemente demonstrado à parte de maneira cômica)
Calcanhar de Aquiles: Hubris
Objetivo exterior: Conseguir um cargo de alto escalão
Objetivo interior: Agradar a esposa
Aliado Dinâmico: Peter Russo
Sombra: Zoe Barnes, repórter iniciante
Arco do Piloto: De político de base à estrela em ascenção
Arco da Primeira Temporada: Frank torna-se vice-presidente
Arco da série: Veremos!

PEGGY OLSON (​Mad Men)​

Característica Definidora: Viciada em trabalho


Habilidade: Escrever campanhas publicitárias
Mau Comportamento: Prefere o trabalho às relações
Calcanhar de Aquiles: Precisa da validação de Don
Objetivo exterior: Ser bem-sucedida em um mundo masculino
Objetivo interior: Encontrar amor
Aliado Dinâmico: Don
Sombra: Joan
Arco do Piloto: De ratinha inocente a mulher sexual
Arco da Primeira Temporada: De secretária à redatora
Arco da série: De Newbie à profissional experiente

TEMA

Sobre o quê é a sua série? Porquê você está contando essa história? Que emoções e
ideias você planeja explorar? O que os seus personagens deveriam fazer? Essas questões
apontam para o tema do show.

Você pode e deve usar o tema para inspirar histórias, cenas e arcos de personagem. O
tema pode agir como um “controle” para focar suas histórias.

O tema central de ​Mad Men é ​a busca pela felicidade em um mundo cada vez mais
caótico e cínico,​ com subtemas sendo explorados ao longo da série (sexismo, racismo, status,
família, etc). A série é um grande exemplo da exploração de um mesmo tema ao longo de
várias temporadas. Desde o início, a decisão de ambientar a história na cidade de Nova Iorque
dos anos 1960, um local e período de grande mudança social, praticamente garantiu a
exploração de determinados temas, como questões de raça, gênero, idade e classe. E
especificar isso através da indústria de propaganda requereu o escrutínio da cultura pop, da
artificialidade, da criatividade versus o comércio, e identidade.

Podemos observar como o elenco original de personagens nasceu destes temas.


Imagine o criador da série, Matthew Weiner sentado para escrever o primeiro esboço da série,
sabendo apenas o tema da série, o período e o cenário. O objetivo, como sempre, é conflito e
contraste. Rapidamente cristaliza-se que as mulheres na série (Peggy, Joan, Betty) lidarão
com chauvinismo no local de trabalho, liberação sexual e o equilíbrio entre família e carreira
conforme a imagem da dona de casa ideal dos anos 1950 estilhaça-se. Os homens da agência
devem ser divididos em dois campos básicos: A velha guarda (Burt, Roger, Dom) e a nova
guarda (Pete, Ken, Harry). Os caras velhos trazem a experiência advinda da grande
depressão, enquanto os jovens lutam para encontrarem-se no vazio existente entre o mundo
em preto-e-branco de seus pais e as mutantes morais e influências de sua geração em
evolução. Então você tem a estratificação entre classe e dinheiro, e o impacto do espírito
criativo na vida diária. Pete Campbell advém da riqueza, enquanto Don Draper tem um
passado de miséria. Pete alcançou sua posição na empresa quase exclusivamente pelo peso de
seu sobrenome, enquanto Don teve de construir sua personalidade do zero.

Em ​Breaking Bad​, o tema do sacrifício vem à baila diversas vezes, conforme Walter
White é pego em situações impossíveis nas quais precisa decidir o que e quem irá sacrificar
para salvar sua própria pele. Conforme Walt afunda mais e mais no mundo criminal, a
questão da sobrevivência emerge em quase todos os episódios. E ele não pode abandonar a
vida do crime, pois tem um câncer inoperável, então é literalmente uma questão de vida ou
morte.

A pequena sequência de abertura de ​The Walking Dead entrega o tema central da série
inteira - quando Rick toma a terrível decisão de atirar na cabeça da menina zumbi, ele está
lutando para descobrir ​como manter sua humanidade no frigir do desastre.​ Todos os
episódios da série irão forçar os personagens a lidarem com este tema.
No piloto de ​Scandal,​ o tema muda e se afia ao longo do tempo. Começa focado na
verdade,​ conforme Olivia segue seus instintos. Ela acredita que consegue determinar se
alguém está mentindo ou não somente com sua intuição, que nunca falha. Mas rapidamente,
encontramos o único homem que pode anuviar este sentido: seu ex-amante, Presidente
Fitzgerald Grant. Olivia começa a ver o drama do cliente refletindo o seu próprio - Sully pode
derrubar as acusações de homicídio apenas se assumir seu amor por outro homem. Mas ao
fazê-lo, ele destruirá sua carreira e sua persona cuidadosamente esculpida. O mesmo ocorre
com Olivia e seu relacionamento secreto com Grant. É nesse ponto que o tema muda para ​os
sacrifícios que fazemos por amor verdadeiro.​ A integração do plot, tema e arco de
personagem do protagonista é perfeita.

O piloto de ​True Detective é dividido em dois períodos: 1995 e 2012. Nós começamos
em 2012 enquanto o detetive Martin Hart é entrevistado sobre seu parceiro, Rustin Cohle.
Hart está examinando o que constitui o homem, começando por expor o que faz um bom
policial. O relacionamento entre estes dois homens e o escrutínio de sua verdadeira natureza,
não o caso do homicídio de Dora Lange, é a história “A” do piloto e da primeira temporada.
O tema central encontra-se logo ali, no título: ​O que faz de alguém um “verdadeiro”
detetive?

INCIDENTE INSTIGANTE

“Qual o conceito?” É uma pergunta que ouvimos muito no mundo dos filmes, mas na
televisão não é tão simples. O “conceito” não é apenas uma história. É um conjunto de
personagens, um ponto de partida, um motor funcionando para gerar muitas histórias. Uma
série de TV deve ter um conflito central que é inerentemente fascinante, está recheado de
apostas altas e que requer algum tempo para ser resolvido. Vamos chamá-lo de “Incidente
Instigante”.

O incidente instigante nem sempre é o conflito central de cada episódio. Por exemplo,
em ​Lost,​ o incidente instigante é um grupo de pessoas tentando escapar de uma ilha
misteriosa recheada de eventos sobrenaturais e perigosos. Mas um episódio em particular da
série poderia ser movido por um “motor da história” menor e único, que é uma variação do
incidente instigante, como “eles precisam resgatar três de seus amigos da escotilha secreta
antes que um dos inimigos cativos escape e atraia um ataque do grupo rival ao seu
acampamento”.

Não importa o quão esperta ou bizarra sua trama seja, ela não será instigante sem uma
gama de personagens nos quais podemos investir e para os quais podemos torcer. Note como
todos esses incidentes fluem a partir do personagem:

Breaking Bad​: Um professor de ensino médio de personalidade suave torna-se um


barão do narcotráfico bem embaixo do nariz de seu cunhado, um agente da Narcóticos.

Downton Abbey: Um opulento nobre britânico luta para manter sua mansão e modos
antiquados, conforme a implacável pressão do século XX ameaça destruir seu patrimônio e
sua família.

Mad Men: ​Um profissional da propaganda com um segredo sombrio luta para
alcançar a felicidade nos turbulentos anos 1960.

Sons of Anarchy: ​“Hamlet numa gangue de motociclistas”. Padastro e enteado lutam


para manter uma gangue que trafica armas, à despeito das traições, corrupção e violência
crescente.

The Americans: ​Dois agentes soviéticos infiltrados posam como o casal perfeito
durante o dia enquanto performam ações de espionagem durante a noite, o que estranhamente
os aproxima enquanto casal.

CENÁRIO/MUNDO

Uma mansão inglesa no início da Primeira Guerra Mundial... Manhattan dos anos 60.
Um clube de motociclismo. Estes são os mundos onde essas histórias existem.
Uma grande série nos transporta para um mundo que nós nunca visitamos, ou ao
menos nunca observamos sob essa perspectiva. O mundo é invariavelmente uma parte
importante do incidente instigante. Listados abaixo estão alguns dos mais fascinantes mundos
da história recente da televisão.

Boardwalk Empire: ​A costa de Nova Jersey durante a era da proibição.

Game of Thrones: ​O mundo fantástico de Westeros.

Homeland: ​Os trabalhos internos da CIA.

House of Cards: ​Os bastidores da capital dos Estados Unidos.

Justified: ​ Kentucky estagnado.

The Walking Dead: ​Estados Unidos após um apocalipse zumbi.

REFRIGERANDO O MOTOR DA SÉRIE


(Também conhecido como: GARANTIA DE 100 EPISÓDIOS)

100 episódios é o número mágico no qual as séries de TV podem se sindicalizar


(ba-dum-tss), sendo assim o número-alvo de todas as séries.

Pense numa maneira de fazer sua série sustentar 100 horas de narrativa. Você não
precisa ter todos os detalhes de cada episódio, mas vai ser bom ter uma resposta quando você
ouvir perguntas como “o que acontece no final da segunda temporada?” Ajuda saber onde as
primeiras temporadas irão começar e terminar, tanto para uso próprio quanto para convencer
outros profissionais de que você realmente conhece sua série.

É hora de colocar aquele incidente instigante para agir. De resumi-lo ao núcleo de sua
narrativa - pois ​é isso que ele é. O que move cada episódio. O que torna a história dramática e
nos faz sintonizar o canal toda semana para assistir. Em termos simples, você precisa
identificar...

O SEMANA-A-SEMANA

Vamos entrar em nossa máquina do tempo e bisbilhotar algumas conversas sobre as


séries pela cidade...

Ok, eu entendi que esse é um show sobre um professor de química que fabrica
metanfetamina, mas o que é que ele FAZ toda semana?

Então esse cara é o diretor criativo de uma agência de publicidade dos anos sessenta.
Mas o que é que acontece toda semana? Nós assistimos o cara criar reclames vestido com
calças boca-de-sino?

Então, seu marido político a traiu, e ela voltou a trabalhar como advogada. Ela
trabalha em um caso diferente toda semana ou é somente um caso para a temporada inteira?
Ela vai para a corte ou permanece no escritório? Quando ela ainda era uma dona de casa,
você diria que ela era das boas ou das más?

Essa última pergunta provavelmente foi longe demais, mas você pôde entender o que
esses divulgadores hipotéticos estão perguntando: O que acontece a cada semana? Afinal de
contas, dez autores diferentes poderiam receber o conceito de um drama conjunto dentro da
classe alta britânica na alvorada da Primeira Guerra Mundial, e entregarem dez narrativas
diferentes. Foi preciso a abordagem única de Julian Fellowes para transformar essa ideia no
estudo de caráter brilhante que é ​Downton Abbey.​

O semana-a-semana também destina-se a uma parte pivotal do seriado: a audiência. O


que eles irão ver, e o que irão sentir? Eis a minha estimativa de três dos nossos seriados
favoritos como amostra:
Scandal: ​Olivia Pope resolve para seu cliente uma crise que reflete suas batalhas
pessoais.

The Walking Dead: Rick e outros sobreviventes lidam com novas ameaças advindas
dos zumbis e também de seus companheiros humanos.

True Detective (1º Temporada)​: Cohle e Hart valem-se de medidas cada vez mais
extremas para resolver o caso, conforme suas vidas saem mais e mais dos eixos.

Tenha em mente que um “piloto de premissa” pode não utilizar o mesmo motor de
semana-a-semana dos episódios subsequentes. Por exemplo, o semana-a-semana de Rick é
sobre sua interação com os demais sobreviventes, mas no piloto ele ainda não os encontrou.
quando você for olhar nos fichamentos de ​beats das nossas séries-exemplo (em ​estudos de
caso​), tente determinar se o piloto segue o mesmo motor semana-a-semana dos demais
episódios. (Você deverá estar familiarizado com a série para conseguir fazer isso).

Também deve-se notar que shows pesadamente serializados talvez nem mesmo
tenham uma estrutura semana-a-semana definida. Eles terão sempre dispositivos familiares,
como por exemplo em ​Game of Thrones,​ onde alguém parece sempre estar sendo
sequestrado, ou em ​Mad Men​, onde eles estão sempre apresentando algum projeto
publicitário a um cliente. Mas essas coisas ​nem sempre acontecem. Não existe maneira de
prever quais situações e personagens estarão em foco no início de cada episódio.

Essa é a razão pela qual é difícil vender um show serializado: é difícil que alguém
mais “compreenda” o semana-a-semana (mas nada é fácil de se vender em Hollywood, então
escreva um show que ​você​ assistiria).

Onde e como você começa seu piloto são decisões cruciais, considerando que suas
páginas de abertura são sua primeira e única chance de agarrar o leitor. Então pense longa e
duramente sobre como você trará o espectador para o mundo da história.
Talvez você queira valer-se de um dispositivo de recorte, como em ​True Detective
com as entrevistas de Cohle e Hart em 2012, pontilhadas de ​flashbacks de 1995 e 2002. As
entrevistas provém o contexto para os saltos, bem como produzem o cenário-chave.

Talvez sua porta de entrada passe por um personagem. Em ​Scandal,​ Quinn, a nova
contratada na firma de gerenciamento de crises de Olivia Pope, é o Novato que age como
nosso procurador na hora de sofrer a exposição crucial.

Considere uma cena inicial cheia de energia e apostas altas para realmente fisgar seu
espectador. Nós nunca nos esqueceremos dos teasers de nossas séries favoritas: Rick Grimes
tendo de atirar numa criança zumbi em ​The Walking Dead​, Walter “homem de cueca” White
batendo com seu trailer no meio do deserto. A sequência de desastre aéreo na cena que abre
Lost​.
Seja como for que você decida abrir seu piloto, assegure-se de ​seguir para a história
assim que possível. A única pessoa mais ansiosa do que o espectador é o leitor da indústria.
Eu sei, pois passei anos sendo ambos!

ARCOS DE TEMPORADA

Uma série televisiva costumava durar entre 24 e 26 episódios. Novos episódios,


intercalados com a tradicional ​reprise (quem se lembra desse termo?) esticavam a temporada
televisiva do outono até o início do verão. Enquanto espectador, quando chegasse a
programação de Maio você provavelmente não se lembraria do início da temporada em
Setembro, portanto resumos e rememorações sutís não adiantariam.

Hoje, séries de grandes emissoras (ABC, CBS, NBC, FOX) exibem mais de vinte
episódios por temporada. Fora delas, as temporadas de séries dramáticas costumam ter entre
10 e 13 episódios, e novos episódios saem todas as semanas até que a temporada acabe,
criando um bloco indiviso de “encontro semanal” com a TV. Se a emissora decidir passar
reprises, ela frequentemente os guardará para maratoná-los antes do início da temporada
seguinte. Se a série é original de um serviço de streaming como a Netflix, então a temporada
inteira está disponível de uma vez só. Gravadores de vídeo e streaming facilitaram a
“maratonagem” e a revisitação, portanto os espectadores estão escrutinando suas séries
favoritas hoje mais do que nunca, cada vez mais enxergando cada temporada como um todo.

Grandes séries vêm com novos cenários e parâmetros para cada temporada que
prolongam brilhantemente o incidente incitante, porém com apostas maiores, contextos
diferentes e ameaças únicas.

Downton Abbey: ​A primeira temporada acaba com o irromper da Primeira Guerra


Mundial, então a segunda temporada começa com uma batalha de trincheiras e lida com os
efeitos do conflito sobre os Abbey.

Mad Men: ​Cada temporada exibe Don com uma amante diferente e também uma
nova ameaça à sua identidade secreta. O tempo avança, trazendo consigo novas pressões
sociais e novas mudanças na agência de publicidade.

Lost: ​Eu estava me cansando de Lost até que eles começaram a usar os
Fast-Forwards na quarta temporada ao mesmo tempo em que os criadores anunciaram que a
sexta temporada seria sua última, o que injetou no show certa dose de urgência.

Friday Night Lights​: A terceira temporada mostra o técnico empurrado para fora de
sua zona de conforto em West Side, sendo forçado a aceitar um trabalho em ​East Side​, onde
o programa de futebol tem poucos recursos e um banco de reservas fraco.

Dexter: ​Cada temporada de Dexter apresentava um “aliado/vilão dinâmico”, que


descobria o segredo de Dexter e queria ou matá-lo, ou juntar-se a ele. O “Trinity Killer”
(John Lithgow) na quarta temporada, ou “Lumen” (Julia Stiles) na quinta temporada são
bons exemplos desse dispositivo.

O ARCO DA SÉRIE
Os melhores dramas também oferecem um acentuado arco de mudança através da
série. Isso talvez transpareça sob a forma de uma grande pergunta dramática que é lentamente
respondida (O que é a ilha?), ou a demonstração dos passos que levam a um caminho
inevitável (Em ​Downton Abbey,​ nós sempre soubemos que aquela era de pompa e
circunstância não iria durar). A relação mais importante de ​Justified é a do advogado Rylan
Gives e sua perpétua nêmese, Boyd Crowder. Acertadamente, a série termina com os dois
homens conversando através de um vidro, com Boyd vestindo o laranja da prisão.

Em alguns casos, os criadores sabem desde o início como a série vai terminar, em
outros, eles basicamente vão dando um jeito enquanto progridem. Em ​Breaking Bad,​ o plano
de Vince Gilligan para Walter White, desde o início era ​de Professor Pardal à Scarface,​
embora Gilligan tenha dito em entrevistas que diversas vezes colocou Heisenberg numa
encruzilhada sem saber como é que iria tirá-lo dali depois. ​Mad Men ​começa em 1960 com
Don Draper debatendo-se com a criação de uma campanha para uma companhia de cigarros e
termina com ele criando um dos comerciais mais famosos do mundo, para a Coca-Cola.
Você não é obrigado a ter o arco inteiro da série em sua mente, mas planejá-lo não irá
te prejudicar.

Você também pode gostar