Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
HORA PRA TV
Daniel P. Calvisi
Tradução Helvécio F. F. Junior
Objetivos externos e internos: Seu protagonista deve ter alguma coisa interessante
para fazer em termos de um objetivo físico e uma necessidade emocional, e eles precisam
agir para atingir tais objetivos. Esses dois objetivos podem formar as histórias “A” e “B” e
gerarem linhas perenes para a ação na série.
Fraqueza Fatal: Essa deve ser sua pior característica, seu calcanhar de Aquiles, o
ponto cego que ameaça arruiná-los. Pode ser uma característica da personalidade, racismo,
algum elemento do histórico do personagem, como a identidade verdadeira de Don Draper,
que é Dick Whitman, ou o senso de preterimento de Jon Snow por ser ele um bastardo de
Ned Stark.
Tomada de Poder: Nós queremos ver nosso herói atingir seu verdadeiro poder e
realizar uma demonstração de força que o traga para mais próximo de si mesmo. Ele levanta a
máscara, tira as luvas e encontra suas própria coragem - chame como quiser. Acredito que
você precisará ter esse momento no piloto e também ao final de cada temporada, senão de
cada episódio.
Identidade: A maior parte das séries de hoje em dia desenvolve uma temática
identitária ao redor do protagonista. O que significa ser um homem ou mulher na sociedade...
status... moralidade... viver por um “código pessoal”, etc. Estes são todos temas que se
relacionam com o tipo de pessoa que nosso herói deseja ser. Pense nos arcos de Walter White
em Breaking Bad, Jack em Lost, e Ned Stark na primeira temporada de Game of Thrones. A
televisão é um meio particularmente bom para explorar este tema, uma vez que estaremos
assistindo ao crescimento pessoal deste personagem ao longo dos anos (exceto pelo pobre
Ned).
Aliado Dinâmico: Todo protagonista precisa de um melhor amigo ou ajudante que irá
permanecer com ele na longa marcha. Um personagem que representa o maior
aliado/campeão/parceiro-de-crime do protagonista e ajuda a facilitar as mudanças nele.
Vamos observar uma lista fascinante de personalidades da TV, capturados numa lista
de elementos que são vitais para a criação de um personagem dramático tridimensional.
*Veja a nota sobre o arco um em meu mapa de piloto de Breaking Bad e m Análises de Caso,
sobre como os papéis de Hank e Jesse invertem-se ao longo da série.
TEMA
Sobre o quê é a sua série? Porquê você está contando essa história? Que emoções e
ideias você planeja explorar? O que os seus personagens deveriam fazer? Essas questões
apontam para o tema do show.
Você pode e deve usar o tema para inspirar histórias, cenas e arcos de personagem. O
tema pode agir como um “controle” para focar suas histórias.
O tema central de Mad Men é a busca pela felicidade em um mundo cada vez mais
caótico e cínico, com subtemas sendo explorados ao longo da série (sexismo, racismo, status,
família, etc). A série é um grande exemplo da exploração de um mesmo tema ao longo de
várias temporadas. Desde o início, a decisão de ambientar a história na cidade de Nova Iorque
dos anos 1960, um local e período de grande mudança social, praticamente garantiu a
exploração de determinados temas, como questões de raça, gênero, idade e classe. E
especificar isso através da indústria de propaganda requereu o escrutínio da cultura pop, da
artificialidade, da criatividade versus o comércio, e identidade.
Em Breaking Bad, o tema do sacrifício vem à baila diversas vezes, conforme Walter
White é pego em situações impossíveis nas quais precisa decidir o que e quem irá sacrificar
para salvar sua própria pele. Conforme Walt afunda mais e mais no mundo criminal, a
questão da sobrevivência emerge em quase todos os episódios. E ele não pode abandonar a
vida do crime, pois tem um câncer inoperável, então é literalmente uma questão de vida ou
morte.
A pequena sequência de abertura de The Walking Dead entrega o tema central da série
inteira - quando Rick toma a terrível decisão de atirar na cabeça da menina zumbi, ele está
lutando para descobrir como manter sua humanidade no frigir do desastre. Todos os
episódios da série irão forçar os personagens a lidarem com este tema.
No piloto de Scandal, o tema muda e se afia ao longo do tempo. Começa focado na
verdade, conforme Olivia segue seus instintos. Ela acredita que consegue determinar se
alguém está mentindo ou não somente com sua intuição, que nunca falha. Mas rapidamente,
encontramos o único homem que pode anuviar este sentido: seu ex-amante, Presidente
Fitzgerald Grant. Olivia começa a ver o drama do cliente refletindo o seu próprio - Sully pode
derrubar as acusações de homicídio apenas se assumir seu amor por outro homem. Mas ao
fazê-lo, ele destruirá sua carreira e sua persona cuidadosamente esculpida. O mesmo ocorre
com Olivia e seu relacionamento secreto com Grant. É nesse ponto que o tema muda para os
sacrifícios que fazemos por amor verdadeiro. A integração do plot, tema e arco de
personagem do protagonista é perfeita.
O piloto de True Detective é dividido em dois períodos: 1995 e 2012. Nós começamos
em 2012 enquanto o detetive Martin Hart é entrevistado sobre seu parceiro, Rustin Cohle.
Hart está examinando o que constitui o homem, começando por expor o que faz um bom
policial. O relacionamento entre estes dois homens e o escrutínio de sua verdadeira natureza,
não o caso do homicídio de Dora Lange, é a história “A” do piloto e da primeira temporada.
O tema central encontra-se logo ali, no título: O que faz de alguém um “verdadeiro”
detetive?
INCIDENTE INSTIGANTE
“Qual o conceito?” É uma pergunta que ouvimos muito no mundo dos filmes, mas na
televisão não é tão simples. O “conceito” não é apenas uma história. É um conjunto de
personagens, um ponto de partida, um motor funcionando para gerar muitas histórias. Uma
série de TV deve ter um conflito central que é inerentemente fascinante, está recheado de
apostas altas e que requer algum tempo para ser resolvido. Vamos chamá-lo de “Incidente
Instigante”.
O incidente instigante nem sempre é o conflito central de cada episódio. Por exemplo,
em Lost, o incidente instigante é um grupo de pessoas tentando escapar de uma ilha
misteriosa recheada de eventos sobrenaturais e perigosos. Mas um episódio em particular da
série poderia ser movido por um “motor da história” menor e único, que é uma variação do
incidente instigante, como “eles precisam resgatar três de seus amigos da escotilha secreta
antes que um dos inimigos cativos escape e atraia um ataque do grupo rival ao seu
acampamento”.
Não importa o quão esperta ou bizarra sua trama seja, ela não será instigante sem uma
gama de personagens nos quais podemos investir e para os quais podemos torcer. Note como
todos esses incidentes fluem a partir do personagem:
Downton Abbey: Um opulento nobre britânico luta para manter sua mansão e modos
antiquados, conforme a implacável pressão do século XX ameaça destruir seu patrimônio e
sua família.
Mad Men: Um profissional da propaganda com um segredo sombrio luta para
alcançar a felicidade nos turbulentos anos 1960.
The Americans: Dois agentes soviéticos infiltrados posam como o casal perfeito
durante o dia enquanto performam ações de espionagem durante a noite, o que estranhamente
os aproxima enquanto casal.
CENÁRIO/MUNDO
Uma mansão inglesa no início da Primeira Guerra Mundial... Manhattan dos anos 60.
Um clube de motociclismo. Estes são os mundos onde essas histórias existem.
Uma grande série nos transporta para um mundo que nós nunca visitamos, ou ao
menos nunca observamos sob essa perspectiva. O mundo é invariavelmente uma parte
importante do incidente instigante. Listados abaixo estão alguns dos mais fascinantes mundos
da história recente da televisão.
Pense numa maneira de fazer sua série sustentar 100 horas de narrativa. Você não
precisa ter todos os detalhes de cada episódio, mas vai ser bom ter uma resposta quando você
ouvir perguntas como “o que acontece no final da segunda temporada?” Ajuda saber onde as
primeiras temporadas irão começar e terminar, tanto para uso próprio quanto para convencer
outros profissionais de que você realmente conhece sua série.
É hora de colocar aquele incidente instigante para agir. De resumi-lo ao núcleo de sua
narrativa - pois é isso que ele é. O que move cada episódio. O que torna a história dramática e
nos faz sintonizar o canal toda semana para assistir. Em termos simples, você precisa
identificar...
O SEMANA-A-SEMANA
Ok, eu entendi que esse é um show sobre um professor de química que fabrica
metanfetamina, mas o que é que ele FAZ toda semana?
Então esse cara é o diretor criativo de uma agência de publicidade dos anos sessenta.
Mas o que é que acontece toda semana? Nós assistimos o cara criar reclames vestido com
calças boca-de-sino?
Então, seu marido político a traiu, e ela voltou a trabalhar como advogada. Ela
trabalha em um caso diferente toda semana ou é somente um caso para a temporada inteira?
Ela vai para a corte ou permanece no escritório? Quando ela ainda era uma dona de casa,
você diria que ela era das boas ou das más?
Essa última pergunta provavelmente foi longe demais, mas você pôde entender o que
esses divulgadores hipotéticos estão perguntando: O que acontece a cada semana? Afinal de
contas, dez autores diferentes poderiam receber o conceito de um drama conjunto dentro da
classe alta britânica na alvorada da Primeira Guerra Mundial, e entregarem dez narrativas
diferentes. Foi preciso a abordagem única de Julian Fellowes para transformar essa ideia no
estudo de caráter brilhante que é Downton Abbey.
The Walking Dead: Rick e outros sobreviventes lidam com novas ameaças advindas
dos zumbis e também de seus companheiros humanos.
True Detective (1º Temporada): Cohle e Hart valem-se de medidas cada vez mais
extremas para resolver o caso, conforme suas vidas saem mais e mais dos eixos.
Tenha em mente que um “piloto de premissa” pode não utilizar o mesmo motor de
semana-a-semana dos episódios subsequentes. Por exemplo, o semana-a-semana de Rick é
sobre sua interação com os demais sobreviventes, mas no piloto ele ainda não os encontrou.
quando você for olhar nos fichamentos de beats das nossas séries-exemplo (em estudos de
caso), tente determinar se o piloto segue o mesmo motor semana-a-semana dos demais
episódios. (Você deverá estar familiarizado com a série para conseguir fazer isso).
Também deve-se notar que shows pesadamente serializados talvez nem mesmo
tenham uma estrutura semana-a-semana definida. Eles terão sempre dispositivos familiares,
como por exemplo em Game of Thrones, onde alguém parece sempre estar sendo
sequestrado, ou em Mad Men, onde eles estão sempre apresentando algum projeto
publicitário a um cliente. Mas essas coisas nem sempre acontecem. Não existe maneira de
prever quais situações e personagens estarão em foco no início de cada episódio.
Essa é a razão pela qual é difícil vender um show serializado: é difícil que alguém
mais “compreenda” o semana-a-semana (mas nada é fácil de se vender em Hollywood, então
escreva um show que você assistiria).
Onde e como você começa seu piloto são decisões cruciais, considerando que suas
páginas de abertura são sua primeira e única chance de agarrar o leitor. Então pense longa e
duramente sobre como você trará o espectador para o mundo da história.
Talvez você queira valer-se de um dispositivo de recorte, como em True Detective
com as entrevistas de Cohle e Hart em 2012, pontilhadas de flashbacks de 1995 e 2002. As
entrevistas provém o contexto para os saltos, bem como produzem o cenário-chave.
Talvez sua porta de entrada passe por um personagem. Em Scandal, Quinn, a nova
contratada na firma de gerenciamento de crises de Olivia Pope, é o Novato que age como
nosso procurador na hora de sofrer a exposição crucial.
Considere uma cena inicial cheia de energia e apostas altas para realmente fisgar seu
espectador. Nós nunca nos esqueceremos dos teasers de nossas séries favoritas: Rick Grimes
tendo de atirar numa criança zumbi em The Walking Dead, Walter “homem de cueca” White
batendo com seu trailer no meio do deserto. A sequência de desastre aéreo na cena que abre
Lost.
Seja como for que você decida abrir seu piloto, assegure-se de seguir para a história
assim que possível. A única pessoa mais ansiosa do que o espectador é o leitor da indústria.
Eu sei, pois passei anos sendo ambos!
ARCOS DE TEMPORADA
Hoje, séries de grandes emissoras (ABC, CBS, NBC, FOX) exibem mais de vinte
episódios por temporada. Fora delas, as temporadas de séries dramáticas costumam ter entre
10 e 13 episódios, e novos episódios saem todas as semanas até que a temporada acabe,
criando um bloco indiviso de “encontro semanal” com a TV. Se a emissora decidir passar
reprises, ela frequentemente os guardará para maratoná-los antes do início da temporada
seguinte. Se a série é original de um serviço de streaming como a Netflix, então a temporada
inteira está disponível de uma vez só. Gravadores de vídeo e streaming facilitaram a
“maratonagem” e a revisitação, portanto os espectadores estão escrutinando suas séries
favoritas hoje mais do que nunca, cada vez mais enxergando cada temporada como um todo.
Grandes séries vêm com novos cenários e parâmetros para cada temporada que
prolongam brilhantemente o incidente incitante, porém com apostas maiores, contextos
diferentes e ameaças únicas.
Mad Men: Cada temporada exibe Don com uma amante diferente e também uma
nova ameaça à sua identidade secreta. O tempo avança, trazendo consigo novas pressões
sociais e novas mudanças na agência de publicidade.
Lost: Eu estava me cansando de Lost até que eles começaram a usar os
Fast-Forwards na quarta temporada ao mesmo tempo em que os criadores anunciaram que a
sexta temporada seria sua última, o que injetou no show certa dose de urgência.
Friday Night Lights: A terceira temporada mostra o técnico empurrado para fora de
sua zona de conforto em West Side, sendo forçado a aceitar um trabalho em East Side, onde
o programa de futebol tem poucos recursos e um banco de reservas fraco.
O ARCO DA SÉRIE
Os melhores dramas também oferecem um acentuado arco de mudança através da
série. Isso talvez transpareça sob a forma de uma grande pergunta dramática que é lentamente
respondida (O que é a ilha?), ou a demonstração dos passos que levam a um caminho
inevitável (Em Downton Abbey, nós sempre soubemos que aquela era de pompa e
circunstância não iria durar). A relação mais importante de Justified é a do advogado Rylan
Gives e sua perpétua nêmese, Boyd Crowder. Acertadamente, a série termina com os dois
homens conversando através de um vidro, com Boyd vestindo o laranja da prisão.
Em alguns casos, os criadores sabem desde o início como a série vai terminar, em
outros, eles basicamente vão dando um jeito enquanto progridem. Em Breaking Bad, o plano
de Vince Gilligan para Walter White, desde o início era de Professor Pardal à Scarface,
embora Gilligan tenha dito em entrevistas que diversas vezes colocou Heisenberg numa
encruzilhada sem saber como é que iria tirá-lo dali depois. Mad Men começa em 1960 com
Don Draper debatendo-se com a criação de uma campanha para uma companhia de cigarros e
termina com ele criando um dos comerciais mais famosos do mundo, para a Coca-Cola.
Você não é obrigado a ter o arco inteiro da série em sua mente, mas planejá-lo não irá
te prejudicar.