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MELHORES CONTOS

Autora – Lygia Fagundes Telles


Ano de publicação – 2015 – lembrando que os contos foram escritos ao longo de várias décadas, a
coletânea é que é de 2015.
Gênero literário – contos
Escola literária – literatura contemporânea (pós modernismo)
Onde cai – UDESC e UFSC

Biografia - LYGIA FAGUNDES TELLES nasceu em São Paulo e passou a infância no interior do Estado, onde o pai, o
advogado Durval de Azevedo Fagundes, foi promotor público. A mãe, Maria do Rosário (Zazita), era pianista. É formada em
Direito e em Educação Física, pela USP. Ainda na adolescência manifestou-se a paixão, ou melhor, a vocação de LFT para a
literatura incentivada pelos seus maiores amigos, os escritores Carlos Drummond de Andrade e Erico Verissimo. Em 1954
escreveu seu primeiro livro “Ciranda de Pedra”. No mesmo ano, fruto de seu primeiro casamento nasceu o filho Goffredo da
Silva Telles Neto, cineasta, e que lhe deu as duas netas: Margarida e Lúcia, mãe da única bisneta, Marina. Ainda nos anos
1950, saiu o livro Histórias do Desencontro  (1958), que recebeu o Prêmio do Instituto Nacional do Livro.

O segundo romance Verão no Aquário (1963), Prêmio Jabuti, saiu no mesmo ano em que já divorciada casou-se com o crítico
de cinema Paulo Emílio Sales Gomes. Em parceria com ele escreveu o roteiro para cinema Capitu (1967) baseado em Dom
Casmurro, de Machado de Assis. Esse roteiro que foi encomenda de Paulo César Saraceni recebeu o Prêmio Candango,
concedido ao melhor roteiro cinematográfico.

A década de 1970 foi de intensa atividade literária e marca o início da sua consagração na carreira. LFT publicou, então,
alguns de seus livros mais importantes: Antes do Baile Verde  (1970), cujo conto que dá título ao livro recebeu o Primeiro
Prêmio no Concurso Internacional de Escritoras, na França. As Meninas  (1973), romance que recebeu os Prêmios Jabuti,
Coelho Neto da Academia Brasileira de Letras e “Ficção” da Associação Paulista de Críticos de Arte. Seminário dos
Ratos (1977) foi premiado pelo PEN Clube do Brasil. O livro de contos Filhos Pródigos (1978) seria republicado com o título de
um de seus contos A Estrutura da Bolha de Sabão  (1991).

A Disciplina do Amor (1980) recebeu o Prêmio Jabuti e o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte. O romance As
Horas Nuas  (1989) recebeu o Prêmio Pedro Nava de Melhor Livro do Ano.

Os textos curtos e impactantes passaram a se suceder na década de 1990, quando, então, é publicado A Noite Escura e Mais
Eu (1995) e que recebeu o Prêmio Arthur Azevedo da Biblioteca Nacional, o Prêmio Jabuti e o Prêmio APLUB de Literatura.
Os textos do livro Invenção e Memória  (2000) receberam o Prêmio Jabuti, APCA e o "Golfinho de Ouro”.  Durante Aquele
Estranho Chá  (2002), textos que a autora denomina de perdidos e achados antecedeu o seu mais recente livro Conspiração
de Nuvens  (2007), ficção e memória e que foi premiado pela APCA.

A consagração definitiva viria com o Prêmio Camões (2005), maior prêmio literário da língua portuguesa, pelo conjunto de
obra.

Lygia Fagundes Telles conduziu sua trajetória literária trabalhando ainda como Procuradora do Instituto de Previdência do
Estado de São Paulo, cargo que exerceu até a aposentadoria.

O ESTILO DA AUTORA:

Lygia Fagundes Telles já está velhinha, tem 95 anos! Surgiu na mesma época que Clarice Lispector, que teria 98 se estivesse
viva, e Hilda Hilst, que teria 88. Foi influenciada pelas duas. Assim como Clarice e Hilda, Lygia também explorou muito os
aspectos psicológicos dos personagens. Para ela, é muito importante mostrar os sentimentos e pensamentos mais profundos
dos seus personagens. Seus contos falam muito da vida familiar que pode ser um espaço de encantamento e de clausura
(prisão). Lygia se assume como feminista. Mas seus textos não trazem um feminismo panfletário e raso. Lygia mostra o
universo e a visão de mundo feminina com bastante consciência crítica. Nas relações familiares, Lygia mostra a solidão, os
conflitos familiares, relações de amor tempestuosas, sentimentos como o ressentimento, a culpa (caso da personagem que
sabe que precisa cuidar do pai que está em fase terminal mas quer fugir de tudo e ir a um baile).

Algumas vezes a autora sai da realidade e vai para o surreal, para o mágico, caso do conto em que um personagem “entra”
dentro de uma tapeçaria.
A autora fala bastante de personagens burgueses, ricos. Mas também consegue falar da pobreza, como é o caso da
personagem Leontina.

A linguagem da autora é bastante coloquial, busca a oralidade.

Embora seja uma ótima romancista, ela se destacou muito como contista.

Os personagens criados por ela são muito bem construídos. Parecem ser “de carne e osso”. Nesse quesito, a gente até lembra
do Machado de Assis em alguns momentos.

RESUMO:

“Verde Lagarto Amarelo” – Eduardo chega para visitar o irmão, Rodolfo. Traz uvas e também um pacote com uma surpresa
que ele diz que só vai mostrar depois. O narrador do conto é Rodolfo, o irmão mais velho. Mas o Rodolfo tem sérios problemas
com esse irmão. Em pensamento, Rodolfo vai relembrando toda a sua infância e sua história com esse irmão. Eduardo era
bonito, magro, pele bronzeada, loiro e olhos cor de violeta. Eduardo era realmente um cara muito legal e que amava Rodolfo.
(É o Rodolfo mesmo que conta isso). Mas Rodolfo não suporta o irmão. Por quê??? Bem, Laura, a mãe dos meninos, sempre
preferiu Eduardo. Eduardo era o queridinho da mamãe. O colarzinho que Eduardo fez com arame e um caco de vidro, tornou-
se, para Laura, o maior dos tesouros. Quando Laura descobriu que estava morrendo, contou isso para Rodolfo. Mas ninguém
poderia falar nada para Eduardo. Eduardo não poderia sofrer. Rodolfo estava acima do peso: “Comendo de novo, meu filho!”
Além disso, suava demais. Vivia suado. Vivia com as camisas suadas. A mãe olhava pra ele com desânimo. Enquanto isso,
Eduardo parecia que poderia até mesmo rolar no chão... mas não ficaria sujo nunca. Rodolfo se sentia sufocado pela presença
do irmão, mas não tinha coragem de mata-lo. No entanto, um dia torceu que o irmão levasse a pior em uma briga com outro
moleque. Ainda assim, na última hora, ele teve medo de que o irmão morresse. Vai correndo acudi-lo e o ajuda a voltar pra
casa, todo machucado. Rodolfo se sente um lagarto: cabeça de cobra, mas sem ser venenoso. Bicho asqueroso que ninguém
quer por perto. Por isso se esconde na fresta do muro. (Daí o título do conto). Rodolfo é introspectivo e se torna escritor. O
irmão casa e vai ser pai. Convida o irmão para ser padrinho. (Eduardo é mesmo um cara legal que ama o irmão e nem
desconfia que Rodolfo tem tanta mágoa). Rodolfo não fica feliz com a notícia de que vai ser padrinho. Ele é que queria ter
casado e queria ter tido filhos. Agora vai ser tio e padrinho!? Mas ele não diz isso ao irmão. Diz que não acredita em Deus e
que, portanto não seria bom padrinho. Eduardo diz que isso não tem importância, quer ele como padrinho mesmo assim. Era
essa a surpresa do irmão? Não. Rodolfo adivinha – com grande dor – que a surpresa do irmão é essa: Eduardo também
escreveu um livro. O conto termina assim. Por que Rodolfo sofre tanto com o livro do irmão? Ora, a única coisa na qual Rodolfo
tinha sido bem sucedido era na carreira de escritor. Agora o irmão invade também essa área. (Observação minha: narrativa
bem psicológica. Lygia mergulha na mente de Rodolfo. Gente do céu! Esse Rodolfo precisa de anos de terapia!!! Quanta
mágoa, quanto complexo de inferioridade! E o irmão nem sonha isso... Conto genial.).

“Saxofone” - Monólogo interior. Monólogo interior é quando um texto apresenta os pensamentos de um personagem.
Luisiana era rica. Tinha uma casa enorme com piscina, muitos empregados. Bebia demais e estava profundamente infeliz. Um
dia mandou todos os empregados – eram muitos! – embora. Tinha um velho marido milionário que a sustentava, um jovem
amante que a satisfazia e um sujeito inteligente que ensinava filosofia a ela. Esse último ela apelidou de Xenofonte. Transou
com ele já na segunda aula. Ela tem uma casa de campo também. Tudo decorado pelo Renê, decorador cheio de trejeitos que
ao que parece, nem é gay, só finge ser, para melhor compor seu personagem. Renê fez com que ela comprasse tudo do bom
e do melhor para decorar suas casas. É claro que ela sabia que aquela estátua não tinha sido esculpida por Aleijadinho, mas –
que se dane – comprou mesmo assim. Ela tem um diamante do tamanho do ovo de um pombo. Mesmo assim, sentia frio
naquela casa enorme e tudo o que queria era ouvir mais uma vez o som do saxofone tocado pelo grande amor da sua vida.
Conheceram-se quando ambos eram jovens, num casamento. O som do saxofone era algo mágico. “Se você me ama de
verdade, suba naquela duna e toque o saxofone nu, bem alto, até a polícia chegar.” Ele fez. “Se você me ama mesmo, suba na
mesa deste bar e chame todos de cornos.” Ele fazia, saia correndo com ela, ambos riam. “Se você me ama mesmo, me
compre isso, me compre aquilo...você não tem ambição?” Sufocada por aquele amor tão grande ela quer terminar mas não
consegue. Então ela começa a sabotar a relação para que ela termine. Arranja um amante rico. Ele está infeliz e toca o
saxofone baixinho, no canto do quarto. “Se você me ama mesmo, eu quero que você saia agora daqui e se mate.” (O conto
termina com essa frase. Mas, pelo que deu para entender, ele realmente fez o que ela pediu e é isso que a aterroriza. Ela é
riquíssima e infeliz. Bêbada, bateu na casa do advogado e exigiu que o nome “Luisiana”, que foi o nome que o saxofonista deu
a ela, fosse um dia colocado no túmulo dela. O advogado, acordado de madrugada, riu, mas por dentro deve ter pensado,
segundo Luisiana: Deixa...puta velha e rica pode fazer a exigência que quiser.)

“Antes do baile verde” – O pai de Tatisa está em casa, mas está em estado terminal e pode vir a falecer a qualquer
momento. O estado realmente é gravíssimo, questão de pouco tempo. É carnaval e Tatisa gostaria de ir ao “Baile Verde”. Ela
quer muito ir ao baile. (A tensão é grande demais naquela casa. Ela não quer ficar cuidando do pai.) Ela realmente quer ir
muito ao baile. Quer esquecer aquela casa de clima tão pesado. Quer se divertir. Mas ela deveria cuidar do pai. Ela pede que a
empregada, a Lu, fique com o pai dela. A Lu diz que não vai ficar de jeito nenhum. Não perde o Baile Verde por nada nessa
vida. O namorado de Lu também vai, ela está se arrumando, não quer se atrasar. Tatisa pede – por favor – que Lu fique. Lu diz
que desta vez não vai dar. Tatisa diz: “Aquele médico miserável. Tudo culpa daquela bicha. Eu bem disse que não podia ficar
com ele aqui em casa, eu disse que não sei tratar de doente, não tenho jeito, não posso! Se você fosse boazinha, você me
ajudava, mas você não passa de uma egoísta, uma chata que não quer saber de nada. Sua egoísta.” As duas não querem
entrar no quarto pois têm medo que o velho tenha morrido e assim, o funeral vai atrapalhar o baile. Lu sai correndo para o
baile. Tatisa sai correndo atrás. Também vai ao baile. (Comentário meu: como assim ela vai ao baile??? Não é o que se
espera de uma filha. Mas o fardo é pesado demais, ela não suporta, ela quer ir ao baile. A escolha dela é bem imprevisível e
irresponsável. No fim do conto, duas lantejoulas escapam da fantasia da Tatisa e rolam escada abaixo...Parece que nem as
lantejoulas querem ficar naquela casa. Tensão bem grande entre o dever e a vontade de sair correndo e fugir pra a diversão).

“Eu era mudo e só” – Monólogo interior. Fernanda, a esposa perfeita, senta na poltrona, na sala e começa a ler um livro. O
marido, Manuel, já estava sentado. Ele comenta que ela - a esposa – é tão linda que parece um cartão postal. Ele diz que
tinha o hábito de colecionar postais quando era criança. A mente de Manuel viaja para o passado. Ele lembra do amigo Jacó,
que um dia antes do casamento de Manuel lhe disse algumas coisas. Ou as esposas nos afastam dos amigos, ou se tornam
como nossos amigos. Aí tendem a falar palavrão, querem beber e não sabem beber... Ou ficam tão amigas dos nossos amigos
que acabam nos traindo com algum deles. De todo jeito, casar é uma droga. Mas Manuel amava Fernanda. Ela antecipava
todas as suas vontades. Se franzisse a testa, ela já traria um comprimido antes que ele dissesse que estava com dor de
cabeça. O casamento era aparentemente perfeito. Ela era perfeita. Tinham uma casa rica e perfeita. Parecia um cartão postal.
Tinham uma filha perfeita. Gisela falava inglês e era uma burguesinha fútil como a mãe: “Papai, não me busque mais na escola
com o jipe.” Já vivia de aparências como a mãe. Ele queria mesmo que a esposa perfeita morresse. Aí poderia chorar
desesperado e assim seria livre. Mas ela, como boa esposa, provavelmente morreria depois, para não fazê-lo sofrer. Mas e se
ele agora, nesse momento, começasse a chorar, antes das primeiras lágrimas ela já teria trazido um copo de água para ele.
Que esposa perfeita! E que monstro eu sou! O sogro, no noivado, disse que ele deveria abandonar a carreira de jornalista e ser
sócio dele na firma de máquinas agrícolas. Ele protestou! Não gostava de máquinas! Mas já estava enredado por aquela
família. Teve vontade de fugir de navio pro outro lado do mundo. A esposa pediu que ele fechasse a janela, pois estava frio.
Ele fechou a janela. Olhou as estrelas, distantes demais.

“As pérolas” – Tomás estava sentado na sala, na poltrona. Ao que tudo indica, ele tem uma doença incurável, não há nada a
fazer. No entanto, não está com febre nesse momento. Está bem. Ele e a esposa Lavínia se amam. Ela tem uma festa para ir.
Coisa chata, ela garante que vai por obrigação e rapidinho estará de volta. “Você está bem mesmo?” Ele diz que tudo bem.
Monólogo interior: Tomás vai refletindo e chega à conclusão de que Roberto também estará na festa. Roberto também gostava
de Fernanda. Mas Tomás é quem tinha casado com ela. No dia do casamento, Roberto cumprimentou Tomás e deu os
parabéns. Mas Tomás achou que aquele parabéns tinha algo de “por enquanto você ganhou, mas a batalha não está no fim,
meu amigo.” E agora ele estava morrendo. Tomás começa a “pirar” imaginando a chegada de Lavínia na festa, e o encontro
inevitável dela com Roberto. Roberto perguntaria por Tomás. Roberta daria algumas informações. Roberto ficaria com aquela
cara de tacho (sabe qual é, né? Quando sabemos de alguém que está em fase terminal...). Então Tomás fica com muita raiva.
Será que esse desgraçado não pode me respeitar? Eu nem morri ainda!!!! Lavínia está pronta para ir. Está usando um vestido
preto. Ele pensa em pedir que ela não vá. Que ela fique em casa com ele. O vestido preto fica perfeito com o colar de pérolas.
Tomás, tomado de egoísmo, esconde o colar de pérolas. Quase como se dissesse: você vai ver o Roberto, mas não vai toda
linda de colar de pérolas, não! Lavínia procura seu colar. Por fim, com dor no coração, Tomás entrega o colar para Lavínia.
(Pensa num conto foda! Eu acho muito forte. Não é a toa que a Lygia é uma das nossas maiores escritoras da atualidade. Essa
entrega do colar é quase como se ele dissesse: vai, você merece ser feliz). Importante: a Lavínia não está saindo para
encontrar o Roberto, ok? Ela vai a uma festa e quer rapidinho voltar para casa. Tudo o mais, é “pira” do Tomás, coitado, que já
antecipa o futuro, que na real, nem sabemos que será assim.

“Herbarium” – Uma adolescente mora no interior. Um primo chega para passar uns tempos na casa dela. Ele está doente,
abatido, suas mãos tremem. Mas ninguém quer dizer qual doença ele tem. Só dizem que o ar do interior vai fazer bem a ele.
(Eu fiquei com impressão de que é tuberculose, já que as tias parecem não ter coragem de abrir o jogo sobre a doença. Mas
não há nenhuma pista concreta). A garota se apaixona pelo primo. O primo adora botânica e tem um “Herbarium”, uma coleção
de folhas, numa pasta. Ele diz que está fraco e não pode coletar folhas, mas pergunta se a garota gostaria de ser sua
assistente. Ela diz que sim. Passa então a se arriscar na floresta atrás de folhas raras. Não se importa em colocar a mão perto
de buracos (tatu ou cobra?). Conversa vai, conversa vem, ele diz que detesta mentiras. Mentiras são como essas folhas que
no outono caem, deixando a árvore nua. Mas a garota pensa que seria interessante cobrir-se de mentiras para que assim ela
parecesse mais interessante aos olhos do primo. Ela acha que é tão sem graça... A mãe da menina se espanta! A menina
parou de roer unhas! (Na real, quer ter mãos bonitas, coisa pra a qual nunca deu a mínima). Ela abre todas as barras dos
vestidos para alonga-los. Por quê? Para que o primo não veja suas perninhas finas e cheias de picadas de mosquitos. A tia
Clotilde lê cartas. Parece bruxa. Para ela a menina não mente. Pois tia Clotilde diz que uma moça bonita virá buscar o primo,
uma moça de cabelos acobreados. Pois não é que uma moça assim – namorada dele, ao que parece – vem realmente busca-
lo?!. A menina tinha achado uma folha diferentona na floresta. Triste e abatida com a partida do primo, ela esconde a folha.
Mas o primo percebe que ela está escondendo algo. Ela entrega a folha. (A folha é uma metáfora para o amor que ela sente
pelo primo. Ela tenta esconder, não quer entregar...). Conto bonito, fala sobre o primeiro amor, esse amor meio atrapalhado e
sofrido da adolescência.

“Pomba enamorada ou Uma história de amor” – Alzira conheceu Antenor quando foi coroada a Princesa do Baile do Clube
São Paulo Chique. Dançou com ele e se apaixonou. Ele saiu do baile atracado com uma morena. Mas ela descobriu onde ele
trabalhava e foi lá no outro dia, convidou para um cinema. O rapaz disse: “Porra, ninguém sabe meu telefone, como você
conseguiu? Além disso, estou cheio de serviço!” Ela era cabeleireira. Do salão, ligava de vez em quando, só pra ouvir a voz
dele. Roni, amigo dela, pegou o telefone e falou por ela. Ele foi bem grosso. Falou pra ela não ligar mais porque o chefe estava
puto com ele por causa dos telefonemas. Ela mandou quatorze cartas, sempre assinadas com o codinome “Pomba
Enamorada”. Ele queria que ela sumisse da vida dele. Mas ela não sumiu. Continuou perseguindo. Quando ela teve a notícia
de que ele iria casar com outra, desmaiou. Depois comprou um presente de casamento, mandou entregar, foi pra casa e tomou
soda cáustica, quase morreu. Sobreviveu. Mandou cartinha dizendo que tinha se arrependido da tentativa de suicídio e que
tinha tirado ele da cabeça. Ele, bem fofo: “Melhor que tivesse morrido!” No fim, ela casou com o Gilvan que tinha sido muito
legal com ela na época em que ela esteve internada. Quando Antenor foi pai de gêmeas, ela mandou cartinha, parabenizando.
Ele foi morar em outra cidade. O tempo passou e ela virou avó! Um dia a cartomante disse que um homem viria do interior num
ônibus amarelo e vermelho. O nome dele começava com A. Ela acreditava em horóscopo e o horóscopo estava favorável.
Deixou a netinha com a comadre, colocou o vestido bonito que tinha usado nas bodas de prata e foi pra rodoviária. (Meu
comentário: mulher apaixonada é bicho burro!!!! ☺Não dá pra saber se o Antenor veio mesmo naquele ônibus. Eu acho que
não porque não acredito em cartomante e horóscopo. O que você acha?).

“O seminário dos ratos” - Numa casa de campo está acontecendo o VII Seminário dos Roedores. O país está infestado de
ratos e o Seminário procura achar uma solução para o problema. Pela conversa entre o Chefe de Relações Públicas e o
Secretário do Bem Estar Público e Privado, podemos perceber que a população está indignada. Desde o Primeiro Seminário
dos Roedores, a população de ratos só aumentou sete mil vezes! Além disso, com tantos prédios públicos que poderiam ser
usados para a reunião, os governantes decidiram gastar uma fortuna para reformar um casarão no campo especialmente para
o Seminário. Representantes dos Estados Unidos estão presentes. Eles elogiaram muito as lagostas, a água de coco e a
piscina. Tudo do bom e do melhor. Enquanto isso, jornais de esquerda criticam o Seminário. O Secretário diz que no Egito
Antigo eles resolveram o problema dos ratos com a criação de gatos. Se cada família tivesse uns dois gatos famintos, o
problema seria resolvido. O Chefe de Relações Públicas diz que isso não é possível, pois a população faminta há tempos já
comeu todos os gatos. O Secretário do Bem estar Público e Privado escuta um ruído insistente. O Chefe das Relações
Públicas diz que não ouviu nada. Mas é como um barulho subterrâneo... Logo entra o cozinheiro, em pânico! Uma multidão de
ratos havia invadido a cozinha e devorado tudo. Não sobrou nem uma cebola. Os funcionários todos fugiram apavorados e o
cozinheiro diz que também vai fugir. O Secretário pede que ele prepare um jantar com o que sobrou nas latas pois o importante
é manter as aparências diante dos americanos. O cozinheiro diz que vai embora, não fica nem que o matem. O Secretário vai
até a cozinha. Outra invasão de ratos. Os ratos haviam comido todos os cabos dos carros, a fiação elétrica, as cortinas, tudo!
O Secretário só sobreviveu porque se escondeu na geladeira. Depois, longe da casa, viu que os ratos estavam reunidos no
salão de reuniões, e as luzes estavam todas acesas. (A história é surreal, mas deu para notar claramente a denúncia social e a
crítica à elite insensível que se diverte com piscina e lagosta enquanto o povo passa fome.)

“A confissão de Leontina” – Leontina está na prisão, acusada de matar um velho rico. Leontina conta a sua história. Não
conheceu o pai e morava em uma cidadezinha do interior com a mãe, a irmã Luzia e o primo Pedro. A mãe de Pedro havia
morrido e a mãe de Leontina tinha prometido cuidar dele melhor do que cuidava de Luzia. Prometeu isso no leito de morte da
irmã. Um dia o Pedro estava brincando de cavalinho com a Luzia mas não sabia que ela era pequena demais para se segurar.
Ela caiu, bateu a cabeça no pé da mesa e desde aquele dia ficou com sequelas. Nunca aprendeu a falar e passava o tempo
todo remexendo a terra à procura de minhocas. A família era muito pobre e a casinha deles estava caindo aos pedaços. A mãe
era muito batalhadora, era lavadeira, ganhava a vida lavando a roupa de gente rica. Leontina, ainda criança, cozinhava e
cuidava da irmã. A irmã fazia tudo nas calças, Leontina tinha que limpar. Pedro não ajudava nada. Dizia que ia ser doutor.
Vinha da escola e ia direto para o mato estudar mais um pouco com seus livros. Ganhava o peito enquanto Leontina ganhava o
pescoço da galinha. Mas um dia ele seria doutor e sustentaria todas elas. Mas a cachorrinha Tita morreu, a mãe morreu e a
pobre da Luzia, procurando minhocas na beira do rio, caiu no rio e morreu afogada. No mesmo dia em que Luzia morreu,
Pedro se formou (parece ser ensino médio). Consegue um emprego na cidade. Vende a casinha e todas as coisas da família e
manda Leontina pra viver na casa de dona Gertrudes, para ser empregada doméstica lá. Trabalhava só pela comida e roupas,
não recebia salário. Pedro disse que viria buscar ela quando fosse médico. O período em que morou com dona Gertrudes foi
um inferno. Gertrudes acabou indo para a cidade e tornou-se dançarina de salão de quinta categoria. Foi só o que conseguiu
fazer, sendo analfabeta. Achava que quando Pedro estivesse formado ele pagaria então, finalmente, os estudos de Leontina.
Leontina fugiu da casa de Dona Gertrudes tempos depois. Pegou um trem e foi para São Paulo. Ela era bonita, loira de cabelos
cacheados. Chegou na cidade e acabou se envolvendo com um marinheiro chamado Rogério. Ele nunca prometeu nada.
Disse que não era homem de se amarrar. Mas aquela foi uma época feliz. Moraram juntos em uma pensãozinha. Ele a ensinou
a tomar banho, usar sabonete, fazer as unhas. Iam dançar e iam ao cinema. Ele prometeu que um dia a levaria para conhecer
o mar, mas acabou nunca levando. Um dia ela perguntou porque é que eles não casavam de uma vez e formavam uma
família. Naquela madrugada ele foi embora. Deixou um bilhete, a pensão paga por mais um mês, uma pulseira de lembrança e
algum dinheiro. Mas disse que não podia se amarrar. Foi embora de navio. Tempos depois Leontina conheceu Rubi e virou
dançarina. No salão, tinha esperança de encontrar um cara legal que a pedisse em casamento. Seu Armando – dono do salão
– e Rubi, diziam para ela tirar o cavalinho da chuva porque lá só apareciam desclassificados. Rubi ia além e dizia que tinham
sorte de não serem assassinadas por um drogado, isso sim. Um dia Leontina foi visitar uma amiga no hospital. Encontrou o
Pedro, já médico. Mas Pedro estava acompanhado de outra médica e fingiu que nem viu a Leontina. Saiu correndo como se
tivesse visto o diabo. Mais tarde, Pedro falou com a amiga de Leontina. Disse que se um dia Pedro precisasse de médico,
podia procurar ele no consultório, mas nunca ali no hospital na frente de todo mundo. Rubi, a amiga, gritou com ele e disse que
ele era um escroto, ingrato e sujo. Depois, picou em pedacinhos o cartão do médico e jogou os pedaços na cara dele. Mas
Leontina teria gostado de ver Pedro no consultório. Apesar de tudo, ele era sua única famíia.

Agora Leontina estava presa. Seu Armando foi visitar ela na cadeia e perguntou se Pedro não poderia ajudar a tirar a prima
daquela enrascada. Precisava de um bom advogado. Leontina disse que duas vezes Pedro já fingiu que nem a conhecia: no
teatrinho da escola, quando eram crianças, e no hospital. Seu Armando disse que Pedro negou a Cristo três vezes. Então,
pode ser que o Pedro ainda fosse negar a Leontina mais uma vez.

Como ela matou o velho? Um dia ela estava olhando uma vitrine e viu um vestido muito lindo. Um velho chegou por trás e
perguntou se ela queria aquele vestido. Comprou o vestido para ela. Ela lembrou, na última hora, que tinha esquecido o vestido
dela no trocador. Ele disse: “Você não vai fugir assim”. Ele a levou de carro – um carro muito chique – para bem longe dali e
tentou violenta-la. Ela tentou fugir, mas ele disse que o vestido ficava. Como ela poderia sair do carro nua? Ele começou a
agredir a garota violentamente. Ela achou um pedaço de metal no carro e bateu nele com força. Matou o velho. Mas achou que
não tinha matado. Saiu do carro. Andou à pé de volta para a cidade. “Meu Deus, eu matei o velho! Não, não matei, ele só
desmaiou, ele deve estar por aí saracoteando.” Então ela teve a ideia besta de voltar na loja e pedir de volta seu vestido
branco que tinha ficado no provador. A vendedora a reconheceu. O velho era dono de jornais. A notícia do crime estava por
todo lado. Diziam que ela tinha matado velho por dinheiro. Assim ela foi presa. O advogado disse que ela iria pegar no mínimo
uns quinze anos. (Comentário: coitada da Leontina!!! Ela aprendeu a não ter ambição alguma na vida. Foi jogada de um lado
para o outro e parece que estava sempre na hora errada, com as pessoas erradas. Aprendeu com Rogério que ninguém não
está nem aí para os nossos problemas porque todos tem os seus próprios problemas. Então ela repetia: “Tudo bem, não tem
problema.” Mesmo quando havia, sim, muitos problemas).

“Missa do Galo” - O conto Missa do Galo, de Lygia Fagundes Telles, é, como já diz o próprio título, uma variação do conto de
Machado de Assis. Mas Lygia, como é do feitio de sua obra, entra mais fundo na história, revelando tensões, desconfortos e
situações que no texto de Machado aparecem apenas como nuances. No conto original, que se passa em 1861, um menino de
17 anos, abrigado na casa do marido de uma tia falecida, está prestes a retornar para o interior, mas decide ficar na cidade
mais um pouco para assistir à Missa do Galo longe da “roça”, por acreditar que ali haverá mais pompa e gente para ser vista.
Enquanto espera o relógio se aproximar da meia-noite, fica na casa, lendo Os Três Mosqueteiros distraidamente. A casa é todo
silêncio, já que o dono da casa, Meneses, foi ao “teatro”, o que o rapaz logo descobre significar um encontro com sua amante.
A esposa, Conceição, e sua mãe também já foram para seus quartos, e a monotonia da noite só é quebrada pela
surpreendente aparição de Conceição, em trajes de dormir. Essa conversa curta e inesperada, na qual a mulher se revela mais
bonita e interessante do que no dia a dia, ficará gravada na memória do jovem, que narra o conto. Muito tempo depois, o
narrador, ainda tem a dúvida: estaria a doce Conceição – que ele mesmo diz que é uma santa – com segundas intenções para
com o rapaz? Ela sabia das traições do marido. Estaria ela pensando em se vingar? Ele não sabe. Estava lendo um livro
romântico naquele momento e acha que pode ter imaginado um clima de sedução. Lygia Fagundes Telles reconta a história e
dá mais detalhes. Ela conta que a mãe de Conceição até aceita que o genro tenha amantes, afinal, ele é um homem e os
homens são todos iguais. Mas ela acha um absurdo que ele tenha ido para a casa da morena na noite de natal. Lygia também
fala do marido. As bolachinhas de natal que a amante faz são bem melhores que as da esposa, reflete...

Mas Lygia também deixa a dúvida no ar. O rapaz não tem certeza das intenções de Conceição. Quando a gente vê, deu meia
noite, o amigo bate na janela e chama o rapaz para irem a missa. Para dar substância a esse episódio aparentemente fortuito,
Lygia Fagundes Telles muda o narrador, que agora apenas observa a conversa. “Continuam conversando como se ainda
tivessem todo o tempo do mundo. Será que não sabem que logo será meia noite e então nunca mais?” (Comentário: visão
feminina do conto de Machado de Assis. Muito interessante porque traz nuances que não aparecem no conto Machadiano.
Seria bom ler o conto original e comparar com a leitura desse, se você tiver tempo).

“A estrutura da bolha de sabão” - Neste conto, que dá título à obra, Lygia cria um narrador em primeira pessoa: uma mulher
que encontra o ex-marido com a atual esposa num bar. Sente ciúme. Mas a nova esposa também sente ciúmes. Vai ficando
com “dor de cabeça” e pede para ir embora. Ele é físico e estuda a estrutura da bolha de sabão (sólida / líquida / gasosa):
híbrida. Ele, ela percebe aos poucos, está com uma doença terminal. Ela pensa na própria infância, revê sua vida em labirinto:
“No escuro eu sentia essa paixão contornando sutilíssima meu corpo”. Lygia é dona de uma sintaxe especial, particular. Pratica
o intimismo com maestria. Ela compara o amor com uma bolha de sabão: “Amor de transparência e lembranças condenado à
ruptura”.

Em relação à outra mulher, a narradora mostra-se superior: “Como ele podia amar uma mulher assim?”. Ela fica preocupada
com a doença do ex marido e decide ir visita-lo agora que teve alta. É recebida pela fulana que agora ocupa o “seu” lugar.
Quando a “outra” sai, ela se aproxima do homem que já foi seu. Ela não tem nome no conto. Ela flui. Ele usa um roupão verde,
mãos “branquíssimas”, está quase lívido. Ela começa a sentir uma falta e não sabia do que era. Descobre: “Ô! Deus – agora eu
sabia que ele ia morrer”.

“A caçada” - Existem duas personagens, uma velha, provavelmente a dona da loja, ou então uma funcionária, há muito tempo
no estabelecimento, e um homem, que vai ao estabelecimento atraído por uma tapeçaria antiga, com a representação de uma
caçada. As personagens não têm nome e o narrador não faz descrições sobre seus aspectos físicos para caracterizá-las.

O tempo da história abrange um período de dois dias. No primeiro dia, o homem vai à loja de antiguidades. O diálogo entre as
personagens é apresentado pelo narrador. Parece que o homem já foi outras vezes para a loja porque a velha diz: “Parece que
o senhor se interessou mesmo por essa tapeçaria...” O homem diz que aparentemente a tapeçaria está mais nítida. Pergunta
se a mulher passou alguma coisa nela. A mulher diz que não. Segundo ela, é uma tapeçaria tão velha que daqui a pouco vai
cair de podre da parede. Provavelmente é o pó que a sustenta ainda. A tapeçaria antiga mostra a cena de uma caçada. Um
bosque, dois caçadores escondidos, um deles está mais visível. A caça está ali também e o caçador está prestes a disparar a
seta.

– Foi um desconhecido que trouxe, precisava muito de dinheiro. Eu disse que o pano estava por demais estragado, que era
difícil encontrar um comprador, mas ele insistiu tanto... Preguei aí na parede e aí ficou. Mas já faz anos isso. E o tal moço
nunca mais me apareceu.

O homem está fascinado pela tapeçaria. Sente que já viu aquela cena antes. Vai pra casa, tem insônia. Volta na manhã
seguinte, obcecado.

“Conhecia esse bosque, esse caçador, esse céu – conhecia tudo tão bem, mas tão bem!”

“Mas se detesto caçadas! Por que tenho que estar aí dentro?”


O homem continua tentando encontrar a explicação para os sentimentos que a visão da tapeçaria desencadeiam nele. Afirma
para si mesmo, e, consequentemente, para o leitor, que “a caçada não passava de uma ficção”. ‘Mas não estou louco.’ .

Chega-se, então, ao clímax da narrativa. Ele aparentemente entra na tapeçaria, entra na cena! Sente o cheiro da floresta,
sente os sapatos sujos de lama e sabe que precisa correr, pois não sabe se é o caçador ou a caça!!! “Era o caçador? Ou a
caça? Não importava, não importava, sabia apenas que tinha que prosseguir correndo sem parar por entre as árvores,
caçando ou sendo caçado. Ou sendo caçado?...” Então ele sente a dor da seta. Morre dentro da loja de antiguidades.
(Comentário: li esse conto no meu livro didático do nono ano e não entendi nada na época. É que o conto é surreal mesmo.
Surreal e claustrofóbico. Louco, né?)

“As formigas” – Duas primas passam no vestibular. Uma vai estudar Direito e a outra, Medicina. Mas como a grana é curta,
optam por uma pensão bem sinistra. A dona é uma senhora gorda com “a peruca com os cabelos mais pretos do que a asa da
graúna”. Ela tem um gato. As meninas vão dormir no quartinho do sótão. Tem duas camas de solteiro, dois armários para
roupas, uma cadeira e um banheiro. Há outra coisa no quarto... A senhora acha interessante que uma das garotas estuda
medicina. Ela diz que o ocupante anterior do quarto também estudava medicina. Tinha deixado um caixote no quarto. Dentro
tinha uma ossada. Foram ver. Era de criança? Não, era de anão. A garota que estuda medicina concorda, era mesmo a
ossada de um anão, coisa rara. Os ossos estavam limpíssimos. Ela se empolga e pensa em montar o esqueleto. Mas durante
a noite, a prima que estuda direito tem um pesadelo. Sonha que o anão está no quarto. De manhã elas notam uma trilha de
formigas que vai direto para o caixote. Mas não há mais nada nos ossos para elas comerem! Elas matam as formigas. Na noite
seguinte as formigas mortas sumiram como se alguém houvesse varrido elas. Nenhuma das duas varreu. O mais louco é
quando elas descobrem o que as formigas estão fazendo: elas estão montando o anão!!!!!!!!! Em uma noite elas colocaram o
crânio sobre as omoplatas. Na segunda noite elas montaram a coluna, na terceira noite terminaram quase tudo. A prima que
estuda medicina está apavorada. Arrumou as coisas, acordou a garota que faz Direito, contou tudo para ela e saíram correndo
da casa, carregando as malas. “Vamos! Precisamos ir antes que elas terminem de montar o anão!” (Comentário meu: surreal,
novamente. Lendo, é até assustador). Ah, sim, a narradora é a menina que faz Direito.

“Noturno Amarelo” - Laurinha viaja de carro junto ao amado Fernando. O carro fica sem gasolina no meio do nada. Enquanto
espera Fernando providenciar o combustível, não sem antes aludir que a relação amorosa não vai nada bem, chega até ela o
cheiro estonteante da flor Dama-da-noite. Instintivamente segue o perfume e se vê no antigo cenário familiar de uma casa alta
e branca fora do tempo, mas dentro do jardim. Luzes se acendem nas janelas. A sempre boa, Ifigênia, anos na cozinha da
família, vem receber festivamente a narradora. Lá dentro estão todos e principalmente aqueles que ela precisava encontrar: -
Que feio, Laura! A Chapeuzinho Vermelho atravessou um bosque cheio de lobos só pra levar o bolo pra Avozinha que estava
com resfriado, não era um resfriado? (...) – Não veio buscar Ifigênia que queria cumprir promessa, não trouxe meu espelho,
roubou a torre do Avô, roubou o noivo de Eduarda e não visitou a avó.

Assim, não se sabe por quanto tempo, esteve entre todos desculpando-se ou ao menos podendo conversar sobre suas culpas.

O título do conto fica por conta de sua avó que ao piano mostra uma composição de sua autoria: Noturno amarelo, para a neta
visitante, que vê sua irmã caçula, Ducha dançar ao som da música.

De repente, rápido ou lento, Laura não sabe precisar, confunde-se na lembrança e só recorda-se que todos começam a ficar
distantes saindo porta fora. Bastante emocionada, Laura consegue sair também e ao dar volta pela casa certifica-se do que
suspeitava: nada havia ali atrás daquela porta, apenas um campo. Em seguida reencontra Fernando que nem percebera que
ela tinha saído ou não do carro. Ou não terá saído?

“A presença” - O velho, o idoso e o desgastado versus o novo, o jovem, a vitalidade em pessoa. Em "A presença", um
narrador oculto, em 3ª pessoa, conta-nos com certo mistério o conflito de faixas etárias distintas quando um moço de 25 anos
hospeda-se num hotel ocupado por pessoas idosas, burguesas e acabadas para o mundo lá fora. O porteiro, igualmente velho,
à medida que faz o registro do novo hóspede, tenta de todas as formas também dissuadi-lo de não permanecer naquele lugar
mofado e sem atrativos para um jovem. O rapaz entende e continua firme no propósito de ali se hospedar. O velho tenta
novamente descrevendo o mal que a juventude do moço poderá causar aos velhinhos decadentes com seus feridos orgulhos
já que muitos ali eram artistas. Fala de uma ex-atriz que mal sai do quarto. Diz também que os espelhos grandes que
antigamente pipocavam pelo hotel, foram removidos Era evidente o alívio dos hóspedes livres daquelas testemunhas geladas,
captando-os em todos os ângulos.

Diz que antigamente aquele hotel fora agitado com inúmeras famílias passando o verão ali na bonita piscina. Danças até de
madrugada. Jogos. Competições... o hotel dispunha de ótimos cavalos. Charretes. Mas aos poucos os hóspedes mais velhos
foram dominando, à medida que os mais jovens começaram a rarear, não sabia explicar o motivo.

Ressalta que se lá fora não há espaço para eles, naquele hotel eles conquistaram esse direito. Formavam uma verdadeira
comunidade uniram-se, e a antiga fragilidade, tão agredida além daqueles portões, foi se transformando numa força. Num
sistema. E eram seres obstinados, se não eram felizes, pelo menos conseguiram isso, a segurança.

O jovem não considera a advertência dada pelo porteiro e instala-se no segundo andar. Antes do jantar exercita-se na piscina
exibindo seu corpo jovem e observando as cabeças alvas que o espiam das janelas.

No jantar comeu com apetite de ‘jovem’ e aplaudiu muito os três velhos músicos que tocaram antigas peças que alguns
hóspedes (poucos desceram para o jantar) ouviram imperturbáveis. Achou um certo amargor na goiabada com queijo.
Ao se deitar, depois de ter tomado o chá servido às vinte e uma horas, ele já não se sentia bem.

“A mão no ombro” - Como anuncia o título, o conto "A mão no ombro" expressa a anunciação da morte de um homem de
quase cinquenta anos, pelo toque de uma mão no ombro através de uma sonho. O conto constrói-se em torno dessa narrativa
onírica do protagonista, oriunda da necessidade de refletir sobre sua vida antes de enfrentar a iminência da morte, abordando
a passagem temporal.

A narrativa divide-se em três blocos, separados através de um espaçamento físico de três linhas. No primeiro bloco, destaca-
se o sonho no qual ele se encontra em um jardim causador de uma série de estranhamentos, em uma dada situação temporal.
O espaço/cenário dessa primeira parte é o jardim. No segundo bloco, em outra situação temporal, a personagem aparece em
estado de vigília, cumprindo com sua rotina matinal. O espaço/cenário dessa segunda parte é o interior da casa: quarto,
banheiro e sala de jantar. No terceiro bloco, fundem-se os planos espaciais e temporais na experiência da morte. O
espaço/cenário dessa última parte do relato é o interior do carro da personagem.

No primeiro bloco, a personagem passeia nesse irreconhecível jardim de plantas sem vida, com aquele céu verde com a lua de
cera coroada por um fino galho de árvore, as folhas se desenhando nas minúcias sobre o fundo opaco, que parecem artificiais,
cujo céu verde-cinza é de fosca luminosidade. Esses elementos formam uma ambientação na qual ela pressente uma força
inusitada, prenunciadora de algum acontecimento. Buscando uma orientação temporal, o protagonista se detém a observar
indícios das estações - o tempo cíclico. Não há vida no jardim, não se consegue identificar nenhuma das estações: eram
as folhas cor de brasa, mas não era outono. Nem primavera [...] Não era verão. Nem inverno.... Porém não os encontra: sente,
sim, situar-se em um jardim fora do tempo, mas dentro do [seu] tempo, pensou. Esta afirmação denota um tempo interno
contrário ao fluxo e refluxo da vida, ao ritmo, ao ir e vir da natureza, como o nascimento, a morte e o renascimento.

O tempo não se ajusta a nenhum padrão a que esteja habituado. Evoca o agasalho (um sobretudo), trazido pela associação
com a fria viscosidade das pedras. Além de indicar a idéia de proteção, o agasalho comporta outras possibilidades: pode ser
tanto um símbolo utilizado para impressionar os outros quanto uma proteção para ocultar-se dos outros, numa alusão à idéia
de persona. Um casaco é, muitas vezes, símbolo de abrigo protetor ou de máscara que o indivíduo apresenta ao mundo. Tem
dois propósitos: primeiro, dar determinada impressão aos outros; segundo, ocultar o íntimo do indivíduo da curiosidade alheia.

A sensação de estranhamento experimentada pela personagem remete ao desconhecido que, associado à perspectiva
atemporal e a seu mundo interno, reflete o onírico.

Conto em terceira pessoa que começa com a narração de um sonho que o protagonista tem, todo recheado de idéias ligadas a
morte: Cristo crucificado, trapezista acidentado. No jardim em que o personagem principal se vê, sente que alguém vem por
trás tocar-lhe o ombro. Assustado, pois intuí que se trata da morte, acorda imediatamente. A partir de então, resolve começar o
seu dia de forma diferente, como se estivesse diante dos seus últimos momentos. Vive o seu momento, dando especial
atenção a tudo o que se refere ao simples, mas importante ato de viver. Estava, de uma certa forma, preparando-se para a
morte. No instante em que prepara o carro para sair, vê-se fantasticamente no mesmo jardim do sonho. Já não tem mais medo
da mão que vai tocar seu ombro.

No conto "A mão no ombro", a escritora ironiza os valores burgueses, o sistema da família de aparências que vive mais para o
social.

A personagem sentia e sabia com muita força que alguma coisa ia acontecer, o quê?! Sentiu o coração disparar. A premonição
aparece com mais intensidade. Este também é o primeiro indício do enfarte final. Prosseguindo o caminhar pelo local, o
homem se depara com uma estátua: aquilo não era uma estátua? Aproximou-se da mocinha de mármore arregaçando
graciosamente o vestido para não molhar nem a saia nem os pés descalços, que examina minuciosamente: trata-se de uma
jovem dentro de um tanque seco – com pedras ao redor - com uma estria negra – cicatriz que vai da cabeça ao meio dos seios
e lhe decepa metade do nariz. Observa a cabeça encaracolada, os anéis se despencando na nuca, imagem que desperta
ternura e vontade de acariciar. Faz um gesto para se relacionar com a estátua, propondo-se até mesmo a ajudá-la. Todavia,
assusta-se à vista de um inseto desconhecido e cheio de penugens que sai inopinadamente da orelha da estátua.

É bem visível a representação de contrastes através das características paradoxais do próprio jardim e da estátua, já que o
jardim não é paradisíaco e a estátua, embora jovem, está deteriorada. O valor simbólico da estátua reveste-se de duplicidade
por tratar-se da estátua de uma jovem, porém com características velhas, no sentido de estar carcomida, corroída, tendo
estado sujeita a intempéries. Também os pés, a par dos sinais de erosão, insinuam uma delicadeza ao sugerir medo em
escolher as pedras para pisar. Outro exemplo é a deterioração visível da estátua, provocada pela cicatriz, que marca seu rosto
e peito, todavia com uma certa sensualidade, pois se perdia ondulante no rego dos seios meio descobertos pelo corpete
desatado. Muitas dessas imagens parecem constituir-se em símbolos da passagem do tempo. A personagem sente-se
sensibilizada pela estátua, a ponto de ensaiar uma fala com a mesma. Aqui, temos a primeira vez em que o homem depara-se
mais explicitamente com a dualidade - o velho e o novo. A estátua parece represent um espelho do homem: é ainda
fisicamente jovem, porém tem seu interior carcomido pela idéia da morte. A estátua descomposta, as plantas sem vida, a fonte
e o tanque secos levam a crer em referenciais da passagem do tempo. Tais elementos são indiciadores do regime diurno da
imagem, que reconhece e luta contra a passagem temporal.

A personagem percebe os sentidos se aguçarem, mergulhada nesse cenário esquisito, nesse jardim repleto de estranhas
ervas perfumosas, com um silêncio cristalizado como num quadro, tudo muito estático, em meio a um torpor. O único
movimento é o do inseto saindo da orelha – em um movimento semelhante ao dos insetos nos corpos dos mortos. Outra
alusão à morte é o fato de ele seguir andando com as mãos nos bolsos e encontrar dois ciprestes, árvores típicas dos
cemitérios, cujas fortes folhagens simbolizam a imortalidade. Uma curiosidade, nesse primeiro segmento, é que o sonhador faz
uso de quase toda a sensorialidade, desenvolvendo quatro sentidos: visão, audição, olfato e tato, somente faltando alusão ao
paladar que, em contrapartida, será resgatado no segundo segmento, na cena do café da manhã. Aliás, o fato do paladar não
estar presente neste sonho corrobora seu sentido como experiência da morte: esta, ao invés de nutrir, retira a vida do corpo.

Apesar da aparência inocente, o jardim é tão inquietante quanto o jogo de quebra-cabeça de sua infância. Nesse, seu pai
estimulava sua perspicácia em localizar rapidamente o caçador no bosque, sob pena de perder o jogo: vamos, filho, procura
nas nuvens, na árvore, ele não está enfolhado naquele ramo? No chão, veja no chão, não forma um boné a curva ali do
regato?. Ao final da narrativa, no detalhe desta lembrança, temos a situação inversa no plano da realidade, pois a personagem
é caçada pelo caçador. Porém, desta vez a morte é o ônus: o homem fantasia a figura do caçador na escada como
representação da morte.

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