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Introdução
A proposta de leitura apresentada sobre o texto Sol do meio-dia (1961) está voltada
para a condição do leitor, situando-o como leitor implícito nos momentos em que a
personagem é assim apresentada; leitor-modelo a partir do momento em que é necessário
buscar uma intertextualidade, construindo saberes interdisciplinares, desvendando o
prazer do leitor diante do texto literário. A protagonista Ester traz uma diversidade de
narrativas a partir da vivência com as inúmeras pessoas que habitam a pensão de D.
Beatriz, à medida em que as histórias vão sendo desenroladas percebemos uma outra
narrativa sendo construída paralelamente, a da própria protagonista, cuja trajetória se
apresenta como uma chave de leitura que pode ser lida como o brotar de uma jovem
escritora, para tanto, a protagonista foi antes de tudo, e desde tenra idade, uma leitora.
1
Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Letras (UFS), Mestre em Literatura Brasileira (UFAL),
Professora da Faculdade Pio Décimo, Orientadora do Programa de Residência Pedagógica 2020-2022
(CAPES). E-mail: luemeester@gmail.com .
Principais conceitos teóricos
Umberto Eco (2005) nos apresenta uma discussão acerca dos tipos de leitores os
quais chama de leitor empírico e leitor-modelo. O primeiro pode ser compreendido como
um agente de conjecturas, que tece a interpretação do texto a partir de pesquisas, das
competências de linguagem empregadas pelo autor, uma interpretação que deverá ser
confirmada no interior do próprio texto. O segundo já é previsto no próprio texto, o leitor-
modelo como aquele que faz a leitura desvendando as chaves interpretativas estabelecidas
pelo próprio texto. Ele é quem deve mover o processo de atualização interpretativa do
mesmo texto lido por diversas pessoas, em diferentes culturas, em tempos diferenciados.
Como afirma Eco “O leitor-modelo constitui um conjunto de condições de êxito,
textualmente estabelecidas, que devem ser estabelecidas para que um texto seja
plenamente atualizado no seu conteúdo potencial” (ECO, 2005, p. 8).
Luiz Costa Lima (2011) organizou o pensamento acerca dos principais teóricos da
estética da recepção que nos possibilita conhecer e refletir sobre a relação do texto com o
leitor e vice-versa. No prefácio à segunda edição encontramos um histórico do movimento
realizado pela teoria da recepção ao longo dos anos.
Nele encontramos alguns planos narrativos como a relação amorosa entre Ester e
Osvaldo, os conflitos familiares dos pensionistas, a postura de D. Beatriz com os hóspedes
e com a sua irmã Helena, a participação de Ester no meio político, a memória narrativa
da infância da protagonista até o momento atual construindo um outro plano, o percurso
de preparação para a escrita de um romance. Neste estudo iremos abordar esta perspectiva
de leitura, a postura e o posicionamento de Ester que passa de observadora dos conflitos
humanos à escritora.
O nosso corpus de estudo foi escrito por Alina Paim e publicado em 1961, a autora
é natural de Sergipe, iniciou a publicação dos seus romances quando morava no Rio de
Janeiro (CARDOSO, 2009). O romance em análise foi o quinto publicado e trata-se de
um romance pouco lido, os estudos críticos são mais relacionados a historicidade e
militância no partido comunista, como o da historiadora Alves (2017)
A imposição sobre o tempo de espera para poder dar continuidade aos estudos parte
da mãe, a narradora constrói uma crítica a partir da ironia, uma vez que o esperado é que
o limite imposto partisse do pai, podemos ler que a mãe está em um lugar de fala
subalternizado pelas heranças eurocêntricas, e reproduz o as repressões sofridas no
discurso de proibição a filha. Em diversos momentos deste romance o leitor irá se deparar
com essa construção crítica, em que a mulher assume este papel de reguladora da postura
feminina frente a sociedade. Vale destacar em qual situação surge a amizade entre Ester
e o prof. Virgílio, que irá oferecer sua herança, os livros, enquanto aguardava o tempo
para dar continuidade aos estudos.
Não foi somente a maturidade relacionada ao conteúdo das obras lidas, nem sobre
as discussões dos textos, mas também acerca da formação da leitora Ester que o professor
Virgílio se dedicava. Podemos realizar um diálogo com o texto de Barthes sobre a
condição do leitor, esse deve encontrar o prazer e a fruição do texto literário. O professor
foi além da apresentação dos textos para Ester, ele a orientou para além do leitor analítico,
empírico, ele a conduziu para a condição de leitor-modelo.
Além das obras literárias em português eles realizaram o desafio de ler os franceses,
ensinando-lhe uma profissão, a de tradutora do francês. Outro burburinho surge na cidade,
o de que o professor havia realizado uma barganha extravagante: “trocou uma vitela por
uma máquina de escrever” (PAIM, 1961, p. 53)
- Por um passe de mágica, a sua vitela virou isso que aí está. A máquina é sua,
Ester. Como vamos trabalhar com ela ainda não sei. Tenho de preparar você
para a vida e, minha confiança é de que vai fazer grandes coisas. Grandes
coisas por você e por mim. Aqui ou onde estiver, continuarei vivendo através
de sua vida (PAIM, 1961, p. 53).
“Continuar vivendo através de sua vida”, essa imagem retoma a definição de que
a obra literária permanece viva a partir do leitor. A medida em que o texto é lido ele é
atualizado, é possível formar opiniões, criar emoções, humanizar, retirar o indivíduo da
ignorância, tem o poder de transformar as pessoas.
- Quis ser médico, mas meu pai me obrigou a cuidar de vacas e bezerros porque
não queria desfibrado na família. Ignorância, não foi maldade. Enquanto
houver ignorância e preconceito, muito destino vai ser torcido. Mas haverá,
vindo do homem, um poder tão forte que varra tudo quanto existe de errado?
Até hoje espero que surja esse poder (PAIM, 1961, p. 54).
Agora, estando em cidade grande e desconhecida, com um novo pacote para realizar
mais uma tradução, Ester é envolvida por uma outra atmosfera, diante das diversas
realidades, das diferentes experiências de vida, de tantos desabafos, conselhos e segredos
vivenciados na pensão, Ester se encontra diante de um desafio, o de escrever os seus
manuscritos.
A permanência de Ester na pensão não era por acaso, como dizia D. Beatriz que
ela era o ouvido de todos, as pessoas buscavam naquela menina tão nova, conselhos para
a vida, porque Ester era humanizada. Não encontramos outra justificativa para a postura
dela, a não ser as dimensões de leitura que a fizeram um ser humano capaz de se
sensibilizar com a dor, a loucura, a solidão, o desespero, os segredos do outro.
Sentiu de repente uma gratidão imensa a envolver todas aquelas mãos que
desde sua infância a vinham ajudando a levantar-se de quedas, defendendo-a
de perigos, apontando-lhes o rumo quando se achava desorientada,
pressionando-lhe o ombro numa mensagem de solidariedade.
Estar diante das páginas em branco com a certeza de que ia cobri-las com uma
história humana, a confiança no futuro que a dominava, o amor que sentia por
Osvaldo, tudo isso fora construído num longo mutirão.
Cabia-lhe agora convidar os amigos.
- “Acerquem-se da mesa amigos. Meu pai, professor Virgílio, ocupem a
cabeceira. Tomem seus lugares. Vamos tio Martins, Maria da Penha, Osvaldo,
Judite, seu Rocha, Sanches, Teodoro e Marta, Margarida e Henrique. Vocês
construíram minha casa, devo-lhes esta festa”.
Com emoção, Ester abriu o caderno, tomou o lápis e começou a escrever
(PAIM, 1961, p. 309)
Considerações Finais
Que teria acontecido se não existisse aquela sala de janelas baixas como
refúgio, quando depois da morte do pai compreendeu não haver mais ginásio,
carreira de professora, nada do que ardentemente desejava? Que teria
acontecido sem aquela amizade quando viu diante dos olhos como destino o
casamento absurdo com filho de fazendeiro ou a sina amarga de solteirona?
Possuiu dois pais: ao primeiro devia a vida; ao segundo, o futuro e o caráter
(PAIM, 1961, p. 51)
Referências