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U UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

FACULDADE DE LETRAS

ANÁLISE

O “ato da leitura” e sua relevância ao longo do tempo

Trabalho apresentado ao Profº. André Monteiro por


Isabela Teixeira Benevenuto (matrícula 202113016L),
aluna do 3º período do curso de Letras da Universidade
Federal de Juiz de Fora, como parte dos requisitos
necessários à aprovação na disciplina “Teoria da
Literatura” (LEC100-A).

Juiz de Fora
02 de julho de 2022
As escolas teórico-literárias do século XIX e XX minimizaram, durante muito
tempo, a importância do ato da leitura: conferiram maior importância aos autores ou
as escolhas linguísticas materializadas no texto. O texto “A Morte do Autor”, de Roland
Barthes, surge justamente no momento de rompimento com essa concepção, em
1968. Nesse ano, houve a emergência de uma “revolução pedagógica”, que buscava
desmitificar o saber e romper com a ideia de hierarquização do conhecimento,
fundamentada em uma “cultura jovem” que privilegiava o novo (rua) em detrimento do
velho (erudito). Com o surgimento desse novo modo de pensar, muitas concepções
foram reformuladas, em diversos campos, inclusive, na literatura.

Noutro tempo, propagou-se a ideia de que o sentido texto poderia ser encontrado
a partir do descobrimento do autor. Esse pensamento era instituído pois o “artista” era
tratado como o “pai”, de um filho – livro – e, assim, eles se nutriam mutuamente.
Entretanto, com o aparecimento das questões revolucionárias supracitadas,
ocorreram movimentos que buscavam retirar o autor deste altar sacro. Mallarmé, por
exemplo, defendia a ideia de que era necessário substituir o autor pela linguagem,
pois, segundo ele, é ela que fala, não o autor. Em consonância com essa teoria, os
estudos Linguísticos defendiam que a enunciação é um processo vazio que funciona
perfeitamente sem que seja necessário preencher com interlocutores.

Posteriormente, novas visões surgiram e o texto passou a ser encarado como


um espaço de dimensões múltiplas: uma colcha de retalhos em que cada fragmento
era derivado dos variados focos de cultura existentes. Desse modo, a ideia de textos
originais passou a ser inconcebível, visto que esses sempre imitavam gestos antigos
e os mesclava, o que gerava o afastamento do autor e o rompimento com a pretensão
de decifrar o texto, pois, nesse contexto, apresentava-se inútil.

A partir dessas reflexões, Barthes conclui que o objeto a ser deslindando – e não
mais descoberto – é a escritura, pois é nela que ocorrem diálogos culturais e que a
preocupação agora deve ser com o leitor, visto que é nele que essas multiplicidades
se reúnem, sendo, portanto, o leitor é um homem sem história. Assim, Barthes afirma
que essa transferência de cerne – do autor para o leitor, da origem para o destino – é
um ato político que visa empoderar o ato da leitura, e atesta que o nascimento do leitor
e, melhor dizendo, do ato de leitura, só é possível quando enterramos o autor.
No mesmo ato de conferir um caráter primário ao ato de leitura, porém, seguindo
uma perspectiva diferente, Stanley Fish disserta em seu texto “Como reconhecer um
poema ao vê-lo”, que os limites da interpretação são, na verdade, determinados pela
“comunidade interpretativa” em que o leitor está inserido. Para tanto, usa o exemplo
de seus alunos que, a partir de uma indicação de leitura proposta por ele, conferiram
sentido e reconheceram como poema o nome de cinco linguistas escrito em vertical
na lousa. Para ele, embora o senso comum defenda a ideia de que nós reconhecemos
o gênero de um determinado texto a partir de traços distintivos, como, por exemplo, a
linguagem empregada, a partir desse “experimento”, foi concluído que percorremos,
na verdade, um caminho inverso: primeiro o reconhecimento é realizado e depois
buscamos os traços distintivos característicos do gênero textual em questão, nesse
caso, o poema.

Isso ocorre porque, para Stanley Fish, a interpretação é um ato involuntário, o


leitor sempre vai ser capaz de gerar um sentido a partir da pressuposição de um
contexto, pois todos os objetos são construídos a partir de estratégias interpretativas
que colocamos em funcionamento. Nesse sentido, a ideia de comunidade
interpretativa, rompe com a ideia de objetividade e de subjetividade, visto que os
meios de construção são sociais e convencionais “O ‘eu’ que realiza o trabalho
interpretativo que dá vida a poemas, indicações de leituras e listas é um eu público e
não um indivíduo isolado” (FISH, 1993, p.162). Os esforços que fazemos para dar
significado são limitados às instituições as quais pertencemos, ou seja, o sistema
literário ao passo que nos limita, nos molda.

Logo, podemos concluir que não existem leitores livres, pois segundo Harvey
Sacks (1974, p. 218, apud FISH, 1993, p. 163), cada cérebro é constituído por
interesses e objetivos conhecidos, que nos preenche individualmente e nos conduzem
à uma unanimidade interpretativa, de modo que nossos cérebros são idênticos nos
mínimos detalhes.

Jorge Larrosa, por sua vez, através de um diálogo com Nietzsche em “Ler em
direção ao desconhecido. Para além da hermenêutica”, defende a ideia de que o ato
da leitura vai além da ação de ler e interpretar um texto. Ele inicia fazendo menção à
uma crítica que Nietzsche faz ao leitor moderno, que está, devido à velocidade da
modernidade, sem tempo para ler do modo como se deve: devagar e de forma
profunda. Além disso, para ele, o leitor da modernidade possui muita certeza de quem
é e de sua cultura, o que confere a ele a falsa ideia de ser capaz de julgar as obras.

Nesse sentido, Nietzsche busca trazer uma reflexão para o leitor de quem ele é,
de sua essência, conferindo ao ato de ler, para além do domínio da filologia, a
importância de saber o tipo de pessoa que é o leitor, visto que a experiência da leitura
consiste também em viver o texto, não só de conferir significado a ele, interpretando-
o. Nessa perspectiva, Larrosa (2002, p.18) declara que “O que somos capazes de ler
em um livro é o resultado de nossas disposições anímicas mais profundas: a finura e
o caráter dos nossos sentidos, nossas disposições corporais, nossas vivências,
nossos instintos, nosso temperamento essencial, a qualidade de nossas entranhas”.

Em suma, o autor reitera que o texto por si só não carrega nenhum significado,
que é necessário utilizarmos de nossas experiências para que possamos
compreender e mais, extrapolar o texto. O ato de leitura colocado aqui em cheque
salienta para a necessidade de lermos para além da literariedade, como acreditava
Fish: o ato da leitura deve ser entendido como uma possibilidade de multiplicar as
perspectivas do eu e buscar um sentido diferente daquele colocado pelo autor no
corpo do texto.

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