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LINHAS DA CRÍTICA (3ª PARTE)

Prof. Dr. Alexandre de Melo Andrade

A Nova Crítica (New Criticism)


O inglês Ingard Richards é precursor desta corrente (Princípios da crítica literária –
1924). A interpretação visa a identificar o valor estético da obra. “Cônscio de que a
apreciação do valor pode conduzir a atitudes subjetivas, Richards chama a atenção para
o fato de que o crítico deve restringir as suas ‘idiossincrasias pessoais’ em nome da
experiência particular do artista como se plasma na obra [...]” (MOISÉS, 1994).
Superação dos dogmas do passado (regras, leis, gêneros, raça, meio, momento etc.).
“[...] o texto literário deve ser encarado como objeto em si, de maneira tal que análise se
concentre nos seus elementos constituintes (close reading), ou seja, na linguagem
(análise semântica); interessa-lhe detectar a ‘tensão’, a ‘ironia’, o ‘paradoxo’,o
‘simbolismo’, a ‘ambiguidade’, a ‘estrutura dramática’, em suma, o caráter ‘ontológico’
do texto. Desprezam a classificação dos gêneros e as aproximações críticas propostas
pela sociologia, a ética, a filosofia, a história etc. Entretanto, o exame do material
linguístico não raro compelia os ‘novos críticos’ a aceitar as informações oriundas da
antropologia, da psicanálise, do folclore, da estatística etc.” (id.).
T. S. Eliot é considerado um importante representante da Nova Crítica. De acordo com
o teórico, “[...] o estudo da psicologia impeliu os homens não somente a investigarem a
mente do poeta com uma facilidade confiante, mas levou-os também a alguns
fantásticos excessos e à crítica aberrante, e também a investigar a mente do leitor e o
problema da ‘comunicação’ – uma palavra capaz de provocar um questionamento. Por
outro lado, o estudo da história demonstrou-nos a relação da forma e do conteúdo da
poesia com as condições de sua própria época e do seu local. As variedades psicológica
e sociológica são provavelmente as mais anunciadas pela crítica moderna; mas o
número de maneiras de abordagem dos problemas da crítica nunca foi tão grande ou tão
confuso”. (2015, p. 38-39).
A Nova Crítica não leva em conta o contexto em que a obra surgiu. Dispensa, também,
o biografismo. A maneira como o tema se apresenta é mais importante que o tema em
si. Trata-se de uma crítica imanentista, já que a preocupação são os elementos internos
do texto.

ATIVIDADE:
Levando os pressupostos de uma crítica mais imanentista, faça uma leitura do texto
“Mãos dadas”, de Carlos Drummond de Andrade:

Não serei o poeta de um mundo caduco.


Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
A vida presente.
(ANDRADE, 2010, p. 158).

A Estética da Recepção e a Literatura Comparada


As origens da literatura comparada se confundem com a própria literatura, pois bastou
que houvesse duas obras a serem comparadas para que tal abordagem existisse. Seus
pressupostos teóricos tiveram início na França, por volta de 1830. Podemos partir da
ideia de que, ao comparar uma obra, é possível conhecê-la melhor.
Em Literatura Comparada, Sandra Nitrini afirma: “O objeto [da literatura comparada] é
essencialmente o estudo das diversas literaturas nas suas relações entre si, isto é, em que
medida umas estão ligadas às outras na inspiração, no conteúdo, na forma, no estilo.”
(2015, p. 24). Paul Van Tieghem distinguiu literatura comparada e literatura geral,
entendendo a primeira como “[...] o estudo das relações entre duas ou mais literaturas”,
a segunda como estudo dos fatos literários que pertencem a várias literaturas. (id., p.
25).
Em 1986 foi criada a ABRALIC (Associação Brasileira de Literatura Comparada).
Entre 1950 e 1960 a disciplina de Literatura Comparada já tinha sido introduzida no
currículo de alguns cursos de Letras, muito em virtude dos esforços de Antonio
Candido. Mas é importante ressaltar que “[...] a literatura comparada existe no Brasil há
muito tempo: desde que se começou a refletir sobre a formação da literatura brasileira e
sobre a criação de um projeto de literatura nacional.” (id., p. 188).
No final de 1950 foi publicado no Brasil Formação da Literatura Brasileira, de A.
Candido. Nesta obra, o crítico atesta a vinculação de nossa literatura às literaturas
estrangeiras. Assim se manifesta: “Cada literatura requer tratamento peculiar, em
virtude dos seus problemas específicos ou da relação que mantém com outras. A
brasileira é recente, gerou no seio da portuguesa e dependeu da influência de mais duas
ou três para se constituir.” (apud NITRINI, p. 196).
Ainda segundo Nitrini: “Lembremos que de acordo com a teoria do polissistema todas
as literaturas se regem pela lei da interferência, cuja natureza varia em consonância com
o estado de cada um dos sistemas envolvidos: relativamente independente quando já
estabelecido; e dependente de um outro quando ainda não estabelecido. Nesse último
caso, a dependência de um sistema externo é indispensável para seu desenvolvimento.
Isso normalmente ocorre quando a literatura é jovem, encontrando-se no estado de
emergência. À medida que ela vai se tornando independente, entra no circuito da
interferência bilateral, isto é, no domínio da integração internacional.” (p. 207).
A literatura comparada tem relação direta com a Estética da Recepção, ou também
conhecida como sociologia da recepção literária. Preocupa-se com a interpretação das
obras pelos críticos e pelos leitores. Os maiores representantes desta corrente são
Wolfang Iser (1926-2007) e Hans Robert Jauss (1921-1997).

Iser concentrou seus estudos sobre o efeito estético que as obras causam nos leitores. O
leitor é aquele que compreende as lacunas, os efeitos subliminares do texto. Segundo
Terry Eagleton (2019, p. 119-120), “Para Iser, a obra literária mais eficiente é aquela
que força o leitor a uma nova consciência crítica de seus códigos e expectativa
habituais. A obra interroga e transforma as crenças implícitas com as quais a
abordamos, ‘desconfirma’ nossos hábitos rotineiros de percepção e com isso nos força a
reconhece-los, pela primeira vez, como realmente são. Em lugar de simplesmente
reforçar as percepções que temos, a obra literária, quando valiosa, violenta ou transgride
esses modos normativos de ver e com isso nos ensina novos códigos de entendimento.”
A função da leitura seria, assim, a de nos despertar para uma consciência mais profunda,
inclusive de nossas próprias identidades. Para isso, o leitor precisa estar aberto às
transformações impostas pelas obras. Importante dizer que “um leitor com fortes
compromissos ideológicos provavelmente será um leitor inadequado, já que tem menos
probabilidades de estar aberto aos poderes transformativos das obras literárias.” (id., p.
120).

Barthes, nesse sentido, compreende a relação entre o leitor e a obra de forma erótica.
Vejamos algumas passagens de O prazer do texto:
“Escrever no prazer me assegura – a mim, escritor – o prazer de meu leitor? De modo
algum. Esse leitor, é mister que eu o procure [...]. Um espaço de fruição fica então
criado. Não é a ‘pessoa’ do outro que me é necessária, é o espaço: a possibilidade de
uma dialética do desejo, de uma imprevisão do desfrute: que os dados não estejam
lançados, que haja um jogo.” (p. 9).
“A escritura é isso: a ciência das fruições da linguagem, seu kama-sutra.” (p. 11).
“[...] o interstício da fruição, produz-se no volume das linguagens, na enunciação, não
na sequência dos enunciados: não devorar, não engolir, mas pastar, aparar com minúcia,
redescobrir, para ler esses autores de hoje [...].” (p. 19).
“Texto de prazer: aquele que contenta, enche, dá euforia; aquele que vem da cultura,
não rompe com ela, está ligado a uma prática confortável da leitura. Texto de fruição:
aquele que põe em estado de perda, aquele que desconforta (talvez até um certo enfado),
faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas do leitor, a consistência de seus
gostos, de seus valores e de suas lembranças com a linguagem.” (p. 20-21). Texto:
“fogos da linguagem” (p. 24).
“O texto tem uma forma humana, é uma figura, um anagrama do corpo? Sim, mas de
nosso corpo erótico. O prazer do texto seria irredutível a seu funcionamento gramatical
[...], como o prazer do corpo é irredutível à necessidade fisiológica.” (24).
“[...] observo clandestinamente o prazer do outro, entro na perversão; [...] Perversidade
do escritor (seu prazer de escrever naõ tem função), dupla e tripla perversidade do
crítico e do seu leitor, até ao infinito.” (p. 25).
“[...] o prazer é dizível, a fruição não o é.” (p. 28).
“O texto é um objeto de fetiche e esse fetiche me deseja. O texto me escolheu [...].” (p.
35).
“Como instituição, o autor está morto: sua pessoa civil, passional, biográfica,
desapareceu [...]: mas no texto, de uma certa maneira, eu desejo o autor: tenho
necessidade de sua figura [...].” (p. 35).

H. R. Jauss fala em “horizonte de expectativa”, que consiste nos conhecimentos dos


leitores, que contribuem para a recepção do texto. Neste sentido, ganha importância a
“experiência do leitor”. Por esta experiência, o texto ganha sentido. Há dois aspectos a
serem considerados: os aspectos discursivos (significados internos) e a vivência do
leitor. O leitor, então, não é mero passivo em relação à obra. Desse modo, toda a
realidade externa da obra entra em jogo, já que o leitor é um ser social. Os saberes
intrínsecos se juntam ao saberes extrínsecos à literatura. Mas atenção: na sociocrítica, o
saber social está na própria tessitura textual, diferentemente da estética da recepção
sociológica.
De acordo com Jauss, o prazer estético realiza-se através de 3 funções: a poiesis
(criação do mundo como sua obra; aisthesis (possibilidade de renovação da percepção)
e katharsis (experiência inter-subjetiva).

ATIVIDADE:
Leia o poema abaixo, de Antero de Quental, e faça uma análise comparativa com o
texto de Drummond, lido anteriormente:

A UM POETA
Tu que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno.

Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno


Afugentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares
Um mundo novo espera só um aceno...

Escuta! É a grande voz das multidões!


São teus irmãos, que se erguem! São canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,


E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!

REFERÊNCIAS:
ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia Poética. São Paulo: Record, 2010.
EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: uma introdução. Trad. Waltensir Dutra. São Paulo:
Martins Fontes, 2019.
ELIOT, T. S. O uso da poesia e o uso da crítica. Trad. Cecília Prada. São Paulo: É Realizações,
2015.
JAUSS, Hans Robert. O prazer estético e as experiências fundamentais da Poiesis, Aisthesis e
Katharsis. In: A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. Trad. Luiz Costa Lima. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
MOISÉS, Massaud. A Crítica Literária. In: A criação literária – Prosa II. São Paulo: Cultrix,
1994. p. 169-244.
NITRINI, Sandra. Literatura Comparada: História, Teoria e Crítica. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2015.
NUNES, Benedito. Introdução à filosofia da arte. São Paulo: Ática, 1999.

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