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A dança como símbolo da reconstrução cultural africana em “Batuque”, de

Bruno de Menezes e “O feitiço do batuque”, de Geraldo Bessa Víctor

Antonia Ribeiro da Silva (UFPA)

RESUMO: Todo indivíduo como parte de um grupo de interação constrói, no decorrer do


tempo, conexões com o espaço a qual permeia; são relações estreitas que resultam na construção
de sua própria identidade. Entende-se, então, que a cultura de um povo carrega elementos
estabelecidos a partir de uma dialética adequada entre a componentes artificiais e naturais da
sociedade em que se vive. Assim, o presente trabalho pretende realizar uma análise
comparatista entre os poemas “Batuque”, do paraense Bruno de Menezes e “O feitiço do
batuque”, do angolano Geraldo Bessa Víctor buscando evidenciar as similaridades e as
divergências presentes nas obras concernentes a seus discursos literários sobre a dança do
batuque; a vida e as perspectivas ideológicas dos autores e o espaço em que os mesmos estão
inseridos para que se compreenda como ocorre o processo de reconstrução da cultura e
identidade de um povo quando este é submetido a um processo de colonização em um espaço
onde a natureza se difere da sua. Para isto, será utilizado um aporte metodológico de cunho
bibliográfico pautado principalmente nas concepções de Carvalhal (2006), Claudon e Haddad-
Wotling (1992), Machado e Pageaux (1988), Freyre (2003), Eagleton (2000), Hall (2003).

PALAVRAS-CHAVE: Literatura Comparada; Batuque; Cultura.

INTRODUÇÃO

A nação brasileira é constituída por diversas etnias, e, por consequência disto,


apresenta culturas distintas e ricas que se liquefazem e constroem um mosaico que reflete a
própria história do Brasil. Dentre essas culturas, a cultura africana é uma das que se destaca,
uma vez que o negro é um dos principais agentes formadores da nação brasileira. Gilberto
Freyre (2003, p. 367) é um dos que defende que em tudo que o brasileiro faz, traz as marcas da
influência negra.
Ao ser “importado” para o Brasil pelos portugueses dos princípios do século XVI aos
meados do século XIX para o trabalho escravo, o homem negro passa a ser um elemento de
suma importância para o desenvolvimento territorial e cultural do Brasil. Pois como observa
Holanda (1995), foi graças ao “preto” que fora possível cultivar amplamente o solo brasileiro,
porque era ofício desses “desbravar os matos”, “dessangrar pântanos” e “transformar charnecas
em lavouras”, possibilitando, neste sentido, a fundação de novos povoados. Graças a sua
presença na sociedade escravista brasileira, cria-se novos hábitos, cria-se uma cultura nacional
repleta de traços africanizados.
A dança denominada Batuque, por exemplo, é uma das manifestações culturais
praticada pelos afros descendentes em solo nacional que foi trazido pelos escravos. Inclusive,
a mesma é destacada em diversas obras de escritores negros e de descendentes como no poema
“Batuque”, de Bruno de Menezes e “O feitiço do batuque”, de Geraldo Bessa Victor, os quais
serão estudados e relacionados, a partir do método comparatista, no presente trabalho.
A escolha dos poemas para a construção deste trabalho se deu justamente por ambos
trazer como temática uma dança de origem africana, e cuja autoria ser de um escritor
descendente de africano, nascido no Brasil e de um escritor africano, nascido na Angola, o que,
consequentemente, possibilitará a compreensão de como ocorre o processo de reconstrução da
cultura e identidade de um povo quando este é submetido a um processo de colonização em um
espaço onde a natureza se difere da sua.
Além disso, mesmo que os escritores tentem enfocar uma mesma temática buscando
evidenciar a dança africana e, consequentemente, exaltar a cultura negra, percebe-se
particularidades nas escritas dos mesmos que podem ser explicadas a partir de um estudo
cultural, para ser mais específico, de um estudo que busque compreender a relação que é
estabelecida entre sujeito/natureza e quais as contribuições deste contato para vida social do
indivíduo, até porque acredita-se que a cultura de um povo carrega elementos estabelecidos a
partir de uma dialética adequada entre a componentes artificiais e naturais da sociedade em que
se vive. É o que se pretende abordar neste trabalho a partir de um estudo intertextual e
interdisciplinar. (Fiquei um pouco em dúvida sobre o que seriam esses componentes naturais e
artificiais, parece uma discussão interessante, mas não está trabalhado no texto.)

A abordagem comparatista na análise de textos

Antes de qualquer discussão, é necessário que se entenda melhor a importância da


Literatura comparada para estudos acadêmicos. A Literatura Comparada designa uma disciplina
universitária cuja forma de investigação, segundo Carvalhal (2006), baseia-se no confronto de
duas ou mais literaturas. Utilizando-se de um vasto campo de ação, não se limita a este ou
aquele, pois tal conceito considera investigações variadas que, inclusive, adotam várias
metodologias.
Considerada como disciplina universitária, a literatura comparada pertence ao âmbito
das letras modernas; não visa, em princípio, os estudantes que seguem curso de
humanidades clássicas (latim, grego). Tem como objetivo estudar as literaturas
modernas na diversidade das suas relações; daí a sua denominação, talvez demasiado
ambiciosa e vaga. (CLAUDON; HADDAD-WOTLING, 1992, p. 7)
Machado e Pageaux (1998, p. 17), ressaltam que um dos princípios preliminares da
literatura comparada como uma disciplina é que a mesma não possui um método, ou seja, um
método específico como, por exemplo, a antropologia, a linguística. Entretanto, defendem que
há para o comparativista uma maneira específica de questionar, uma maneira própria de
estabelecer relações entre os elementos investigados.
É conveniente salientar que a literatura comparada não é sinônimo de comparação,
pois como lembra Carvalhal (2006, p. 7):
Comparar e um procedimento que faz parte da estrutura de pensamento do homem e
da organização da cultura. Por isso, valer-se da comparação e habito generalizado em
diferentes áreas do saber humano e mesmo na linguagem corrente, onde o exemplo
dos provérbios ilustra a frequência de emprego do recurso.

O que também é defendido por Machado e Pageaux (p.17, grifos dos autores):
A Literatura Comparada como disciplina universitária não se baseia na comparação.
Ou antes, não se baseia apenas na comparação. De facto, trata sobretudo, muito mais
frequentemente, muito mais amplamente, de relacionar. Relacionar o quê? Duas ou
mais literaturas, dois ou mais fenômenos culturais; ou restritamente, dois autores, dois
textos, duas culturas de que dependem esses autores e esses textos.

Nesse sentido, tal estudo está pautado na relação concernente a migrações de temas,
motivos e mitos, até mesmo das influências. Exigindo do comparativista ou pesquisador uma
experiência em criar e enxergar nos textos elementos que foram ignorados e menosprezados
por outras investigações, explicando de maneira sistemática a fim comprovar a veridicidade.
Claudon e Haddad-wotling afirmam que os benefícios desse estudo para o comparativista está:
Precisamente através do paralelo e da comparação explícita, em apreciar melhor os
verdadeiros valores da história das ideias e dos textos. Nem tudo se presta a uma
aproximação: nem se quer é certo que se possa comparar utilimente a Odisseia e a
Naissance de I’Odyssée, que constituiu, no entanto, a transcrição pretendida pior
Giono. (CLAUDON; HADDAD-WOTLING, 1992, p. 21, grifos dos autores)

Aliás, se a literatura comparada busca entender as relações existentes entre textos, é


indispensável que a mesma amplie seus domínios numa perspectiva intertextual. Julia Kristeva
(1966 apud CARVALHAL, 2006, p. 127), que primeiro utilizou o termo intertextualidade,
afirma que o texto literário é construído “como um mosaico de citações, como absorção e
transformação de outro texto”, logo a intertextualidade é um processo comum que faz parte da
escrita.
O termo intertextualidade designa esta transposição de um (ou de vários) sistema (s)
de signos em um outro, mas já que esse termo tem sido freqüentemente entendido no
sentido banal de «crítica das fontes» de um texto, preferimos a ele o de transposição,
que tem a vantagem de precisar que a passagem de um sistema significante a um outro
exige uma nova articulação do tético – posicionamento enunciativo e denotativo.
(KRISTEVA, 1974, p. 60 apud SAMOYAULT, 2008, p. 17, grifos da autora)
Da mesma forma, a interdisciplinaridade constitui um reforço teórico nos estudos
comparados, abrindo novas perspectivas de estudo e investigação. Pois, como discorre
Carvalhal (2006, p. 74-75) “a literatura comparada e uma forma especifica de interrogar os
textos literários na sua interação com outros textos, literários ou não, e outras formas de
expressão cultural e artística”, necessitando, assim, ultrapassar fronteiras e percorrer por outras
formas de conhecimentos pertencentes às ciências humanas.
A Literatura Comparada, pela abertura que suscita e que pratica na direção das
literaturas e das culturas estrangeiras, pela tónica que põe no carácter relacional dos
textos literários e dos factos culturais, pode e deve assegurar este indispensável
alargamento do campo de investigação, já praticado pelos historiadores, às questões
menos literárias que culturais. Trata-se dum verdadeiro reequilíbrio dos estudos
literários, que só poderá ser obtido se a nossa disciplina se abre, mais nitidamente do
que num passado recente, às ciências sociais e humanas, às ciências dos homens.
(MACHADO E PAGEAUX, 1998, p. 151)

A interdisciplinaridade garante aos estudos comparados a possibilidade de reunir


estudos diferenciados de diversos especialistas em um contexto coletivo de pesquisa.
Implicando, assim, em um esforço por elaborar um contexto mais geral das investigações
alvitradas; proporcionando um intercâmbio cujo enriquecimento é recíproco entre as diferentes
disciplinas. Suscita, inclusive, transformações em diferentes aspectos, como, por exemplo, na
formulação dos problemas, nos instrumentos de análise e nos próprios modelos teóricos.

Bruno de Menezes e Geraldo Bessa Victor: vozes que cantam a áfrica

Após o Brasil enfrentar um momento sociocultural onde predominava uma procura de


uma identidade espiritual e absoluta motivada por sentimentos pessimistas e de profundo
desânimo, o Simbolismo, surge no início do século XX no cenário literário brasileiro uma
preocupação em romper com as regras até então estabelecidas na arte pelas escolas anteriores,
era o Modernismo. Candido defende que a contribuição principal do Modernismo foi a
“liberdade de criação e experimentação, começando por bater em brecha a estética acadêmica,
encarnada sobretudo na poesia e na prosa oratória” (CANDIDO, 1999, p.70). (rever escrita do
paragrafo)
Entre os jovens intelectuais paraenses não foi diferente, surgiu com o modernismo um
entusiasmo coletivo para a transformação da feitura poética e literária do norte do país. Nesse
meio, Bruno de Menezes era o jovem afoito, “revolucionário”, aspirando uma separação do que
para ele eram elementos novos e os elementos antigos, como escreve Reis (2013). Nascido no
bairro periférico do Jurunas, viveu imerso em um momento histórico repleto de conflitos,
ocasionados pelas mudanças concernentes ao crescimento econômico da região Amazônica e
do aparecimento de uma cidade desmoralizada perante as mazelas sociais (SANTOS
PEREIRA, 2013).
Sendo um grande observador, Bruno de Menezes fez refletir sua insatisfação com tais
condições sociais em suas literaturas. É o que é observado no seu poema “O Operário”,
publicado em 1913, que o introduziu na vida literária, onde demonstra sua sensibilidade diante
das injustiças com os trabalhadores,: “Fatigado levanta-se o operário/ Por haver trabalhado o
dia inteiro; E mesmo assim dirige-se ao calvário/ Do seu agro labor – o grande obreiro...”.
Nesse poema, ele faz um diálogo com as discussões modernistas. O texto evidencia
a consciência de classe do autor em dois momentos primeiro, se refere às péssimas
condições de trabalho às quais o operário, naquela época, estava exposto; segundo,
mostra que o operário t9omou consciência de seus direitos e de agora e diante lutará
por eles. (PACHECO, 2011, p. 325)

Poeta afrodescendente, Bruno de Menezes não esquece de desvelar em sua linguagem


lírica elementos do espaço cultural a qual permeava, principalmente relativo à negritude.
Inclusive, pode-se pensar que a negritude na poesia do escritor de Expressão Amazônica seja
resultado de sua identidade enquanto homem negro e enquanto cidadão preocupado com a
marginalização de sua região. Por outro lado, o que o particulariza quando escreve sobre o
negro, é justamente a junção que faz entre noções religiosas, amazônicas e africanas, sobretudo
das divindades e cultos afro. O que é observado no seu livro Batuque (1931).
Batuque para os críticos representa a principal obra de Bruno de Menezes, a qual
retrata manifestações culturais amazônicas, sendo moldadas a partir de traços identitários da
cultura africana, até mesmo numa junção formadora de uma nova identidade pela qual a própria
região Amazônica estava passando naquela época. O negro aparece sob uma visão de elevação,
para que assim se concretize sua denúncia.
‘Batuque’ é um retrato de Belém, história do Umarizal, da Pedreira e da Cremação,
do cais e das velhas docas. O subúrbio e o terreiro, em suas páginas, estão dançando
e cantando. O livro, por isso, tem uma saborosa força nativa e o poeta nos transmite
‘a vida brasileira que ele viu, gozou e viveu’ nesta Belém tão sua. “Batuque” tem uma
importância histórica e literária na poesia brasileira, sobretudo na poesia da
Amazônia. O poema atravessa a cidade como um igarapé de maré cheia... “Batuque”
faz parte da nossa cidade, como a Sé, a tacacazeira, a lembrança de Angelim, o Ver-
o-peso. (JURANDIR, 1955 apud MENEZES, 1984, p. 88, grifos do autor)

Assim, a relevância e o diferencial do livro de Bruno de Menezes não estão restritos


somente na forma como as temáticas são abordadas ou nos traços da modernidade presentes em
suas construções poéticas, mas também na capacidade de percepção das singularidades
culturais da região norte, o que faz com que, como bem salientou Jurandir, o livro se torne um
bem tão importante para a cidade de Belém, se comparado até mesmo com um patrimônio
cultural.
Enquanto que no Brasil dos inícios do século XX vivia-se um momento de profundas
transformações, na Angola, antiga colônia de Portugal assim como o Brasil, experimentava-se
nas artes um momento de silêncio, na qual não foi encontrado pelos críticos literatura alguma
que merecesse ampla notoriedade, o que, para António (1962), constituiu anos de estagnação,
ou, até mesmo, de retrocesso.
No entanto, mesmo que a voz de muitos fora calada, em meio ao silêncio, alguns
rumores, agraciados pela liberdade de imprensa, levantaram-se demonstrando que havia
esperança mesmo com um ambiente tão contraproducente para a literatura angolana. Foi o que
aconteceu em 1901, por exemplo, em que, segundo Santos (2006), os principais intelectuais de
angola se uniram para publicar uma obra, composta por diversos artigos, intitulada Voz
d’Angola-Clamando no Deserto, na qual se expunha uma resposta contra o racismo presente
em um artigo publicado pela Gazeta de Loanda (sic).
Já com o florescer de 1948, surge, então, o Movimento dos Novos Intelectuais de
Angola defendendo o lema “Vamos descobrir Angola”, impulsionando o aparecimento de
diversas manifestações literárias em revistas e casas estudantis. Entre os autores que se
destacaram a partir desta iniciativa estão António Jacinto, Viriato da Cruz, Agostinho Neto,
Mário António, Henrique Abranches e Luandino Vieira. Figuras que buscavam, sobretudo, uma
identidade angolana, o que os críticos chamam de “angolanidade”.
Por outro lado, há também o aparecimento de autores considerados um tanto quanto
irresolutos, evidenciando uma escrita ambígua, pois ao mesmo tempo que abordavam temáticas
angolanas como uma forma de defesa de uma identidade, havia uma propensão em celebrar a
figura do colono português, por isso foram chamados de “luso-tropicalistas”. É o caso de Tomás
Vieira da Cruz e de Geraldo Bessa Víctor, ambos portugueses radicados, e, por isto, alvos de
comentários como as de Ferreira (1977, p. 13) a respeito do último.
Quando um poeta africano se radica desde cedo e por dilatado tempo numa cidade
europeia, como Lisboa, corre vários riscos, sobretudo se se vive no tempo do
fascismo. As suas vivências africanas, se lhe avivam a saudade, mas porque se vão
enfraquecendo, prejudicam-lhe a resposta criadora. O poeta passa a viver de
rememorações, o seu gesto fica inacabado. Seria isso que teria acontecido a G. B.
Victor.

Ferreira (1977) ainda cita o exemplo da obra Senzala sem batuque, publicada por Bessa
Victor em Lisboa, que ao seu ver foi uma tentativa de equação da relação social e cultural
envolvendo o negro, o branco e o mestiço pela qual Luanda enfrentava. No entanto, defende
que, apesar de ser uma atitude de conciliação, há uma tendência em realçar o sentimento
aristocratizante presente no mulato em relação aos valores europeus, que, segundo ele, o
narrador afirma também partilhar.
É certo que há fascínio pelo que é lusitano nos poemas de Geraldo Bessa Victor, mas
também há admiração por tudo que pertence à África, como no poema “batuque”, onde o autor
enaltece uma das danças originária da África, criando um ambiente em que o eu lírico confunde-
se com o próprio autor ao sentir-se envolvido com o ritmo, demonstrando certa intimidade e
paixão pelo que faz parte de sua identidade: “ [...] E sinto dentro da alma/ este batuque sem
fim!/ Eu sinto bem o batuque/ a gritar dentro de mim!” (ANTÓNIO, 1962, p. 123).
Vale lembrar também que a própria mulher negra é constantemente citada nos versos
de Bessa Victor. No poema “Amor Negro”, o autor a enaltece: “A tua voz é nota deliciosa/ dum
quissange que, perto, alguém dedilha,/ nesta noite de luar, subtil, formosa.../ O Mundo é todo
um Mar – tu és a Ilha!” (ANTÓNIO, 1962, p. 122). Defende, inclusive, o amor entre raças,
uma vez que parte da premissa de que o olhar do outro sempre será diferente com relação à
mulher negra. Esse pensamento fica bastante evidente no seu poema “Poema para Negra” em
que ressalta a forma objetificada com que o “outro”, que não é negro, vê a negra: “Deixa que
os outros cantem o teu corpo/ que dizem feiticeiro e sedutor,/ e, na volupia vã do pitoresco,/
entoem madrigais à tua dor.”.
Logo, Bessa Victor, um angolano nascido em Luanda, não pode fugir do que lhe
agradara, tal como defende Laranjeira (1995 apud SANTOS, 2006), o de exaltar a musa lusitana,
e construir obras pautadas no uso exagerado do soneto, da rima final e a medida classicizante. No
entanto, não se pode esquecer, como bem defende Rossell Hamilton (1981 apud SANTOS, 2006),
a sua disponibilidade em vislumbrar e evidenciar aspectos significativos da problemática da
cultura angolana e do seu desenvolvimento mesmo se encontrando numa época de grandes
contradições ideológicas e sociais.

A influência africana na cultura brasileira

A história africana no Brasil começa nos meados do século XVI, quando os negros
começaram a ser importados para o território colonial brasileiro pelos portugueses, de início,
para o trabalho escravo na lavoura da cana de açúcar, depois para realizarem todos os tipos de
trabalho na lavoura e no ambiente doméstico.
Diversos grupos étnicos ou nações, com culturas bem distintas, foram trazidos para o
Brasil, principalmente das regiões em que viviam dois grandes grupos étnicos: os bantos
(Guiné, Congo, Angola, Moçambique) e os sudaneses (Sudão egípcio e costa da Guiné), para
serem vendidos nos portos como o de Luanda, em Angola, e posteriormente serem
transportados para as Américas.
Deve-se, porém, salientar que a colonização africana do Brasil realizou-se com
elementos bantos e sudaneses. Gente de áreas agrícolas e pastoris. Bem alimentada a
leite, carne e vegetais. Os sudaneses da área ocidental, senhores de valiosos elementos
de cultura material e moral próprios, uns e outros adquiridos e assimilados dos
maometanos. (FREYRE, 2003, p. 393)

Aqui, construíram uma história de luta e sobrepujamento, e tornaram-se um dos


elementos de suma importância para o desenvolvimento do território colonial. Holanda (1995)
até mesmo salienta que foi graças ao “preto” que fora possível cultivar amplamente o solo, uma
vez que era ofício destes “desbravar os matos”, “dessangrar pântanos” e “transformar charnecas
em lavouras”, possibilitando, neste sentido, a fundação de novos povoados. Graças a sua
presença na sociedade escravista brasileira, cria-se novos hábitos, cria-se uma cultura nacional
repleta de traços africanizados.
Quando se fala em cultura, precisa-se fazer um recorte ou assentar um limite no
conceito que se está utilizando, até porque o termo cultura designa uma infinidade de elementos
e comportamentos sociais. Mas o sentido que aqui está sendo utilizado é o antropológico, que,
segundo Eagleton (2003), abrange tudo, incluindo um simples corte de cabelo, hábitos de
bebidas e formas de se comportar dentro de uma família.
a cultura pode ser resumida como o complexo de valores, costumes, crenças e práticas
que constituem a forma de vida de um grupo específico. Trata-se desse ‘todo
complexo’, nas famosas palavras do antropólogo E. B. Tylor na sua Primitive Culture,
‘que inclui o conhecimento, a crença, a arte, a moral, a lei, o costume e quaisquer
outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade’.
(EAGLETON, 2003, p. 52)

Para Eagleton (2003), a palavra “Cultura” significa, de certa forma, uma procura ativa
de um crescimento natural, e que, por isso, há um tipo de relação existente entre os elementos
naturais e artificiais, ou seja, há uma ligação de efeito naquilo que fazemos ao mundo e naquilo
que o mundo nos faz. Por exemplo, em se tratando da cultura brasileira, Freyre (1976), apesar
de não desmerecer outras contribuições culturais como as ameríndias e europeias, defende que,
por causa da atuação significativa do negro africano na sociedade escravista, ele se constituiu
um “co-colinazador”, e, por isto, se tem presenciado aqui tantas formas culturais negras
africanas.
As culturas negras da África, juntamente com os negros antropologicamente negros,
isto é, através deles, quer como indivíduos biológicos, quer, mais do que isto, como
pessoas sociais ou sócio-culturais, passaram, desde o século XVI, a fazer sentir sua
presença na formação de um tipo miscigenado de homem paranacional e de uma
configuração pré-nacional de cultura. Essa presença foi de tal modo ativa, dinâmica,
influente, africanizante, que fez dos negros vindos da África para o Brasil, embora
escravos, co-colonizadores - repita-se - desta parte da América, ao lado dos europeus,
máximos como fundadores de nova cultura, em face de ameríndios aqui menos
culturalmente desenvolvidos do que aqueles negros africanos, desde o século XVI tão
presentes no Brasil. (FREYRE, 1976, p. 170)
As contribuições africanas abrangem um terreno vastíssimo que engloba desde a
língua, a culinária, a música, a dança, a religião e, até mesmo, estimas sociais. Moura (1992)
lembra que os negros escravos trouxeram diversas nuanças culturais que sobreviveram e
serviram como suporte de resistência ao sistema que lhes oprimia; incorporaram em todas as
áreas onde permeavam seus costumes, seus modos de vida.
O que se percebe com tamanha africanização no Brasil, é que há, nos brasileiros, um
tipo de predisposição ou afinidade com os linhas, antes, consideradas populares, como as de
origem africanas, porquanto, apesar de se encontrar aqui, dentre outras, culturas europeias, e,
uma que tem se intensificado nos últimos anos, a japonesa, o brasileiro tem com o decorrer dos
anos se percebido e se reconhecido mais nos traços cultuaris ou, até mesmo, biológicos
africanos e ameríndios. Como cita Freyre (1976, p. 378): “os brasileiros, de modo
especialíssimo, têm sido sempre uns predispostos à compreensão intuitiva e à assimilação
amorosa de valores africanos”.
Stuart Hall (2011) considera o popular como formas de atividades que estão enraizadas
em condições sociais e materiais de classes específicas, sendo que outrora estiveram
incorporadas nas tradições e práticas populares. Para ele, “a cultura popular é um dos locais
onde a luta à favor ou contra a cultura dos poderosos é engajada; é também o prêmio a ser
conquistado ou perdido nessa luta. É a arena do consentimento e da resistência.” (HALL, 2003,
p. 263).
No entanto, nem a cultura das minorias se manteve pura, a cultura negra, por exemplo,
não se manteve tal como em territórios africanos, uma vez que estando em terras brasileiras, o
negro africano passou a ter contato com culturas distintas, pois já havia se estabelecido na
colônia uma sociedade híbrida. Pois como ainda afirma Hall (2011), não há cultura popular
íntegra, autêntica e autônoma, que esteja fora do campo das relações de poder e dominação
cultural, por isso nem sempre o povo vai estar com sua cultura liberdade e instintos intactos,
mas estarão constantemente sofrendo influências dessas relações.
O homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é um herdeiro de
um longo processo acu-mulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adqui-
ridas pelas numerosas gerações que o antecederam. A manipulação adequada e
criativa desse patrimônio cultural permite as inovações e as invenções. (LARAIA,
2001, p. 24)

Eagleton (2003) ainda defende que não nascemos seres por inteiros, ou seja,
inteiramente culturais, nem “naturais auto-suficientes”, e sim “criaturas cuja inescapável
natureza física é tal que a cultura é uma condição de sobrevivência. A cultura é o ‘suplemento’
que preenche um vazio no cerne da nossa natureza e as nossas necessidades materiais são depois
reconduzidas nos seus termos.” (EAGLETON, 2003, p. 129).
Assim, houve a promoção de um processo de absorção do africano às culturas já
predominantes, fato que se intensifica com o decorrer dos anos. Ora, a dança do batuque é um
exemplo das muitas manifestações culturais que foi trazida pelos africanos para o Brasil que
acabou sofrendo mudanças decorrentes do contato dos negros africanos com outras culturas. E
isso fica bem perceptível nas descrições poéticas feitas por Bruno de Menezes e Geraldo Bessa
Victor.

Bruno de Meneze e Geraldo Bessa Victor: dançando o batuque e reconstruindo a cultura


africana

O Batuque é uma dança que adquiriu contornos próprios em territórios africanos, mas
que possui imprecisões quanto ao local específico de origem. Para muitos estudiosos, o
Batuque, surgiu, especificamente, em Cabo Verde e chega ao Brasil sendo realizado com um
grupo de pessoas posicionadas formando um círculo, os quais, também, formavam um coro que
entoava cantigas envolvendo diversas temáticas. Todos os participantes acompanhavam o ritmo
batendo com as palmas das mãos nas pernas.
O Batuque, de origem africana, que surge em Cabo Verde
provavelmente só na ilha de S. Tiago (existente também no Brasil,
através da ida dos escravos, e nos Açores, na ilha de S. Miguel), é
executado num ritmo de tempo binário mas de divisão ternária, marcado
pela percussão das 'tchabetas e palmas' acompanhadas pela cimboa
monocórdica, às quais se juntam o canto e a dança. (BRITO, 1998, p.
16, grifos do autor)

Nogueira (2011), no entanto, utiliza o termo “Batuku” para se referir a manifestação


cultural própria dessa ilha, uma vez que parte da premissa de que a etimologia da palavra
Batuque é muito controversa, sendo usada, inclusive, para designar manifestações culturais
existentes em diferentes países africanos e até mesmo no Brasil. O que é compreensível até
porque no Brasil, tal termo designa diferentes manifestações ligadas à cultura afro-brasileira, e até
uma de carácter religioso.
Mas o que é cabível salientar, é que, assim como toda manifestação cultural trazida
pelos negros africanos para Brasil, o batuque sofreu algumas influências no seu modo de ser
ritualizado, como afirma Hall (2003, p. 343): “na cultura popular negra, estritamente falando,
em termos etnográficos, não existem formas puras”. E a partir de uma análise comparada entre
os poemas de Bruno de Menezes e Bessa Victor, isso fico bem evidente. Nas descrições feitas
no poema deste último, na primeira estrofe, observa-se que a dança tinha, em territórios
africanos, os instrumentos próprios e as coreografias como elementos fundamentais para a
prática da dança.
Sinto o som do Batuque em meus ossos,
o ritmo do batuque no meu sangue.
É a voz da marimba e do quissange,
que vive e plange dentro de minh’alma,
- e meus sonhos, já mortos, já destroços,
ressuscitam, povoando a noite calma.
(VICTOR, 1958, p. 21)

No terceiro verso, por exemplo, o autor ascende a imagem de instrumentos angolanos,


a “marimba” e o “quissange”, utilizando-se para isso de um dos recursos linguísticos através da
qual atribui comportamentos humanos aos instrumentos, dando vida a seres irracionais. O som,
o ritmo presente no batuque aparece também como uma força revitalizadora de uma esperança
outrora amortecida, uma força mágica, que encanta e envolve. O que é confirmado por alguns
estudiosos, os quais afirmam que o Batuque possuía em territórios africanos um caráter de
celebração, ou até mesmo um ritual que promoveria a fertilidade, uma vez que os movimentos
realizados na mesma pelos corpos evocavam o ato sexual.
Já no poema de Bruno de Menezes, “Batuque”, os instrumentos usados na dança não
são citados, mas é evidenciado em cada estrofe do poema o som característico dos instrumentos
do “batuque”, são onomatopeias, uma sucessão perfeita de sílabas tônicas que leva o leitor a
rememorar em cada batida a história e identidade da África, isto é, “O artista sujeita a métrica
ao ritmo da dança macabra. O artista procura uma onomatopeia, que nos ponha diante da vista
do batuque.” (MORAIS, 1984, p. 73).
No entanto, percebe-se no poema de Menezes uma atenção especial dada a outros
elementos como parte principal da dança, são as ervas aromáticas e medicinais da Amazônia.
Nesta região, para o conhecimento popular, as ervas têm um poder além de medicinal, elas têm
poderes mágicos de atrair o “bem” e de expurgar “males”, forças negativas dos indivíduos que
as utilizam. E no poema do autor, os copos revestem-se de um aroma das substâncias originárias
da floresta que encantam, que atraem o alhar do outro, são “resinas mandigueiras”.
Patichouli cipó-catinga priprioca,
Baunilha páu-rosa orisa jasmin.
Gaforinhas riscadas abertas ao meio,
Crioulas mulatas gente pixaim...
(MENEZES, 1984, p. 21)

Houve, nesse sentido, como se percebe nos versos acima, que o Batuque sofreu uma
reconstrução que de certa forma buscou manter vivo traços da cultura de um povo que teve uma
atuação significativa para o desenvolvimento do Brasil. Hall (2003), por exemplo, defende que
os elementos da "tradição" além de poderem ser reorganizados com o objetivo de obter uma
melhor articulação com diferentes práticas e posições e, assim, adquirir melhor importância,
eles podem também surgir visando a resistência, onde existe tradições distintas e antagônicas.
Nos batuques, nas congadas, na capoeira, nos terreiros e pelo tambor, se ecoa a
transgressão da ordem do sistema escravocrata em que a comunidade negra inscreveu
uma afirmação étnica. Por esse som a ancestralidade reverberou nos corpos de pessoas
que tiveram sua condição humana violentada pela escravidão e se tornou resistência
que reverbera hoje. (SILVA; ROSA, 2017, p. 254)

Ao atentarmos ainda par os poemas de Bessa Victor e Bruno de Menezes, percebemos


que a mulher negra exerce uma função de extrema importância dentro da dança do Batuque.
Porém, essa função tem significado divergente dentro dos contextos as quais estão sendo
narradas. No poema de Bessa Victor a mulher aparece não como um adorno, mas exercendo
um papel de sustentação, até porque, grande parte das sociedades africanas surgem sendo
matriarcais, exercendo, assim, como bem cita Laraia (2001, p. 41), “papéis importantes na vida
ritual e econômica”.
Músicos negros, colossos,
e negras bailarinas, sensuais,
tocam e dançam, cantando,
agitando meus ímpetos carnais.
(...) (VICTOR, 1958, p. 21)

Nesse trecho do poema, os homens aparecem dentro da dança somente como quem
exerce a arte da música, ou seja, quem toca ou canta; já as mulheres, estas demonstram toda sua
desenvoltura na diligência das atividades de dançar, tocar e cantar, numa perfeição que
entusiasma quem as vê. E isso é confirmado pelo eu lírico, quando este as descreve como sendo
“sensuais”, além de agitar seus “ímpetos carnais”. Já no poema de Bruno de Menezes, é
evidente a atuação da mulher dentro da dança do batuque visando mais a diversão de seus
senhores, homens brancos.
E rola e ronda e ginga e tomba e funga e samba,
A onda que afunda na cadencia sensual.
O batuque rebate rufando banseiros,
As carnes retremem na dança carnal!...
(MENEZES, 1984, p. 22)

Ao mesmo tempo que Bruno de Menezes enfatiza o caráter sensual e até mesmo carnal
da dança do batuque, ele coloca a mulher negra escrava relatando os abusos sofridos pelo seu
senhor branco: “Maribondo no meu corpo!”, o que retrata bem como era o ambiente
escravocrata no Brasil. Em relatos como o de Gilberto Freyre (2003), inclusive, escreve que
desde pequenos, os colonos demonstravam sua tendência para o sadismo, portanto o escravo e
a escrava negra serviam não somente para trabalhos qualquer, mas para suas diversões. Neste
sentido, as danças com mulheres escravas negras fazendo coreografias sensuais serviam muitas
vezes apenas como um divertimento para os colonos portugueses.
Nos poemas, há outro ponto importante a ser evidenciado, é a forma como os autores
tratam a dança, a posição que cada um escolhe para se referir a ela. Victor, um escritor de
origem angola, conviveu com toda a realidade do ser negro em terra africana, mesmo que depois
um tempo tenha se ausentado. Sua realidade, sua identidade mais manifesta sempre será de
raízes africanas, é o que observamos, por exemplo, nos seus versos do poema “O feitiço do
batuque”, em frases tais como: “Sinto o som do batuque nos meus ossos”, “seu ritmo louco no
meu sangue vibra”, “sinto em mim o batuque penetrando”.
Em seu poema, é explícito a intimidade do eu lírico com a dança, a forma com que ele
se expressa é de pertença, como se o batuque fosse parte dele, o que não deixa de ser verdade.
Em momento nenhum ele se refere à essa manifestação como uma forma que está distante de
si, ou que é indiferente, mas ele expressa um envolvimento que o atinge de forma positiva. Na
última estrofe da estrofe a seguir, ele enfatiza o impacto da batucada no seu ser, e confirma que
isso sempre fará parte do seu eu, mesmo na vida após a morte, que acaba sendo incerta para ele
– ou o céu, ou o inferno.
A batucada tem feitiço eterno.
o batuque de dor e alegria,
que sinto no meu ser, dentro de mim,
nunca mais terá fim,
nem mesmo além do Céu e além do Inferno!
(VICTOR, 1958, p. 21)

Quando, no entanto, Bruno de Menezes se refere ao batuque em seu poema, fica


explícito um comportamento diferenciado de Victor; há um certo distanciamento do escritor
com relação a realidade que está sendo tratada. Usa-se uma linguagem em que terceira pessoa
é predominante, não há o envolvimento do eu lírico com o que é retratado.
Sudorancias bunduns mesclam-se intoxicantes
no fartum dos suarentos corpos lisos lustrosos
ventres empinam-se no arrojo da umbigada,
as palmas batem o compasso da toada.
(MENEZES, 1984, p. 21)

Aqui, Bruno de Menezes não assume a posição do ser negro, ou do ser mestiço, mas a
posição do outro, com um olhar distanciado, para narrar a dança do batuque, onde homens e
mulheres negras estão envolvidas, e para trazer à tona os abusos que as escravas sofriam por
parte de seus senhores. O poeta afrodescendente, então, constrói uma fala em que “o ser negro”
faz parte do outro, é uma realidade do outro, não demonstra a intimidade com os elementos
abordados como o poeta Bessa Victor. Nos seus versos, quem dança o batuque são “crioulas
mulatas gente pixaim”; são “os suarentos corpos lisos lustrosos”, ou seja, o outro e não eu.
Os teóricos que estudam a cultura têm uma explicação lógica para esclarecer esse
comportamento diferenciado de um indivíduo que apesar de ter ligações biológicas com
determinadas “raças” ou grupos humanos, por pertencer a um espaço cultural diferente dos de
sua origem, é capaz de se perceber sendo o outro, e não mais como parte desse grupo. Laraia,
por exemplo, defende que as atitudes de cada pessoa não são biologicamente determinadas, sua
herança genética nada tem a ver com suas ações, mas que “o comportamento dos indivíduos
depende de um aprendizado, de um processo que chamamos de endoculturação.” (LARAIA,
2001, p. 22-23) e ainda explica:
se transportarmos para o Brasil, logo após o seu nascimento, uma criança sueca e a
colocarmos sob os cuidados de uma família sertaneja, ela crescerá como tal e não se
diferenciará mentalmente em nada de seus irmãos de criação. Ou ainda, se retirarmos
uma criança xinguana de seu meio e a educarmos como filha de uma família de alta
classe média de Ipanema, o mesmo acontecerá: ela terá as mesmas oportunidades de
desenvolvimento que os seus novos irmãos. (LARAIA, 2001, p. 22)

Eagleton (2003), por sua vez, ressalta um fato importante, o de que mesmo havendo
territórios com culturas diferentes, a opressão incomum sofridas por elas pode se tonar um
ponto positivo para que ambas construam uma relação de empatia. O exemplo citado pelo autor
é o colonialismo sofrido por diversos países, para ele “uma sociedade que tenha sofrido uma
colonização, por exemplo, basta consultar a sua própria experiência ‘local’ para ser solidária
com outra colónia.” (EAGLETON, 2003, p. 69). Tal fato é observado na escrita de muitos
autores negros brasileiros, os quais apresentam uma escrita de alguém que exprime uma
solidariedade por causas negras por consequências incomuns do colonialismo, e não por se
reconhecer como tal.

CONCLUSÃO

Dentre tantas culturas presentes no Brasil, a cultura negra é uma das que se destaca,
porém, as mesmas não se apresentam em formas puras, mas com algumas alterações resultadas
do contato do negro africano, ao chegar na colônia, com as demais culturas aqui existentes. O
fato importante de todo esse processo de reconstrução cultural pelo qual passaram os negros no
Brasil, foi a capacidade de resistência, de mesmo enfrentando situações de opressão, submissão
e sofrimento, os mesmos conseguiram manter vivas manifestações de extrema significação.
A dança do batuque é o retrato desse processo de reconstrução, pois ao chegar em
territórios brasileiro, sofreu transformações significativas na sua forma de ser realizada. A
mesma foi reorganizada de acordo com o novo ambiente, o que foi resultado de um processo
natural do próprio contato humano com novas realidades, com uma natureza diferente. Além
disso, as mudanças ocorreram também com um objetivo maior, o de manter a cultura africana
viva, ou seja, como uma forma de resistência, uma vez que que os escravos africanos viam nas
manifestações próprias da África um meio de rememorar sua terra, seu país de origem.
Neste sentido, ao se analisar os poemas de Bruno de Menezes e Geraldo Bessa Victor,
é evidente como a literatura através das letras, das palavras e dos próprios sons evocados, têm
a capacidade de transportar o leitor e instiga-lo a compreender a realidade. É uma relação que
para ser melhor apreciada, faz-se necessário que o leitor ou pesquisador se aventure por diversas
vias, dentre elas, a intertextual e interdisciplinar, pois ao abarcarmos, por exemplo, em nossa
prática de análise literária a forma, a temática, presentes nos textos, valorizando a fruição do
texto e o seu poder de relacionar-se com outros, faz com que sejam ampliados os olhares sobre
as obras literárias.
Dentro dessa perspectiva, a literatura comparada, então, tem suma importância,
porquanto desconstrói a ideia de que o texto é o todo-poderoso, a única fonte de informação, e
leva o leitor numa viagem intertextual e interdisciplinar onde os elementos culturais, os
elementos sociais, as vertentes pessoais do autor e as ideologias próprias de uma época fazem-
se requisitos fundamentais para a análise literária. Pois como salientam Machado e Pageaux
(1988, p. 193) “O investigador literário nunca deverá esquecer-se de que a literatura não é
apenas o que se escreve, é também o que se pensa e o que se vive.”

OBSERVAÇÕES: Gostei muito do artigo, fiz mínimas marcações em vermelho.


Algumas questões teóricas podemos pensar juntos mais adiante.
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