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8.

Literatura comparada: teorias e métodos

HISTÓRIA GERAL DA LITERATURA COMPARADA

É tarefa diícil precisar o campo de atuação da literatura comparada, pois


seus conteúdos e objetos mudam com o tempo e o espaço que ocupam. É
possível no entanto, traçar um panorâma histórico de suas origens como
disciplina até os dias atuais. Para isso, utilizaremos as contribuições de
Coutinho e Carvalhal no basilar “Literatura comparada, textos fundadores”,
Sandra Nitrini em “Literatura comparada: história, teoria e crítica” e
contribuições mais pontuais de críticos como Antonio Candido, Silviano
Santiago e Leyla Perrone-Moisés.
As origens da literatura comparada se confundem com a da própria
literatura. Basta aproximar-se duas literaturas distintas e contrastá-las com
objetivo de exaltar os méritos, por exemplo. No entanto, tal comportamento
está distante de um projeto de comparatismo mais elaborado, e mais próximo
de um teste empírico.
A tendência ao empirismo acrítico perdura até o século XIX, marco de
sua institucionalização como disciplina acadêmica em contexto europeu. A
expressão literatura comparada, conforme os textos fundadores, deriva de um
método de contraste aplicável as ciências naturais e utilizado para confirmar
hipóteses. Havia uma tendência – particularmente na França – de valorização
do contato com as literaturas estrangeiras: foi sob esse mote que se tornou
disciplina ensinada nas universidades francesas na década de 1830. Chasles,
numa aula inaugural de um desses cursos, cita as influências” entre nações e
culturas do norte e do sul, em intercâmbios entre países europeu como França,
Inglaterra, Alemanha e Itália.
Entre os primeiros entusiastas está o irlândes Hutcheson M. Posnnett,
em cujo ensaio “O método comparativo e a literatura”,´traça-se um paralelo
entre a trajetória da evolução humana e de evolução da literatura, vendo-a
como uma espécie de “progressão”. O método comparativo, de acordo com
Posnett, evolui com a vida em sociedade
Posnett parte do conceito de crítica proposto por Mattew Arnold para
propor que o crítico de sua época deveria lidar com literaturas estrangeiras,
sendo “forçado a olhar além de suas costas marítimas” Mas antes, o estudioso
deverá se voltar para as influências internas do desenvolvimento da sociedade
e buscar entender como os efeitos deste desenvolvimento foram sentidos na
literatura. Assim, seu olhar se alarga para além das fronteiras nacionais e
percebe pontos em comum entre a literatura de seu país e a literatura de todo
um continente; percebe, em suma que o pensamento literário é influenciado por
países estrangeiros. O autor ressalta, contudo, que essas influências podem
levar à imitação de modelos, o que pode implicar na “exotização” da literatura
Posnett assenta seu conceito de literatura sobre a questão da influência, que
para ele, inicia-se desde Roma, que imitava as tragédias gregas. O autor
acredita que “a questão central destes estudos [comparatistas] é a relação do
indivíduo com o grupo” e adota a ordem da expansão social do clã para a
cidade como ordem para os estudos de literatura comparada
Outro estudioso desse período inicial de consolidação da disciplina foi
o francês Joseph Texte. Este autor julgava que ser “cosmopolita” era uma
característica necessária à literatura. Mais que isso, nota que “(....)De nacional
ou local como o era geralmente até aqui, a história literária possui uma
tendência manifesta de se tornar européia e internacional. As relações das
diversas literaturas entre elas, as ações e reações que elas exercem ou
sofrem, as influências morais ou simplesmente estéticas que derivam destas
trocas de idéias, tudo isto constitui um campo de estudos ainda quase novo
(...)”. Desde o título de seu estudo “A literatura comparada no estrangeiro e na
França”, Texte estabelece novos paradigmas disciplinares ao situar o interesse
da literatura além das fronteiras nacionais, capaz de influenciar literaturas
vizinhas e assim tornar-se internacional ou ainda “europeia”. No entanto, segue
a proposição de uma historiografia literária. Como Posnett, Texte assinala a
antiguidade da comparação, mas conclui que como método era uma
perspectiva mais recente, devido ao número pequeno de literaturas
conhecidas, a ausência de um ponto de vista crítico e histórico e ainda, a
dependência que se estabelecia entre as literaturas grega e latina. Para se
fazer comparável, assegura Texte, a literatura deve ser concebida como
expressão de uma nação, que seja percebida como arte local e cujas
características denotem unidade. Texte já via também resultados provenientes
do estudo comparado entre literaturas: por um lado, aumentou a consciência
nacional de cada povo, fazendo surgir obras de caráter nativo e, por outro,
diminuiu as fronteiras, possibilitando inclusive, novo fôlego às pretensões
imperialistas francesas. De modo geral, Texte visa um estudo comparativo
calcado na historiografia literária que forje um novo tipo de “saber científico”.
Louis Paul Betz propõe a constituição de uma “literatura universal” a
partir da problemática não resolvida entre fontes e influências. Num avanço em
relação aos outros comparatistas discutidos até aqui, Betz enxerga a literatura
comparada não como simples método, mas como campo de estudos em
expansão. Escrevendo em termos de “história da literatura comparada explica
que esta “observa as constantes mudanças, o contínuo trocar de idéias e
formas. Como literatura mundial, ela caminha passo a passo com a história
nacional da literatura em direção a um objetivo comum: a investigação do
desenvolvimento do espírito humano.
Em suma, como afirma Nitrini, no final do século XiX acredita-se saber
quais os objetos e métodos da literatura comparada. Mas, em 1902, Benedetto
Croce ainda se pergunta: “O que ´´é a literatura comparada”? e responde que
ela não pode ser definida por seu método, comum a outras àreas. Rompendo
com a crítica anterior, que se firmava na busca de fontes e influências, Croce
contraria ainda outra definição, a de que a literatura comparada se ocupa de
“ideias ou temas e acompanha os acontecimentos, as alterações, as
agregações, os desenvolvimentos e as influências recíprocas entre as
diferentes literaturas”, concepção dominante até então, para colocar-nos diante
de uma terceira possibilidade: “a história comparada da literatura é a história
entendida como explicação completa da obra literária, investigada em todas as
suas relações, posta no campo da história universal, vista em todas aquelas
conexões e preparações que a esclarecem”.
Ferdinand Baldensperger destaca que a necessidade se comparar
literaturas está intimamente ligada à valorização da produção literária nativa de
cada nação, a fim de destacar a “superioridade” ou “inferioridade” de uma dada
literatura. Mais do que isso, a literatura comparada parece ter servido para
denunciar “roubos” ou “apropriações” de uma dada literatura sobre a outra, ou
ainda, para demonstrar que uma dada literatura é superior, visto que consegue
influenciar mais países, como proposto anteriormente por Joseph Texte. Ao
fazer um inventário de todas as possibilidades utilizadas até então pela
literatura comparada, a partir de uma perspectiva histórica, Baldesperger afirma
que havia duas direções-mestras que a literatura comparada poderia seguir:
uma esforçava-se por reduzir a elementos simples, tradicionais, os diferentes
temas de que vivem as literaturas, sem renovação básica de sua matéria
essencial, sem variação e com uma espécie de adulteração contínua de sua
simplicidade inicial. A outra “entendia e precisava as inter-relações visíveis
entre as séries nacionais das obras literárias [...] ela descobria fenômenos de
empréstimo, determinava a zona de influência externa dos grandes escritores”.
Paul van Thieghem é outro estudioso, que embora com ideias
ultrapassadas, precisa ser revisitado. Seu conceito de literatura comparada, de
cunho positivista´, vê a literatura comparada como um meio-termo entre a
história literária de cada nação e uma história mais geral. “Já que todas as
partes que compõem o estudo completo de uma obra ou de um escritor podem
ser tratados recorrendo-se unicamente à história literária, exceto a pesquisa e
análise das influências recebidas e exercidas, convém, reservar esta para uma
disciplina particular, que terá suas finalidades bem definidas, seus especialistas
e seus métodos. Ela prolongará em todos os sentidos os resultados adquiridos
para a história literária de uma nação e os unirá àqueles, que por sua vezes
forem adquiridos por historiadores de outras literaturas; com esta rede
complexa de influências, constituirá um domínio à parte”
Como disciplina autônoma, a literatura comparada tem seu objeto e
método próprios; o objeto é o estudo das diversas literaturas e suas relações
entre si, ou seja, em que medida se ligam na inspiração, no conteúdo, na
forma, no estilo. Van Thieghem é quem formyla a diferença entre literatura
comparada e literatura geral: a primeira tem por objeto o estudo entre duas ou
mais literaturas; a literatura geral faria uma síntese dos “fatos comuns a todas
as literaturas”. No entanto, afirma Nitrini, a tripartição entre literatura
comparada, literatura geral e literatura nacional, deve-se à visão positivista e
não resiste à análise.
Marius-Fraçois Guyard define a literatura comparada como “a história
das relações literárias internacionais” e o comparatista como alguém que se
encontra nas fronteiras e acompanha as mudanças que acontecem em duas ou
mais literaturas. Guyard afirma que o comparatista é ou quer ser historiador, e
como historiador das relações literárias, deve conhecer as literaturas de
diversos países Seguindo a mesma linha de Van Tieghem, em seu texto
percebe-se a literatura comparada tomando forma de disciplina, mas seus
apontamentos são excessivamente normativos.
René Welleck, por outro lado, critica, de forma contundente os estudos
de fontes e influências, praticados até então por comparatistas da Escola
Francesa, como Paul Van Tieghem e Guyard. Wellek afirma que a literatura
comparada “está obviamente correta [...] na sua concepção de uma tradição
literária ocidental composta de uma rede de inúmeras inter-relações”, mas
condena a divisão entre “literatura geral” e “literatura comparada” proposta por
Van Tieghem. Também considera limitada a proposta de Guyard de estudar
literatura comparada como uma espécie de “comércio exterior”, restrita a fontes
e influências, causas e efeitos. Wellek continua criticando a tentativa de Van
Tieghem de conceber literatura comparada em termos “factualismo positivista
do século XIX, como um estudo de fontes e influências.” Segundo o autor,
“eles [os comparatistas franceses] acreditam em explicações causais, na
informação obtida a partir da investigação dos motivos, temas, personagens,
situações, enredos, etc, que são tributários de algum outro trabalho
cronologicamente anterior”
O autor enxerga um paradoxo no modo como a literatura comparada
vinha sendo praticada até então, visto que surgiu como maneira de combate a
um nacionalismo exacerbado e se tornou uma ferramenta deste mesmo
nacionalismo. Isso levou a um estranho sistema de contabilidade, no qual uma
nação impera sobre as demais e julga compreender melhor um escritor
estrangeiro do que seus conterrâneos. Para Wellek a literatura comparada
“instituiu-se como o termo empregado para qualquer estudo de literatura que
transcenda os limites de uma literatura nacional”. Welek insiste que a literatura
tem de reencontrar seu foco de estudo, e por isso, propõe que volte a se
preocupar com o texto literário somente, mas levando em consideração todo o
contexto de sua produção. Propõe uma confrontação dos objetos com sua
essência, uma contemplação parcial e intensa que leve à análise e a juízos de
valores.
Se Paul Van Thieghem tinha definido bem objeto e método da literatura
comparada a ponto de seu texto assemelhar-se a uma “cartilha”, foi por isso
mesmo atacado por Welleck para quem o “factualismo positivista” tinha
chegado ao fim e por isso propôs um estreitamento das relações entre história,
literatura e crítica. Welleck moldou essa concepção depois de participar dos
círculos línguísticos de Praga e por isso, o arcabouço teórico de sua
argumentação é a fenomelogia da obra literária, no debate das relações entre
sua estrutura e as relações que se estabelecem com a história. Questiona a
distinção entre literatura comparada e literatura geral, a limitação de
estudarmecanicamente as fontes e influências e a delimitação artificial do
objeto da literatura comparada, repleta de prarelismos, similaridades e
identidades que não contribuem para uma teoria literária mais geral, além de
considerar o método adotado obsoleto. Critica, em suma, o isosalacionismo da
literatura comparada, que não agregou conhecimentos advindos, por exemplo,
do formalismo russo, do new criticism, da estilística espanhola, da psicanálise,
nem do marxismo.
Por esses motivos, conforme o crítico tcheco, a literatura comparada
está em crise e precisa de novos princípios. Reclama uma tomada de
consciência dos valores e qualidades da obra literária, insiste sobre o papel
fundamental da crítica, defende a concepção da obra de arte como uma
totalidade diversificada, como uma estrutura de signos que implicam e exigem
significados e valores. Essa nova visão afasta a possibilidade de se trabalhar
com o conceito de influência. O problema da literariedade passa a ocupar papel
central no debate da crítica. Welleck partilha da ideia de que a a literatura
comparada define-se pela perspectiva de “estudar qualquer literatura de uma
perspectiva internacional, com a consciênvcia de unidade de toda criação e
experiência literárias”, independentemente de quaisquer fronteiras. Seu modelo
ideal de comparatista é aquele que procura ler tudo o que for possível das
literaturas e culturas disponiveis nas línguas originais, para formular um
quadro de referência, escrever e falar de modo claro e relacionar as ideias às
circunstâncias históricas.
Dentre as vozes que se levantaram, à época, para defender o método
comparatista francês, destaca-se a de Munteano, para quem o estudo de
literatura e sua história fornecem uma série de dicotomias que interferem em
diversos níveis e ao qual subjaz um esquema de polaridades estruturais. A
partir do reconhecimento da interdependência entre os termos, busca definir o
objeto da literatura comparada, ligado a dois processos diametralmente
opostos: um processo receptor que conduz à definição das ambiências de
qualquer ordem que o autor incorporou na obra e por outro lado, um estudo da
ação e da dispersão de cada obra nos ambientes cada vez mais vastos que as
circundam. No entanto, Munteano ainda se volta a três vias principais de
comunicação entre os pólos individual e universal das obras, a saber: fontes,
influências e afinidades. Admite que a verdadeira dificuldade da literatura
comparada não é demonstrar sua legitimida, mas determinar seus limites. Para
chegar a isso, Munteano propõe dividi-los em elementos que encerrem
divergências e relações dialéticas mais visíveis. Em suma, Munteano tem uma
visão humanista dos estudos literários.
Robert Escarpit tenta encontrar uma alternativa para o binarismo
historicismo-formalismo que parece impregnar as reflexões de gerações de
comparatistas, de Van Tieghem a René Wellek. A solução, segundo o autor é
estudar a literatura como um “fenômeno social”, intimamente ligado com a vida
coletiva.. O autor propõe considerar também, aspectos da recepção e
circulação da obra, além de se preocupar com o fato de que existe um autor
por trás da narrativa, que deve ser inserido em um contexto histórico, antes que
se passe a estudá-lo.
Cláudio Guillén, comparatista espanhol radicado nos Estados Unidos,
assim com Welleck também critica a separação entre “literatura geral” e
“literatura comparada”, pois esses campos não são independentes, o que não
quer dizer que não haja diferenças entre um e outro. A experiência do crítico e
do leitor é variada. De acordo com Guillén, pode-se tratar os elementos
isoladamente, sem esquecer que ele participa de um campo maior, o da
história literária, campo este entrelaçado pelas relações internacionais.
Henry Remak, no texto subsequente tem uma ideia bastante distinta do
comparatismo. Para ele,”A literatura comparada é o estudo da literatura além
das fronteiras de um país específico e o estudo das relações entre, por um
lado, a literatura, e, por outro, diferentes áreas do conhecimento e da crença,
tais como as artes (por exemplo, a pintura, a escultura, a arquitetura, a
música), a filosofia, a história, as ciências sociais (por exemplo, a política, a
economia, a sociologia), as ciências, a religião etc. Em.suma, é a comparação de
uma literatura com outra ou outras e a comparação da literatura com outras
esferas da expressão humana”
Para sustentar a pertinência de uma definição, diríamos, interdisciplinar
e que vê a literatura comparada como passível de abertura a outras áreas do
conhecimento, Remak sintetiza os principais acertos e pontos que devem ser
revisitados das duas grandes escolas comparatistas, a francesa e a americana.
De seu ponto de vista, ambas concordariam com a primeira parte de sua
definição, aquela que se preocupa com o estudo de literaturas além das
fronteiras nacionais, mas metodologicamente, adotariam posicionamentos
diferentes. A escola francesa, afirma o autor, é contrária a estudos que
“simplesmente comparam”, por vezes, como em Guyard, criticando, o estudo
das influências. Para Remak, o estudo das influências é “delicado”, “requer de
quem se dedica a ele mais conhecimento enciclopédico e mais finesse do que
se tem mostrado”, e pode contribuir menos para a compreensão da literatura
do que o estudo comparado de obras, autores, estilos, tendências e literaturas.
O autor critica teóricos que se esquecem que o nome da disciplina é “literatura
comparada” e não “literatura influente”. Ainda argumentando contra as idéias
de Guyard, Remak nos diz que para estudar literatura “é preciso ter síntese”, a
menos que se queira condenar à fragmentação e ao isolamento. A escola
americana deve se precaver contra o preconceito a certos tópicos, como os
estudos de recepção, por exemplo. Quanto à segunda parte da definição,
aquela que propõe que a literatura se relacione com outras áreas, a distinção é
simples: “os franceses com certeza se interessam por tópicos tais como as
artes comparativas, mas não pensam neles como estando na jurisdição da
literatura comparada”.Mas o autor faz uma objeção relacionada a isso, a de
que existe ”falta de coerência lógica entre a literatura comparada enquanto o
estudo de literatura além das fronteiras nacionais e a literatura comparada
enquanto o estudo das ramificações da literatura além das suas próprias
fronteiras”. A concepção de Remak por se abrir para outras àreas do
conhecimento é polêmica e, de certa forma, exige do comparatista um nível
próximo ou equivalente de expertise tanto em literatura quanto em outra àrea,
tal como a história, o direito, o cinema e as artes plásticas, o que Carvalhal
denomina “dupla competência”. Welleck critica essa proposta como muito
ambiciosa e afirma que não sobrevive a um exame rigoroso.
René Etiemble argumenta contra a visão “franco-cêntrica” de boa parte
dos comparatistas, que tendem a colocar a literatura francesa em posição de
destaque em relação às outras literaturas, argumentando que se os franceses
têm este direito, qualquer outra nação poderia fazer isso, dado o suposto
caráter “internacional” da disciplina. Segundo Etiemble, é tarefa do
comparatista renunciar a todo tipo de chauvinismo e provincianismo,
reconhecendo [..] que a civilização humana [...] não pode ser compreendida
nem apreciada sem que se faça constante referência a essas trocas, cuja
complexidade impede a quem quer que seja de ordenar a nossa disciplina em
função de uma língua ou de um país, privilegiando-o dentre os demais
Etiemble corrobora a noção de literatura “supranacional”. Propõe um
método não-historicista, mas voltado para a reflexão histórica e abrange em
seu texto literaturas não-ocidentais, como a japonesa. Define o espírito da
disciplina como a necessidade de se “verificar se podemos conciliar as
exigências de nosso ofício com a duração média da vida de um homem,
mesmo que seja ele comparatista”.
Vê-se, por este viés que a crítica da abordagem de fontes e
influências ocorria, por vezes, dentro do que se convenciou chamar de “escola
francesa”, pois Eiemble condena a arbordagem de causas e efeitos nos
estudos de literatura. A comparação, para este autor, é válida mesmo se não
houver tais influências. Concorda com Welleck que a literatura comparada
jamais chegará a definir sua identidade e trata as diferenças entre as escolas
como conciliáveis. Propõe uma terceira solução, a que chama dialética ou
mediadora: a literatura comparada deve conhecer minuciosamente as relações
de fato que explicam, numa determinada época a ação de determinado
escritor, de uma determinada corrente ou de uma determinada cultura.
Contudo, isso não é suficiente para resolver a questão das influências. Para ele
a literatura comparada se realiza quando estuda a obra literária como tal.
Propõe o uso da indução, da pesquisa minuciosa, a fim de construir um
sistema de invariantes. Nesse sistema, não há lugar para o inédito. A
originalidade é parte das estruturas globais´e é menos importante do que a
“justeza” a imposição correta de uma ideia. Seu pensamento é definido por
Nitrini como um “classicismo militante” , provindo do ideário do século XVIII.
Sua teoria propõe-se a dar conta de uma experiência ideológica universal, de
reestabelecimento dos valores clássicos e da unidade de fundo da literatura
como totalidade.
Nitrini reconhece em Etiemble certo pioneirismo, ao abrir lugar para as
pequenas literaturas, propondo uma renovação radical da literatura comparada
tradicional, numa atitude antiimperialista e anti-colonialista. Assim, suas
colocações explicitam veementemente as relações entre literatura comparada e
política. Contudo, havia em sua concepção algumas dificuldades operacionais,
como por exemplo para o alargamento do quantitativo do objeto da literatura
comparada, em que corre-se o risco de recair na superficialidade.
Quebrando a hegemônia das escolas francesa e americana, surgem em
cena alguns comparatistas do Leste Europeu, a partir do final dos anos 1960.
Viktor M. Zirmhusky opõe-se ao entendimento dominante de “literatura
comparada” em termos de “influências literárias”, como fenômenos causais, o
que impossibilita um estudo mais apurado de certos aspectos, como a
personalidade do autor, sua origem nacional e histórica, entre outros fatores.
Para Zimhunsky, essas influências não são um “impulso mecânico” e
“acidental”, um mero “acontecimento”, mas sim “um fato social historicamente
condicionado e determinado pelo desenvolvimento interno da literatura nacional
em questão.” Zimhunsky questiona a validade da separação entre “literatura
comparada” e “literatura mundial” ou “universal”, efetivada pelos manuais de
literatura comparada como os de Van Tieghem e Guyard. Para o autor, “a
literatura comparada, no sentido amplo do termo, revela a existência de
paralelismos regulares na evolução literária, e de analogias tipológicas e
convergências entre literaturas que parecem ser sintomas de tendências
gerais; ela também revela o jogo de inter-relações literárias não menos
regulares baseadas em "contra-correntes", no sentido de Veselovsk”.
A premissa essencial da proposta de uma teoria comparatista das
literaturas dos diferentes povos é a idéia de unidade e regularidade do
desenvolvimento histórico e social da humanidade. Esse pro cesso geral rege
a evolução da literatura e da arte, como imagens tipificadas da realidade,
refletidas na consciência do homem social. Levando-se em consideração a
literatura da época moderna, desde o começo da formação da sociedade
burguesa, constata-se que, em diferentes povos europeus, ocorre uma mesma
sucessão regular de correntes literárias. A similitude dessas correntes em
diferentes comunidades não pode ser resultado do acaso, mas determinada
historicamente por condições semelhantes da evolução desses povos:
renascimento, barroco, classicismo, romantismo, realismo, naturalismo,
modernismo. Essa regularidade faz pensar numa evolução única e ordenada
de sistemas artísticos inteiros, condicionada no seu aspecto ideológico e
artístico.
Assim, nota-se que, nos países do leste europeu, àquela época
comunistas, houve a prevalência de princípios básicos de uma investigação
literária comparada marxista orientada por uma dupla demarcação: por um
lado, contra a literatura comparada “francesa” e ainda mais contra a
“americana” (explicitamente) e, por outro, contra o descrédito das questões
comparatistas tais como haviam estado na ordem do dia em luta contra o
“cosmopolitismo”.
Zhirmunsky reconhece que nos estudos literários da Europa ocidental,
na década de 1970, a idéia de causalidade social dos fenômenos literários não
tem grande popularidade, sendo recusada como “determinista”. Mas tal
concepção não faz da literatura e da história, em geral, um amontoado de
acidentes indivi duais, fortuitos e imprevistos. A idéia segundo a qual condições
históricas repercutem sobre fenômenos literários e sociais não se confunde
com o determinismo mecânico e rígido e não exclui os caminhos diversos e
individuais do desenvolvimento da literatura provocado pelo jogo complexo
das causas e condições de desenvolvimento.
Zhirmunsky posiciona-se face à distinção estabelecida por Paul Van
Tieghem entre “literatura comparada” e “literatura geral”. As correntes literárias
pertencem ao domínio da “literatura geral”. Mas ele discorda de uma
distinção entre “literatura comparada” e “literatura geral” feita em base
puramente quantitativa. Segundo esta perspectiva, a idéia de Paul Van
Tieghem só será possível se a literatura geral for considerada não uma simples
soma de literaturas coexistentes, agindo reciprocamente umas sobre as
outras, unidas mecanicamente e situadas em períodos cronológicos
sucessivos, mas uma totalidade histórica de ordem superior, desenvolvendo-se
como um processo único social e historicamente condicionado. O programa
de Zhirmunsky não exclui o estudo comparado dos textos literários. É ele
que fornece a matéria necessária tanto para a elaboração da literatura nacional
quanto da história comparada das literaturas do mundo.
Outro comparatista do Leste Europeu é Sóter. Ele contrãpõe o que
denomina de “comparação binária” à “confrontação complexa”, um método que
leva em conta as exigências internas próprias de cada literatura nacional,
tornando possível a recepção de uma influência estrangeira de acordo com
suas tendências assimilatórias que as transformam, conferindo-lhes novas
funções no sistema receptor. Além disso, o método da “confrontação
complexa” procura assinalar tendências paralelas da evolução das literaturas
nacionais que, em circunstâncias históricas semelhantes, acarretam a
recepção de efeitos, provocam o aparecimento de fenômenos e de
configurações similares. Revelam-se fundamentais para o método de
confrontação complexa apenas duas categorias: a do período histórico e a da
obra individual, que se opõem segundo a dicotomia geral-particular. Cacla
período histórico distingue-se por uma tendência primordial e características
próprias. Ainda, para que a técnica do confronto de todos os seus frutos e o
pesquisador construa uni modelo apto a captar o período em sua polifonia, o
método não deve restringir seu tema ao domínio literário, mas deve ampliá-
lo de maneira a incluir a música, as belas-artes e as artes aplicadas
Claude Pichois e André M. Rosseau buscam definir o que é literatura
comparada e de que ela trata. Chegam a seguinte definição, que eles mesmos
consideram ampla, e aconselham o leitor a suprimir desta definição o que lhes
parecer deslocado. ”A literatura comparada é a arte metódica, pela busca de la-
ços de analogia, de parentesco e de influência, de aproximar a literatura dos
outros domínios da expressão ou do conhecimento, ou então os fatos e os
textos literários entre si, distantes ou não no tempo ou no espaço, desde que
pertençam a várias línguas ou culturas, que façam parte de uma mesma
tradição, para melhor descrevê-los, compreendê-los e saboreá-los”. Mas,
segundo os autores, se alguma parte desta definição for suprimida a literatura
comparada perde o sentido, uma vez que, seu objetivo é “permitir o estudo da
literatura em sua totalidade”. Nitrini afirma tratar-se de uma definição
conciliadora, que tenta dirimir a distinção entre as “escolas” de literatura
compara. Como Cláudio Guillén, a autora reconhece ter havido predominância
de um enfoque francês e depois de um estadunidense de fins do século XIX
até a Segunda Guerra Mundial, considerando que depois desse marco, o uso
dessa divisão lhe parece incorreto. A autora considera que os franceses
buscavam compreender uma “ a antiga literatura comparada mundial”, baseada
no estudo das fontes, com fins de documentação, enquanto “a nova literatura
comparada mundial é centrada num modelo transnacional, de perspectiva
interdisciplinar. Esse último conceito dificulta a adoção de uma metodologia
bem definido, pois parte do pressuposto de que deve ser aceito todo tipo de
abordagem.
Simon Jeune, partícipe da tradição comparatista francesa, segue o
mesmo caminho trilhado por Van Thieguem e Guyard ao fazer um manual de
estudo da disciplina. Logo de início, o autor concebe “literatura geral como
aquela que liga entre si as diversas literaturas nacionais e como aquela que
estabelece pontes entre a literatura e as belas-artes”, um termo que deve ser
usado não em oposição, mas para complementar o sentido de literatura
comparada. Assim, durante o texto, Jeune fundamenta pontos de distinção
entre uma e outra.
Jan Bradt Courstius aproxima-se das concepções da escola norte-
americana de literatura comparada. A intenção do autor é a de demonstrar que
a literatura ocidental é uma comunidade literária dentro da qual estao inseridas
cada uma de suas literaturas nacionais. Para o autor, a literatura comparada
deve ser compreendinda e estudada dentro de uma ótica internacional.
Courstius pressupõe que todos temos um impulso inicial que nos leva à
literatura, mas a partir do momento em que nos tornamos estudiosos temos de
manter contato contínuo com grandes obras. Embora rejeite a perspectiva
historicista, o autor vê a possibilidade de se estudar historicamente a literatura.
Segundo ele “a história de uma determinada literatura passa a presumir a
existência de uma comunidade literária, e muitas vezes descobrimos que suas
origens são profundamente enraizadas em outras literaturas. À medida que
conseguimos rastrear sua história, deparamo-nos com o impacto de textos e
autores de fora de suas fronteiras. Assim, verificamos que seus períodos
receberam rótulos internacionais não apenas por razões cronológicas, como as
expressões "Antigüidade" e "Idade Média" poderiam levar-nos a supor, mas
porque esses rótulos dão conta de características literárias internacionais”.
A.Owen Aldridge afirma que estudar literatura comparada não é fazer
uma comparação entre literaturas nacionais; “ao invés disso, ela [literatura
comparada] fornece um método de ampliação da perspectiva na abordagem de
obras literárias isoladas — uma maneira de se olhar para além das estreitas
fronteiras nacionais, a fim de que sejam discernidos movimentos e tendências
nas diversas culturas nacionais e de que sejam percebidas as relações entre a
literatura e as demais esferas da atividade humana”
O autor faz uma retomada de tudo o que foi dito de mais importante
acerca do conceito, que de início preocupava-se sobremaneira com as
relações entre literatura e sociedade, de um ponto de vista historicista, para
depois ser estudado com base na estética, e com Goethe assumir feições
geográficas. Aldridge comenta que nos estudos literários a comparação pode
ser usada para demonstrar afinidade, tradição ou influências. O autor critica os
pontos fracos de cada uma dessas abordagens, mas ressalta o valor de cada
um deles, no sentido de que aumentam a compreensão acerca da literatura.
Werner Friederich afirma que assim como todo Estado tem um
departamento de relações internacionais, toda universidade deveria ter um
departamento de literatura comparada a fim de se informar acerca das idéias e
trabalhos literários surgidos além das fronteiras nacionais. Friederich condena
as abordagens extremistas e propõe diferenciar as abordagens francesa e
americana de estudo da literatura comparada, como muitos antes dele já
fizeram. Destaca três modos diferentes de metodologia utilizada pelos
franceses: uma enfatizando o do emissor, outra o do receptor e a última o
papel do intermediário Para o autor, o pesquisador que estudasse
horizontalmente, se detendo em menos literaturas de um mesmo século por
exemplo, compreenderia melhor o fenômeno literário do que quem optasse
estudar verticalmente toda a tradição ocidental. Friederich defende a inclusão
de Literatura Comparada nos currículos das universidades e de programas
especiais
Harry Levin afirma que a literatura não pode ser comparada a nenhum
outro meio de expressão senão ela mesma, uma vez que é incomparável. Dizer
isso, contudo, não é o mesmo que desconsiderar as relacões existentes entre
literatura e artes ou literatura e ciência, mas conceber a literatura como algo
“além de comparações”. O autor opõe as concepções francesa e americana de
literatura comparada, na medida em que, para ele, os estudos efetuados pelos
franceses tinham vocação centrípeta, ou seja, olhavam para dentro de seu
próprio círculo, enquanto a concepção de Levin e seus contemporâneos é
centrífuga, buscando enxergar além-fronteiras. Suas ideias concordam com
alguns comparatistas que vieram antes dele, como Etiemble, que fala em
“cosmopolitismo literário” e Courstius para quem existe uma “comunidade de
literatura”. Mas, Levin acredita que esta oposição entre as “escolas” é menos
uma polêmica e mais um conflito de gerações, visto que as concepções acerca
de literatura comparada mudaram ao longo do tempo, mas que é preciso
manter um padrão para que não se construa “uma nova Torre de Babel”.
S. S. Prawer, no ensaio “O que é literatura comparada?” admite que esta
não é uma expressão feliz. Recentemente, segundo o autor, até mesmo a
palavra literatura teve seu significado estreitado. Até o fim do século XIX dizia-
se “literatura” para dizer que determinada pessoa tinha conhecimento acerca
das obras literárias, lia bastante. Nos dias em que Prawer escreve, literatura
significa “(além de ‘o conjunto de livros e artigos que tratam de um assunto
específico’), ‘produções literárias como um todo’, ‘os escritos de um país ou de
um período, ou do mundo em geral’. mas para o autor, é complicado falar em
“literatura comparada”, já que a literatura é uma expressão humana e as
expressões comparativas normalmente dizem respeito às ciências. Assim, ele
prefere o uso da expressão “estudo comparativo da literatura”. Se literatura
comparada é aquela que se utiliza do método comparativo da literatura, então
toda literatura é comparada.
Urich Weisstein decide utilizar um conceito meio-termo entre o da escola
francesa, que ele chama de “limitado” e àquele proposto pela escola
americana, mais “liberal”. Weisstein divide “literatura comparada” em “teoria
literáriada comparada” e “crítica literária comparada”, dois campos diversos de
atuacao. Ao mesmo tempo em que critica a concepção historicista francesa,
sente necessidade de tratar de cada obra em seu contexto histórico específico
e embora defenda a interdisciplinaridade é contra a formulacao de meros
paralelismos, pois esta prática requer sistematização e aprofundamento.
Francois Jost, por seu turno, afirma que as noções de “literatura
comparada” e “literatura mundial” não são idênticas. Vê a literatura mundial
como “pré-requisito” para a comparada. Assim, destaca que a literatura
comparada é uma “Weltilatur orgânica”; “um ‘relato’ articulado, histórico e
crítico, do fenômeno literário visto como um todo.”, ou como é vista comumente
como a “uma comparação mútua e até mesmo sistemática das literaturas na-
cionais.
“Literatura nacional” também é uma expressão que pode suscitar
entendimentos diversos: existe a definição popular, de que a literatura nacional
é aquela de um determinado país; e há a acadêmica, segundo a qual “por um
lado, ela consiste em obras que aderem a códigos de estética idênticos e que
são, conseqüentemente, escritos na mesma língua. Por outro lado, seus
escritores têm a mesma formação cultural” Jost critica a escola francesa de
comparatistas, pois estes, segundo ele, eram nacionalistas e achavam que sua
literatura era a melhor de todas e a literatura comparada era vista como
disciplina secundária, “ramificação da história literária” se relembrarmos Van
Tieghem. Também critica a escola soviética, da qual um dos representes é
Zirmhunsky, por não se preocuparem com questões estéticas Segundo o autor,
na América do Norte, a literatura comparada “caracteriza-se, por um lado, pela
multiplicidade de teorias literárias que surgem da mais absoluta liberdade no
ensino acadêmico, e, por outro lado, por uma ausência quase total de
preocupações nacionalistas”. o autor finaliza seu texto de maneira bastante
otimista afirmando que “a literatura comparada representa uma filosofia das
letras, um novo humanismo. Seu princípio fundamental consiste na crença na
totalidade do fenômeno literário, na negação das autarquias nacionais na
economia cultural e, como conseqüência, na necessidade de uma nova
axiologia.
Nos anos 1980, Adrian Marino, discípulo de Etiemble, considera que a
crise da literatura comparada, como visualizada 30 anos antes por Welleck
ainda não se resolveu. A crise persiste, segundo esse autor, pois ainda não se
definiu o objeto desse campo de estudos, e tem, segundo essa proposta, uma
raiz mais profunda: a distinção entre fato e texto. Marino propõe a conversão
radical da literatura comparada”. É nesse ponto que se revela o seu traço
diferencial : nem historicista, nem crítico, mas teórico geral. Busca passar
das relações de fato (particulares) para as relações estruturais (universais), do
“único” para o “genérco”, e converter o conjunto desses dados numa síntese
teórica e me todológica coerente
Sua poética ou teoria literária comparatista baseia-se num ponto de
partida que leva em consideração três aspectos importantes: a renovação do
conceito de literatura universal, a dissociação do com- paratisnio da idéia
exclusiva de comparação e sua associação com o estudo sistemático de
“literatura universal” e a recuperação da totali dade dos elementos que
antecipam uma nova apreensão global (his tórica, morfológica e teórica) de
literatura. Para elaborar uma poética comparatista. cujo objeto é a litera tura
universal, Marino propõe uma perspectiva e uma metodologia hermenêuticas
comandadas pelos seguintes pressupostos: a literatura universal existe se
compõe com a totalidade das literaturas e se confunde com a literatura e, para
se chegar a uma teoria da literatura universal, é necessário urn método que
antecipe e deixe configurar-se a teoria da literatura universal.
O resultado final dessa teoria comparatista literária, confundin- dosc com
o seu próprio objeto, constitui uma modalidade diferente de pensar e colocar
o problema da literatura: ela só pode ser definida no plano específico de
referência à literariedade. A conversão do comparatismo em teoria
comparada da litera tura e em poética encontra um objeto que a justifica.
Também nos anos 1980, no âmbito dos comparatistas do Leste Europeu
surge a teoria ou paradigma tipológico-contatual. Partindo da tese do papel
determinante da literatura receptora no processo de continuidade interliterária
e da concepção de tipologia comparatista não somente como fenômeno que
condiciona as semelhaças não contatuais, mas também como fator
responsável pela significação teórica e justificação da esfera genético-contatual
do processo interliterário. Segundo este estudioso, o objetivo da literatura
comparada é a compreensão da essência tipológica e genética do fenômeno
lite rário, vale dizer, de seus constituintes estéticos, finalidades, autores,
escolas literárias, gêneros, estilos etc., tanto quanto a revelação de leis
internas que caracterizam o fenômeno literário como um fenômeno concreto
da História e ao mesmo tempo como um fenômeno geral, sem se considerar
sua história específica. Para ele, a literatura comparada se inclui na história
literária, sendo um de seus constituintes orgânicos. Deste modo, não conside
ra a literatura comparada uma disciplina acadêmica específica, mas
procedimentos de trabalho de pesquisa, intimamente relacionados com as
metodologias dos acadêmicos universitários.
As observações empíricas da prática comparatista histórico-literária
acarretam uma distinção metodológica entre aquelas mani festações de
contatos interliterários, tais como relações entre literaturas de países
diferentes, de um lado, e contatos entre escritores e pessoas de letras, de
outro. A partir de uma classificação funcional, tomada de empréstimo a
Zhirmunsky, Duristin enfatiza a relevância das literaturas receptoras, em vez de
se focar em termos tais como “superioidade” ou “dependência”.
Tendo em vista o objetivo do estudo comparatista que, para Durisin, é,
como já vimos, o conhecimento da essência genética e tipolõgica do
fenômeno e processo literário, a (areia da análise comparativa e determinar o
condicionamento das formas individuais de semelhança. Em geral,
predomina o interesso pelo condicionamen to por meio de fenômenos do
caráter nacional da literatura, mas também por aqueles de natureza
extraliteraria. Durisin reconhece que estudos posteriores poderão ser dirigidos
para a revelação das mais variadas relações que são mostradas pola
comparação de fenômenos na sua ordem sincrônica, histórica e lipológica. E
aqui as relações dos fenômenos comparados com a esfera social, intelectual e
cultural, de um lado, e o campo literário, de outro, são justificadas na
metodologia da pesquisa.
A fim de classificar as formas do processo interliterário,Duristin: primeiro
nota o confronto dos fenômenos literários por meio do estudo histórico-
comparativo; em segundo lugar, por meio da comparação histórico-tipológica,
explica-se as semelhanças existentes entre fenômenos que em sua origem
apresentaram situações sociais parecidas; em terceiro lugar, utiliza-se a
comparação histórico-genética para verificar os fenômenos similares que
resultam de um parentesco genético e as diferenças ocasionadas pela história;
finalmente, por meio da comparação, determinam-se relações genéticas
existentes entre as literaturas, baseadas na sobrevivência de influências
culturais ou empréstimos que se instalaram devido à proximidade histórica
entre nações.
Essa classificação objetiva auxiliar na definição da extensão das
observações realizadas pelos estudos comparativos evitando, dessa forma,
generalizações teóricas. Segundo Durisin, a prática comparativa histórico-
literária é importante pelo fato de descrever o grau de influência dos valores da
literatura estrangeira na formação da literatura receptora. Além disso, esse
procedimento inicial ajuda a definir os graus de potencialidades de um
fenômeno e as suas conseqüências dentro de uma determinada literatura.
Para o crítico, é essencial que o estudo comparativo inicie-se a partir da
literatura receptora, verificando seu papel determinante, sua adaptação e seu
potencial frente à implementação de relações interliterárias. Assim, para se
determinar ao certo o papel de um modo de recepção, é preciso caracterizar
não apenas a transformação criativa do componente recebido, mas qual o lugar
ocupado por ele no sistema de relações da obra literária receptora. Para
Durisin as relações interliterárias podem ser de dois tipos: integradoras e
diferenciadoras.
No primeiro tipo, a literatura receptora se identifica com a influenciadora,
constituindo uma relação de adequação, portanto positiva. Já no segundo tipo,
a relação que se trava entre as literaturas receptora e influenciadora é
negativa, pois o objetivo no processo recepcional é salientar a distinção do
modelo original. As analogias tipológicas, por sua vez, podem ser classificadas
de acordo com o grau, com a intensidade e com a sujeição causal. Essa última
pode ser de três tipos: social, literária e psicológica. As analogias
sociotipológicas dizem respeito à subordinação social das afinidades
tipológicas aos fundamentos que conectam fatores ideológicos relacionados a
idéias sociais. Já as analogias literário-tipológicas têm sua gênese na
existência autônoma da literatura e constituem-se no resultado das leis de seu
desenvolvimento interno. Finalmente, as analogias psicológicas, segundo
Durisin são muitas vezes responsáveis pelos traços característicos de
determinada manifestação literária. Isso ocorre não apenas na classificação
geral da historia literária, mas também, na classificação dos gêneros (lírico,
épico, dramático).
Como se observou, a proposta de Durisin visa explicar estruturalmente os
fenômenos literários vistos sob a ótica comparatista. Segundo Carvalhal o que
mais interessa em suas reflexões são as investigações sobre as relações
estabelecidas não somente entre autores e obras, mas também entre sistemas
e subsistemas literários, governados por determinadas normas e tendências,
sejam elas estéticas, sociais ou políticas.
Percebe-se uma mudança nos estudos comparados, ou seja, se nas
orientações tradicionais as relações entre autores e obras eram feitas de um
modo causal e mecânico objetivando a verificação de importação e exportação
literárias, na teoria de Durisin, o foco é a investigação das relações entre os
textos, isto é, verifica-se o processo de transformação dos textos dentro de um
determinado sistema literário sob a nfluência, principalmente, das regras
estabelecidas pelo próprio sistema e pela tradição.
Outro crítico quecontribuiu para as teorias comparatistas foi Even Zohar. A
teoria defendida por Zohar denomina-se teoria do polissistema e trabalha a
idéia de que a literatura integra-se a um sistema mais amplo, a saber, a cultura.
Nesse sentido, a arte literária não se apresenta de forma isolada na sociedade,
regulada por leis próprias que divergem daquelas que regulam as demais
atividades humanas, mas como um fator integrante que muitas vezes exerce
uma função de domínio sobre os demais. A teoria do polissistema se insere no
campo da ciência da literatura. Sendo assim, seu objetivo maior é formular leis
adequadas, que sejam hipóteses temporárias e não verdades eternas, a fim de
compreender o fato literário num tempo e espaço determinados.
Desse modo, essa teoria se funda num sistema de hipóteses
interdependentes que, necessariamente, devem ser consideradas em sua
totalidade, correndo o risco de desvirtuar, atenuar ou, até mesmo, anular sua
validade caso não sejam avaliadas como um todo. Nessa proposição do
polissistema são rejeitados os critérios de seleção de objetos de estudos
baseados em julgamento de valor. Dessa forma, os estudos históricos do
polissistema literário não se baseiam apenas nas denominadas obrasprimas.
Nessa teoria, além da possibilidade de correlacionar os elementos individuais
uns com os outros, há elementos que não são reconciliáveis, formando
sistemas alternativos de opções concorrentes, que se apresentam de forma
hierarquizada dentro do polissistema. Todavia, com esse múltiplo sistema não
se pode pensar em termos de centro e periferia influenciando e sendo
influenciado num processo diacrônico.
O centro do sistema corresponde ao grupo que governa e determina a
canonicidade de um certo repertório. Ao se estabelecer essa canonicidade,
deve-se aderir às propriedades desse repertório ou, se for preciso para se
manter no controle, alterar-se o repertório de tais propriedades. Se ambos os
procedimentos não forem bem-sucedidos, tanto o grupo quanto o repertório
são substituídos por outro grupo e repertório que passarão ao centro do
polissistema, constituindo-se em canônicos. Aqueles que aderirem ao
repertório canônico deslocado dificilmente dominarão o polissistema. De modo
geral, terminam por localizarem-se na periferia do sistema, sendo chamados de
epígonos. É importante ressaltar que a produção, a dominação e a mudança de
um repertório são estabelecidas pela correlação entre os fatores da dinâmica
semi-independente do sistema particular com a dinâmica social e cultural.
Zohar, formula, neste contexto, o conceito de interferência, que pode ser
explicado como a relação existente entre duas literaturas, na qual uma delas
constituir-se-á em fonte de empréstimos, que podem ser diretos ou indiretos
para a outra. Para Zohar, a interferência pode ser de dois tipos: unilateral ou
bilateral, ou seja, ela pode atingir uma literatura ou ambas e seu raio de ação
pode alcançar qualquer elemento do sistema literário. Todavia, para que uma
interferência ocorra, de fato, é necessária uma espécie de contato entre as
literaturas. O tipo de interferência a que uma literatura será exposta depende
do estado de cada um dos sistemas envolvidos. Esse estado pode ser
relativamente independente ou dependente. No primeiro caso, trata-se de um
sistema praticamente estabelecido, no qual a literatura é capaz de se
desenvolver dentro da própria esfera. Algumas vezes, pode até receber
interferência de um sistema externo, mas isso não ameaça sua capacidade
auto-suficiente de existência. No segundo caso, trata-se de um sistema ainda
não estabelecido, no qual um aparelho externo é imprescindível para seu
desenvolvimento. Isso geralmente ocorre quando se trata de uma literatura
jovem, cujas condições internas se revelam de tal forma, que nem as fontes
internas, nem as do sistema dominante interno bastam.
Em seguida, Zohar apresenta alguns aspectos que tornam possível a
formulação e a investigação das leis de interferências, a saber: princípios
gerais de interferência; condições para a emergência e ocorrência de
interferência; e processos e procedimentos de interferência Esses três
aspectos se subdividem em vários itens, que serão arrolados a seguir. Os
princípios gerais de interferência se subdividem em: as literaturas nunca
deixam de estar em processo de interferência; na maioria das vezes, a
interferência ocorre unilateralmente; a interferência literária não se apresenta,
necessariamente, conectada a outra interferência, em outros patamares entre
comunidades.
Com relação ao primeiro princípio, Zohar afirma, com base em resultados
de pesquisas, que todas as literaturas, em um momento ou outro de sua
história, sofreram a interferência de uma outra literatura mais estabelecida. No
que se refere ao segundo princípio, Zohar comenta que, na maioria das vezes,
a literatura-fonte não tem conhecimento da literatura na qual ela interfere;
contudo, há casos nos quais ocorre uma interferência bilateral que afeta em
maior grau uma literatura e em menor grau a outra. No que diz respeito ao
terceiro princípio, Zohar atenta para o fato da ocorrência de interferência entre
duas comunidades que se encontram geograficamente próximas e
comunidades que se apresentam separadas.
No primeiro caso, a interferência pode acontecer nos diversos setores
sociais e não necessariamente no campo literário, porém, é difícil encontrar
interferências apenas na literatura enquanto os outros setores culturais
permanecem ilesos às interferências. Já no segundo caso, é perfeitamente
aceitável a ocorrência de interferências apenas no âmbito literário, sem que
haja interferências nos setores social, econômico, político e cultural. No
aspecto das condições de emergência e ocorrência de interferência, Zohar lista
quatro características, explicando que os contatos gerarão, cedo ou tarde,
interferências, caso não haja situações de resistência; que uma fonte literária é
escolhida devido ao seu prestígio; e uma fonte literária é escolhida pelo
domínio; além disso, afirma que uma interferência acontece quando um
sistema precisa de itens não disponíveis dentro dele.
Com relação à primeira característica, Zohar acredita que contatos
prolongados entre duas comunidades geram condições favoráveis à ocorrência
de interferência, mesmo que essa interferência a princípio não seja visível.
Segundo esse crítico, a teoria do polissistema considera possível a ocorrência
de uma interferência na periferia do sistema, que permanece incubada durante
um longo tempo antes de aparecer nos domínios da cultura oficial. A respeito
da segunda característica, afirma que geralmente a literatura dominante torna-
se fonte literária por prestigio; contudo, há casos nos quais ela é selecionada
devido a questões extraculturais, como por exemplo, o domínio político. A
quarta característica diz respeito à necessidade de itens não disponíveis dentro
do próprio sistema. Isso ocorre quando uma nova geração sente a necessidade
de mudanças nas normas vigentes e não encontra respaldo dentro do próprio
sistema.
Finalmente, a terceira característica - processos e procedimentos de
interferência - congrega três princípios: contatos que são passíveis de ocorrer
apenas com uma parcela da literatura alvo e derivar-se para outras partes; um
repertório apropriado que não conserva necessariamente as funções da
literaturafonte; a apropriação que tende a ser simplificada, ajustada, planejada.
O primeiro princípio apresenta que a literatura alvo pode receber a
interferência apenas em um estrato, ou seja, na zona central ou periférica.
Apesar de inicialmente apropriado pela literatura-alvo, o repertório da literatura-
fonte se desenvolve de tal forma que passa a compor um processo interno
dentro da literatura-alvo, perdendo, assim, o caráter de uma interferência
direta. Para Zohar, nem todos os processos de interferência são diretos, pois
muitas literaturas periféricas se apropriam dos repertórios comumente aceitos,
de intermediários secundários, que elaboraram modelos mais esquematizados,
mais simples e, portanto, mais fáceis de se apropriar que os modelos vindos
diretamente da fonte. Referindo-se ao segundo princípio, o crítico comenta que
os itens apropriados do sistema-fonte podem desempenhar funções
completamente diferentes, pois, freqüentemente, transferências geram
mudanças funcionais. Já o terceiro princípio diz respeito à tendência de a
literatura alvo utilizar repertórios secundários a fim de regularizar padrões que
sejam variados em uma determinada fonte. Segundo o crítico, um elemento
que apresenta uma certa complexidade dentro de uma fonte literária pode se
apresentar de maneira simplificada na literatura-alvo. O oposto também é
possível de acontecer, ou seja, uma obra com funções simplificadas na
literatura-fonte, depois de apropriada, pode apresentar certa complexidade na
literatura-alvo.
Verificou-se que a literatura comparada desde seu surgimento como
disciplina apresenta dificuldade quanto à determinação de seus conteúdos e
objetivos devido à sua dimensão. A literatura comparada se constitui como uma
teoria polimorfa que ocupa um espaço próprio dentro dos estudos literários,
seja como objeto de discussão ou como perspectiva de aproximação da
literatura e de sua relação com as outras artes.
CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Influência

Cionarescu estabelece uma distinção entre os conceitos de de influência e


imitação. Para isso, recorre aos cinco componentes da obra literária, a saber:
tema, gênero, recursos estilísticos expressivos, idéias e sentimentos (camada
ideológica) e ressonância afetiva. Para ele, a influência se limita a absorver um
ou outro desses componentes, e à medida que cresce o número desses
elementos aproveitados da obra de um autor por outro, tanto mais se aproxima
da imitação, da paráfrase e da tradução.
Outro crítico comparatista que desenvolveu um conceito de influência foi
Owen Aldridge. Para ele, a influência” diz respeito a encontrar elementos na
obra de um autor, que não existiriam se ele não lesse a obra de um escritor
que o precedeu Para Aldridge, a influência ajuda na compreensão do modo
pelo qual um autor demonstra sentimentos e pensamentos. Além disso,
acredita que a compreensão de uma fonte revela o processo de composição de
uma obra e mostra com maior clareza o pensamento de um autor. Nesse
sentido, propõe que apontar influências sobre um autor é certamente enfatizar
antecedentes criativos da obra de arte e considerá-la um produto humano, não
um objeto vazio.
Valery contribui de forma efetiva para a teoria de literatura comparada, om
estudos que refletem sobre a relação existente entre os conceitos de influência
e de originalidade, tornando-se responsável pela renovação desse primeiro
conceito que, ao invés de ser visto como dependência de um autor em relação
a outro, passou a ser considerado como fonte de originalidade.
Alguns estudiosos, na tentativa de sistematizar o pensamento de Paul
Valery a respeito da influência, apontaram quatro categorias principais: a
influência recebida, que consiste no contato entre dois espíritos, resultando na
modificação progressiva de um autor pela obra do outro; a influência exercida
sobre a posteridade, a qual determina o valor da obra emissora; a auto-
influência do autor e, finalmente, a influência por reação, isto é, a negação à
influência.
Para Valery, um escritor atinge sua identidade por meio de um mecanismo
contraditório, valendo-se dos exemplos dos outros e tentando se distinguir
deles. Esclarece, ainda, que a influência não minimiza em nada a originalidade,
pois é vista como um caso de assimilação, ou nas palavras do crítico “um caso
de estômago”. Depreende-se que a qualidade da digestão das idéias dos
outros é que determina as fronteiras entre a originalidade e o plágio. Desse
modo, as idéias de Valery descartam a possibilidade de se pensar em
originalidade no sentido de origem primeira, ao contrário, concebe a
originalidade como um processo de análise, reflexão e incorporação das idéias
dos outros. Nesse sentido, o autor ressalta que não basta nutrir-se das idéias
dos outros, é preciso digeri-las, pois, caso haja falha no processo digestivo das
idéias dos outros é perfeitamente possível depreender pedaços dessas idéias
em meio à nova criação.
Nos anos 1960, um crítico comparatista que se propôs a discorrer sobre o
lugar mais adequado das influências no âmbito das disposições vigentes dos
estudos comparatistas foi Cláudio Guillén. O autor ressalta que influências e
paralelismos são divisíveis, ou seja, os estímulos vindos de outras obras, no
que diz respeito ao ato de criação, fazem parte da psique do escritor, enquanto
que as similaridades textuais caracterizam a realidade literária de um modo
geral. Portanto, a influência não se mostra necessariamente por meio de um
paralelismo, assim como nem todo paralelismo se origina de uma influência.
Para esse comparatista, o estudo de influências percorre duas fases distintas,
a saber: a interpretação dos fenômenos genéticos e a comparação textual. A
segunda fase é totalmente dependente da primeira, pois é necessário apurar
se houve influência de fato antes de iniciar uma comparação textual.
Outro aspecto interessante das considerações de Guillén são os conceitos
de tradição e convenção, que devem ser instrumentalizados pela literatura
comparada. Esses conceitos são capazes de inserir a obra em um contexto
mais amplo da literatura e, também, desempenhar um diálogo entre as obras,
os autores e as literaturas. Tradições e convenções são dois preceitos que se
associam pelo fato de se constituírem em um costume aceito por uma
comunidade. Nesse sentido, as tradições podem ser vistas como convenções
que se atrelam a seqüências temporais. Supõe-se que os autores reconheçam
seus antecessores por meio dela. Assim, as coordenadas tradicionais podem
ser consideradas reguladoras do processo de composição da obra literária.
Guillén estabelece diferenças entre convenções e influências: enquanto a
primeira é extensa e constitui-se em um parentesco remoto, a segunda é
intensa e estabelece-se pelo relacionamento direto entre dois autores. Assim,
de um lado, as convenções e tradições abrem amplas perspectivas através do
descortinar de configurações sincrônicas e diacrônicas da literatura e organiza
o caos dos fatos literários. De outro lado, a influência auxilia na verificação dos
contatos entre autores e entre obras, permitindo o acesso ao processo genético
da criação artística.

Imitação e originalidade

O conceito de originalidade é também muito discutido pelos teóricos


comparatistas, tanto quanto os conceitos de influência e imitação. Duas autoras
merecem destaque na discussão sobre originalidade: Odette de Mourgues) e
Ana Balakian Essas autoras se destacaram no Congresso da Associação de
Literatura Comparada, em 1964, pela perspectiva histórica e teórica,
respectivamente, com que discutiram o conceito de originalidade.
Odette de Mourgues ressalta os dois sentidos possíveis para a palavra
original: o primeiro equivale à originalidade absoluta, na qual algo é criado a
partir do nada; o segundo diz respeito a uma originalidade relativa, que
apresenta suas peculiaridades. Segundo a comparatista, essa ultima acepção
do termo original começou a ser utilizado a partir do século XVII. Contudo, os
escritores do século XVI dispunham de um termo que denotava uma certa
noção do que seria a originalidade literária, simplicidade (naïveté). Esse termo
remetia, entre outras coisas, que o poeta deveria ser fiel à própria natureza. O
princípio artístico daquela época consistia em imitar sem sacrificar a
individualidade, ou seja, o poeta devia imitar, mas não de modo servil, ao
contrário, deveria impregnar a obra com sua marca peculiar.
Essa espécie de originalidade, que se arrastou pelo século XVII, apresenta
duas características importantes: a primeira trata da idéia de inspiração, ou
seja, o ato de escrever ocorre mediante inspiração de poderes divinos; a
segunda se refere a uma submissão do escritor ao lugar e à época em que
viveu. Tanto uma quanto a outra estão intimamente ligadas a um elemento
pessoal, a uma marca própria. Nos séculos XIX e XX, verifica-se um equívoco
com relação ao conceito de originalidade.
Com o Romantismo, a idéia de originalidade foi adquirindo uma conotação
de individualismo. Os românticos acreditavam que, quanto mais original fosse
um escritor, mais ele se oporia à sociedade e aos costumes de seu tempo;
contudo, isso não passa de uma ilusão romântica, pois, sabe-se que os
escritores sofrem, necessariamente, independente de época ou costumes, a
influência do meio em que vivem. Segundo Mourgues, essa concepção
individualista transmite a falsa idéia de que a obra literária não possui vínculos
nenhum com a tradição: ela é totalmente nova e brota do interior do indivíduo.
Por seu turno a comparatista elege como mais adequada, a concepção de
originalidade do século XVI, uma vez que a originalidade está no fato de um
gênio criador levar o escritor a escolher um assunto, modificar uma técnica, sob
as pressões conflituosas que possui com a tradição e com os costumes de sua
época.
Anna Balakian utiliza-se da dupla terminologia que a palavra original possui
em língua francesa para fazer suas considerações sobre a distinção entre
original, no que diz respeito à origem (originel), e original relativo à novidade
(original). No primeiro caso, trata-se de uma mente iluminada que abre
caminho, lançando problemas sem dar respostas. É o que se classifica como
precursor. No segundo caso, trata-se de um espírito crítico capaz de entender
e aperfeiçoar o que outros já criaram; busca-se romper com a convenção,
inspirando-se nela.
Balakian propõe quatro meios pelos quais há ruptura com a convenção: o
desvio, no qual um escritor se inspira em fontes anteriores e as transforma por
meio de uma deformação sutil, ocasionando o surgimento de uma orientação
poética totalmente nova; a reversibilidade, na qual é produzido um desvio
visando combater a tradição, levando a uma contrariedade total ao tema
original; a sátira, que é menos radical que a reversibilidade devido ao fato de se
inspirar mais em um clima social que em uma filosofia de revolta pessoal
propriamente, encontrando sua originalidade por meio de um exagero grosseiro
que marca o tom de um novo tempo; e, finalmente, o aperfeiçoamento, que
consiste em marcar a originalidade por meio da técnica, ou seja, através de
temas banais, demonstra-se uma técnica de composição completamente
inovadora.
Na esteira do pensamento de Balakian sobre a questão da originalidade
como novidade, encontram-se autores como T. S. Eliot e Jorge Luis Borges,
que em suas reflexões apontam para o fato das relações entre os autores, seus
precursores e sucessores como fontes de originalidade, ou seja, por meio do
contato com as obras de outros escritores surge a novidade. Para Eliot um
poeta ou artista não possui valor isoladamente, ou seja, seu significado e sua
apreciação advêm da relação mantida com seus antecessores. Nesse sentido,
a questão de originalidade vista como criação desvinculada das obras
anteriores se dissipa.
Nessa perspectiva, os conceitos de originalidade e individualidade
vinculam-se à idéia de subversão da ordem anterior, sendo inovador o texto
que possibilita uma leitura diferente dos que o precederam. Já Jorge Luís
Borges afirma que os novos escritores não prosseguem, mas criam o passado,
tornando-o legível. O fato é que cada escritor cria seus precursores. Portanto, a
obra posterior permite a leitura de aspectos até então invisíveis na obra
anterior, isto é, o deslocamento no tempo e no espaço permite interpretações
renovadoras.
Ainda nessa linha de originalidade na acepção de novidade, posiciona-se
Harold Bloom, um renomado e excêntrico crítico norte-americano, conhecido
por sua defesa ao cânone universal. Bloom propõe-se a elaborar uma teoria da
poesia calcada na idéia de angústia da influência. Essa teoria, apresentada em
livro de 1973, baseia-se na idéia de que os grandes poetas fazem a história
deslendo seus precursores, a fim de conseguir para si mesmos um espaço
imaginativo. Dois conceitos são fundamentais: poetas fortes versus poetas
fracos e desleitura. Para o crítico, os poetas fortes são aqueles que combatem
seus precursores, também poetas fortes, até a morte. Em contraposição, têm-
se os poetas fracos, que não se aventuram no embate que se concretiza por
meio da desleitura de seus precursores. A desleitura, por sua vez, consiste
num processo que envolve várias modalidades de apropriação, com o intuito de
se circunscrever um espaço imaginativo próprio a cada um.
Bloom afirma que os novos poemas originam-se, principalmente dos
anciãos e que o primeiro embate dos jovens poetas é contra os antigos. Para
ele, somente os poetas fortes são capazes de superar a angústia da influência
e, conseqüentemente, atingir a imortalidade. Esse combate entre os mais
novos e os seus precursores é visto como uma agonia psicológica, na qual a
única arma do jovem criador é a desleitura criativa da obra que o antecede. De
acordo com Nitrini a teoria de Bloom marca-se pelo biografismo e por
psicologizar a intertextualidade, visto que suas considerações a respeito da
influência poética recaem nas relações psíquicas existentes entre os escritores.

Intertextualidade

A partir da segunda metade do século XX, o conceito de intertextualidade,


proposto por Julia Kristeva, tornou-se um importante instrumento de renovação
no contexto da literatura comparada no que diz respeito ao estudo das fontes e
das influências. Para propor esse conceito, Kristeva se baseou nos estudos
sobre dialogismo textual de Bakhtin.
Bakhtin foi um dos primeiros formalistas responsáveis pela visada do texto
literário não como um segmento estático, mas como uma estrutura que se faz
mediante uma relação com outra. Esse direcionamento foi possível devido à
sua concepção de enunciado literário, no qual a enunciação se constitui no
produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados, pois sua
natureza é social. Segundo Bakhtin, a palavra literária não possui um sentido
fixo, estável e imutável; ao contrário, estabelece-se pela intersecção de
superfícies textuais, ou seja, um diálogo entre o texto do escritor, do
destinatário, do contexto atual ou anterior. Nesse sentido, o texto está situado
na história e na sociedade, que, por sua vez, constituem-se em textos que o
escritor lê e que se insere no momento em que escreve.
A partir do estudo das articulações da palavra como complexos sêmicos
com outras palavras da frase e dessas com segmentos maiores do texto,
Bakhtin propõe uma concepção espacial do funcionamento da linguagem e de
sua lógica correlacional. Esse espaço é composto por três dimensões que
dialogam entre si, a saber: o sujeito da escritura, o destinatário e os textos
exteriores. Para Bakhtim, o diálogo não consiste apenas em linguagem
assumida pelo sujeito, mas é também um modo de se ler o outro.
Desse modo, o crítico desenvolve uma concepção de sujeito em que o
"outro" desempenha um papel crucial: o indivíduo só se torna consciente de si
mesmo, expondo-se para outro, por meio do outro e com o auxílio do outro.
Dessa forma, o dialogismo de Bakhtin concebe a escritura como subjetividade
e comunicabilidade, ou para dizer com Kristeva, como intertextualidade. Para
Bakhtin, o destinatário, o sujeito e o contexto constituem-se em discursos que
se entrecruzam formando-se um novo texto A partir disso, Kristeva formula a
noção de intertextualidade segundo a qual ” todo texto se constrói como
mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto”.
Para Kristeva, o processo de escrita é o resultado do processo de leitura
de um corpus literário anterior, ou seja, o texto é a absorção e réplica de vários
outros textos. Nesse sentido, em um estudo comparado, o pesquisador não se
ocuparia apenas em constatar que um texto resgata outro texto anterior,
aproximando-se dele de alguma forma, mas examinaria atentamente essas
formas buscando compreender quais os procedimentos efetuados. Além disso,
seria necessário analisar quais as razões que levaram o autor do texto mais
recente a reler textos anteriores, e que novo sentido lhes atribui com esse
deslocamento temporal e espacial.
Carvalhal esclarece que a repetição de um texto por outro, de um
fragmento por outro, nunca é inocente. Toda repetição está carregada de uma
intencionalidade certa: quer dar continuidade ou quer modificar, quer subverter,
enfim, quer atuar com relação ao texto antecessor. A verdade é que a
repetição, quando acontece, sacode a poeira do texto anterior, atualiza-o,
renova-o e, por que não dizê-lo, reinventa-o.
As reflexões de Kristeva deram origem a variadas elaborações no conceito
de intertextualidade, na esfera dos estudos literários e da poética literária. Uma
dessas re-elaborações foi a de Laurent Jenny, que contestou a afirmação de
Kristeva no que diz respeito ao desvínculo da relação de intertextualidade com
a questão da crítica das fontes. Para Laurent Jenny, a intertextualidade não
consiste no acréscimo duvidoso e obscuro de influências, mas no trabalho de
alteração e absorção de vários textos gerenciados por um texto centralizador
que sustenta e direciona o sentido. Desse modo, é possível verificar dois
elementos nesse processo: o intertexto, que segundo ela consiste no texto que
recebe diversos textos e os mantêm semanticamente unificados e os textos
resgatados para compor o intertexto. Além desses três elementos em questão,
há também que se considerar dois tipos de relação na problemática textual: a
primeira consiste nas relações existentes entre o texto de origem e o
fragmento dele retirado e modificado no novo contexto, já a segunda diz
respeito às relações que ligam esse fragmento modificado ao texto que o
assimilou.
Nesse sentido, uma análise intertextual de uma obra literária visará
verificar, num primeiro plano, as semelhanças existentes entre o enunciado de
origem e seu fragmento modificado e, em segundo lugar, a maneira pela qual o
intertexto absorve o fragmento do qual se apropriou

LITERATURA COMPARADA NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL

Quanto ao comparatismo na América Latina, questões relativas à


identidade cultural e à construção de uma literatura nacional ocupam
escritores, intelectuais, críticos e historiadores há mais de cem anos. No
entanto, as décadas de 1960 e de 1970 são marcadas por uma reflexão
explícita sobre os modelos de literatura comparada e de historiografia literária
até então utilizados, e pela tomada de consciência da necessida de da busca
de instrumentos a partir do contexto particular da literatura Iatino-americana.
Essa busca específica no âmbito da crítica literária insere-se num
contexto económico, social, político e cultural mais amplo, no qual surgiram
“teoria da dependência frente ao desenvolvimento, crítica c contracrítica,
diálogo com os africanos, que começavam a emergir do seu processo de
descolonização mais amplo”, como afirma Susana Basnett.
Partindo da constatação de que a aproximação comparativa constitui um
enfoque implícito no estudo da literatura latino-americana, desenvolve-se um
discurso que aponta para a necessidade de sua descolonização e para a
construção de uma análise e interpretação da literatura latino-americana,
desprovidas da perspectiva dominada pelo eurocentrismo, projetado, com
frequência, a partir do próprio olhar latino-americano. Uma das primeiras
manifestações nessa direção podo ser localizada em Guillermo de Torre,
comparatista argentino
Desconsiderando totalmente o conceito de influência, Torre parte de
duas hipóteses: a literatura comparada ser substancialmente um diálogo de
literaturas, e os diálogos de literaturas, vistos e praticados, a partir da América
hispânica, terem suas raízes na Europa e nas duas Américas, a hispânica e a
anglo-saxã. Segundo sua perspectiva, a adaptação, absorção e
transformação é comum a todas as literaturas, por mais “remotas que sejam
suas raízes e seus ilustres brasões” Alem disso, supõe uma reciprocidade, se
não no influxo, pelo menos na estima e conhecimento mútuos. Nessa
época, a literatura latino-america não havia atravessado o boom, de modo que
era pouco lida em círculos internacionais, mas, para utilizar a expressão de
Antonio Candido, já tinha “refinado seus recursos de expressão” A tese de
Torre resume-se na idéia de que a independência cultural não abole o princípio
de interdependência, portanto, o diálogo da literatura hispano-americana
com as demais literaturas já se podia estabelecer num verdadeiro plano de
igualdade. Enfim, já tinha entrado no processo de “integração internacional”,
como também diria Candido. Em 1973, surgem textos de dois comparatistas
fundamentais: o uruguaio Ángel Rama e o brasileiro Antonio Candido.
Partindo do pressuposto de que as literaturas latino-americanas se
constituíram a partir do jogo entre realismo e fantasia, e de que as culturas
nas quais estão imersas são parcialmente reflexas, portanto, “tributárias das
técnicas e concepções literárias da Europa”, Antonio Candido propõe que a
fantasia na ficção latino-americana dos anos 60 parece “marcar o fim de um
longo complexo de inferioridade, como se nossos povos, depois de
enfrentarem os problemas, no plano político pela tomada de consciência do
imperialismo, no plano literário através da visáo crítica do realismo,
pudessem enfim deixar fluírem seus poderes criadores” Na sua condição de
tributária da técnica e concepções literárias européias, a inovação para as
literaturas latino-americanas incidia sempre no espaço temático, explorando
temas e assuntos até então não trabalhados literariamente.
Para o crítico, a partir dos anos 1970, é difícil manter a posição tradicional,
“segundo a qual a condição de escritor americano consciente implicaria uma
adesão ao realismo descritivo, com as intenções ideológicas aplicadas mais
ou menos habilmentecomo lambem torna-se dilícil afirmar que “a fantasia, e
sobretudo, o aguçamento da consciência técnica e experimental
significariam uma fuga às responsabilidades. Por outro lado, a tendência
brasileira ao realismo e ao nacionalismo, nos impediu de enxergar autores
inovadores já no final do século XIX e que nosso isolamento em relação aos
escritores de língua espanhola também contribuiu para este desconhecimento.
O termo “inovação” utilizado por Candido se refere à autonomia das literaturas
latino-americanasem relação às europeias. Segundo Candido, a própria
evolução espiritual brasileira é regida pela “dialética do localismo e do
cosmopolitismo”
Ángel Rama também estrutura sua argumentação em torno de uma
desejada autonomia das literaturas latino-americanas, a fim de esboçar os
contornos de uma identidade continental, por meio da integração, advinda de
uma herança romântica comum, pelo modo de apropriação das culturas
estrangeiras e pela estratificação cultural decorrente do mestiçamento. A essa
nova realidade cultural, impõe-se um novo aparato crítico para substituir
métodos copiados de contextos europeus. A proposta de Angel Rama se
encaminha para a busca de um aparato crítico que viabilize um discurso
único, global e coerente na montagem de um painel mínimo que permitiria
unificar as obras literárias de toda a América Latina para substituir o método
próprio da historiografia literária européia, “que postulou a mera adição de
literaturas nacionais, ainda fracionadas, dentro de um único volume”.
Diante desse quadro, o projeto de um discurso único de toda a literatura
latino-americana, segundo Angel Rama, só poderia se apoiar num
comparatismo cultural (e não somente literário), sem deixar, no entanto, de
reconhecer “o tronco lingüístico de onde partem as três línguas que o
definem, a saber, o espanhol, o português e o francês”.
Até o início da década de 1980, o comparatismo latino-americano enfrenta
problemas: de um lado, como no comparatismo em geral, de definição de seu
campo e orientação metodológica; de outro, “a necessidade de especificar
seu sentido e sua especificidade na situação concreta de um continente que
gera uma produção literária de configuração singular, isto é, a partir de uma
história cultural que surgiu num processo de desenvolvimento”, como salienta
Ana Pizarro. Segundo essa autora, a literatura comparada latino-americana
“deve assumir a tarefa de colocar em evidência os complexos processos de
ressemantizaçao, que um continente como o nosso oferece”.
De modo geral, ainda que houvessem críticos de viés comparatista, o
Brasil estabeleceu a literatura comparada como disciplina em data muito
recente: 1986, com a criação da Associação Brasileira de Literatura
Comparada, a ABRALIC, em 1986. Até então, a disciplina constava dos
curriculum de letras desde fins da década de 1950, anos em que se
começavam a ouvir vozes contrárias a chamada “escola francesa”.
Um dos principais nomes do comparatismo brasileiro é Antonio Candido,
que em 1962, na USP, propôs que a disciplina de Teoria Literária se tornasse
Teoria Literária e Literatura Comparada. A formulação já citada segundo a qual
a dialética entre “localismo e cosmopolitismo constiu numa lei de evolução da
vida espiritual no Brasil corresponde a uma cordenada fundamental para refletir
sobre a literatura brasileira e também a latino-americana Formação da literatura
brasileira é livro fundamental e leitura obrigatória pois constitiu um testemunho
cabal de que a história da literatura brasileira, em seu período de formação,
achava-se vinculada a modelos estrangeiros. Mais que isso, quando Candido
formula que a “literatura brasileira é ramo da portuguesa, mas ela, e somente
ela, que nos exprime”, fornece arcabouço para futuros estudos de literatura
brasileira e literatura comparada, em conjunto. A obra de Antonio Candido
“abre com chave de ouro”, segundo Nitrini a produção comparatista brasileira,
não só por propor-se com um livro de crítica, escrito de um ponto de vista
histórico e um método que agrega a um só tempo fato estético e fato histórico,
mas também pela focalização do período de formação da literatura brasileira,
no qual pululam questionamentos acerca de problemas fundamentais, comuns
a literaturas emergentes, e dessa maneira, integrantes do objeto de uma
literatura comparada pós-colonial, se formos repetir a expressão de Nitrini.
Formação da literatura brasileira, pode ser lido, conforme a autora, como a
realização de um projeto de reflexão sobre os modelos de literatura comparada
e de historiografia literária, movido pela busca de instrumentos para um
discurso crítico feito a partir do lugar específico da literatura latino-americana
Mais intrigante ainda é o fato de Antonio Candido fazê-lo a partir de conceitos
da crítica tradicional, sem perder a atualidade no século XXI. Nitrini esclarece
que não há nenhuma menção explícita à literatura comparada, por Candido,
mas a visada comparatista impõe-se como uma de suas linhas de força já no
primeiro Parágrafo da introdução, quando Candido propõe uma síntese das
tendências universalistas e particularistas. Candido enumera os pressupostos
da Formação da Literatura brasileira. São eles: conceber a literatura como um
sistema, a solidariedade estreita entre arcadismo e romantismo, uma
metodologia ampla que integra fato histórico e fato estético e a concepção de
literatura como missão.
A concepção de Candido de literatura como sistema dependendo da
interação dinâmica entre autor-obra-públicom sistema que é “vivo, de obras,
agindo umas sobre as outras e sobre os leitores; e só vive na medida em que
estes a vivem, decifrando-a, aceitando-a, deformando-a. A obra não é produto
fixo, unívoco ante qualquer público; nem este é passivo, homogêneo,
registrando uniformemente o seu efeito. São dois termos que atuam um sobre
o outro, e aos quais se junta o autor, termo inicial desse processo de circulação
literária, para configurar a realidade da literatura atuando no tempo”, levou-o a
tomar o século XVIII como ponto de partida, pois nesse século se incorporou “o
processo formativo que vinha de antes e continuou depois”, o que não significa
dizer que não houve literatura antes, mas manifestações literárias ralas e sem
importância que marcaram posição para o futuro.
Sobre a solidariedade entre arcadismo e romantismo, Candido afirma que
a “vocação histórica os aproxima” constindo-os em um amplo movimento
depois do qual se pode falar em literatura plenamente constituída. Em conexão
estreita com o conceito de literatura como sistema, está o terceiro pressuposto,
que diz respeito a uma atitude metodológica no sentido mais amplo que alia
uma aproximação estética e histórica ao mesmo tempo. Candido não tem
pretensões de originalidade, pois expressa as suas intenções antideterministas.
Busca uma estética equilibrada que procure “focalizar simultanramente a obra
como realidade própria e o contexto como um sistema de obras” e desfazer o
preconceito do divórcio entre história e estética, forma e conteúdo, erudição e
gosto, objetividade e apreciação”. Tal superação seria possível por “um
movimento constante entre o geral e o particular, a síntese e a análise, a
erudição e o gosto”. A erudição, cabe ressaltar, é importante componente
dessa metodologia, pois além de fornecer informações teóricas e históricas,
possibilita o manuseio de grandes obras da literatura ocidental, sem o qual um
leitor de literatura brasileira não consegue ter senso de proporções e valores.
O quarto pressuposto é o que reconhece a importância do arcadismo na
formação da literatura brasileira. Segundo sua conceplão, o arcadismo plantou
de vez a literatura no Brasil graças aos padrões universais pelos que se regia
que permitia articular a atividade literária brasileira com o sistema expressivo
da civilização a que pertencemos e dentro da qual definimos a nossa
originalidade.
O último pressuposto é o que define a literatura brasileira como
“eminentemente interessada” e chama a atenção de um traço distintivo não
somente da literatura brasileira, mas de toda a literatura latino-americana: o
comprometimento com a construção de uma cultura válida para o país”, ou
ainda, a intenção de fazer “um pouco nação ao fazer literatura”. Tal tendência
acentuou-se depois da independência, como parte de um programa de
diferenciação e particularização dos temas e modos de expressão. O
movimento de um pensamento dialético impede o crítico de cair num
nacionalismo ingênuo, levando-o a enfrentar com cautela os pontos
fundamentais da nossa vida cultural, ligados ao problema da imitação e da
cópia num contexto de país dependente tanto política, econômica quanto
culturalmente.
Silviano Santiago, no artigo “Apesar de dependente universal, concorda
com alguns postulados de Candido, sobre considerar a literatura comparada
como método adequado de abordagem às literaturas latino-americanas, não
podendo ser autóctone, mas situado no pensamento comparatista, ou seja, “
nas contingências econômicas e sociais, políticas e culturais que os
constituem”. Considera, no entanto, que os intelectuais utilizam ainda um
método etnocêntrico para comparar a literatura brasileira com as literaraturas
européias. Ainda voltados para uma leitura calcada na importância de fontes e
influências, valorizam aspectos das obras latino-americanas que repetem o que
está presente na literatura europeia, o que sublinha aspectos de produção
dominante em àreas periféricas, apresentando dois´produtos similares, mas
hierarquizados, sendo a literatura latino-americana aquela que é sempre vista
como inferior, devido à decalcagem temporal, ou atraso e qualitativo (não-
original). Santiago explica sua propoista de um processo desconstrutor, nos
moldes de Foulcault e Derrida, pela qual se coloca em relevo o aspecto
diferencial do texto latino-americano. A ênfase passa a ser dada à diferença
que o texto dependente consegue inaugurar, de forma que o texto primeiro
torna-se invisível e o visível nada mais é, do qe um suplemento de leitura e de
criação que caracteriza a produção significativa numa cultura periférica. Assim,
os textos da metrópole acabam submetisdos também à uma apreciação acerca
de sua universalidade, na medida em que são dadas respostas à metrópole.
Assim como em “O entre-lugar no discurso latino-americano”, Santiago se
questiona sobre a posição do intelectual num país em evidente inferioridade
econômica em relação à cultura ocidental, à cultura da metropóle e à cultura do
próprio país. Depois de declarar a falência da crítica centrada em identificar
fontes e influências, Santiago propõe um novo, para o qual o único valor é a
diferença. Partindo da relação estabelecida por Barthes em S/Z entre textos
legíveis e textos escrevíveis, que leva em consideração a avaliação que se faz
dos textos, atualmente, est~´a intimamente ligada à prática da escritura. O
texto legível é o que pode ser lido, mas não escrito, nem reescrito. Os textos
escrevíveis, por outro lado, apresentam um modelo produtor que leva o leitor a
deixar sua posição tranquila de consumidor e se aventurar como produtor de
textos. Nesse sentido, as leituras de escritores de uma cultura dominada (tal
qual a latino-americana) se explica pela busca de um texto escrevível. A obra
segunda é estabelecidade de acordo com um compromisso com o já escrito e o
intelectual latino-americano é aquele que “lê muito, escreve pouco”, e quando
escreve o faz a partir de uma meditação silenciosa sobre o primeiro texto,
quando o leitor, tranformado em autor, busca “surpreender” o modelo original
nas suas limitações, desarticula-o e rearticula-o de acordo com as suas
intenções e sua ideologia. Aprende a lidar com a língua da metrópole para
melhor combatê-la. O trabalho do crítico consiste na agressão ao modelo,
desmitificando-o como objeto e de reprodução impossível. Em termos
benjaminianos, o crítico desfaz a “aura” do texto-fonte. O “entre-lugar”, para
Santiago, é esse interstício entre o momento de assimilação, apropriação e
submissão e o exercício da agressão, destituição, submissão da cultura
imposta.
Haroldo de Campos, outro crítico comparatista brasileiro, também
estudioso de tradução e poesia, defende uma tese contrária a de Santiago, na
medida em que afirma a não-determinação da dependência econômica, política
e cultural da literatura brasileira. Em “Da razão antropofágica: diálogo e
diferença na cultura brasileira”, Campos fundamenta-se em Marx e Engels para
descartar uma relação de causa e efeito entre propriedade econômica e
dependência artística. Tal ocorre somente, segundo o crítico, devido à
translação, para as nossas latitudes tropicais de um episódio da metafísica
ocidental da presença, e desse ponto de vista critica a historiografia ontológica
ou tradicional, responsável pela corrpôndencia entre formação da literatura
brasileira e processos de dependência. Busca traçar a história de uma literatura
desde as suas origens até seu apogeu, e faria a partir disso, inferências sobre
seu legado comum, a tradição.
Campos, por outro lado, identifica uma dificuldade em definir essse legado
comum, em termos de valor: esse valor, normalmente, é conferido pelo termo
“clássico”. Nitrini afirma que tal como o conceito de centro em Derrida, o
conceito de clássico é sempre uma projeção, uma ilusão, que está ao mesmo
tempo, fora e dentro da história literária. Disso Campos conclui que o conceito
não é mais central e sim uma falácia logocêntrica”. Em contraposicão à
historiografia ontológica Campos defende uma “modal, diferencial” , “um gráfico
sísmico de fragmentação eversiva”. Trata-se de uma historiografia
fragmentária, cuja perspectiva não é mostrar um desenvolvimento evolutivo no
sentido de aprimoramento progressivo; ao contrário, admite períodos de altos e
baixos, num trajetória sem origem nem fim. O mecanismo motor é a oposição,
tanto sincrônica quanto diacrônica.
A perspectiva universalista adotada pelo crítico dispensa a necessidade de
se encontrar um ponto de origem para a literatura brasileira. Ao contrário,
propõe que o barroco brasileiro seja a sua não-origem. A literatura brasileira se
insere no código da literatura universal por seu alto padrão técnico, por um
lado, e pelo seu caráter diferencial, por outro, desde Gregório de Matos até a
poesia concreta. A diferença situa-se no macional, mas em um nacional não
centrado em si mesmo – ontológico – mas um nacionalismo dialético e
dialógico, num comtexto universal.
Retomando o conceito oswaldiano de antropofagia Campos propõe uma
visão crítica da história, capaz de apropriação, expropriação, desierarquização
e desconstrução dos valores culturais tradicionais a fim de transformá-los e
adaptá-los às necessidades locais, assim como usando-os como alimento
espiritual, ou seja, fonte de renovação.
Já Roberto Sharwz, em “Nacional por subtração” vale-se dos conceitos de
imitação e cópia. Ao tratar do “ caráter postiço, inautêntico, imitado da vida
cultural que levamos”, o crítico se depara com uma série de exemplos
desencontrados a “generalidade social de uma certa experiência: Uma vez que
termos como “cópia” e “modelo” têm sempre valor depreciativo, a filosofia
francesa da desconstrução busca demonstrar o infundado de hierarquias desse
gênero, proporcionando ao mesmo alívio e inquietação aos críticos de países
periféricos. Desconsiderando primazias como a do anterior ao poster, do centro
à periferia, da infra-estrutura sobre a superestrutura os filósofos
desconstrutivistas se propõem a imaginar uma sequência sem começo nem
fim, sem pior ou melhor”. Schwarz afirma que para críticos como os citados
Santiago e Campos o probldema da cultura reflexa deixaria de ser
prticularmente nosso e assistiríamos à latino-americanização dos países
centrais. De acordo com esse crítico, o problema da cópia e da imitação
decorre de um “comjunto particular de constrangimentos históricos, dos quais a
crítica desconstrutivista não dá conta. Do mesmo modo, a ideia de cópia não é
capaz de expressar as especificidades sociais, culturais, ecobômicas e
políticas que exigem a reprodução, nos países periféricos de soluções
advindas do centro. Duas situações ilustram o caso de inadequação cultural do
brasileiros: de um lado a importação indiscriminada de tendências estrangeiras
e de outro, a rejeição nacionalista de todo imperialismo metropolitano. Segundo
Scwartz, isso ocorre também com as tendências críticas que são abandonadas
tão logo importa-se uma nova. Nesse sentido afirma que “a ruptura com o
anterior só se justifica pelo confronto, e não pela busca interessada do novo”.
Roberto Schwatz pensa que a cópia, em nossa cultura, é fruto de
desigualdades sociais brutais, faltando entre a elite e o povo os mínimos de
reciprocidade – o denominador comum ausente – sem os quais a sociedade
moderna só pode parecer artificiosa e importada”. Nesse sentido, a cópia
cultural é ideológica.
A ideia de cópia sempre remete à ideia de original, do qual a primeira é
reflexo inferior Do ponto de vista da cópia, a justaposição de formas da
civilização moderna e realidades da colonia é um anacronismo, que
corresponde a uma representação imperfeita “de um modelo que está alhures”.
De um ponto de vista dialético, o anacronismo é visto como ‘uma figura de
atualidade e de seu andamento promissor, grotesto ou catastrófico. Além de
termos como original e modelo a ideia de cópia também evoca a dicotomia
nacional e estrangeiro, que na visada de Schwartz, é irreal, proveniente de uma
dialética mal resolvida entre as classes sociais.
É possível aproximar o pensamento dialético de Schartz ao pensamento
dialético de Candido. Schwartz critica a falta de interesse pelo trabalho da
geração anterior, fazendo com que o presente não se articule ao passado,
gerando descontinuidades e criando espaços para apropriações acríticas de
formulações estrangeiras. Antonio Candido, por sua vez acredita que o
aproveitamento de trabalhos anteriores implica a superação da condição de
dependência, por que a partir do momento em que a influência é de autor
nacional, a literatura brasileira dá um passo adiante.
Ambos criticam os nacionalismos patrioteiros. Schwarz encara os
nacionalismos como formas superficiais de se ver o problema da imitação.
Candido os considera meios ingênuos que favorecem a separação do país em
relação ao código universal. Ambos consideram a literatura como parte
integrante da cultura geral, que por sua vez está ligada aos problemas sociais
enfrentados por países periféricos.
Nosso intuito com esse texto foi a apresentação dos problemas e métodos
da Literatura Comparada a partir de sua consolidação como disciplina presente
nos currículos universitários. O resgate histórico de Coutinho e Carvalhal, com
a organização de textos fundadores e de fundamental interesse, foram aqui
sumarizados. Também buscamos enfocar conceitos comparatistas, tais como
fontes, influências, imitação e cópia e intertextualidade. Por fim, esboçamos a
situação do debate comparatista no Brasil com o apoio de Candido, Campos,
Santiago e Schwartz.

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