1) A literatura comparada surgiu como disciplina acadêmica no século XIX na Europa, inicialmente focada em contrastar literaturas e identificar influências;
2) Teóricos iniciais como Posnett e Texte defenderam que a literatura deve ser estudada além das fronteiras nacionais, considerando influências internacionais;
3) No final do século XIX, havia um consenso sobre os objetos e métodos da literatura comparada, porém Croce questionou essas definições iniciais.
1) A literatura comparada surgiu como disciplina acadêmica no século XIX na Europa, inicialmente focada em contrastar literaturas e identificar influências;
2) Teóricos iniciais como Posnett e Texte defenderam que a literatura deve ser estudada além das fronteiras nacionais, considerando influências internacionais;
3) No final do século XIX, havia um consenso sobre os objetos e métodos da literatura comparada, porém Croce questionou essas definições iniciais.
1) A literatura comparada surgiu como disciplina acadêmica no século XIX na Europa, inicialmente focada em contrastar literaturas e identificar influências;
2) Teóricos iniciais como Posnett e Texte defenderam que a literatura deve ser estudada além das fronteiras nacionais, considerando influências internacionais;
3) No final do século XIX, havia um consenso sobre os objetos e métodos da literatura comparada, porém Croce questionou essas definições iniciais.
É tarefa diícil precisar o campo de atuação da literatura comparada, pois
seus conteúdos e objetos mudam com o tempo e o espaço que ocupam. É possível no entanto, traçar um panorâma histórico de suas origens como disciplina até os dias atuais. Para isso, utilizaremos as contribuições de Coutinho e Carvalhal no basilar “Literatura comparada, textos fundadores”, Sandra Nitrini em “Literatura comparada: história, teoria e crítica” e contribuições mais pontuais de críticos como Antonio Candido, Silviano Santiago e Leyla Perrone-Moisés. As origens da literatura comparada se confundem com a da própria literatura. Basta aproximar-se duas literaturas distintas e contrastá-las com objetivo de exaltar os méritos, por exemplo. No entanto, tal comportamento está distante de um projeto de comparatismo mais elaborado, e mais próximo de um teste empírico. A tendência ao empirismo acrítico perdura até o século XIX, marco de sua institucionalização como disciplina acadêmica em contexto europeu. A expressão literatura comparada, conforme os textos fundadores, deriva de um método de contraste aplicável as ciências naturais e utilizado para confirmar hipóteses. Havia uma tendência – particularmente na França – de valorização do contato com as literaturas estrangeiras: foi sob esse mote que se tornou disciplina ensinada nas universidades francesas na década de 1830. Chasles, numa aula inaugural de um desses cursos, cita as influências” entre nações e culturas do norte e do sul, em intercâmbios entre países europeu como França, Inglaterra, Alemanha e Itália. Entre os primeiros entusiastas está o irlândes Hutcheson M. Posnnett, em cujo ensaio “O método comparativo e a literatura”,´traça-se um paralelo entre a trajetória da evolução humana e de evolução da literatura, vendo-a como uma espécie de “progressão”. O método comparativo, de acordo com Posnett, evolui com a vida em sociedade Posnett parte do conceito de crítica proposto por Mattew Arnold para propor que o crítico de sua época deveria lidar com literaturas estrangeiras, sendo “forçado a olhar além de suas costas marítimas” Mas antes, o estudioso deverá se voltar para as influências internas do desenvolvimento da sociedade e buscar entender como os efeitos deste desenvolvimento foram sentidos na literatura. Assim, seu olhar se alarga para além das fronteiras nacionais e percebe pontos em comum entre a literatura de seu país e a literatura de todo um continente; percebe, em suma que o pensamento literário é influenciado por países estrangeiros. O autor ressalta, contudo, que essas influências podem levar à imitação de modelos, o que pode implicar na “exotização” da literatura Posnett assenta seu conceito de literatura sobre a questão da influência, que para ele, inicia-se desde Roma, que imitava as tragédias gregas. O autor acredita que “a questão central destes estudos [comparatistas] é a relação do indivíduo com o grupo” e adota a ordem da expansão social do clã para a cidade como ordem para os estudos de literatura comparada Outro estudioso desse período inicial de consolidação da disciplina foi o francês Joseph Texte. Este autor julgava que ser “cosmopolita” era uma característica necessária à literatura. Mais que isso, nota que “(....)De nacional ou local como o era geralmente até aqui, a história literária possui uma tendência manifesta de se tornar européia e internacional. As relações das diversas literaturas entre elas, as ações e reações que elas exercem ou sofrem, as influências morais ou simplesmente estéticas que derivam destas trocas de idéias, tudo isto constitui um campo de estudos ainda quase novo (...)”. Desde o título de seu estudo “A literatura comparada no estrangeiro e na França”, Texte estabelece novos paradigmas disciplinares ao situar o interesse da literatura além das fronteiras nacionais, capaz de influenciar literaturas vizinhas e assim tornar-se internacional ou ainda “europeia”. No entanto, segue a proposição de uma historiografia literária. Como Posnett, Texte assinala a antiguidade da comparação, mas conclui que como método era uma perspectiva mais recente, devido ao número pequeno de literaturas conhecidas, a ausência de um ponto de vista crítico e histórico e ainda, a dependência que se estabelecia entre as literaturas grega e latina. Para se fazer comparável, assegura Texte, a literatura deve ser concebida como expressão de uma nação, que seja percebida como arte local e cujas características denotem unidade. Texte já via também resultados provenientes do estudo comparado entre literaturas: por um lado, aumentou a consciência nacional de cada povo, fazendo surgir obras de caráter nativo e, por outro, diminuiu as fronteiras, possibilitando inclusive, novo fôlego às pretensões imperialistas francesas. De modo geral, Texte visa um estudo comparativo calcado na historiografia literária que forje um novo tipo de “saber científico”. Louis Paul Betz propõe a constituição de uma “literatura universal” a partir da problemática não resolvida entre fontes e influências. Num avanço em relação aos outros comparatistas discutidos até aqui, Betz enxerga a literatura comparada não como simples método, mas como campo de estudos em expansão. Escrevendo em termos de “história da literatura comparada explica que esta “observa as constantes mudanças, o contínuo trocar de idéias e formas. Como literatura mundial, ela caminha passo a passo com a história nacional da literatura em direção a um objetivo comum: a investigação do desenvolvimento do espírito humano. Em suma, como afirma Nitrini, no final do século XiX acredita-se saber quais os objetos e métodos da literatura comparada. Mas, em 1902, Benedetto Croce ainda se pergunta: “O que ´´é a literatura comparada”? e responde que ela não pode ser definida por seu método, comum a outras àreas. Rompendo com a crítica anterior, que se firmava na busca de fontes e influências, Croce contraria ainda outra definição, a de que a literatura comparada se ocupa de “ideias ou temas e acompanha os acontecimentos, as alterações, as agregações, os desenvolvimentos e as influências recíprocas entre as diferentes literaturas”, concepção dominante até então, para colocar-nos diante de uma terceira possibilidade: “a história comparada da literatura é a história entendida como explicação completa da obra literária, investigada em todas as suas relações, posta no campo da história universal, vista em todas aquelas conexões e preparações que a esclarecem”. Ferdinand Baldensperger destaca que a necessidade se comparar literaturas está intimamente ligada à valorização da produção literária nativa de cada nação, a fim de destacar a “superioridade” ou “inferioridade” de uma dada literatura. Mais do que isso, a literatura comparada parece ter servido para denunciar “roubos” ou “apropriações” de uma dada literatura sobre a outra, ou ainda, para demonstrar que uma dada literatura é superior, visto que consegue influenciar mais países, como proposto anteriormente por Joseph Texte. Ao fazer um inventário de todas as possibilidades utilizadas até então pela literatura comparada, a partir de uma perspectiva histórica, Baldesperger afirma que havia duas direções-mestras que a literatura comparada poderia seguir: uma esforçava-se por reduzir a elementos simples, tradicionais, os diferentes temas de que vivem as literaturas, sem renovação básica de sua matéria essencial, sem variação e com uma espécie de adulteração contínua de sua simplicidade inicial. A outra “entendia e precisava as inter-relações visíveis entre as séries nacionais das obras literárias [...] ela descobria fenômenos de empréstimo, determinava a zona de influência externa dos grandes escritores”. Paul van Thieghem é outro estudioso, que embora com ideias ultrapassadas, precisa ser revisitado. Seu conceito de literatura comparada, de cunho positivista´, vê a literatura comparada como um meio-termo entre a história literária de cada nação e uma história mais geral. “Já que todas as partes que compõem o estudo completo de uma obra ou de um escritor podem ser tratados recorrendo-se unicamente à história literária, exceto a pesquisa e análise das influências recebidas e exercidas, convém, reservar esta para uma disciplina particular, que terá suas finalidades bem definidas, seus especialistas e seus métodos. Ela prolongará em todos os sentidos os resultados adquiridos para a história literária de uma nação e os unirá àqueles, que por sua vezes forem adquiridos por historiadores de outras literaturas; com esta rede complexa de influências, constituirá um domínio à parte” Como disciplina autônoma, a literatura comparada tem seu objeto e método próprios; o objeto é o estudo das diversas literaturas e suas relações entre si, ou seja, em que medida se ligam na inspiração, no conteúdo, na forma, no estilo. Van Thieghem é quem formyla a diferença entre literatura comparada e literatura geral: a primeira tem por objeto o estudo entre duas ou mais literaturas; a literatura geral faria uma síntese dos “fatos comuns a todas as literaturas”. No entanto, afirma Nitrini, a tripartição entre literatura comparada, literatura geral e literatura nacional, deve-se à visão positivista e não resiste à análise. Marius-Fraçois Guyard define a literatura comparada como “a história das relações literárias internacionais” e o comparatista como alguém que se encontra nas fronteiras e acompanha as mudanças que acontecem em duas ou mais literaturas. Guyard afirma que o comparatista é ou quer ser historiador, e como historiador das relações literárias, deve conhecer as literaturas de diversos países Seguindo a mesma linha de Van Tieghem, em seu texto percebe-se a literatura comparada tomando forma de disciplina, mas seus apontamentos são excessivamente normativos. René Welleck, por outro lado, critica, de forma contundente os estudos de fontes e influências, praticados até então por comparatistas da Escola Francesa, como Paul Van Tieghem e Guyard. Wellek afirma que a literatura comparada “está obviamente correta [...] na sua concepção de uma tradição literária ocidental composta de uma rede de inúmeras inter-relações”, mas condena a divisão entre “literatura geral” e “literatura comparada” proposta por Van Tieghem. Também considera limitada a proposta de Guyard de estudar literatura comparada como uma espécie de “comércio exterior”, restrita a fontes e influências, causas e efeitos. Wellek continua criticando a tentativa de Van Tieghem de conceber literatura comparada em termos “factualismo positivista do século XIX, como um estudo de fontes e influências.” Segundo o autor, “eles [os comparatistas franceses] acreditam em explicações causais, na informação obtida a partir da investigação dos motivos, temas, personagens, situações, enredos, etc, que são tributários de algum outro trabalho cronologicamente anterior” O autor enxerga um paradoxo no modo como a literatura comparada vinha sendo praticada até então, visto que surgiu como maneira de combate a um nacionalismo exacerbado e se tornou uma ferramenta deste mesmo nacionalismo. Isso levou a um estranho sistema de contabilidade, no qual uma nação impera sobre as demais e julga compreender melhor um escritor estrangeiro do que seus conterrâneos. Para Wellek a literatura comparada “instituiu-se como o termo empregado para qualquer estudo de literatura que transcenda os limites de uma literatura nacional”. Welek insiste que a literatura tem de reencontrar seu foco de estudo, e por isso, propõe que volte a se preocupar com o texto literário somente, mas levando em consideração todo o contexto de sua produção. Propõe uma confrontação dos objetos com sua essência, uma contemplação parcial e intensa que leve à análise e a juízos de valores. Se Paul Van Thieghem tinha definido bem objeto e método da literatura comparada a ponto de seu texto assemelhar-se a uma “cartilha”, foi por isso mesmo atacado por Welleck para quem o “factualismo positivista” tinha chegado ao fim e por isso propôs um estreitamento das relações entre história, literatura e crítica. Welleck moldou essa concepção depois de participar dos círculos línguísticos de Praga e por isso, o arcabouço teórico de sua argumentação é a fenomelogia da obra literária, no debate das relações entre sua estrutura e as relações que se estabelecem com a história. Questiona a distinção entre literatura comparada e literatura geral, a limitação de estudarmecanicamente as fontes e influências e a delimitação artificial do objeto da literatura comparada, repleta de prarelismos, similaridades e identidades que não contribuem para uma teoria literária mais geral, além de considerar o método adotado obsoleto. Critica, em suma, o isosalacionismo da literatura comparada, que não agregou conhecimentos advindos, por exemplo, do formalismo russo, do new criticism, da estilística espanhola, da psicanálise, nem do marxismo. Por esses motivos, conforme o crítico tcheco, a literatura comparada está em crise e precisa de novos princípios. Reclama uma tomada de consciência dos valores e qualidades da obra literária, insiste sobre o papel fundamental da crítica, defende a concepção da obra de arte como uma totalidade diversificada, como uma estrutura de signos que implicam e exigem significados e valores. Essa nova visão afasta a possibilidade de se trabalhar com o conceito de influência. O problema da literariedade passa a ocupar papel central no debate da crítica. Welleck partilha da ideia de que a a literatura comparada define-se pela perspectiva de “estudar qualquer literatura de uma perspectiva internacional, com a consciênvcia de unidade de toda criação e experiência literárias”, independentemente de quaisquer fronteiras. Seu modelo ideal de comparatista é aquele que procura ler tudo o que for possível das literaturas e culturas disponiveis nas línguas originais, para formular um quadro de referência, escrever e falar de modo claro e relacionar as ideias às circunstâncias históricas. Dentre as vozes que se levantaram, à época, para defender o método comparatista francês, destaca-se a de Munteano, para quem o estudo de literatura e sua história fornecem uma série de dicotomias que interferem em diversos níveis e ao qual subjaz um esquema de polaridades estruturais. A partir do reconhecimento da interdependência entre os termos, busca definir o objeto da literatura comparada, ligado a dois processos diametralmente opostos: um processo receptor que conduz à definição das ambiências de qualquer ordem que o autor incorporou na obra e por outro lado, um estudo da ação e da dispersão de cada obra nos ambientes cada vez mais vastos que as circundam. No entanto, Munteano ainda se volta a três vias principais de comunicação entre os pólos individual e universal das obras, a saber: fontes, influências e afinidades. Admite que a verdadeira dificuldade da literatura comparada não é demonstrar sua legitimida, mas determinar seus limites. Para chegar a isso, Munteano propõe dividi-los em elementos que encerrem divergências e relações dialéticas mais visíveis. Em suma, Munteano tem uma visão humanista dos estudos literários. Robert Escarpit tenta encontrar uma alternativa para o binarismo historicismo-formalismo que parece impregnar as reflexões de gerações de comparatistas, de Van Tieghem a René Wellek. A solução, segundo o autor é estudar a literatura como um “fenômeno social”, intimamente ligado com a vida coletiva.. O autor propõe considerar também, aspectos da recepção e circulação da obra, além de se preocupar com o fato de que existe um autor por trás da narrativa, que deve ser inserido em um contexto histórico, antes que se passe a estudá-lo. Cláudio Guillén, comparatista espanhol radicado nos Estados Unidos, assim com Welleck também critica a separação entre “literatura geral” e “literatura comparada”, pois esses campos não são independentes, o que não quer dizer que não haja diferenças entre um e outro. A experiência do crítico e do leitor é variada. De acordo com Guillén, pode-se tratar os elementos isoladamente, sem esquecer que ele participa de um campo maior, o da história literária, campo este entrelaçado pelas relações internacionais. Henry Remak, no texto subsequente tem uma ideia bastante distinta do comparatismo. Para ele,”A literatura comparada é o estudo da literatura além das fronteiras de um país específico e o estudo das relações entre, por um lado, a literatura, e, por outro, diferentes áreas do conhecimento e da crença, tais como as artes (por exemplo, a pintura, a escultura, a arquitetura, a música), a filosofia, a história, as ciências sociais (por exemplo, a política, a economia, a sociologia), as ciências, a religião etc. Em.suma, é a comparação de uma literatura com outra ou outras e a comparação da literatura com outras esferas da expressão humana” Para sustentar a pertinência de uma definição, diríamos, interdisciplinar e que vê a literatura comparada como passível de abertura a outras áreas do conhecimento, Remak sintetiza os principais acertos e pontos que devem ser revisitados das duas grandes escolas comparatistas, a francesa e a americana. De seu ponto de vista, ambas concordariam com a primeira parte de sua definição, aquela que se preocupa com o estudo de literaturas além das fronteiras nacionais, mas metodologicamente, adotariam posicionamentos diferentes. A escola francesa, afirma o autor, é contrária a estudos que “simplesmente comparam”, por vezes, como em Guyard, criticando, o estudo das influências. Para Remak, o estudo das influências é “delicado”, “requer de quem se dedica a ele mais conhecimento enciclopédico e mais finesse do que se tem mostrado”, e pode contribuir menos para a compreensão da literatura do que o estudo comparado de obras, autores, estilos, tendências e literaturas. O autor critica teóricos que se esquecem que o nome da disciplina é “literatura comparada” e não “literatura influente”. Ainda argumentando contra as idéias de Guyard, Remak nos diz que para estudar literatura “é preciso ter síntese”, a menos que se queira condenar à fragmentação e ao isolamento. A escola americana deve se precaver contra o preconceito a certos tópicos, como os estudos de recepção, por exemplo. Quanto à segunda parte da definição, aquela que propõe que a literatura se relacione com outras áreas, a distinção é simples: “os franceses com certeza se interessam por tópicos tais como as artes comparativas, mas não pensam neles como estando na jurisdição da literatura comparada”.Mas o autor faz uma objeção relacionada a isso, a de que existe ”falta de coerência lógica entre a literatura comparada enquanto o estudo de literatura além das fronteiras nacionais e a literatura comparada enquanto o estudo das ramificações da literatura além das suas próprias fronteiras”. A concepção de Remak por se abrir para outras àreas do conhecimento é polêmica e, de certa forma, exige do comparatista um nível próximo ou equivalente de expertise tanto em literatura quanto em outra àrea, tal como a história, o direito, o cinema e as artes plásticas, o que Carvalhal denomina “dupla competência”. Welleck critica essa proposta como muito ambiciosa e afirma que não sobrevive a um exame rigoroso. René Etiemble argumenta contra a visão “franco-cêntrica” de boa parte dos comparatistas, que tendem a colocar a literatura francesa em posição de destaque em relação às outras literaturas, argumentando que se os franceses têm este direito, qualquer outra nação poderia fazer isso, dado o suposto caráter “internacional” da disciplina. Segundo Etiemble, é tarefa do comparatista renunciar a todo tipo de chauvinismo e provincianismo, reconhecendo [..] que a civilização humana [...] não pode ser compreendida nem apreciada sem que se faça constante referência a essas trocas, cuja complexidade impede a quem quer que seja de ordenar a nossa disciplina em função de uma língua ou de um país, privilegiando-o dentre os demais Etiemble corrobora a noção de literatura “supranacional”. Propõe um método não-historicista, mas voltado para a reflexão histórica e abrange em seu texto literaturas não-ocidentais, como a japonesa. Define o espírito da disciplina como a necessidade de se “verificar se podemos conciliar as exigências de nosso ofício com a duração média da vida de um homem, mesmo que seja ele comparatista”. Vê-se, por este viés que a crítica da abordagem de fontes e influências ocorria, por vezes, dentro do que se convenciou chamar de “escola francesa”, pois Eiemble condena a arbordagem de causas e efeitos nos estudos de literatura. A comparação, para este autor, é válida mesmo se não houver tais influências. Concorda com Welleck que a literatura comparada jamais chegará a definir sua identidade e trata as diferenças entre as escolas como conciliáveis. Propõe uma terceira solução, a que chama dialética ou mediadora: a literatura comparada deve conhecer minuciosamente as relações de fato que explicam, numa determinada época a ação de determinado escritor, de uma determinada corrente ou de uma determinada cultura. Contudo, isso não é suficiente para resolver a questão das influências. Para ele a literatura comparada se realiza quando estuda a obra literária como tal. Propõe o uso da indução, da pesquisa minuciosa, a fim de construir um sistema de invariantes. Nesse sistema, não há lugar para o inédito. A originalidade é parte das estruturas globais´e é menos importante do que a “justeza” a imposição correta de uma ideia. Seu pensamento é definido por Nitrini como um “classicismo militante” , provindo do ideário do século XVIII. Sua teoria propõe-se a dar conta de uma experiência ideológica universal, de reestabelecimento dos valores clássicos e da unidade de fundo da literatura como totalidade. Nitrini reconhece em Etiemble certo pioneirismo, ao abrir lugar para as pequenas literaturas, propondo uma renovação radical da literatura comparada tradicional, numa atitude antiimperialista e anti-colonialista. Assim, suas colocações explicitam veementemente as relações entre literatura comparada e política. Contudo, havia em sua concepção algumas dificuldades operacionais, como por exemplo para o alargamento do quantitativo do objeto da literatura comparada, em que corre-se o risco de recair na superficialidade. Quebrando a hegemônia das escolas francesa e americana, surgem em cena alguns comparatistas do Leste Europeu, a partir do final dos anos 1960. Viktor M. Zirmhusky opõe-se ao entendimento dominante de “literatura comparada” em termos de “influências literárias”, como fenômenos causais, o que impossibilita um estudo mais apurado de certos aspectos, como a personalidade do autor, sua origem nacional e histórica, entre outros fatores. Para Zimhunsky, essas influências não são um “impulso mecânico” e “acidental”, um mero “acontecimento”, mas sim “um fato social historicamente condicionado e determinado pelo desenvolvimento interno da literatura nacional em questão.” Zimhunsky questiona a validade da separação entre “literatura comparada” e “literatura mundial” ou “universal”, efetivada pelos manuais de literatura comparada como os de Van Tieghem e Guyard. Para o autor, “a literatura comparada, no sentido amplo do termo, revela a existência de paralelismos regulares na evolução literária, e de analogias tipológicas e convergências entre literaturas que parecem ser sintomas de tendências gerais; ela também revela o jogo de inter-relações literárias não menos regulares baseadas em "contra-correntes", no sentido de Veselovsk”. A premissa essencial da proposta de uma teoria comparatista das literaturas dos diferentes povos é a idéia de unidade e regularidade do desenvolvimento histórico e social da humanidade. Esse pro cesso geral rege a evolução da literatura e da arte, como imagens tipificadas da realidade, refletidas na consciência do homem social. Levando-se em consideração a literatura da época moderna, desde o começo da formação da sociedade burguesa, constata-se que, em diferentes povos europeus, ocorre uma mesma sucessão regular de correntes literárias. A similitude dessas correntes em diferentes comunidades não pode ser resultado do acaso, mas determinada historicamente por condições semelhantes da evolução desses povos: renascimento, barroco, classicismo, romantismo, realismo, naturalismo, modernismo. Essa regularidade faz pensar numa evolução única e ordenada de sistemas artísticos inteiros, condicionada no seu aspecto ideológico e artístico. Assim, nota-se que, nos países do leste europeu, àquela época comunistas, houve a prevalência de princípios básicos de uma investigação literária comparada marxista orientada por uma dupla demarcação: por um lado, contra a literatura comparada “francesa” e ainda mais contra a “americana” (explicitamente) e, por outro, contra o descrédito das questões comparatistas tais como haviam estado na ordem do dia em luta contra o “cosmopolitismo”. Zhirmunsky reconhece que nos estudos literários da Europa ocidental, na década de 1970, a idéia de causalidade social dos fenômenos literários não tem grande popularidade, sendo recusada como “determinista”. Mas tal concepção não faz da literatura e da história, em geral, um amontoado de acidentes indivi duais, fortuitos e imprevistos. A idéia segundo a qual condições históricas repercutem sobre fenômenos literários e sociais não se confunde com o determinismo mecânico e rígido e não exclui os caminhos diversos e individuais do desenvolvimento da literatura provocado pelo jogo complexo das causas e condições de desenvolvimento. Zhirmunsky posiciona-se face à distinção estabelecida por Paul Van Tieghem entre “literatura comparada” e “literatura geral”. As correntes literárias pertencem ao domínio da “literatura geral”. Mas ele discorda de uma distinção entre “literatura comparada” e “literatura geral” feita em base puramente quantitativa. Segundo esta perspectiva, a idéia de Paul Van Tieghem só será possível se a literatura geral for considerada não uma simples soma de literaturas coexistentes, agindo reciprocamente umas sobre as outras, unidas mecanicamente e situadas em períodos cronológicos sucessivos, mas uma totalidade histórica de ordem superior, desenvolvendo-se como um processo único social e historicamente condicionado. O programa de Zhirmunsky não exclui o estudo comparado dos textos literários. É ele que fornece a matéria necessária tanto para a elaboração da literatura nacional quanto da história comparada das literaturas do mundo. Outro comparatista do Leste Europeu é Sóter. Ele contrãpõe o que denomina de “comparação binária” à “confrontação complexa”, um método que leva em conta as exigências internas próprias de cada literatura nacional, tornando possível a recepção de uma influência estrangeira de acordo com suas tendências assimilatórias que as transformam, conferindo-lhes novas funções no sistema receptor. Além disso, o método da “confrontação complexa” procura assinalar tendências paralelas da evolução das literaturas nacionais que, em circunstâncias históricas semelhantes, acarretam a recepção de efeitos, provocam o aparecimento de fenômenos e de configurações similares. Revelam-se fundamentais para o método de confrontação complexa apenas duas categorias: a do período histórico e a da obra individual, que se opõem segundo a dicotomia geral-particular. Cacla período histórico distingue-se por uma tendência primordial e características próprias. Ainda, para que a técnica do confronto de todos os seus frutos e o pesquisador construa uni modelo apto a captar o período em sua polifonia, o método não deve restringir seu tema ao domínio literário, mas deve ampliá- lo de maneira a incluir a música, as belas-artes e as artes aplicadas Claude Pichois e André M. Rosseau buscam definir o que é literatura comparada e de que ela trata. Chegam a seguinte definição, que eles mesmos consideram ampla, e aconselham o leitor a suprimir desta definição o que lhes parecer deslocado. ”A literatura comparada é a arte metódica, pela busca de la- ços de analogia, de parentesco e de influência, de aproximar a literatura dos outros domínios da expressão ou do conhecimento, ou então os fatos e os textos literários entre si, distantes ou não no tempo ou no espaço, desde que pertençam a várias línguas ou culturas, que façam parte de uma mesma tradição, para melhor descrevê-los, compreendê-los e saboreá-los”. Mas, segundo os autores, se alguma parte desta definição for suprimida a literatura comparada perde o sentido, uma vez que, seu objetivo é “permitir o estudo da literatura em sua totalidade”. Nitrini afirma tratar-se de uma definição conciliadora, que tenta dirimir a distinção entre as “escolas” de literatura compara. Como Cláudio Guillén, a autora reconhece ter havido predominância de um enfoque francês e depois de um estadunidense de fins do século XIX até a Segunda Guerra Mundial, considerando que depois desse marco, o uso dessa divisão lhe parece incorreto. A autora considera que os franceses buscavam compreender uma “ a antiga literatura comparada mundial”, baseada no estudo das fontes, com fins de documentação, enquanto “a nova literatura comparada mundial é centrada num modelo transnacional, de perspectiva interdisciplinar. Esse último conceito dificulta a adoção de uma metodologia bem definido, pois parte do pressuposto de que deve ser aceito todo tipo de abordagem. Simon Jeune, partícipe da tradição comparatista francesa, segue o mesmo caminho trilhado por Van Thieguem e Guyard ao fazer um manual de estudo da disciplina. Logo de início, o autor concebe “literatura geral como aquela que liga entre si as diversas literaturas nacionais e como aquela que estabelece pontes entre a literatura e as belas-artes”, um termo que deve ser usado não em oposição, mas para complementar o sentido de literatura comparada. Assim, durante o texto, Jeune fundamenta pontos de distinção entre uma e outra. Jan Bradt Courstius aproxima-se das concepções da escola norte- americana de literatura comparada. A intenção do autor é a de demonstrar que a literatura ocidental é uma comunidade literária dentro da qual estao inseridas cada uma de suas literaturas nacionais. Para o autor, a literatura comparada deve ser compreendinda e estudada dentro de uma ótica internacional. Courstius pressupõe que todos temos um impulso inicial que nos leva à literatura, mas a partir do momento em que nos tornamos estudiosos temos de manter contato contínuo com grandes obras. Embora rejeite a perspectiva historicista, o autor vê a possibilidade de se estudar historicamente a literatura. Segundo ele “a história de uma determinada literatura passa a presumir a existência de uma comunidade literária, e muitas vezes descobrimos que suas origens são profundamente enraizadas em outras literaturas. À medida que conseguimos rastrear sua história, deparamo-nos com o impacto de textos e autores de fora de suas fronteiras. Assim, verificamos que seus períodos receberam rótulos internacionais não apenas por razões cronológicas, como as expressões "Antigüidade" e "Idade Média" poderiam levar-nos a supor, mas porque esses rótulos dão conta de características literárias internacionais”. A.Owen Aldridge afirma que estudar literatura comparada não é fazer uma comparação entre literaturas nacionais; “ao invés disso, ela [literatura comparada] fornece um método de ampliação da perspectiva na abordagem de obras literárias isoladas — uma maneira de se olhar para além das estreitas fronteiras nacionais, a fim de que sejam discernidos movimentos e tendências nas diversas culturas nacionais e de que sejam percebidas as relações entre a literatura e as demais esferas da atividade humana” O autor faz uma retomada de tudo o que foi dito de mais importante acerca do conceito, que de início preocupava-se sobremaneira com as relações entre literatura e sociedade, de um ponto de vista historicista, para depois ser estudado com base na estética, e com Goethe assumir feições geográficas. Aldridge comenta que nos estudos literários a comparação pode ser usada para demonstrar afinidade, tradição ou influências. O autor critica os pontos fracos de cada uma dessas abordagens, mas ressalta o valor de cada um deles, no sentido de que aumentam a compreensão acerca da literatura. Werner Friederich afirma que assim como todo Estado tem um departamento de relações internacionais, toda universidade deveria ter um departamento de literatura comparada a fim de se informar acerca das idéias e trabalhos literários surgidos além das fronteiras nacionais. Friederich condena as abordagens extremistas e propõe diferenciar as abordagens francesa e americana de estudo da literatura comparada, como muitos antes dele já fizeram. Destaca três modos diferentes de metodologia utilizada pelos franceses: uma enfatizando o do emissor, outra o do receptor e a última o papel do intermediário Para o autor, o pesquisador que estudasse horizontalmente, se detendo em menos literaturas de um mesmo século por exemplo, compreenderia melhor o fenômeno literário do que quem optasse estudar verticalmente toda a tradição ocidental. Friederich defende a inclusão de Literatura Comparada nos currículos das universidades e de programas especiais Harry Levin afirma que a literatura não pode ser comparada a nenhum outro meio de expressão senão ela mesma, uma vez que é incomparável. Dizer isso, contudo, não é o mesmo que desconsiderar as relacões existentes entre literatura e artes ou literatura e ciência, mas conceber a literatura como algo “além de comparações”. O autor opõe as concepções francesa e americana de literatura comparada, na medida em que, para ele, os estudos efetuados pelos franceses tinham vocação centrípeta, ou seja, olhavam para dentro de seu próprio círculo, enquanto a concepção de Levin e seus contemporâneos é centrífuga, buscando enxergar além-fronteiras. Suas ideias concordam com alguns comparatistas que vieram antes dele, como Etiemble, que fala em “cosmopolitismo literário” e Courstius para quem existe uma “comunidade de literatura”. Mas, Levin acredita que esta oposição entre as “escolas” é menos uma polêmica e mais um conflito de gerações, visto que as concepções acerca de literatura comparada mudaram ao longo do tempo, mas que é preciso manter um padrão para que não se construa “uma nova Torre de Babel”. S. S. Prawer, no ensaio “O que é literatura comparada?” admite que esta não é uma expressão feliz. Recentemente, segundo o autor, até mesmo a palavra literatura teve seu significado estreitado. Até o fim do século XIX dizia- se “literatura” para dizer que determinada pessoa tinha conhecimento acerca das obras literárias, lia bastante. Nos dias em que Prawer escreve, literatura significa “(além de ‘o conjunto de livros e artigos que tratam de um assunto específico’), ‘produções literárias como um todo’, ‘os escritos de um país ou de um período, ou do mundo em geral’. mas para o autor, é complicado falar em “literatura comparada”, já que a literatura é uma expressão humana e as expressões comparativas normalmente dizem respeito às ciências. Assim, ele prefere o uso da expressão “estudo comparativo da literatura”. Se literatura comparada é aquela que se utiliza do método comparativo da literatura, então toda literatura é comparada. Urich Weisstein decide utilizar um conceito meio-termo entre o da escola francesa, que ele chama de “limitado” e àquele proposto pela escola americana, mais “liberal”. Weisstein divide “literatura comparada” em “teoria literáriada comparada” e “crítica literária comparada”, dois campos diversos de atuacao. Ao mesmo tempo em que critica a concepção historicista francesa, sente necessidade de tratar de cada obra em seu contexto histórico específico e embora defenda a interdisciplinaridade é contra a formulacao de meros paralelismos, pois esta prática requer sistematização e aprofundamento. Francois Jost, por seu turno, afirma que as noções de “literatura comparada” e “literatura mundial” não são idênticas. Vê a literatura mundial como “pré-requisito” para a comparada. Assim, destaca que a literatura comparada é uma “Weltilatur orgânica”; “um ‘relato’ articulado, histórico e crítico, do fenômeno literário visto como um todo.”, ou como é vista comumente como a “uma comparação mútua e até mesmo sistemática das literaturas na- cionais. “Literatura nacional” também é uma expressão que pode suscitar entendimentos diversos: existe a definição popular, de que a literatura nacional é aquela de um determinado país; e há a acadêmica, segundo a qual “por um lado, ela consiste em obras que aderem a códigos de estética idênticos e que são, conseqüentemente, escritos na mesma língua. Por outro lado, seus escritores têm a mesma formação cultural” Jost critica a escola francesa de comparatistas, pois estes, segundo ele, eram nacionalistas e achavam que sua literatura era a melhor de todas e a literatura comparada era vista como disciplina secundária, “ramificação da história literária” se relembrarmos Van Tieghem. Também critica a escola soviética, da qual um dos representes é Zirmhunsky, por não se preocuparem com questões estéticas Segundo o autor, na América do Norte, a literatura comparada “caracteriza-se, por um lado, pela multiplicidade de teorias literárias que surgem da mais absoluta liberdade no ensino acadêmico, e, por outro lado, por uma ausência quase total de preocupações nacionalistas”. o autor finaliza seu texto de maneira bastante otimista afirmando que “a literatura comparada representa uma filosofia das letras, um novo humanismo. Seu princípio fundamental consiste na crença na totalidade do fenômeno literário, na negação das autarquias nacionais na economia cultural e, como conseqüência, na necessidade de uma nova axiologia. Nos anos 1980, Adrian Marino, discípulo de Etiemble, considera que a crise da literatura comparada, como visualizada 30 anos antes por Welleck ainda não se resolveu. A crise persiste, segundo esse autor, pois ainda não se definiu o objeto desse campo de estudos, e tem, segundo essa proposta, uma raiz mais profunda: a distinção entre fato e texto. Marino propõe a conversão radical da literatura comparada”. É nesse ponto que se revela o seu traço diferencial : nem historicista, nem crítico, mas teórico geral. Busca passar das relações de fato (particulares) para as relações estruturais (universais), do “único” para o “genérco”, e converter o conjunto desses dados numa síntese teórica e me todológica coerente Sua poética ou teoria literária comparatista baseia-se num ponto de partida que leva em consideração três aspectos importantes: a renovação do conceito de literatura universal, a dissociação do com- paratisnio da idéia exclusiva de comparação e sua associação com o estudo sistemático de “literatura universal” e a recuperação da totali dade dos elementos que antecipam uma nova apreensão global (his tórica, morfológica e teórica) de literatura. Para elaborar uma poética comparatista. cujo objeto é a litera tura universal, Marino propõe uma perspectiva e uma metodologia hermenêuticas comandadas pelos seguintes pressupostos: a literatura universal existe se compõe com a totalidade das literaturas e se confunde com a literatura e, para se chegar a uma teoria da literatura universal, é necessário urn método que antecipe e deixe configurar-se a teoria da literatura universal. O resultado final dessa teoria comparatista literária, confundin- dosc com o seu próprio objeto, constitui uma modalidade diferente de pensar e colocar o problema da literatura: ela só pode ser definida no plano específico de referência à literariedade. A conversão do comparatismo em teoria comparada da litera tura e em poética encontra um objeto que a justifica. Também nos anos 1980, no âmbito dos comparatistas do Leste Europeu surge a teoria ou paradigma tipológico-contatual. Partindo da tese do papel determinante da literatura receptora no processo de continuidade interliterária e da concepção de tipologia comparatista não somente como fenômeno que condiciona as semelhaças não contatuais, mas também como fator responsável pela significação teórica e justificação da esfera genético-contatual do processo interliterário. Segundo este estudioso, o objetivo da literatura comparada é a compreensão da essência tipológica e genética do fenômeno lite rário, vale dizer, de seus constituintes estéticos, finalidades, autores, escolas literárias, gêneros, estilos etc., tanto quanto a revelação de leis internas que caracterizam o fenômeno literário como um fenômeno concreto da História e ao mesmo tempo como um fenômeno geral, sem se considerar sua história específica. Para ele, a literatura comparada se inclui na história literária, sendo um de seus constituintes orgânicos. Deste modo, não conside ra a literatura comparada uma disciplina acadêmica específica, mas procedimentos de trabalho de pesquisa, intimamente relacionados com as metodologias dos acadêmicos universitários. As observações empíricas da prática comparatista histórico-literária acarretam uma distinção metodológica entre aquelas mani festações de contatos interliterários, tais como relações entre literaturas de países diferentes, de um lado, e contatos entre escritores e pessoas de letras, de outro. A partir de uma classificação funcional, tomada de empréstimo a Zhirmunsky, Duristin enfatiza a relevância das literaturas receptoras, em vez de se focar em termos tais como “superioidade” ou “dependência”. Tendo em vista o objetivo do estudo comparatista que, para Durisin, é, como já vimos, o conhecimento da essência genética e tipolõgica do fenômeno e processo literário, a (areia da análise comparativa e determinar o condicionamento das formas individuais de semelhança. Em geral, predomina o interesso pelo condicionamen to por meio de fenômenos do caráter nacional da literatura, mas também por aqueles de natureza extraliteraria. Durisin reconhece que estudos posteriores poderão ser dirigidos para a revelação das mais variadas relações que são mostradas pola comparação de fenômenos na sua ordem sincrônica, histórica e lipológica. E aqui as relações dos fenômenos comparados com a esfera social, intelectual e cultural, de um lado, e o campo literário, de outro, são justificadas na metodologia da pesquisa. A fim de classificar as formas do processo interliterário,Duristin: primeiro nota o confronto dos fenômenos literários por meio do estudo histórico- comparativo; em segundo lugar, por meio da comparação histórico-tipológica, explica-se as semelhanças existentes entre fenômenos que em sua origem apresentaram situações sociais parecidas; em terceiro lugar, utiliza-se a comparação histórico-genética para verificar os fenômenos similares que resultam de um parentesco genético e as diferenças ocasionadas pela história; finalmente, por meio da comparação, determinam-se relações genéticas existentes entre as literaturas, baseadas na sobrevivência de influências culturais ou empréstimos que se instalaram devido à proximidade histórica entre nações. Essa classificação objetiva auxiliar na definição da extensão das observações realizadas pelos estudos comparativos evitando, dessa forma, generalizações teóricas. Segundo Durisin, a prática comparativa histórico- literária é importante pelo fato de descrever o grau de influência dos valores da literatura estrangeira na formação da literatura receptora. Além disso, esse procedimento inicial ajuda a definir os graus de potencialidades de um fenômeno e as suas conseqüências dentro de uma determinada literatura. Para o crítico, é essencial que o estudo comparativo inicie-se a partir da literatura receptora, verificando seu papel determinante, sua adaptação e seu potencial frente à implementação de relações interliterárias. Assim, para se determinar ao certo o papel de um modo de recepção, é preciso caracterizar não apenas a transformação criativa do componente recebido, mas qual o lugar ocupado por ele no sistema de relações da obra literária receptora. Para Durisin as relações interliterárias podem ser de dois tipos: integradoras e diferenciadoras. No primeiro tipo, a literatura receptora se identifica com a influenciadora, constituindo uma relação de adequação, portanto positiva. Já no segundo tipo, a relação que se trava entre as literaturas receptora e influenciadora é negativa, pois o objetivo no processo recepcional é salientar a distinção do modelo original. As analogias tipológicas, por sua vez, podem ser classificadas de acordo com o grau, com a intensidade e com a sujeição causal. Essa última pode ser de três tipos: social, literária e psicológica. As analogias sociotipológicas dizem respeito à subordinação social das afinidades tipológicas aos fundamentos que conectam fatores ideológicos relacionados a idéias sociais. Já as analogias literário-tipológicas têm sua gênese na existência autônoma da literatura e constituem-se no resultado das leis de seu desenvolvimento interno. Finalmente, as analogias psicológicas, segundo Durisin são muitas vezes responsáveis pelos traços característicos de determinada manifestação literária. Isso ocorre não apenas na classificação geral da historia literária, mas também, na classificação dos gêneros (lírico, épico, dramático). Como se observou, a proposta de Durisin visa explicar estruturalmente os fenômenos literários vistos sob a ótica comparatista. Segundo Carvalhal o que mais interessa em suas reflexões são as investigações sobre as relações estabelecidas não somente entre autores e obras, mas também entre sistemas e subsistemas literários, governados por determinadas normas e tendências, sejam elas estéticas, sociais ou políticas. Percebe-se uma mudança nos estudos comparados, ou seja, se nas orientações tradicionais as relações entre autores e obras eram feitas de um modo causal e mecânico objetivando a verificação de importação e exportação literárias, na teoria de Durisin, o foco é a investigação das relações entre os textos, isto é, verifica-se o processo de transformação dos textos dentro de um determinado sistema literário sob a nfluência, principalmente, das regras estabelecidas pelo próprio sistema e pela tradição. Outro crítico quecontribuiu para as teorias comparatistas foi Even Zohar. A teoria defendida por Zohar denomina-se teoria do polissistema e trabalha a idéia de que a literatura integra-se a um sistema mais amplo, a saber, a cultura. Nesse sentido, a arte literária não se apresenta de forma isolada na sociedade, regulada por leis próprias que divergem daquelas que regulam as demais atividades humanas, mas como um fator integrante que muitas vezes exerce uma função de domínio sobre os demais. A teoria do polissistema se insere no campo da ciência da literatura. Sendo assim, seu objetivo maior é formular leis adequadas, que sejam hipóteses temporárias e não verdades eternas, a fim de compreender o fato literário num tempo e espaço determinados. Desse modo, essa teoria se funda num sistema de hipóteses interdependentes que, necessariamente, devem ser consideradas em sua totalidade, correndo o risco de desvirtuar, atenuar ou, até mesmo, anular sua validade caso não sejam avaliadas como um todo. Nessa proposição do polissistema são rejeitados os critérios de seleção de objetos de estudos baseados em julgamento de valor. Dessa forma, os estudos históricos do polissistema literário não se baseiam apenas nas denominadas obrasprimas. Nessa teoria, além da possibilidade de correlacionar os elementos individuais uns com os outros, há elementos que não são reconciliáveis, formando sistemas alternativos de opções concorrentes, que se apresentam de forma hierarquizada dentro do polissistema. Todavia, com esse múltiplo sistema não se pode pensar em termos de centro e periferia influenciando e sendo influenciado num processo diacrônico. O centro do sistema corresponde ao grupo que governa e determina a canonicidade de um certo repertório. Ao se estabelecer essa canonicidade, deve-se aderir às propriedades desse repertório ou, se for preciso para se manter no controle, alterar-se o repertório de tais propriedades. Se ambos os procedimentos não forem bem-sucedidos, tanto o grupo quanto o repertório são substituídos por outro grupo e repertório que passarão ao centro do polissistema, constituindo-se em canônicos. Aqueles que aderirem ao repertório canônico deslocado dificilmente dominarão o polissistema. De modo geral, terminam por localizarem-se na periferia do sistema, sendo chamados de epígonos. É importante ressaltar que a produção, a dominação e a mudança de um repertório são estabelecidas pela correlação entre os fatores da dinâmica semi-independente do sistema particular com a dinâmica social e cultural. Zohar, formula, neste contexto, o conceito de interferência, que pode ser explicado como a relação existente entre duas literaturas, na qual uma delas constituir-se-á em fonte de empréstimos, que podem ser diretos ou indiretos para a outra. Para Zohar, a interferência pode ser de dois tipos: unilateral ou bilateral, ou seja, ela pode atingir uma literatura ou ambas e seu raio de ação pode alcançar qualquer elemento do sistema literário. Todavia, para que uma interferência ocorra, de fato, é necessária uma espécie de contato entre as literaturas. O tipo de interferência a que uma literatura será exposta depende do estado de cada um dos sistemas envolvidos. Esse estado pode ser relativamente independente ou dependente. No primeiro caso, trata-se de um sistema praticamente estabelecido, no qual a literatura é capaz de se desenvolver dentro da própria esfera. Algumas vezes, pode até receber interferência de um sistema externo, mas isso não ameaça sua capacidade auto-suficiente de existência. No segundo caso, trata-se de um sistema ainda não estabelecido, no qual um aparelho externo é imprescindível para seu desenvolvimento. Isso geralmente ocorre quando se trata de uma literatura jovem, cujas condições internas se revelam de tal forma, que nem as fontes internas, nem as do sistema dominante interno bastam. Em seguida, Zohar apresenta alguns aspectos que tornam possível a formulação e a investigação das leis de interferências, a saber: princípios gerais de interferência; condições para a emergência e ocorrência de interferência; e processos e procedimentos de interferência Esses três aspectos se subdividem em vários itens, que serão arrolados a seguir. Os princípios gerais de interferência se subdividem em: as literaturas nunca deixam de estar em processo de interferência; na maioria das vezes, a interferência ocorre unilateralmente; a interferência literária não se apresenta, necessariamente, conectada a outra interferência, em outros patamares entre comunidades. Com relação ao primeiro princípio, Zohar afirma, com base em resultados de pesquisas, que todas as literaturas, em um momento ou outro de sua história, sofreram a interferência de uma outra literatura mais estabelecida. No que se refere ao segundo princípio, Zohar comenta que, na maioria das vezes, a literatura-fonte não tem conhecimento da literatura na qual ela interfere; contudo, há casos nos quais ocorre uma interferência bilateral que afeta em maior grau uma literatura e em menor grau a outra. No que diz respeito ao terceiro princípio, Zohar atenta para o fato da ocorrência de interferência entre duas comunidades que se encontram geograficamente próximas e comunidades que se apresentam separadas. No primeiro caso, a interferência pode acontecer nos diversos setores sociais e não necessariamente no campo literário, porém, é difícil encontrar interferências apenas na literatura enquanto os outros setores culturais permanecem ilesos às interferências. Já no segundo caso, é perfeitamente aceitável a ocorrência de interferências apenas no âmbito literário, sem que haja interferências nos setores social, econômico, político e cultural. No aspecto das condições de emergência e ocorrência de interferência, Zohar lista quatro características, explicando que os contatos gerarão, cedo ou tarde, interferências, caso não haja situações de resistência; que uma fonte literária é escolhida devido ao seu prestígio; e uma fonte literária é escolhida pelo domínio; além disso, afirma que uma interferência acontece quando um sistema precisa de itens não disponíveis dentro dele. Com relação à primeira característica, Zohar acredita que contatos prolongados entre duas comunidades geram condições favoráveis à ocorrência de interferência, mesmo que essa interferência a princípio não seja visível. Segundo esse crítico, a teoria do polissistema considera possível a ocorrência de uma interferência na periferia do sistema, que permanece incubada durante um longo tempo antes de aparecer nos domínios da cultura oficial. A respeito da segunda característica, afirma que geralmente a literatura dominante torna- se fonte literária por prestigio; contudo, há casos nos quais ela é selecionada devido a questões extraculturais, como por exemplo, o domínio político. A quarta característica diz respeito à necessidade de itens não disponíveis dentro do próprio sistema. Isso ocorre quando uma nova geração sente a necessidade de mudanças nas normas vigentes e não encontra respaldo dentro do próprio sistema. Finalmente, a terceira característica - processos e procedimentos de interferência - congrega três princípios: contatos que são passíveis de ocorrer apenas com uma parcela da literatura alvo e derivar-se para outras partes; um repertório apropriado que não conserva necessariamente as funções da literaturafonte; a apropriação que tende a ser simplificada, ajustada, planejada. O primeiro princípio apresenta que a literatura alvo pode receber a interferência apenas em um estrato, ou seja, na zona central ou periférica. Apesar de inicialmente apropriado pela literatura-alvo, o repertório da literatura- fonte se desenvolve de tal forma que passa a compor um processo interno dentro da literatura-alvo, perdendo, assim, o caráter de uma interferência direta. Para Zohar, nem todos os processos de interferência são diretos, pois muitas literaturas periféricas se apropriam dos repertórios comumente aceitos, de intermediários secundários, que elaboraram modelos mais esquematizados, mais simples e, portanto, mais fáceis de se apropriar que os modelos vindos diretamente da fonte. Referindo-se ao segundo princípio, o crítico comenta que os itens apropriados do sistema-fonte podem desempenhar funções completamente diferentes, pois, freqüentemente, transferências geram mudanças funcionais. Já o terceiro princípio diz respeito à tendência de a literatura alvo utilizar repertórios secundários a fim de regularizar padrões que sejam variados em uma determinada fonte. Segundo o crítico, um elemento que apresenta uma certa complexidade dentro de uma fonte literária pode se apresentar de maneira simplificada na literatura-alvo. O oposto também é possível de acontecer, ou seja, uma obra com funções simplificadas na literatura-fonte, depois de apropriada, pode apresentar certa complexidade na literatura-alvo. Verificou-se que a literatura comparada desde seu surgimento como disciplina apresenta dificuldade quanto à determinação de seus conteúdos e objetivos devido à sua dimensão. A literatura comparada se constitui como uma teoria polimorfa que ocupa um espaço próprio dentro dos estudos literários, seja como objeto de discussão ou como perspectiva de aproximação da literatura e de sua relação com as outras artes. CONCEITOS FUNDAMENTAIS
Influência
Cionarescu estabelece uma distinção entre os conceitos de de influência e
imitação. Para isso, recorre aos cinco componentes da obra literária, a saber: tema, gênero, recursos estilísticos expressivos, idéias e sentimentos (camada ideológica) e ressonância afetiva. Para ele, a influência se limita a absorver um ou outro desses componentes, e à medida que cresce o número desses elementos aproveitados da obra de um autor por outro, tanto mais se aproxima da imitação, da paráfrase e da tradução. Outro crítico comparatista que desenvolveu um conceito de influência foi Owen Aldridge. Para ele, a influência” diz respeito a encontrar elementos na obra de um autor, que não existiriam se ele não lesse a obra de um escritor que o precedeu Para Aldridge, a influência ajuda na compreensão do modo pelo qual um autor demonstra sentimentos e pensamentos. Além disso, acredita que a compreensão de uma fonte revela o processo de composição de uma obra e mostra com maior clareza o pensamento de um autor. Nesse sentido, propõe que apontar influências sobre um autor é certamente enfatizar antecedentes criativos da obra de arte e considerá-la um produto humano, não um objeto vazio. Valery contribui de forma efetiva para a teoria de literatura comparada, om estudos que refletem sobre a relação existente entre os conceitos de influência e de originalidade, tornando-se responsável pela renovação desse primeiro conceito que, ao invés de ser visto como dependência de um autor em relação a outro, passou a ser considerado como fonte de originalidade. Alguns estudiosos, na tentativa de sistematizar o pensamento de Paul Valery a respeito da influência, apontaram quatro categorias principais: a influência recebida, que consiste no contato entre dois espíritos, resultando na modificação progressiva de um autor pela obra do outro; a influência exercida sobre a posteridade, a qual determina o valor da obra emissora; a auto- influência do autor e, finalmente, a influência por reação, isto é, a negação à influência. Para Valery, um escritor atinge sua identidade por meio de um mecanismo contraditório, valendo-se dos exemplos dos outros e tentando se distinguir deles. Esclarece, ainda, que a influência não minimiza em nada a originalidade, pois é vista como um caso de assimilação, ou nas palavras do crítico “um caso de estômago”. Depreende-se que a qualidade da digestão das idéias dos outros é que determina as fronteiras entre a originalidade e o plágio. Desse modo, as idéias de Valery descartam a possibilidade de se pensar em originalidade no sentido de origem primeira, ao contrário, concebe a originalidade como um processo de análise, reflexão e incorporação das idéias dos outros. Nesse sentido, o autor ressalta que não basta nutrir-se das idéias dos outros, é preciso digeri-las, pois, caso haja falha no processo digestivo das idéias dos outros é perfeitamente possível depreender pedaços dessas idéias em meio à nova criação. Nos anos 1960, um crítico comparatista que se propôs a discorrer sobre o lugar mais adequado das influências no âmbito das disposições vigentes dos estudos comparatistas foi Cláudio Guillén. O autor ressalta que influências e paralelismos são divisíveis, ou seja, os estímulos vindos de outras obras, no que diz respeito ao ato de criação, fazem parte da psique do escritor, enquanto que as similaridades textuais caracterizam a realidade literária de um modo geral. Portanto, a influência não se mostra necessariamente por meio de um paralelismo, assim como nem todo paralelismo se origina de uma influência. Para esse comparatista, o estudo de influências percorre duas fases distintas, a saber: a interpretação dos fenômenos genéticos e a comparação textual. A segunda fase é totalmente dependente da primeira, pois é necessário apurar se houve influência de fato antes de iniciar uma comparação textual. Outro aspecto interessante das considerações de Guillén são os conceitos de tradição e convenção, que devem ser instrumentalizados pela literatura comparada. Esses conceitos são capazes de inserir a obra em um contexto mais amplo da literatura e, também, desempenhar um diálogo entre as obras, os autores e as literaturas. Tradições e convenções são dois preceitos que se associam pelo fato de se constituírem em um costume aceito por uma comunidade. Nesse sentido, as tradições podem ser vistas como convenções que se atrelam a seqüências temporais. Supõe-se que os autores reconheçam seus antecessores por meio dela. Assim, as coordenadas tradicionais podem ser consideradas reguladoras do processo de composição da obra literária. Guillén estabelece diferenças entre convenções e influências: enquanto a primeira é extensa e constitui-se em um parentesco remoto, a segunda é intensa e estabelece-se pelo relacionamento direto entre dois autores. Assim, de um lado, as convenções e tradições abrem amplas perspectivas através do descortinar de configurações sincrônicas e diacrônicas da literatura e organiza o caos dos fatos literários. De outro lado, a influência auxilia na verificação dos contatos entre autores e entre obras, permitindo o acesso ao processo genético da criação artística.
Imitação e originalidade
O conceito de originalidade é também muito discutido pelos teóricos
comparatistas, tanto quanto os conceitos de influência e imitação. Duas autoras merecem destaque na discussão sobre originalidade: Odette de Mourgues) e Ana Balakian Essas autoras se destacaram no Congresso da Associação de Literatura Comparada, em 1964, pela perspectiva histórica e teórica, respectivamente, com que discutiram o conceito de originalidade. Odette de Mourgues ressalta os dois sentidos possíveis para a palavra original: o primeiro equivale à originalidade absoluta, na qual algo é criado a partir do nada; o segundo diz respeito a uma originalidade relativa, que apresenta suas peculiaridades. Segundo a comparatista, essa ultima acepção do termo original começou a ser utilizado a partir do século XVII. Contudo, os escritores do século XVI dispunham de um termo que denotava uma certa noção do que seria a originalidade literária, simplicidade (naïveté). Esse termo remetia, entre outras coisas, que o poeta deveria ser fiel à própria natureza. O princípio artístico daquela época consistia em imitar sem sacrificar a individualidade, ou seja, o poeta devia imitar, mas não de modo servil, ao contrário, deveria impregnar a obra com sua marca peculiar. Essa espécie de originalidade, que se arrastou pelo século XVII, apresenta duas características importantes: a primeira trata da idéia de inspiração, ou seja, o ato de escrever ocorre mediante inspiração de poderes divinos; a segunda se refere a uma submissão do escritor ao lugar e à época em que viveu. Tanto uma quanto a outra estão intimamente ligadas a um elemento pessoal, a uma marca própria. Nos séculos XIX e XX, verifica-se um equívoco com relação ao conceito de originalidade. Com o Romantismo, a idéia de originalidade foi adquirindo uma conotação de individualismo. Os românticos acreditavam que, quanto mais original fosse um escritor, mais ele se oporia à sociedade e aos costumes de seu tempo; contudo, isso não passa de uma ilusão romântica, pois, sabe-se que os escritores sofrem, necessariamente, independente de época ou costumes, a influência do meio em que vivem. Segundo Mourgues, essa concepção individualista transmite a falsa idéia de que a obra literária não possui vínculos nenhum com a tradição: ela é totalmente nova e brota do interior do indivíduo. Por seu turno a comparatista elege como mais adequada, a concepção de originalidade do século XVI, uma vez que a originalidade está no fato de um gênio criador levar o escritor a escolher um assunto, modificar uma técnica, sob as pressões conflituosas que possui com a tradição e com os costumes de sua época. Anna Balakian utiliza-se da dupla terminologia que a palavra original possui em língua francesa para fazer suas considerações sobre a distinção entre original, no que diz respeito à origem (originel), e original relativo à novidade (original). No primeiro caso, trata-se de uma mente iluminada que abre caminho, lançando problemas sem dar respostas. É o que se classifica como precursor. No segundo caso, trata-se de um espírito crítico capaz de entender e aperfeiçoar o que outros já criaram; busca-se romper com a convenção, inspirando-se nela. Balakian propõe quatro meios pelos quais há ruptura com a convenção: o desvio, no qual um escritor se inspira em fontes anteriores e as transforma por meio de uma deformação sutil, ocasionando o surgimento de uma orientação poética totalmente nova; a reversibilidade, na qual é produzido um desvio visando combater a tradição, levando a uma contrariedade total ao tema original; a sátira, que é menos radical que a reversibilidade devido ao fato de se inspirar mais em um clima social que em uma filosofia de revolta pessoal propriamente, encontrando sua originalidade por meio de um exagero grosseiro que marca o tom de um novo tempo; e, finalmente, o aperfeiçoamento, que consiste em marcar a originalidade por meio da técnica, ou seja, através de temas banais, demonstra-se uma técnica de composição completamente inovadora. Na esteira do pensamento de Balakian sobre a questão da originalidade como novidade, encontram-se autores como T. S. Eliot e Jorge Luis Borges, que em suas reflexões apontam para o fato das relações entre os autores, seus precursores e sucessores como fontes de originalidade, ou seja, por meio do contato com as obras de outros escritores surge a novidade. Para Eliot um poeta ou artista não possui valor isoladamente, ou seja, seu significado e sua apreciação advêm da relação mantida com seus antecessores. Nesse sentido, a questão de originalidade vista como criação desvinculada das obras anteriores se dissipa. Nessa perspectiva, os conceitos de originalidade e individualidade vinculam-se à idéia de subversão da ordem anterior, sendo inovador o texto que possibilita uma leitura diferente dos que o precederam. Já Jorge Luís Borges afirma que os novos escritores não prosseguem, mas criam o passado, tornando-o legível. O fato é que cada escritor cria seus precursores. Portanto, a obra posterior permite a leitura de aspectos até então invisíveis na obra anterior, isto é, o deslocamento no tempo e no espaço permite interpretações renovadoras. Ainda nessa linha de originalidade na acepção de novidade, posiciona-se Harold Bloom, um renomado e excêntrico crítico norte-americano, conhecido por sua defesa ao cânone universal. Bloom propõe-se a elaborar uma teoria da poesia calcada na idéia de angústia da influência. Essa teoria, apresentada em livro de 1973, baseia-se na idéia de que os grandes poetas fazem a história deslendo seus precursores, a fim de conseguir para si mesmos um espaço imaginativo. Dois conceitos são fundamentais: poetas fortes versus poetas fracos e desleitura. Para o crítico, os poetas fortes são aqueles que combatem seus precursores, também poetas fortes, até a morte. Em contraposição, têm- se os poetas fracos, que não se aventuram no embate que se concretiza por meio da desleitura de seus precursores. A desleitura, por sua vez, consiste num processo que envolve várias modalidades de apropriação, com o intuito de se circunscrever um espaço imaginativo próprio a cada um. Bloom afirma que os novos poemas originam-se, principalmente dos anciãos e que o primeiro embate dos jovens poetas é contra os antigos. Para ele, somente os poetas fortes são capazes de superar a angústia da influência e, conseqüentemente, atingir a imortalidade. Esse combate entre os mais novos e os seus precursores é visto como uma agonia psicológica, na qual a única arma do jovem criador é a desleitura criativa da obra que o antecede. De acordo com Nitrini a teoria de Bloom marca-se pelo biografismo e por psicologizar a intertextualidade, visto que suas considerações a respeito da influência poética recaem nas relações psíquicas existentes entre os escritores.
Intertextualidade
A partir da segunda metade do século XX, o conceito de intertextualidade,
proposto por Julia Kristeva, tornou-se um importante instrumento de renovação no contexto da literatura comparada no que diz respeito ao estudo das fontes e das influências. Para propor esse conceito, Kristeva se baseou nos estudos sobre dialogismo textual de Bakhtin. Bakhtin foi um dos primeiros formalistas responsáveis pela visada do texto literário não como um segmento estático, mas como uma estrutura que se faz mediante uma relação com outra. Esse direcionamento foi possível devido à sua concepção de enunciado literário, no qual a enunciação se constitui no produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados, pois sua natureza é social. Segundo Bakhtin, a palavra literária não possui um sentido fixo, estável e imutável; ao contrário, estabelece-se pela intersecção de superfícies textuais, ou seja, um diálogo entre o texto do escritor, do destinatário, do contexto atual ou anterior. Nesse sentido, o texto está situado na história e na sociedade, que, por sua vez, constituem-se em textos que o escritor lê e que se insere no momento em que escreve. A partir do estudo das articulações da palavra como complexos sêmicos com outras palavras da frase e dessas com segmentos maiores do texto, Bakhtin propõe uma concepção espacial do funcionamento da linguagem e de sua lógica correlacional. Esse espaço é composto por três dimensões que dialogam entre si, a saber: o sujeito da escritura, o destinatário e os textos exteriores. Para Bakhtim, o diálogo não consiste apenas em linguagem assumida pelo sujeito, mas é também um modo de se ler o outro. Desse modo, o crítico desenvolve uma concepção de sujeito em que o "outro" desempenha um papel crucial: o indivíduo só se torna consciente de si mesmo, expondo-se para outro, por meio do outro e com o auxílio do outro. Dessa forma, o dialogismo de Bakhtin concebe a escritura como subjetividade e comunicabilidade, ou para dizer com Kristeva, como intertextualidade. Para Bakhtin, o destinatário, o sujeito e o contexto constituem-se em discursos que se entrecruzam formando-se um novo texto A partir disso, Kristeva formula a noção de intertextualidade segundo a qual ” todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto”. Para Kristeva, o processo de escrita é o resultado do processo de leitura de um corpus literário anterior, ou seja, o texto é a absorção e réplica de vários outros textos. Nesse sentido, em um estudo comparado, o pesquisador não se ocuparia apenas em constatar que um texto resgata outro texto anterior, aproximando-se dele de alguma forma, mas examinaria atentamente essas formas buscando compreender quais os procedimentos efetuados. Além disso, seria necessário analisar quais as razões que levaram o autor do texto mais recente a reler textos anteriores, e que novo sentido lhes atribui com esse deslocamento temporal e espacial. Carvalhal esclarece que a repetição de um texto por outro, de um fragmento por outro, nunca é inocente. Toda repetição está carregada de uma intencionalidade certa: quer dar continuidade ou quer modificar, quer subverter, enfim, quer atuar com relação ao texto antecessor. A verdade é que a repetição, quando acontece, sacode a poeira do texto anterior, atualiza-o, renova-o e, por que não dizê-lo, reinventa-o. As reflexões de Kristeva deram origem a variadas elaborações no conceito de intertextualidade, na esfera dos estudos literários e da poética literária. Uma dessas re-elaborações foi a de Laurent Jenny, que contestou a afirmação de Kristeva no que diz respeito ao desvínculo da relação de intertextualidade com a questão da crítica das fontes. Para Laurent Jenny, a intertextualidade não consiste no acréscimo duvidoso e obscuro de influências, mas no trabalho de alteração e absorção de vários textos gerenciados por um texto centralizador que sustenta e direciona o sentido. Desse modo, é possível verificar dois elementos nesse processo: o intertexto, que segundo ela consiste no texto que recebe diversos textos e os mantêm semanticamente unificados e os textos resgatados para compor o intertexto. Além desses três elementos em questão, há também que se considerar dois tipos de relação na problemática textual: a primeira consiste nas relações existentes entre o texto de origem e o fragmento dele retirado e modificado no novo contexto, já a segunda diz respeito às relações que ligam esse fragmento modificado ao texto que o assimilou. Nesse sentido, uma análise intertextual de uma obra literária visará verificar, num primeiro plano, as semelhanças existentes entre o enunciado de origem e seu fragmento modificado e, em segundo lugar, a maneira pela qual o intertexto absorve o fragmento do qual se apropriou
LITERATURA COMPARADA NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL
Quanto ao comparatismo na América Latina, questões relativas à
identidade cultural e à construção de uma literatura nacional ocupam escritores, intelectuais, críticos e historiadores há mais de cem anos. No entanto, as décadas de 1960 e de 1970 são marcadas por uma reflexão explícita sobre os modelos de literatura comparada e de historiografia literária até então utilizados, e pela tomada de consciência da necessida de da busca de instrumentos a partir do contexto particular da literatura Iatino-americana. Essa busca específica no âmbito da crítica literária insere-se num contexto económico, social, político e cultural mais amplo, no qual surgiram “teoria da dependência frente ao desenvolvimento, crítica c contracrítica, diálogo com os africanos, que começavam a emergir do seu processo de descolonização mais amplo”, como afirma Susana Basnett. Partindo da constatação de que a aproximação comparativa constitui um enfoque implícito no estudo da literatura latino-americana, desenvolve-se um discurso que aponta para a necessidade de sua descolonização e para a construção de uma análise e interpretação da literatura latino-americana, desprovidas da perspectiva dominada pelo eurocentrismo, projetado, com frequência, a partir do próprio olhar latino-americano. Uma das primeiras manifestações nessa direção podo ser localizada em Guillermo de Torre, comparatista argentino Desconsiderando totalmente o conceito de influência, Torre parte de duas hipóteses: a literatura comparada ser substancialmente um diálogo de literaturas, e os diálogos de literaturas, vistos e praticados, a partir da América hispânica, terem suas raízes na Europa e nas duas Américas, a hispânica e a anglo-saxã. Segundo sua perspectiva, a adaptação, absorção e transformação é comum a todas as literaturas, por mais “remotas que sejam suas raízes e seus ilustres brasões” Alem disso, supõe uma reciprocidade, se não no influxo, pelo menos na estima e conhecimento mútuos. Nessa época, a literatura latino-america não havia atravessado o boom, de modo que era pouco lida em círculos internacionais, mas, para utilizar a expressão de Antonio Candido, já tinha “refinado seus recursos de expressão” A tese de Torre resume-se na idéia de que a independência cultural não abole o princípio de interdependência, portanto, o diálogo da literatura hispano-americana com as demais literaturas já se podia estabelecer num verdadeiro plano de igualdade. Enfim, já tinha entrado no processo de “integração internacional”, como também diria Candido. Em 1973, surgem textos de dois comparatistas fundamentais: o uruguaio Ángel Rama e o brasileiro Antonio Candido. Partindo do pressuposto de que as literaturas latino-americanas se constituíram a partir do jogo entre realismo e fantasia, e de que as culturas nas quais estão imersas são parcialmente reflexas, portanto, “tributárias das técnicas e concepções literárias da Europa”, Antonio Candido propõe que a fantasia na ficção latino-americana dos anos 60 parece “marcar o fim de um longo complexo de inferioridade, como se nossos povos, depois de enfrentarem os problemas, no plano político pela tomada de consciência do imperialismo, no plano literário através da visáo crítica do realismo, pudessem enfim deixar fluírem seus poderes criadores” Na sua condição de tributária da técnica e concepções literárias européias, a inovação para as literaturas latino-americanas incidia sempre no espaço temático, explorando temas e assuntos até então não trabalhados literariamente. Para o crítico, a partir dos anos 1970, é difícil manter a posição tradicional, “segundo a qual a condição de escritor americano consciente implicaria uma adesão ao realismo descritivo, com as intenções ideológicas aplicadas mais ou menos habilmentecomo lambem torna-se dilícil afirmar que “a fantasia, e sobretudo, o aguçamento da consciência técnica e experimental significariam uma fuga às responsabilidades. Por outro lado, a tendência brasileira ao realismo e ao nacionalismo, nos impediu de enxergar autores inovadores já no final do século XIX e que nosso isolamento em relação aos escritores de língua espanhola também contribuiu para este desconhecimento. O termo “inovação” utilizado por Candido se refere à autonomia das literaturas latino-americanasem relação às europeias. Segundo Candido, a própria evolução espiritual brasileira é regida pela “dialética do localismo e do cosmopolitismo” Ángel Rama também estrutura sua argumentação em torno de uma desejada autonomia das literaturas latino-americanas, a fim de esboçar os contornos de uma identidade continental, por meio da integração, advinda de uma herança romântica comum, pelo modo de apropriação das culturas estrangeiras e pela estratificação cultural decorrente do mestiçamento. A essa nova realidade cultural, impõe-se um novo aparato crítico para substituir métodos copiados de contextos europeus. A proposta de Angel Rama se encaminha para a busca de um aparato crítico que viabilize um discurso único, global e coerente na montagem de um painel mínimo que permitiria unificar as obras literárias de toda a América Latina para substituir o método próprio da historiografia literária européia, “que postulou a mera adição de literaturas nacionais, ainda fracionadas, dentro de um único volume”. Diante desse quadro, o projeto de um discurso único de toda a literatura latino-americana, segundo Angel Rama, só poderia se apoiar num comparatismo cultural (e não somente literário), sem deixar, no entanto, de reconhecer “o tronco lingüístico de onde partem as três línguas que o definem, a saber, o espanhol, o português e o francês”. Até o início da década de 1980, o comparatismo latino-americano enfrenta problemas: de um lado, como no comparatismo em geral, de definição de seu campo e orientação metodológica; de outro, “a necessidade de especificar seu sentido e sua especificidade na situação concreta de um continente que gera uma produção literária de configuração singular, isto é, a partir de uma história cultural que surgiu num processo de desenvolvimento”, como salienta Ana Pizarro. Segundo essa autora, a literatura comparada latino-americana “deve assumir a tarefa de colocar em evidência os complexos processos de ressemantizaçao, que um continente como o nosso oferece”. De modo geral, ainda que houvessem críticos de viés comparatista, o Brasil estabeleceu a literatura comparada como disciplina em data muito recente: 1986, com a criação da Associação Brasileira de Literatura Comparada, a ABRALIC, em 1986. Até então, a disciplina constava dos curriculum de letras desde fins da década de 1950, anos em que se começavam a ouvir vozes contrárias a chamada “escola francesa”. Um dos principais nomes do comparatismo brasileiro é Antonio Candido, que em 1962, na USP, propôs que a disciplina de Teoria Literária se tornasse Teoria Literária e Literatura Comparada. A formulação já citada segundo a qual a dialética entre “localismo e cosmopolitismo constiu numa lei de evolução da vida espiritual no Brasil corresponde a uma cordenada fundamental para refletir sobre a literatura brasileira e também a latino-americana Formação da literatura brasileira é livro fundamental e leitura obrigatória pois constitiu um testemunho cabal de que a história da literatura brasileira, em seu período de formação, achava-se vinculada a modelos estrangeiros. Mais que isso, quando Candido formula que a “literatura brasileira é ramo da portuguesa, mas ela, e somente ela, que nos exprime”, fornece arcabouço para futuros estudos de literatura brasileira e literatura comparada, em conjunto. A obra de Antonio Candido “abre com chave de ouro”, segundo Nitrini a produção comparatista brasileira, não só por propor-se com um livro de crítica, escrito de um ponto de vista histórico e um método que agrega a um só tempo fato estético e fato histórico, mas também pela focalização do período de formação da literatura brasileira, no qual pululam questionamentos acerca de problemas fundamentais, comuns a literaturas emergentes, e dessa maneira, integrantes do objeto de uma literatura comparada pós-colonial, se formos repetir a expressão de Nitrini. Formação da literatura brasileira, pode ser lido, conforme a autora, como a realização de um projeto de reflexão sobre os modelos de literatura comparada e de historiografia literária, movido pela busca de instrumentos para um discurso crítico feito a partir do lugar específico da literatura latino-americana Mais intrigante ainda é o fato de Antonio Candido fazê-lo a partir de conceitos da crítica tradicional, sem perder a atualidade no século XXI. Nitrini esclarece que não há nenhuma menção explícita à literatura comparada, por Candido, mas a visada comparatista impõe-se como uma de suas linhas de força já no primeiro Parágrafo da introdução, quando Candido propõe uma síntese das tendências universalistas e particularistas. Candido enumera os pressupostos da Formação da Literatura brasileira. São eles: conceber a literatura como um sistema, a solidariedade estreita entre arcadismo e romantismo, uma metodologia ampla que integra fato histórico e fato estético e a concepção de literatura como missão. A concepção de Candido de literatura como sistema dependendo da interação dinâmica entre autor-obra-públicom sistema que é “vivo, de obras, agindo umas sobre as outras e sobre os leitores; e só vive na medida em que estes a vivem, decifrando-a, aceitando-a, deformando-a. A obra não é produto fixo, unívoco ante qualquer público; nem este é passivo, homogêneo, registrando uniformemente o seu efeito. São dois termos que atuam um sobre o outro, e aos quais se junta o autor, termo inicial desse processo de circulação literária, para configurar a realidade da literatura atuando no tempo”, levou-o a tomar o século XVIII como ponto de partida, pois nesse século se incorporou “o processo formativo que vinha de antes e continuou depois”, o que não significa dizer que não houve literatura antes, mas manifestações literárias ralas e sem importância que marcaram posição para o futuro. Sobre a solidariedade entre arcadismo e romantismo, Candido afirma que a “vocação histórica os aproxima” constindo-os em um amplo movimento depois do qual se pode falar em literatura plenamente constituída. Em conexão estreita com o conceito de literatura como sistema, está o terceiro pressuposto, que diz respeito a uma atitude metodológica no sentido mais amplo que alia uma aproximação estética e histórica ao mesmo tempo. Candido não tem pretensões de originalidade, pois expressa as suas intenções antideterministas. Busca uma estética equilibrada que procure “focalizar simultanramente a obra como realidade própria e o contexto como um sistema de obras” e desfazer o preconceito do divórcio entre história e estética, forma e conteúdo, erudição e gosto, objetividade e apreciação”. Tal superação seria possível por “um movimento constante entre o geral e o particular, a síntese e a análise, a erudição e o gosto”. A erudição, cabe ressaltar, é importante componente dessa metodologia, pois além de fornecer informações teóricas e históricas, possibilita o manuseio de grandes obras da literatura ocidental, sem o qual um leitor de literatura brasileira não consegue ter senso de proporções e valores. O quarto pressuposto é o que reconhece a importância do arcadismo na formação da literatura brasileira. Segundo sua conceplão, o arcadismo plantou de vez a literatura no Brasil graças aos padrões universais pelos que se regia que permitia articular a atividade literária brasileira com o sistema expressivo da civilização a que pertencemos e dentro da qual definimos a nossa originalidade. O último pressuposto é o que define a literatura brasileira como “eminentemente interessada” e chama a atenção de um traço distintivo não somente da literatura brasileira, mas de toda a literatura latino-americana: o comprometimento com a construção de uma cultura válida para o país”, ou ainda, a intenção de fazer “um pouco nação ao fazer literatura”. Tal tendência acentuou-se depois da independência, como parte de um programa de diferenciação e particularização dos temas e modos de expressão. O movimento de um pensamento dialético impede o crítico de cair num nacionalismo ingênuo, levando-o a enfrentar com cautela os pontos fundamentais da nossa vida cultural, ligados ao problema da imitação e da cópia num contexto de país dependente tanto política, econômica quanto culturalmente. Silviano Santiago, no artigo “Apesar de dependente universal, concorda com alguns postulados de Candido, sobre considerar a literatura comparada como método adequado de abordagem às literaturas latino-americanas, não podendo ser autóctone, mas situado no pensamento comparatista, ou seja, “ nas contingências econômicas e sociais, políticas e culturais que os constituem”. Considera, no entanto, que os intelectuais utilizam ainda um método etnocêntrico para comparar a literatura brasileira com as literaraturas européias. Ainda voltados para uma leitura calcada na importância de fontes e influências, valorizam aspectos das obras latino-americanas que repetem o que está presente na literatura europeia, o que sublinha aspectos de produção dominante em àreas periféricas, apresentando dois´produtos similares, mas hierarquizados, sendo a literatura latino-americana aquela que é sempre vista como inferior, devido à decalcagem temporal, ou atraso e qualitativo (não- original). Santiago explica sua propoista de um processo desconstrutor, nos moldes de Foulcault e Derrida, pela qual se coloca em relevo o aspecto diferencial do texto latino-americano. A ênfase passa a ser dada à diferença que o texto dependente consegue inaugurar, de forma que o texto primeiro torna-se invisível e o visível nada mais é, do qe um suplemento de leitura e de criação que caracteriza a produção significativa numa cultura periférica. Assim, os textos da metrópole acabam submetisdos também à uma apreciação acerca de sua universalidade, na medida em que são dadas respostas à metrópole. Assim como em “O entre-lugar no discurso latino-americano”, Santiago se questiona sobre a posição do intelectual num país em evidente inferioridade econômica em relação à cultura ocidental, à cultura da metropóle e à cultura do próprio país. Depois de declarar a falência da crítica centrada em identificar fontes e influências, Santiago propõe um novo, para o qual o único valor é a diferença. Partindo da relação estabelecida por Barthes em S/Z entre textos legíveis e textos escrevíveis, que leva em consideração a avaliação que se faz dos textos, atualmente, est~´a intimamente ligada à prática da escritura. O texto legível é o que pode ser lido, mas não escrito, nem reescrito. Os textos escrevíveis, por outro lado, apresentam um modelo produtor que leva o leitor a deixar sua posição tranquila de consumidor e se aventurar como produtor de textos. Nesse sentido, as leituras de escritores de uma cultura dominada (tal qual a latino-americana) se explica pela busca de um texto escrevível. A obra segunda é estabelecidade de acordo com um compromisso com o já escrito e o intelectual latino-americano é aquele que “lê muito, escreve pouco”, e quando escreve o faz a partir de uma meditação silenciosa sobre o primeiro texto, quando o leitor, tranformado em autor, busca “surpreender” o modelo original nas suas limitações, desarticula-o e rearticula-o de acordo com as suas intenções e sua ideologia. Aprende a lidar com a língua da metrópole para melhor combatê-la. O trabalho do crítico consiste na agressão ao modelo, desmitificando-o como objeto e de reprodução impossível. Em termos benjaminianos, o crítico desfaz a “aura” do texto-fonte. O “entre-lugar”, para Santiago, é esse interstício entre o momento de assimilação, apropriação e submissão e o exercício da agressão, destituição, submissão da cultura imposta. Haroldo de Campos, outro crítico comparatista brasileiro, também estudioso de tradução e poesia, defende uma tese contrária a de Santiago, na medida em que afirma a não-determinação da dependência econômica, política e cultural da literatura brasileira. Em “Da razão antropofágica: diálogo e diferença na cultura brasileira”, Campos fundamenta-se em Marx e Engels para descartar uma relação de causa e efeito entre propriedade econômica e dependência artística. Tal ocorre somente, segundo o crítico, devido à translação, para as nossas latitudes tropicais de um episódio da metafísica ocidental da presença, e desse ponto de vista critica a historiografia ontológica ou tradicional, responsável pela corrpôndencia entre formação da literatura brasileira e processos de dependência. Busca traçar a história de uma literatura desde as suas origens até seu apogeu, e faria a partir disso, inferências sobre seu legado comum, a tradição. Campos, por outro lado, identifica uma dificuldade em definir essse legado comum, em termos de valor: esse valor, normalmente, é conferido pelo termo “clássico”. Nitrini afirma que tal como o conceito de centro em Derrida, o conceito de clássico é sempre uma projeção, uma ilusão, que está ao mesmo tempo, fora e dentro da história literária. Disso Campos conclui que o conceito não é mais central e sim uma falácia logocêntrica”. Em contraposicão à historiografia ontológica Campos defende uma “modal, diferencial” , “um gráfico sísmico de fragmentação eversiva”. Trata-se de uma historiografia fragmentária, cuja perspectiva não é mostrar um desenvolvimento evolutivo no sentido de aprimoramento progressivo; ao contrário, admite períodos de altos e baixos, num trajetória sem origem nem fim. O mecanismo motor é a oposição, tanto sincrônica quanto diacrônica. A perspectiva universalista adotada pelo crítico dispensa a necessidade de se encontrar um ponto de origem para a literatura brasileira. Ao contrário, propõe que o barroco brasileiro seja a sua não-origem. A literatura brasileira se insere no código da literatura universal por seu alto padrão técnico, por um lado, e pelo seu caráter diferencial, por outro, desde Gregório de Matos até a poesia concreta. A diferença situa-se no macional, mas em um nacional não centrado em si mesmo – ontológico – mas um nacionalismo dialético e dialógico, num comtexto universal. Retomando o conceito oswaldiano de antropofagia Campos propõe uma visão crítica da história, capaz de apropriação, expropriação, desierarquização e desconstrução dos valores culturais tradicionais a fim de transformá-los e adaptá-los às necessidades locais, assim como usando-os como alimento espiritual, ou seja, fonte de renovação. Já Roberto Sharwz, em “Nacional por subtração” vale-se dos conceitos de imitação e cópia. Ao tratar do “ caráter postiço, inautêntico, imitado da vida cultural que levamos”, o crítico se depara com uma série de exemplos desencontrados a “generalidade social de uma certa experiência: Uma vez que termos como “cópia” e “modelo” têm sempre valor depreciativo, a filosofia francesa da desconstrução busca demonstrar o infundado de hierarquias desse gênero, proporcionando ao mesmo alívio e inquietação aos críticos de países periféricos. Desconsiderando primazias como a do anterior ao poster, do centro à periferia, da infra-estrutura sobre a superestrutura os filósofos desconstrutivistas se propõem a imaginar uma sequência sem começo nem fim, sem pior ou melhor”. Schwarz afirma que para críticos como os citados Santiago e Campos o probldema da cultura reflexa deixaria de ser prticularmente nosso e assistiríamos à latino-americanização dos países centrais. De acordo com esse crítico, o problema da cópia e da imitação decorre de um “comjunto particular de constrangimentos históricos, dos quais a crítica desconstrutivista não dá conta. Do mesmo modo, a ideia de cópia não é capaz de expressar as especificidades sociais, culturais, ecobômicas e políticas que exigem a reprodução, nos países periféricos de soluções advindas do centro. Duas situações ilustram o caso de inadequação cultural do brasileiros: de um lado a importação indiscriminada de tendências estrangeiras e de outro, a rejeição nacionalista de todo imperialismo metropolitano. Segundo Scwartz, isso ocorre também com as tendências críticas que são abandonadas tão logo importa-se uma nova. Nesse sentido afirma que “a ruptura com o anterior só se justifica pelo confronto, e não pela busca interessada do novo”. Roberto Schwatz pensa que a cópia, em nossa cultura, é fruto de desigualdades sociais brutais, faltando entre a elite e o povo os mínimos de reciprocidade – o denominador comum ausente – sem os quais a sociedade moderna só pode parecer artificiosa e importada”. Nesse sentido, a cópia cultural é ideológica. A ideia de cópia sempre remete à ideia de original, do qual a primeira é reflexo inferior Do ponto de vista da cópia, a justaposição de formas da civilização moderna e realidades da colonia é um anacronismo, que corresponde a uma representação imperfeita “de um modelo que está alhures”. De um ponto de vista dialético, o anacronismo é visto como ‘uma figura de atualidade e de seu andamento promissor, grotesto ou catastrófico. Além de termos como original e modelo a ideia de cópia também evoca a dicotomia nacional e estrangeiro, que na visada de Schwartz, é irreal, proveniente de uma dialética mal resolvida entre as classes sociais. É possível aproximar o pensamento dialético de Schartz ao pensamento dialético de Candido. Schwartz critica a falta de interesse pelo trabalho da geração anterior, fazendo com que o presente não se articule ao passado, gerando descontinuidades e criando espaços para apropriações acríticas de formulações estrangeiras. Antonio Candido, por sua vez acredita que o aproveitamento de trabalhos anteriores implica a superação da condição de dependência, por que a partir do momento em que a influência é de autor nacional, a literatura brasileira dá um passo adiante. Ambos criticam os nacionalismos patrioteiros. Schwarz encara os nacionalismos como formas superficiais de se ver o problema da imitação. Candido os considera meios ingênuos que favorecem a separação do país em relação ao código universal. Ambos consideram a literatura como parte integrante da cultura geral, que por sua vez está ligada aos problemas sociais enfrentados por países periféricos. Nosso intuito com esse texto foi a apresentação dos problemas e métodos da Literatura Comparada a partir de sua consolidação como disciplina presente nos currículos universitários. O resgate histórico de Coutinho e Carvalhal, com a organização de textos fundadores e de fundamental interesse, foram aqui sumarizados. Também buscamos enfocar conceitos comparatistas, tais como fontes, influências, imitação e cópia e intertextualidade. Por fim, esboçamos a situação do debate comparatista no Brasil com o apoio de Candido, Campos, Santiago e Schwartz.