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Fichamento

Teoria da Literatura: uma introdução, de Terry Eagleton

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- Na introdução, o autor chama atenção para o fato de que os formalistas consolidaram o juízo
de que a característica diferenciadora da literatura é o tratamento da linguagem, o contraste
entre o uso comum e o literário, ou seja, o uso não pragmático da linguagem. Mas, aos poucos,
o autor mostra que isso é relativo, afinal, há muita transgressão da linguagem normativa no
uso comum. O risco, aqui, segundo o autor é que se defina a literatura de forma geral, tendo,
na verdade, respaldado o argumento num sentido historicamente específico: a literatura como
algo não prático ou não pragmático – afinal, nem sempre foi assim.

- Eagleton mostra então que há outro critério importante na definição do literário: é literário
aquilo que determinada comunidade considera que seja literário. Obras não literárias se
tornam literárias. Obras literárias deixam de ser literárias etc. Há mobilidade no conceito.
Nasce então a ideia de que o literário não possui uma essência universal e atemporal.

- O exemplo do uso da palavra “mato” é ótimo nesse sentido, como destaca o autor. Literatura
e mato são duas palavras esvaziadas ontologicamente. Mato pode ser qualquer planta, desde
que o jardineiro não a queira ali. Literatura, por seu lado, pode ser qualquer coisa, desde que o
avaliador a considere um tipo de linguagem a ser mais valorizada que as outras. Mas não se
pode dizer, segundo o autor, que a literatura depende só disso.

[Parece uma mescla dos dois conceitos, não? Ou seja, literatura seria então um modo especial
de se tratar a linguagem, assim considerado por um determinado grupo social, em
determinado momento histórico. E, por fim, algo fundamental: essas considerações de
determinados grupos são ideológicas, ou seja, refletem como determinado grupo exerce e
mantém o poder sobre os outros. É válido ter em mente que Eagleton é um teórico marxista.
Essa é uma conclusão minha daquilo que Eagleton parece querer apresentar.]

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- A noção de literatura como algo atrelado à ficção, ao imaginativo, surge, segundo Eagleton,
com os românticos. É a concepção romântica, de finais do século XVIII, que passa a difundir a
ideia de que “o que não existe nos parece mais atraente do que aquilo que existe”. A partir
daí, consolida-se a ideia de literatura como ficção, deixando obras que antes eram
consideradas literárias pelo alto valor da escrita de fora do conceito de literário. Mas, como
nasce isso?

- Nasce, sobretudo, com a consolidação do capitalismo industrial na Inglaterra. Diante da


violência da disciplina do trabalho operário e da noção racionalista e da rotina alienante da
indústria, a “criação imaginativa” surge como uma ação política: por ser espontânea, não
mecânica, mas criativa. Diz o autor: a “imaginação” torna-se uma fuga política.

- Para Eagleton, a literatura como ideologia surge em nova faceta no século XIX. Neste século,
ocorre o que ele chama de “falência da religião”, uma ideologia que funciona como um
poderoso amálgama democrático: ela reúne todas as classes, em torno de uma visão cósmica
etc. Com a falência da religião, a literatura inglesa desse século teria como função ocupar esse
espaço, a fim de ser um antídoto poderoso ao excesso religioso e ao extremismo ideológico. É
uma literatura que reúne o povo, que aliena, que envolve, que separa (a ação política coletiva)
e assim por diante. A literatura surge, então, como uma forma de controle social das classes
médias sobre as classes populares. Outro aspecto desse controle se dá pelo fato de que,
vivenciando histórias na literatura, as camadas mais populares conseguem enriquecer sua
experiência pessoal sem ter que conquistar materialmente. Alienante, também nesse sentido.
Segundo Eagleton, isso se nota em várias obras que tematizam a solidariedade entre classes
sociais, o orgulho nacional e a moral. Com a decadência da religião, o romance burguês traz
em si “a ideologia moral para a era moderna”, diz o autor.

- Com ascensão do capitalismo nos EUA e na Alemanha, a disputa neocolonialista que


culminaria na I Guerra Mundial, fez parte desse processo a disseminação de uma literatura
nacionalista inglesa, como parte de uma missão de identidade nacional entre os ingleses. A
literatura inglesa entra, nesse contexto, nas matérias obrigatórias do serviço público inglês.

- Há uma forte valorização da literatura nas universidades inglesas no final das décadas 20 e
durante a década de 30, com o surgimento de um novo perfil de pesquisadores e professores.
São professores de origem na classe média baixa inglesa, filhos de comerciantes, e, portanto,
com uma visão não aristocrática da literatura. Eles ajudam a renovar os estudos literários na
Inglaterra, superando o mero gosto pela escrita elegante. Com eles, surge a revista Scrutiny,
que cumpria esse papel renovador. A literatura inglesa surgia então como a mais completa das
áreas, aos olhos desses professores, que superava todas as demais, por sua pluralidade e
possibilidades. Essa literatura renovada é uma reação ao mundo mecanizado do capitalismo
industrial: é uma literatura de reação, que cumpre esse papel de “alimentar” o espírito para
além da mercantilização da vida, diz o autor.

- Eagleton fala muito dos critérios de valoração literária de Leavis e da Scrutiny. Fala, por
exemplo, da noção de “leitura analítica”, analisar “as palavras contidas nas páginas”. Como é
sua tendência, ele faz um ataque veemente a esse procedimento no sentido de que isola a
obra literária dos aspectos sociais e históricos, o que para ele é fundamental como teórico
marxista. É sempre contundente sua crítica nesse sentido: a obra literária é fruto de uma
sociedade, dos aspectos históricos, das dinâmicas de classes sociais. Até porque é literatura
aquilo que um grupo que detém um poder social diz que é literatura. Ou seja, é uma literatura
de reação, mas reação pela fuga, segundo o teórico. Não confronta. Foge do papel social. Ele
vai chamar esse método de “reificação”, baseado no conceito marxista.

- Eagleton é um crítico contundente de toda crítica literária que não se inclui aspectos
históricos e sociais. É marxista e, assim sendo, rejeita qualquer análise formalista ou
textualista.

- A Nova Crítica americana rompe com a literatura baseada nos Grandes Homens, ideia
recorrente na época: a literatura como expressão verbal da psique do escritor, sem grandes
problemas com isso. O que se acessa é a alma do escritor. Para a Nova Crítica, nem a biografia
do escritor, nem a interpretação do leitor importam: o texto é um objeto autônomo, de novo
alheio a questões sociais e históricas, e que deve ser analisado a partir de suas tensões,
ambivalência, paradoxos etc. Como o texto lida com essas questões guia a crítica. Ao lidar com
esses aspectos, a obra é sempre fechada, harmonizada, segundo o teórico. Para Eagleton, a
Nova Crítica “reproduzia a tecnocracia em seus próprios métodos”. Tendo começado como
reação à tecnocracia capitalista, tornava-se uma extensão dela.

- A Nova Crítica, para ele, colocava a poesia sempre como algo desinteressada, naturalmente
plural, trafegando por um código especial em que as valorações do mundo material não se
aplicam. “Tratava-se, em outras palavras, de uma receita de inércia política e, portanto, de
submissão ao status quo político”.

[Comentário pessoal. A impressão que dá, muitas vezes, é que Eagleton não consegue elogiar
nenhuma corrente teórica, já que cada uma delas apresenta particularidades que se opõem ao
método marxista. Ele consegue, em alguns casos retoricamente inverter boa parte das
intenções dos teóricos, de modo a querer mostrar que, abaixo de suas intenções, cintila
sempre uma visão pré-estabelecida de mundo que sustenta a tradição e as elites culturais. É
uma impressão. Isso chega a ser incômodo algumas vezes. Parece-me que todos esses teóricos
apresentam visões complementares em certa medida. O equívoco parece surgir quando se
opta exclusivamente por uma linha].

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