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Ensino de Literaturas

de Língua Inglesa
Autora: Profa. Cielo G. Festino
Professora conteudista: Cielo G. Festino

Desde o ano de 2002, é professora titular da Universidade Paulista (UNIP), lecionando a disciplina de Literaturas
de Língua Inglesa. Possui mestrado e doutorado na área de Estudos Linguísticos e Literários em Inglês pela Faculdade
de Letras da Universidade de São Paulo. Tem pós-doutorado pela Universidade de São Paulo, na área de ensino de
literatura, e também pós-doutorado pela Universidade Federal de Minas Gerais, na área de Literaturas Pós-Coloniais.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Z13 Zacariotto, William Antonio

?
Informática: Tecnologias Aplicadas à Educação. / William
Antonio Zacariotto - São Paulo: Editora Sol.

il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-006/11, ISSN 1517-9230.

1.Informática e tecnologia educacional 2.Informática I.Título

681.3

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Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Rose Castilho
Virgínia Bilatto
Sumário
Ensino de Literaturas de Língua Inglesa

Apresentação da disciplina.......................................................................................................................7
Introdução............................................................................................................................................................7

Unidade I
1 Da Teoria à Prática.................................................................................................................................... 13
1.1 Historiografia da disciplina Literatura Inglesa.......................................................................... 13
1.1.1 A literatura inglesa: uma tradição nacional................................................................................. 13
1.1.2 A literatura inglesa: os tropos de humanização e civilização............................................... 20
1.1.3 O subalterno também fala: os tropos da diferença e da ironia........................................... 23
1.1.4 Resumo: a metáfora literária.............................................................................................................. 27
1.2 O Conceito de narrativa...................................................................................................................... 30
1.2.1 O Letramento Crítico e o conceito de narrativa......................................................................... 30
1.2.2 Frente às narrativas dos Outros......................................................................................................... 33
1.3 A leitura como processo de criação de significados............................................................... 37
1.3.1 A leitura do texto literário: processo criativo, crítico e social............................................... 37
1.3.2 O texto literário estrangeiro na sala de aula: a leitura transcultural................................. 41
1.4 Os cânones literários e o currículo escolar................................................................................. 43
1.4.1 O cânone transcultural: ensinar por meio do conflito............................................................. 43

Unidade II
2 A Prática........................................................................................................................................................... 48
2.1 O Ensino Literário através do Conflito.......................................................................................... 48
2.1.1 Um modelo de aula................................................................................................................................. 48
2.1.2 Objetivos das aulas.................................................................................................................................. 50
2.1.3 O modelo de aula..................................................................................................................................... 52
2.1.4 Elaboração das aulas dos diferentes módulos............................................................................. 54
2.1.5 As aulas........................................................................................................................................................ 55
2.2 Modelos de aula: parte 1................................................................................................................... 55
2.2.1 Módulo 1: As Literaturas de Língua Inglesa................................................................................. 55
2.2.2 Módulo 2: Literatura Erudita e Literatura Popular..................................................................... 59
2.3 Modelos de aula: parte 2................................................................................................................... 66
2.3.1 Módulo 3: o Discurso Literário e o Cinema................................................................................... 66
2.3.2 Módulo 4: Oficina Literária.................................................................................................................. 84
2.4 Considerações finais............................................................................................................................. 89
Apresentação da disciplina

Prezado Aluno,

Esta disciplina tem como objetivo levar você a refletir sobre o processo de ensino e aprendizado
das literaturas de língua inglesa, levando em conta as diferentes culturas onde a língua é falada e sua
relação com o Brasil.

Seus objetivos específicos são refletir sobre a importância das narrativas literárias dentro de uma
cultura; considerar a leitura como processo de criação de significados; e estudar o contraponto entre
literatura e cultura.

Introdução

Antes de começar com as questões referentes ao ensino das literaturas de língua estrangeira em língua
inglesa, precisamos observar o que está acontecendo com a língua inglesa hoje, no mundo globalizado.
O pedagogo Henry A. Giroux (2005) aponta em seu texto, significativamente intitulado Border Crossings
(em português, Cruzando as Fronteiras), que diferentes conjunturas históricas apresentam novos
problemas, pedem novos discursos e definem novos projetos. Atualmente, com a revolução tecnológica
e os grandes movimentos diaspóricos do momento da globalização, tem-se produzido uma aproximação
de culturas antes longínquas, mas que, por sua vez, tentam afirmar suas próprias visões de mundo. Essa
pluralização tem levado à reformulação da maneira como nos relacionamos com outras culturas, como
entendemos o conceito de “comunidade” e como enxergamos a própria identidade nacional.

Brydon e Coleman (2008, p. 3) apontam que, se, por um lado, o mundo parece estar se encolhendo
e as distâncias se encurtando, por outro, parece estar se fragmentando e as divisões aprofundando-se
entre ricos e pobres, homens e mulheres, o Norte e o Sul, o Leste e o Oeste, entre aqueles que entendem
as culturas como entidades enclausuradas ou como um fluxo internacional, sempre em processo. Essa
condição, prezado aluno, chama à reflexão.

Nós entendemos que, pelo fato de estarmos em contato com pessoas de contextos culturais muito
diferentes do nosso, seria este um desses momentos de profunda transformação na história, no qual os
sistemas de pensamento existentes precisam ser adequados para compreender as nossas circunstâncias.
Por isso, como aponta Giroux (2005), precisamos de novas narrativas e maneiras de entender essas
narrativas que nos permitam avaliar os valores e modos de vida dos demais e de nós próprios e achar
maneiras para alcançar uma melhor convivência.

Giroux (2005) acrescenta que teorias que pareciam relevantes em um determinado momento
histórico precisam ser reconsideradas e adequadas às novas circunstâncias históricas, uma vez que
qualquer teoria define e é definida pelos problemas do contexto que essas mesmas teorias pretendem
resolver.

Por sua vez, caro aluno, uma historiografia das teorias para o ensino de literatura nos permite enxergar as
mudanças que têm ocorrido nessa área nos últimos cinquenta anos. A crítica norte-americana Elaine Showalter
7
(2003) explica que, na década de 1950, o New Criticism (a “Nova Crítica”) colocava a ênfase no aspecto formal
do texto literário, propondo uma leitura “objetiva” e quase científica das narrativas literárias. Já nas décadas
de 1960 e 1970, houve uma grande reação contra essa leitura, que pretendia ser somente estética, quando
o marxismo se propôs a uma leitura ideológica dos textos literários, com o objetivo de promover mudanças
na sociedade. Na década de 1980, com o desenvolvimento do pós-estruturalismo, os teóricos da literatura,
inspirados em Jacques Derrida, estavam a favor de uma leitura filosófica da literatura, que problematizava o
etnocentrismo e criticava as narrativas mestres das diferentes culturas, como o marxismo.

Observação

O New Criticism enfatiza o “close reading”, uma leitura minuciosa do


texto, levando em conta paradoxo, ironia, ambiguidades etc., em vez de se
focar em temas sociológicos ou biográficos.

Neste momento, após os estudos pós-coloniais inspirados, no contexto internacional, na obra


de Edward Said (1978; 1993) e de Homi Bhabha (1990;1994), e, no contexto brasileiro, nos textos
de Souza (1992; 1996; 2004; 2006; 2007; 2009), a leitura proposta do texto literário conflui para as
teorias do Letramento Crítico (FREIRE, 1968; 1974; 1996; 2005; LUKE, 1997; STREET, 1995; LANKSHEAR;
KNOBEL, 1997) e o Letramento Transcultural (GIROUX, 2006; 2007; SPIVAK, 1994; 2000; 2003), as quais
desconstroem o conhecimento que se apresenta como universal (dando origem a identidades fixas) e
pretende ser uma representação objetiva da realidade (GUILHERME, 2006, p. 18).

Em contraposição, essas novas teorias entendem o conhecimento, primeiro, como gerado localmente
a partir das relações que se estabelecem entre o indivíduo e o seu grupo social nos diferentes loci de
enunciação. Logo, baseando-se na teoria pós-colonial, consideram a maneira como esse conhecimento
local é constantemente negociado na relação que se estabelece entre as diferentes culturas dentro e
fora das fronteiras nacionais.

Essa perspectiva é de grande relevância, porque, recentemente, as fronteiras das diferentes nações
têm se tornado marcadamente porosas devido à grande movimentação entre as diferentes culturas, ao
ponto em que a globalização poderia ser considerada como um novo paradigma para explicar as relações
entre as diferentes culturas. Assim, há uma série de teorias que discutem o fenômeno transcultural,
como a globalização e o cosmopolitanismo.

Saiba mais

Para entender o significado de termos como “etnocentrismo” e


“narrativas mestres”, referir-se ao texto:

WILLIAMS, R. Palavras-chave: um vocabulário de cultura e sociedade.


Tradução de Sandra Guardini Vasconcelos. São Paulo: Boitempo, 2007.

8
Stuart Hall (2002) problematiza o cosmopolitanismo a partir do “cosmopolitanismo vernacular”; o
autor explica que esta segunda teoria é ciente das limitações de qualquer cultura ou identidade, mas,
ao mesmo tempo, não quer abrir mão de suas diferenças, porque a teoria outorga sentido a nossas
vidas. Para Hall (2002), essa situação requer estratégias políticas, sociais e culturais que se sensibilizem
e combinem a relação entre igualdade e diferença. Essa dicotomia se manifesta na nossa relação com a
nossa comunidade. Por um lado, não queremos estar limitados a ela. Por outro, continua sendo o nosso
sustento e o que nós somos: não poderíamos ser o que somos sem a luta por defendê-la e, ao mesmo
tempo, escapar dela. Segundo Hall (2002), o cosmopolitanismo vernáculo oferece as estratégias para
negociar essa relação entre igualdade e diferença (de que todos somos parte), porque lida com qualquer
tipo de política de exclusão: racial, étnica, religiosa, sexual.

Por sua vez, essa reformulação do conceito de comunidade tem levado à reformulação do conceito de
narrativa. Embora elas continuem engajadas com a nação-estado, seus mitos e suas histórias nacionais,
podem ser consideradas como “narrativas do mundo” (world texts), justamente porque vão além das
fronteiras nacionais (GIKANDI, 2005).

Historicamente, narrativas orais, fábulas, mitos, lendas etc. têm contribuído para a formação de uma
identidade cultural e nacional. Esse processo de “imaginar a nação”, como o denomina Anderson (1983),
consolidou-se com a vinda de duas formas narrativas que ajudaram a afirmar essa identidade coletiva
entre pessoas contidas por limites políticos e geográficos, mas desconhecidos entre si. São elas o gênero
romance e a imprensa.

Se a literatura é um dos discursos por meio do qual um povo se imagina e conserva aquilo que considera
de maior valor, atualmente essas estórias cruzam as fronteiras nacionais muito mais rapidamente e
tornam-se um canal que permite familiarizarmo-nos com maior intensidade com a cultura do Outro
diferente, porque elas revelam a diferença e o hibridismo, característico de qualquer cultura.

J. Edward Chamberlin (2003) reconsidera o valor das narrativas, na conjuntura do nosso mundo
globalizado, apontando que todos os povos têm algo em comum: língua e narrativas. Então, ele se
pergunta se uma terra pode ser o lar para mais de um povo: para nativos e imigrantes, árabes e judeus,
hutus e tutsis, albanêses e kosovares, turcos e curdos. Pode a mesma terra ser o lar de todos? Ele acha
que sim. No entanto, não até que tenhamos reimaginado “Eles” e “Nós”. Um dos caminhos para esse
processo, que vai nos permitir encontrar um lugar comum em um mundo em conflito, são as narrativas.

Seguindo o pensamento de Chamberlin (2003), acreditamos que as narrativas literárias são propícias
para esse processo, porque elas permitem ao leitor se identificar com os acontecimentos narrados com
muito mais força do que em outras formações discursivas, como tratados de ética e filosofia, que se
apresentam como sistemas abstratos e descontextualizados de conhecimento, que podem ser aplicados
em qualquer situação. Pelo contrário, as narrativas literárias, em vez de tratar do “Ser”, em geral sem rosto
definido, independentemente de qualquer contexto ou contingência social, representam/resignificam o
“ser” individualizado, no seu contexto cultural, o que nos permite uma maior aproximação.

É por isso que as narrativas literárias têm o poder de promover uma marcada agência social, no
sentido de que nos levam a compreender melhor outras culturas e crenças que antes nos pareciam tão
9
diferentes das nossas. Como consequência, esse processo nos leva a olhar a nossa cultura de maneira
crítica e essa atitude contribui para o desenvolvimento do conceito de cidadania local e global.

É esse aspecto ético da estética literária que nos interessa focar neste livro-texto e que nos leva,
nas palavras de Giroux (GUILHERME, 2006), a problematizar os valores da sociedade de consumo e nos
conscientizarmos sobre as possibilidades de agência coletiva e vida democrática.

Nesse contexto, o objetivo deste livro-texto é chamar a atenção para o ensino das narrativas
literárias de língua inglesa como uma prática não somente estética, mas social e heurística, que permita
nos liberarmos das estórias que geram vínculos de opressão e de antagonismo na relação com o Outro
diferente, porque baseiam-se em valores que têm se tornado imutáveis. Assim entendida, a metáfora
literária torna-se um lugar de reflexão, encontro e ação social.

Este livro-texto se concentra, principalmente, no ensino de literaturas estrangeiras de língua inglesa


que, no momento presente, de grande movimentação intercultural, tem se tornado um espaço propício
para reconsiderar as relações entre as diferentes culturas, especialmente pelo lugar preponderante que
ocupa a língua inglesa (“English”), bem como as novas versões da língua inglesa (“englishes”), ou seja, as
diferentes formas indigenizadas da língua, que são faladas em todas as culturas que já foram colônias
do Império Britânico.

Observação:

Em The Empire Writes Back (1986), o primeiro livro sobre pós-


colonialismo, Ashcroft, Griffith e Tiffin problematizam a língua inglesa para
dizer que ela não é uma, mas múltipla, dependendo da cultura onde tem
sido apropriada, após o processo de colonização. Para isso, distinguem entre
“English”, falado na Grã-Bretanha, e “englishes”, falado nas ex-colônias.

Brydon e Coleman (2008, p. 3) apontam que o ensino do inglês deve prestar atenção não somente
à linguagem, mas também ao seu contexto histórico, cultural e social. Por sua vez, isso se aplica ao
ensino das diferentes literaturas de língua inglesa: às chamadas literaturas canônicas, como a inglesa e
a norte-americana, e às novas literaturas em língua inglesa, também chamadas pós-coloniais, como a
canadense, a australiana, a nova zelandesa, a sul-africana, a caribenha, a indiana e as africanas.

Nossa proposta é desenvolver estratégias de leitura das narrativas literárias de língua inglesa (tanto
das canônicas, como das Novas Literaturas), a partir do Letramento Crítico e Transcultural, porque essas
teorias vão além das dicotomias estabelecidas pela disciplina Literatura Comparada, que implicam uma
relação de hierarquia entre as primeiras e as segundas. Gikandi (2005) fala que uma das grandes ironias
do discurso da globalização é que, embora a literatura de língua inglesa tenha se tornado um signo do
transnacionalismo, continua a estar enraizada em um ethos e etnos nacional. Em outras palavras, ela
continua a ser organizada a partir do “modelo nacional”, por exemplo, “literatura inglesa”, “literatura
norte-americana” etc.

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Em contraposição, o Letramento Critico e Transcultural relaciona essas narrativas por meio de uma
leitura transcultural e transnacional que desconstrói a canonicidade de umas, ao mesmo tempo em que
reconsidera o valor literário e cultural das outras, e sugere lê-las em contraponto, não apagando, mas
dando ênfase ao conflito por meio do qual se relacionam. Moretti (2007, p. 91 apud BRYDON; COLEMAN,
2008, p. 15) propõe ler as diferentes narrativas literárias, cruzando os limites das línguas e fronteiras
nacionais, como “literaturas do mundo” (world literatures), de modo a ampliar o terreno literário e
“substituir as velhas distinções erudita/popular; canônica/não canônica; esta/aquela literatura nacional
com novas distinções espaciais e temporais”. Porém, como apontam Brydon e Coleman (2008), isso se dá
sempre em termos das relações de poder que media essas narrativas em contraponto.

Abordaremos, então, o ensino de literaturas de língua inglesa em torno de oito tópicos que achamos
de grande relevância para esse tema: a historiografia da disciplina Literatura Inglesa; o texto literário
como “zona de contato”; o conceito de narrativa como meio de comunicação e conhecimento; a leitura
das narrativas literárias como processo de criação de significados; a relação entre os cânones literários
e o currículo escolar; a relação entre texto literário e ação social e, finalmente, uma proposta de ensino
de literatura por meio do conceito de conflito.

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Ensino de Literaturas de Língua Inglesa

Unidade I
1 Da Teoria à Prática

1.1 Historiografia da disciplina Literatura Inglesa

“Life is short and fiction long”.


(Chinua Achebe, 1988)

1.1.1 A literatura inglesa: uma tradição nacional

Brydon e Coleman (2008) apontam que, atualmente, a língua inglesa tem o mesmo caráter global
que teve a língua latina por vários séculos: ela é falada em todos os continentes. Aliás, a língua inglesa
está sendo promovida pelos que apoiam as teorias do cosmopolitanismo como uma língua global de
comunicação, mas também de expansão do capitalismo: trabalhadores em todas partes do mundo fazem
uso da língua inglesa, como pessoas que trabalham em call centers na Índia; a indústria do turismo em
áreas longínquas; funcionários de empresas transnacionais; imigrantes em países de língua inglesa e
áreas multiculturais (IVES, 2010, p. 9).

Por sua vez, esse uso da linguagem implica uma vernacularização nas diferentes partes do mundo onde
é falada. Ives (2010) explica que as linguagens locais têm um impacto importante na língua inglesa, de modo
que ela assume características locais que estão ligadas às diferentes identidades culturais. Os modelos da língua
inglesa hoje já não mais privilegiam os dos falantes nativos, que muitas vezes são enxergados como obstáculos
para o desenvolvimento do inglês global. Por isso, como explica Ives (2010), o inglês que se ensina como língua
global pode ser diferente do inglês considerado como padrão. Por sua vez, essa política tem levado a uma reação
xenófoba por parte dos “falantes nativos” da Grã-Bretanha, Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia
que reclamam que os imigrantes “nem falam a língua inglesa corretamente” (IVES, 2010, p. 11).

Tudo isso mostra que o ensino de língua não é um processo neutro, mas altamente ideologizado.
Aliás, o inglês foi a língua da colonização, por meio da qual se resistiu e, ainda se resiste, à diferença.
Por isso, como acrescenta Ives (2010), é preciso se perguntar: “Quem se beneficia pelo uso de uma
linguagem comum (nesse caso, a inglesa)?”, “Quem sofre pela ausência de uma linguagem global?”, “De
que maneira se chega a uma linguagem global?”

Da mesma forma, os estudos pós-coloniais que defendem a multiculturalidade e a transculturalidade,


como Said, Bhabha, Spivak, Hall e Giroux, estão escritos em língua inglesa. Por isso, como aponta Gikandi
(2005), em muitas universidades, os Departamentos de Inglês são considerados como os guardiões da
diferença cultural, especialmente no momento presente, quando o que se enfatiza é o caráter cultural,
mais do que o estético, da disciplina.

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Unidade I

Contudo, como acrescenta o autor, o grande paradoxo é que língua, cultura e literatura em inglês foram o
espaço por meio do qual se resistiu à entrada do Outro diferente, porque, por um lado, a língua e a literatura
inglesa estão associadas com a identidade nacional inglesa e, pelo outro, são consideradas como o berço da
civilização ocidental, revelando seu caráter ambíguo de serem locais e universais ao mesmo tempo.

Esse paradoxo continua presente ainda hoje na maneira como se ensinam as literaturas em inglês.
Muitas vezes, a disciplina continua sendo organizada ao redor da literatura inglesa, e as outras tradições
literárias que surgiram após o momento pós-colonial continuam sendo ensinadas como satélites da
desta. É o que Spivak (2000, p. 1) chama de “ghetto pós-colonial”. Às vezes, essas literaturas são incluídas
no cânone oficial, como literaturas de minoria. Outras vezes são criados cânones paralelos que replicam
os ghettos culturais e raciais no nível social.

Para exemplificar, Gikandi (2005) menciona que os estudos afro-americanos, assim como as narrativas
judaicas e feministas, só entraram no cânone norte-americano na década de 1960. A mesma literatura
norte-americana foi considerada parte da literatura inglesa, por muito tempo, pelo fato de também estar
escrita em língua inglesa, ao passo que, para muitas das tradições das “novas literaturas”, como canadense,
australiana, indiana, caribenha e africana, não lhes era concedido o status de literatura. Um caso famoso foi o
do escritor africano Wole Solynka, que, quando, em 1973, ofereceu-se para ministrar um curso de Literatura
Africana na Universidade de Cambridge, foi direcionado ao Departamento de Estudos Antropológicos, porque
o Departamento de Inglês da Universidade não acreditava “nessa besta, a literatura africana”.

O que se negava à tradição africana era o caráter de “inglesidade” (Englishness) e, por isso, o
direito de formar uma nova tradição em língua inglesa, a qual era identificada com a cultura e as
narrativas inglesas. Esse caráter da disciplina está diretamente relacionado ao surgimento e ao processo
de formação da Literatura Inglesa (English Studies), como um discurso essencialista que ressaltava os
valores da cultura nacional inglesa, em um momento em que a Inglaterra lutava contra divisões internas
provocadas pelo materialismo da Revolução Industrial.

Observação

De acordo com o E-Dicionário de Termos Literários de Carlos Ceia,


essencialismo é:

1. [Filosofia] De um ponto de vista filosófico, o essencialismo remete


para a crença na existência das coisas em si mesmas, não exigindo qualquer
atenção ao contexto em que existem. Uma posição essencialista distingue-
se facilmente de uma posição dialética: a primeira pressupõe a reflexão de
uma coisa em si mesma, a segunda privilegia a reflexão de uma coisa em
relação com outras; a primeira confia em que as qualidades de uma coisa 
revelam-se a si próprias, a segunda defende que as qualidades de uma
coisa devem ser sempre discutidas em confronto com outras qualidades
e com outras coisas, procurando-se sempre uma explicação lógica para
que uma dada qualidade exista ou predomine. O oposto do essencialismo
14
Ensino de Literaturas de Língua Inglesa

filosófico é o relativismo. Neste confronto, ambos os termos são utilizados


com sentido pejorativo e repelem-se mutuamente. O confronto só ameniza
quando se substitui o relativismo pela variante eufemística relacionismo.
Em suma, o essencialismo contempla a coisa em si mesma; o relativismo
exige a conformidade da coisa com aquilo que compõe o mundo que a
circunscreve. Se substituirmos a palavra  coisa pela palavra  texto, teremos
encontrado o significado do essencialismo para a literatura (CEIA, 2010).

A consequência desse processo, como acrescenta Gikandi (2005), é uma marcada ambiguidade: a
literatura inglesa se tornou uma das tradições literárias mais globais, à que é dado um caráter universal
e, ao mesmo tempo, mais local, nacional, chauvinista e provinciano. O que subjaz esse modelo literário
é a total rejeição da metáfora da diferença cultural.

O grande paradoxo é que esse modelo literário nacional foi logo copiado por todas aquelas culturas
que se apropriaram da língua inglesa e formaram suas próprias tradições literárias nacionais em língua
inglesa, replicando o paradigma essencialista e nacional, que afirma que a cultura está enraizada na
tradição literária que quer se transmitir. Tal seria o caso da formação da literatura norte-americana,
paradoxalmente, a primeira tradição pós-colonial.

Conforme Graff (1993), o idealismo vitoriano nacionalista de Matthew Arnold informou a criação
da disciplina literatura norte-americana, no sentido de que seu propósito era afirmar a superioridade
da cultura norte-americana nacionalmente. Considerava-se que essa literatura tinha grande poder
pedagógico, porque continha o espírito da nação. Então, o propósito da criação da disciplina não foi
estético, mas marcadamente político e pedagógico. A grande ironia, como acrescenta Graff (1993), é
que quando os críticos afro-americanos pediram pela inclusão da literatura afro-americana no cânone
norte-americano, também o fizeram apelando ao mesmo conceito de nacionalismo. Só que lhes foi
negado porque os defensores do cânone branco e ortodoxo argumentaram que os afro-americanos
reduziam a leitura do texto literário ao dominante político, deixando o estético de fora.

Figura 1 – Matthew Arnold

15
Unidade I

Observação

Segue um pouco sobre Matthew Arnold, segundo Willey (2013):

Matthew Arnold, (born December 24, 1822, Laleham, Middlesex,


England—died April 15, 1888, Liverpool), English Victorian poet and
literary and social critic, noted especially for his classical attacks on the
contemporary tastes and manners of the “Barbarians” (the aristocracy), the
“Philistines” (the commercial middle class), and the “Populace.” He became
the apostle of “culture” in such works as Culture and Anarchy (1869).

Uma leitura crítica da disciplina Literatura Inglesa no século XIX, durante o seu período de formação,
revela que o discurso da literatura tem a ver não só com uma prática estética, mas marcadamente
pedagógica: seu estabelecimento como disciplina de ensino esteve ligado a projetos políticos e sociais
com o objetivo de impor uma determinada visão de mundo. Assim, com o fim de afirmar uma ideologia,
a polissemia dos textos literários foi muitas vezes reduzida a leituras dominantes, transformando valores
e discursos em verdades absolutas que foram elevados à categoria de mito (VEYNE, 1984). Isso se deve
ao fato de que, pelo poder afetivo das suas metáforas, as narrativas literárias são um meio efetivo na
transmissão de valores culturais (TIFFIN, 1994) e na criação de identidades nacionais. Nesse sentido,
Viswanathan (1989, p. 4) aponta que uma vez que se concede essa função educacional à literatura pode
se perceber que

[...] os valores conferidos à literatura como o desenvolvimento do caráter


ou a formação do pensamento ou mesmo do julgamento estético, sempre
estão a serviço de uma dinâmica de poder entre o educador e aqueles que
são educados. Ao mesmo tempo, há uma conexão vital mais sutil entre o
discurso que representa quem será educado como moral e intelectualmente
deficiente e a atribuição de valor moral e intelectual aos textos literários que
são lidos (tradução nossa).

Ao mesmo tempo, esses textos literários, que formam uma disciplina e, por extensão, uma tradição
literária, não geram uma narrativa ininterrupta, mas descontínua, sempre sujeita a mudanças, agonísticas
e antagônicas, dependendo dos novos valores que diferentes grupos, muitas vezes silenciados ou
marginalizados dentro da sociedade, vão tentar impor ao resistir o discurso dominante. Em outro
nível, esse processo revela que, mais do que deduzir significados das narrativas literárias, os leitores de
uma comunidade determinada saturam os textos de significados segundo suas agendas políticas. T. S.
Eliot (1951), em Tradition and the Individual Talent (obra originalmente publicada em 1919), discute
a formação de uma tradição literária como um constante processo de mudança: há uma ordem ideal
entre as narrativas que compõem uma tradição até que esta é modificada com a chegada de novas
narrativas, o que vai produzir um ajuste entre o novo e o velho. O velho vai ser reavaliado pelo novo e, ao
mesmo tempo, o novo vai ser modificado pelo velho. Na visão de Eliot, o tropo de inclusão na tradição
é estético e parece se produzir por algum valor inerente à narrativa literária.

16
Ensino de Literaturas de Língua Inglesa

Voltando ao tema, a partir de uma ótica atual, entendemos que esse tropo de inclusão está
relacionado com o poder político, que tem a ver com o desejo de inserir os membros de um grupo
social dentro dos valores da comunidade dominante e, por isso, privilegia algumas narrativas sobre
outras. Essas narrativas são lidas por meio de uma clausura ideológica diretamente relacionada com
lutas pela posse do conhecimento, o poder, status social ou recursos materiais, entre grupos mediados
por relações assimétricas de poder (CERVETTI; PARDALES; DAMICO, 2001). Então, essa mudança nos
valores conferidos aos textos literários nunca é pacífica, mas implica um reacomodamento que provoca
situações de conflito e tensão.

Observação

Para melhor entender a formação dos cânones literários em inglês, faça


um paralelo com a formação dos cânones literários em língua portuguesa.

Graff (1987, p. 2) explica que os primeiros educadores da disciplina eram muito mais cientes do
que nós somos hoje das dificuldades que implicavam “organizar a literatura” em um currículo (e,
acrescentaríamos, ao redor de determinados valores). Isso porque, uma vez que a disciplina ficou
estabelecida, esse processo de construção e mudança passou a ser, muitas vezes, mascarado, provocando
a ilusão de permanência, continuidade e totalidade dos conteúdos da disciplina e significados das
narrativas literárias e, por extensão, da tradição. Porém, desde sua formação até o presente, a disciplina
Literatura Inglesa (English Studies) tem passado por constantes crises, resultantes da maneira de
considerar os valores articulados nos textos incluídos nelas: de “programas de verdade” (VEYNE, 1984,
p. 31), considerados como homogêneos e universalizantes, nas mãos de culturas como a inglesa, que
têm controle sobre “ideologias, instituições e práticas” (CERVETTI, PARDALES, DAMICO, 2001, p. 6), a
programas de verdade considerados como heterogêneos, múltiplos e relacionados com um determinado
contexto cultural, como no caso das literaturas pós-coloniais. A denominação de alguns dos estudos
mais centrais da disciplina incorpora termos nos seus títulos que já marcam o contraponto entre esses
programas de verdade: “The Rise of English Studies” (PALMER, 1965); “The Social Mission of English
Criticism” (BALDICK, 1983); “Masks of Conquests” (VISWANATHAN, 1989); “Crises in English Studies”
(WILLIAMS, 1983), entre outros (nossa ênfase).

Observação

Em seu texto “Acreditavam os gregos em seus mitos? Ensaio sobre a


Imaginação Constituinte” (1984), Veyne diz que não há uma diferença
substancial entre verdade e mentira, mito e ciência. Essas distinções resultam
de categorias contingentes e socioculturais que ele chama de “regimes de
verdade”. Para Veyne, a verdade é sempre plural e não há verdades mais
verdadeiras ou menos verdadeiras do que outras. Há somente regimes de
verdade heterogêneos e culturalmente situados. Aliás, a verdade não é
análoga à realidade exterior, mas a outras verdades que existem dentro do
mesmo sistema ou regime de verdade.
17
Unidade I

Esse elemento contingente deve-se ao fato de que uma tradição literária é uma criação “social,
situada e múltipla” (SOUZA, 2009, p. 1), que destaca aqueles valores que a cultura, na qual ela
é articulada, precisa impor naquele momento, porque são úteis para qualquer projeto que a nação
considere relevante. Assim, uma tradição literária não representa valores éticos ou estéticos, mas os
recria com um determinado propósito. Porém, muitas vezes, esses valores são naturalizados, ignorando-
se seu caráter de construto.

A disciplina English Studies apareceu no século XIX, no auge do colonialismo inglês, em tensão
com os Estudos Clássicos – grego, latim e hebraico – e transformou-se no “Clássico do Homem Pobre”
(PALMER, 1965, p. vii), com o fim de “civilizar trabalhadores, mulheres ou colonizados” (BALDICK, 1983,
p. 45) e contribuir para a formação de uma tradição nacional na Inglaterra e ajudar no desenvolvimento
de sua identidade nacional. Ao ser levada às colônias, nesse caso, ao subcontinente indiano, com o fim
de civilizar os indianos, a Literatura Inglesa sofreu um processo de resistência a partir de metáforas que
refletiam os valores locais.

Já a partir da década de 1960, a disciplina passou a ser problematizada e resistida por parte daqueles
que tinham sido o alvo desse processo de “civilização”, por meio da literatura, tanto dentro como fora
das fronteiras nacionais – mulheres, nativos, ex-colonizados – criando novas situações de fricção
nessa perpétua desconstrução e reescrita da tradição. Essas novas vozes resistiam à tradição literária
inglesa como sendo representativa do homem branco e europeu, produzindo assim uma mudança na
consideração da literatura inglesa, de um conceito de literatura nacional única, monolítica, homogênea
e universalista a um conceito de literatura multicultural: social, situada e múltipla. Isso se deu por
meio da criação de novas literaturas nacionais em inglês, que foram inicialmente reconhecidas como as
literaturas do commonwealth. Essa era a designação de um novo campo de estudos que marcava sua
diferença com a literatura inglesa e também a literatura norte-americana (que já era reconhecida como
uma tradição estabelecida) e que, ao mesmo tempo, lutava por uma normatização que a colocasse junto
com as literaturas do mainstream literário em língua inglesa.

Observação

As literaturas do “mainstream” compreendem as narrativas chamadas


de canônicas.

Collier e Schulze-Engler (2002, p. xv) explicam que para muitos acadêmicos das nações onde essas
novas literaturas emergiram (Índia, Caribe, nações Africanas, Canadá, Austrália, Nova Zelândia) o
interesse maior era a descolonização cultural e a exploração da criatividade literária em um contexto
de desenvolvimento regional e social. Embora tivessem suas dúvidas sobre a categoria da disciplina (o
termo commonwealth sugere a relação colonial com a Grã-Bretanha), sentiram-se interessados nesse
novo campo acadêmico transcultural e transnacional que lhes outorgava visibilidade.

Os críticos acrescentam que, com o advento das teorias pós-coloniais na década de 1980, o status da
disciplina mudou radicalmente. Um novo paradigma comparativo surgiu, liderado por críticos canadenses
e australianos, que prometia relacionar a literatura ao mundo sociopolítico, com foco em temas de
18
Ensino de Literaturas de Língua Inglesa

colonização e globalização, desafiando o centro (writing back) e problematizando a hegemonia cultural


e política do Ocidente. A disciplina desenvolveu instrumentos altamente sofisticados, tanto teóricos
quanto metodológicos, por meio dos escritos de seus críticos mais reconhecidos, como Edward Said,
Homi Bhabha e Gayatri Spivak. O pós-colonialismo tornou-se um termo que designava uma orientação
teórica, como também os temas a serem estudados: as literaturas pós-coloniais das nações pós-coloniais.
Por sua vez, esse processo levou a uma reconsideração dos conceitos de literatura, currículo e, por
conseguinte, das práticas pedagógicas.

Uma crítica que se faz aos estudos pós-coloniais, como explicam Collier e Schulze-Engler (2002,
p. xvi), é de ser essencialmente um projeto Ocidental, que surgiu nas universidades das metrópoles
ocidentais e que remarginalizaram o mundo colonizado. Por isso, críticos como Gayatri Spivak, por um
lado, pedem para que essas literaturas não se tornem objeto de estudos do Norte e, por outro, há o
desejo de teóricos do Sul de desenvolverem suas próprias teorias pós-coloniais.

Foi no século XIX, a partir da experiência indiana, que surge a diferenciação da “literatura inglesa”
como “literatura nacional” e como “literatura estrangeira”, por meio do que Souza (2007) chama de
fenômeno “trans”: a introdução de sistemas de significação de um contexto cultural para outro. Assim,
as narrativas da literatura inglesa transitaram não somente entre diferentes classes sociais dentro das
fronteiras nacionais, mas também foram levadas a um outro contexto cultural, como parte do projeto de
colonização. Revelando que os significados atribuídos aos textos literários são construídos, mais do que
dados, já no século XIX, se at home a literatura inglesa era o “Clássico do Homem Pobre”, ao cruzar as
fronteiras nacionais vai se transformar na literatura superior do homem branco, como aponta Macaulay
em Minuta sobre a Educação na Índia (Minute on Indian Education, 1835, p. 241-2), ao observar que
“[...] poder-se-ia dizer com segurança que a literatura na língua inglesa é de muito mais valor que todas
as literaturas em todas as línguas do mundo juntas” (tradução nossa).

Macaulay associava a superioridade da língua e literatura inglesas à proeminência da cultura inglesa


no cenário mundial. Nesse caso, o elemento de “doutrinação”, no sentido de impor ao homem comum
(das classes média e trabalhadora na Inglaterra) os valores das classes dominantes (PALMER, 1965),
tornou-se um elemento de dominação do Outro “primitivo e selvagem”, fora das fronteiras nacionais.
O que ambos estilos de dominação têm em comum é o desejo de impor a visão de mundo da classe
dominante inglesa mascarada de elemento “humanizador” e “civilizador”.

Isso vem mostrar que o conceito de tradição literária não é nem fixo nem permanente, o que nos leva
a reconsiderar a maneira de como ensinar o texto literário: de uma visão dominante, que se preocupa
em ensinar autores, leituras críticas e valores tidos como universais, a uma visão do texto literário como
“encontro de culturas” que o considera não em função de um nome consagrado, mas como uma instância
de produção semiótica múltipla e conflitante, culturalmente situada, que leva em conta a diferença.

Nos passos de Viswanathan (1989), entendemos que essas considerações são de relevância porque,
como a autora aponta, somente por meio de uma historiografia crítica é possível determinar até que
ponto um currículo culturalmente homogêneo é o resultado da força ou da fraqueza de uma classe
governante e avaliar até que ponto as políticas educacionais são uma afirmação de uma autoridade não
contestada ou uma resposta mediada para necessidades situacionais.
19
Unidade I

1.1.2 A literatura inglesa: os tropos de humanização e civilização

O desenvolvimento da disciplina literatura inglesa, que começou como English Studies, tem sido
utilitário e contingente, no sentido de que tem ajudado a criar uma identidade nacional por meio da
associação entre cultura e literatura como “processo civilizador”, tanto na Inglaterra quanto nas suas
colônias. Silva (2003) explica que as práticas culturais (neste caso, a literatura) são um elemento decisivo
na formação de identidades culturais. Ele acrescenta que há uma tendência a naturalizar a produção de
uma identidade social e a considerá-la como um produto final. Porém, ela é uma incessante construção
que se redefine continuamente em um processo de produção da diferença, que é cultural e social.

Nesse sentido, Palmer (1965, p. 39) cita C. Kingsley que, no seu texto On English Literature (1880-
1885), considera a literatura como “a autobiografia de uma nação”. A estrutura de sentimento do século
XIX, quando os estudos ingleses procuravam se impor no currículo universitário (tanto na Índia como na
Inglaterra), era a de que a Revolução Industrial tinha produzido uma cisão entre as classes trabalhadoras
e sua tradição cultural e que a maneira de restabelecer sua conexão era por meio do estudo da literatura
do passado, relacionando-a com o estudo da história. Esse é o momento em que se afirma a tradição
literária nacional e os escritores do passado vão se tornar os clássicos da literatura vernácula. Palmer
(1965, p. 45) cita também o Reverendo H. G. Robinson em “On the Use of English Classical Literature”
(Macmillan’s Magazine, v. II, p. 425-33), para quem o ensino da literatura inglesa seria de grande
importância para a “educação das ordens inferiores” porque seu letramento por meio delas era uma
maneira de “beneficiar a mente nacional e refinar e dar novo vigor ao caráter nacional”. Ele acrescenta
que as pessoas dessa classe eram “honestas nas suas opiniões, mas na maioria dos casos limitadas”. Por
isso precisavam emular os valores e opiniões das classes superiores como uma maneira de se educar.

Observação

A expressão “estrutura de sentimento” (structure of feeling) foi usada


pelo crítico marxista inglês Raymond Williams, pela primeira vez, em A
Preface to Film (1954), desenvolvido em The Long Revolution (1961) e
problematizado na sua obra, em particular Marxism and Literature (1977).
Williams usou esse conceito para caracterizar a qualidade da experiência
vivida em um determinado momento e em um lugar particular.

Isso vem mostrar que os estudos literários sempre estiveram mais ligados à prática pedagógica, com
uma motivação clara de dominação social, do que à contemplação estética. Em todo caso, também essa
última teria como propósito um fim moral: refinar o gosto, relacionado com a moral e a virtude, como
uma maneira de criar padrões de conduta social e assim lograr a emancipação dos cidadãos dentro dos
limites impostos pelos grupos dominantes.

Nesse sentido, Baldick (1983, p. 61) distingue três fatores principais que vão assegurar para os estudos
literários de língua inglesa um “lugar de permanência na educação superior”. Primeiro, a educação
adulta, em particular masculina, nos institutos técnicos, como os “Mechanics Institute” e “Working
Men’s College”. Segundo, a educação da mulher. Terceiro, o estudo da língua e da literatura inglesa como
20
Ensino de Literaturas de Língua Inglesa

requisito de admissão no “Indian Civil Service”. O que os três têm em comum é o valor da literatura
inglesa como elemento de dominação.

Conforme Palmer (1965), o ensino da língua e da literatura inglesas teve uma origem informal e
humilde, mas logo se tornou de central importância na educação ortodoxa inglesa. O interesse pela
língua inglesa levou a um interesse pela literatura nacional, como uma posse nacional, e um meio de
levar educação aos “não letrados”. Quase até o final do século XIX, acrescenta Palmer (1965), o estudo
de latim, grego e hebraico foi o centro da educação ortodoxa, impossibilitando a entrada do ensino da
língua e literatura vernáculas nos currículos universitários de Oxford e de Cambridge.

Porém, já na segunda metade do século XVIII, algumas vozes eram a favor do ensino do inglês e
da literatura vernácula. A motivação que levou à inclusão da literatura inglesa no currículo era a de
transmitir para a classe média os gostos e parâmetros das classes superiores (Palmer, 1965), uma
vez que o gosto literário era visto, como foi dito, como sinal de virtude e qualidade moral. Aliás, se o
ensino dos clássicos estava destinado aos membros das classes dominantes, que logo teriam postos
de importância, era necessário fazer uma provisão para aqueles cujas tarefas eram mais voltadas para
o comércio e a indústria.

Aos poucos, seguindo o pensamento de Matthew Arnold, o ensino de literatura inglesa tornou-se um
substituto da religião na medida que, como diz Palmer (1965), as pessoas das classes menos abastadas
aprendiam a ler e escrever não somente com a Bíblia, mas também por meio da literatura vernácula: eles
saíam de seu estado de “embrutecimento” pelo contato com a literatura.

Então, para todos aqueles que não encontrariam benefício em uma educação clássica, o estudo
de inglês, seguindo os padrões do ensino das línguas clássicas, oferecia, por um lado, os benefícios de
uma educação liberal e, por outro, uma cultura de aplicação prática: a literatura seria um agente de
“humanização” das classes médias da sociedade (PALMER, 1965). No Prefácio de Elegant Extracts (1824),
o Reverendo Vicesimus Knox faz as seguintes considerações:

Não há nenhuma razão pela qual as classes mercantis, pelo menos das ordens
superiores, não possam se entreter, no seu tempo livre, com a literatura.
Nada contribui mais para liberar suas mentes, e prevenir as limitações que
são a consequência de uma vida ligada, desde o seu começo, à busca do
lucro (apud PALMER, 1965, p. 13, tradução nossa).

O que se lê nas entrelinhas do texto é o poder “moral” conferido à literatura e que vai ser
característico da sua função no século XIX e, como explica Palmer (1965), vai ser a força principal
que irá impulsionar o desenvolvimento dos Estudos Ingleses. Ao mesmo tempo, o estudo de literatura
vernácula terá um valor utilitário, uma vez que se torna possível para o aluno associá-lo ao seu dia a
dia, enquanto o estudo da literatura clássica produziria uma dissociação. Assim, houve uma transição
do interesse pelo estudo das línguas, de uma perspectiva retórica, como no caso dos Clássicos, para
uma perspectiva histórica que tinha como finalidade a transmissão de determinados valores que
ajudariam a combater as “forças malignas” em uma sociedade em processo de mudança e a afirmação
do poder das classes dominantes.
21
Unidade I

Ao mesmo tempo, o ensino de literatura inglesa, explica Baldick (1983), deveria promover simpatia entre
as classes sociais, garantindo, nas palavras de Matthew Arnold, a estabilidade social. O ensino de literatura
vernácula seria uma maneira de exercer controle sobre as massas e evitar sua revolta ao lhes facilitar, por
meio do texto literário, com seu elemento sensibilizador, os mesmos elementos culturais de refinamento
da aristocracia inglesa, o que os tornaria parte do mesmo sistema de valores, apesar de suas limitações
econômicas. Assim, a literatura seria uma maneira de prevenir a anarquia: “Quase todos os teóricos da educação
literária popular nesse período tentaram mostrar que a ‘grande literatura’ pode quebrar as diferenças sociais,
mostrando que elas não têm nenhuma importância” (BALDICK, 1983, p. 65; tradução nossa).

Da mesma maneira, a educação feminina também contribuiu para o estabelecimento dos Estudos
Ingleses. As mulheres não eram consideradas aptas para as atividades intelectuais e científicas e, por isso,
eram relegadas ao estudo da literatura ou das línguas modernas. Como diz Baldick (1983, p. 68), esse
tipo de educação para mulheres não tinha o propósito de emancipar, mas de reafirmar os seus papéis na
sociedade, porque as treinava nas suas “obrigações de empatia e compreensão”. Por um lado, a literatura
era, assim, mais um dos talentos a serem adquiridos que as preparava para o mercado do casamento;
por outro, como a literatura articulava a história nacional, ela as familiarizava com “o pensamento e
sentimento dos cidadãos de cada época e, ao conhecer os corações de tantos, logo poderiam confortar
os corações de todos” (KINGSLEY, 1880, p 259 apud BALDICK, 1983, p. 69). Eram as mulheres, acrescenta
Baldick, que deveriam “humanizar” a classe média por meio da cultura literária.

O fato de que a literatura inglesa fosse considerada como uma maneira de educar as classes menos
favorecidas na Inglaterra fez com que a disciplina, como mencionamos, fosse ensinada em colégios
técnicos. Porém, ela ainda era resistida nas universidades mais prestigiosas, caso de Oxford e Cambridge,
onde só iria fazer parte dos currículos quase no final do século XIX. Um dos motivos que serviam de
argumento para que a disciplina fosse ensinada em Oxford, especialmente por aqueles que achavam
que a literatura inglesa estava “imbuída da verdade” (PALMER, 1965, p. 93), era o de que ela poderia
ser levada para as colônias, como um elemento “civilizador”. Assim, o poder “humanizador” da literatura
inglesa, como literatura vernácula, iria se transformar em poder “civilizador” ao cruzar as fronteiras
nacionais e ser ensinada no subcontinente indiano.

Paradoxalmente, enquanto os ingleses tentavam impor a língua e literatura inglesas como


notavelmente superiores a qualquer manifestação literária na Índia (MACAULAY, 1835), elas encontravam
resistência nas suas instituições mais prestigiosas na Inglaterra. Aqueles que eram a favor do estudo da
literatura inglesa em Oxford e Cambridge sofriam o mesmo preconceito que os indianos contra suas
literaturas vernáculas, quando comparadas com os estudos clássicos. A literatura inglesa, como aponta
Viswanathan (1989, p. 3), foi incluída como disciplina nas colônias já em 1820, quando o currículo
clássico ainda “reinava supremo” na Inglaterra.

Os Estudos Ingleses tornaram-se uma disciplina por meio de uma invenção dos educadores vitorianos:
o sistema de exame para o “Civil Service” requerido pela Companhia das Índias Orientais. O inglês era
um dos temas centrais desse exame, uma vez que aprender a literatura inglesa era aprender “o modo de
vida inglês”, primordial para a sobrevivência dos oficiais ingleses no subcontinente indiano e, da mesma
maneira, primordial para tornar os indianos que entravam no serviço da Companhia em “Brown Sahibs”,
que soubessem traduzir a cultura indiana na língua e gênero do colonizador.
22
Ensino de Literaturas de Língua Inglesa

Observação

A palavra sahib significa máster em árabe. Essa palavra tem sido


adotada, com o mesmo significado, em várias línguas da Índia, como
híndi, urdu etc.

O ensino da língua e literatura inglesas é central entre todas as matérias


ensinadas. Um ou mais temas devem ser propostos para ensinar composição
em inglês. Deve haver dois grupos de perguntas. Um deles deve ajudar os
candidatos a mostrar seu conhecimento da história e da constituição do
país; o outro deve ajudar os candidatos a mostrar seu conhecimento de
nossos poetas e filósofos (Civil Service of the East India Company, 1855
apud PALMER, 1965, p. 46, tradução nossa).

Por isso, como aponta Viswanathan (1989), o estudo do desenvolvimento da literatura inglesa não
pode ignorar o fato de que foi a missão imperial de “civilizar e educar” os colonizados que deu grande
impulso à disciplina e, ao assim fazer, ajudou a fortalecer a hegemonia cultural ocidental: os valores
ingleses da moral e da respeitabilidade adquiriam valor universal.

Se, no caso do ensino da literatura inglesa, ao que Matthew Arnold chamou de populace (as
classes pobres), os tropos eram o refinamento e sensibilidade das classes dominantes como elementos
civilizadores (o que afastava as classes pobres de outras representações literárias de caráter popular, em
um momento em que, devido a um maior nível de letramento, um maior número de pessoas podia ler), no
caso do ensino da literatura inglesa na Índia o tropo era o de impor a racionalidade ocidental articulada
nos seus textos literários (VISWANATHAN, 1989). Em outro nível, isso implicava uma comparação de
superioridade inglesa em relação à literatura vernácula indiana, pelo fato de essa última conferir valor
histórico a discursos como o do mito (VISWANATHAN, 1989).

Foi esse jogo dialógico entre os Estudos Ingleses e a cultura indiana, relegando esta última a uma
posição de inferioridade, que permitiu aos Estudos Ingleses se estabelecerem como disciplina na
Inglaterra. Ainda mais importante, esse tipo de educação na Índia, durante o governo do Raj, foi central
e definitivo para o processo de dominação e consolidação do poder inglês no subcontinente, uma vez
que mascarava, por meio do discurso humanitário, o desejo de poder político e econômico. Por isso, a
literatura inglesa na Índia, mais do que a seu valor estético estava associada a seu valor educativo e
ajudou a construir um modelo de dominação, mas também de resistência, como veremos a seguir.

1.1.3 O subalterno também fala: os tropos da diferença e da ironia

A introdução da literatura inglesa na Índia pode ser entendida como um fenômeno “trans”: a
importação de sistemas de significação para um contexto em que previamente não existiam (SOUZA,
2009). Nesse processo, os signos, ou seja, os elementos culturais transmitidos por meio do texto literário,
vão sofrer uma transformação, que vai depender da relação entre a cultura de partida e a cultura de

23
Unidade I

chegada. No caso particular da relação entre a Inglaterra e a Índia, como é sabido, é a relação entre
colonizador e colonizado que, em outro nível, revela, como apontam Cervetti, Pardales e Damico (2001),
que os significados são sempre contestados, nunca dados, e estão diretamente relacionados com as
constantes lutas de poder na sociedade pela posse do conhecimento.

Assim, o modelo literário levado à Índia pelos ingleses como elemento de dominação tornou-se uma
arma de resistência nas mãos dos indianos. Aos poucos, ele levou à formação de uma nova tradição
literária em inglês, fora do território nacional inglês e, por conseguinte, à reconsideração da disciplina
Literatura Inglesa de literatura nacional a literatura estrangeira, revelando-a como uma formação
contingente e polissêmica, dependente dos diferentes “programas de verdades nacionais” (VEYNE, 1984),
onde a tradição literária era recriada.

Como resposta ao discurso civilizatório e universalista inglês, o tropo que se destaca nessa
nova tradição literária em língua inglesa, pelo qual se pode desconstruir a condição de subalterno
imposta pelas culturas dominantes, é o da diferença: a revalorização das crenças e processos de
significação locais denegridos pela colonização, o que leva à reformulação da identidade nacional,
a partir da qual se resiste. Há um desejo, por parte do colonizado, de se diferenciar do centro que
o manteve cativo, o que se realiza por meio de um processo de identificação que, como aponta
Bhabha (1994), vacila entre um modelo cultural fixo, já conhecido, sempre no local de supremacia
(o do colonizador), e um modelo que deve ser constantemente repetido, o do colonizado como
inferior, bestial e primitivo, no qual o colonizador possa se espelhar e se manter no seu lugar de
controle, negando qualquer tipo de influência.

Produz-se, então, uma volta por parte do colonizado aos valores nacionais, como uma maneira de
afirmar a sua diferença, funcionando como um processo de essencialização, porém temporário, que
se faz necessário nessa contingência. Nesse momento, seguindo o pensamento de Veyne (1984), o
“programa de verdade” do colonizado parece assumir o caráter de verdade absoluta, porque precisa fixar
seu lócus de enunciação para poder dar força a esse processo de ressignificação identitária.

Ao mesmo tempo, pelo fato de esse programa de verdade ter sido provocado pelo desejo de
resistência a esse Outro, colonizador e diferente, o colonizado está sempre ciente de que sua verdade
é local e parcial e que estará sempre sujeita a um permanente jogo de poder que gera esse elemento
de diferença. Enquanto o colonizador universaliza os valores da classe social dominante, dentro e fora
das fronteiras nacionais, como uma maneira de dominação, o colonizado é ciente do valor local e
contingente de sua cultura (e qualquer cultura), ainda quando essencializando a própria cultura para
poder resistir.

Dessa maneira, o discurso de diferença do subalterno como estratégia de resistência, pelo fato de
ele transitar por esse terceiro espaço do hibridismo (BHABHA, 1994) em sua própria experiência nessa
assimétrica relação de poder, reconhece os sistemas de significação como polissêmicos e culturalmente
situados, desconstruindo o discurso ocidental homogeneizante. Assim, esse tropo da diferença também
será social, situado e múltiplo, articulando-se segundo dominantes que variam de um lócus de
enunciação para outro: questões étnicas, raciais, de gênero, ou status social. Quem acaba ministrando
uma lição, ironicamente civilizadora ao melhor estilo do Iluminismo, são as margens para o centro, ao
24
Ensino de Literaturas de Língua Inglesa

lhe mostrar o caráter situado e contingente de sua cultura. Esse seria o grande valor epistemológico das
literaturas pós-coloniais.

Como temos visto, um dos discursos que vai afirmar esse processo de diferenciação cultural é o da
literatura porque, como aponta Chinua Achebe (1988), a arte, neste caso a literatura, permite criar novas
ordens de realidade, novas metáforas, diferentes daquelas que nos são impostas, e novos “programas de
verdade” (na terminologia de Veyne) que nos permitem lidar com determinadas situações de conflito.
No caso da literatura indiana, isso se dá com o processo de colonização e resistência que se articula pela
vernacularização da língua e da literatura inglesas, introduzidas como discursos de dominação.

Esse processo irá se produzir, como explica Souza (2004, p. 114), sob o “signo da ironia”. A ironia
permeia uma sociedade em que dois conjuntos desiguais de valores e verdades coexistem. No caso da
Índia, há o conjunto de valores da cultura colonizada e o conjunto de valores da cultura colonizadora.
Nessa justaposição, acrescenta Souza (2004), cada grupo social e cultural questionava e relativizava o
Outro, instaurando, entre os “nativos”, uma consciência aguda de ironia. Nós entendemos que a fonte
maior de ironia, nessa situação, devia-se ao fato de que o colonizador nem sempre percebia a resistência
por parte dos nativos. No caso da literatura, esse processo de ironização se estabeleceu quando os
valores do discurso civilizatório inglês se tornaram discursos de resistência contra eles mesmos: ao
treinar os indianos na arte da expressão e da autocrítica, a educação inglesa na Índia adquiriu um papel
subversivo. Conforme Viswanathan (1989, p. 3), a história da educação na Índia mostra que as funções
tradicionalmente associadas à literatura como, por exemplo, “formar o caráter, desenvolver o senso
estético ou disciplinar o pensamento ético” foram essenciais, primeiro para o controle sociopolítico por
parte dos ingleses, depois para os indianos ressignificarem sua diferença cultural e desconstruírem o
modelo cultural inglês.

A introdução da literatura inglesa nas colônias, com seu projeto civilizador, afastou muitos
indianos, especialmente os das classes altas, dos costumes e valores de sua cultura. Eles começaram
a pensar segundo os modelos europeus e a se familiarizar com gêneros como o romance. Aos poucos,
começaram a aparecer romances escritos por indianos em inglês e em algumas línguas nacionais,
como bengali, marathi, hindi, urdu, tamil e malayalam. Em um primeiro momento, isso produziu uma
fenda entre esses indianos e a sua cultura. Porém, a grande ironia foi que os indianos se apropriaram
dos valores transmitidos pela literatura inglesa, bem como do gênero romance, como mais um meio de
justamente resistir aos ingleses (FESTINO, 2007), ao assumir uma perspectiva crítica de revalorização
dos próprios costumes.

O gênero romance foi introduzido na Índia com dois objetivos. O primeiro foi manter os oficiais do
império em contato com a metrópole e o modo de vida inglês, evitando sua nativização. O segundo,
familiarizar os indianos com esse gênero para que se tornasse um meio de tradução cultural e que assim
os ingleses tivessem acesso à cultura indiana por meio de um tipo de discurso por eles conhecido. Porém,
ao traduzir a cultura por meio do romance, o que os indianos fizeram foi se reconectar com os valores
de sua própria cultura, fazendo do gênero, ironicamente, uma estratégia de subversão (FESTINO, 2007).

O romance, com seu cronotopo que se afirma em um determinado momento e lugar e resgata a
vida cotidiana do homem comum (diferentemente das narrativas épicas pré-coloniais), permitiu-lhes,
25
Unidade I

paradoxalmente, desconstruir o caráter de exotismo e primitivismo que os ingleses tinham dado a


sua cultura. Assim, os indianos fizeram dos valores da família indiana – a família estendida, o papel
da mulher nela, suas crenças religiosas – a metáfora central que representava os valores da nação
indiana, aos quais os ingleses não tinham acesso (FESTINO, 2007). Por sua vez, essa metáfora adquiriu
valor pedagógico e performativo: ela ensinava aos indianos que sua cultura não era inferior à dos
ingleses, que seus costumes estavam enraizados na história de sua cultura e respondiam a uma outra
racionalidade: a sua própria. Assim, a leitura crítica dos romances os levou a uma leitura crítica de
seu contexto cultural e ao desejo de modificar sua realidade sociopolítica por meio de seus processos
de significação.

Impregnado pelo signo da ironia, o romance tornou-se um âmbito em que, ao traduzir a sua
cultura para o colonizador, por meio de metáforas que recriavam os valores dessa cultura, os indianos
resistiram ao imaginário colonial inglês de civilização e humanização. Como aponta Mukherjee (2001),
nas diferentes conjunturas do movimento nacionalista da Índia até a Independência do subcontinente
em 1947, o discurso literário foi altamente funcional porque contribuiu para reestabelecer a identidade
nacional indiana e, assim, escapar da formação identitária imposta pelo colonizador.

A colisão que se produz entre o discurso colonial e o discurso indiano, entre as metáforas de civilização
e de resistência, faz com que o hibridismo se torne um dos tropos principais da literatura indiana de
língua inglesa. Bhabha (1994 apud SOUZA, 2004, p. 113) define o hibridismo como

[...] um modo de conhecimento, um processo para entender ou perceber o


movimento de trânsito ou de transição ambíguo e tenso que necessariamente
acompanha qualquer tipo de transformação social sem a promessa de
clausura celebratória, sem a transcendência das condições complexas e
conflitantes que acompanham o ato de tradução cultural.

O romance indiano, altamente heteroglóssico, conforme a nomenclatura bakhtiniana, conterá traços


de um e outro discurso em contraponto, em um jogo de diferenças que nunca se resolve numa síntese
final. Resgatar umas ou outras vozes dependerá do local de enunciação do leitor (FESTINO, 2007).

Nesse contexto, a metáfora literária adquire valor pedagógico e libertário, porque se torna
uma ferramenta relevante nesse processo de construção da diferença ao criar um âmbito em que
o sujeito marginalizado reencontra-se com sua cultura. Como aponta Chinua Achebe (1988, p.
30) em seu ensaio, significativamente intitulado O Romancista como Professor, o objetivo do
romancista pós-colonial seria “[...] ajudar sua sociedade a recobrar a confiança nela mesma e deixar
de lado os complexos dos anos de degradação e humilhação. Isso é essencialmente uma questão
de educação (tradução nossa)”. Achebe (1988) acrescenta que sua maior satisfação seria se seus
romances ensinassem seus leitores que, com todas as suas imperfeições, seu passado não foi uma
“longa noite de selvageria da qual tinham sido salvos pelo homem europeu, atuando em nome de
Deus”. Nesse sentido, a tônica que prevalece no discurso da literatura não é a da arte, mas a da
educação. E, como ele acrescenta e nós temos afirmado neste trabalho, não há motivo para que
elas sejam excludentes.

26
Ensino de Literaturas de Língua Inglesa

1.1.4 Resumo: a metáfora literária

As considerações em torno da formação da disciplina Literatura Inglesa como literatura nacional e


estrangeira nos levam a fazer as seguintes reflexões. Primeiro, que a formação dessa disciplina foi produto
de uma contingência histórica: a afirmação da Inglaterra como nação e sua imposição como poder imperial,
contribuindo para a afirmação de valores locais e nacionais como universais. Hoje, esses valores estão
sendo considerados a partir da globalização, que leva em conta os conceitos de resistência e diferença.

Nesse sentido, a criação da disciplina não esteve relacionada somente ao valor estético do texto
literário ou à universalidade de qualquer autor, mas a um projeto de dominação, revelando que a
literatura, mais do que representar valores sociais, contribui para sua criação.

Em segundo lugar, que a metáfora literária, por seu valor afetivo, é um discurso altamente persuasivo
na disseminação de programas de verdade e, por isso, o discurso literário sempre esteve associado a
programas educativos. Como vimos, a formação da disciplina Literatura Inglesa teve como dominante
principal no seu processo de formação no século XIX a ideia do texto literário como via de “humanizar e
civilizar” trabalhadores, mulheres e ex-colonizados. Nesse sentido, o currículo da disciplina se apresentava
como uma forma de controle sobre as classes de menos recursos econômicos ou dos colonizados.

Esses exemplos vêm mostrar que o discurso da literatura se apresenta, então, como um meio para
recriar e transmitir valores culturais, tendo a metáfora literária a seu serviço. Portanto, o elemento
estético literário pode ser utilizado tanto como elemento de dominação quanto como elemento de
resistência e desconstrução de estereótipos e, nesse sentido, pode tanto se tornar um caminho para
encurtar distâncias entre culturas como também criar barreiras intransponíveis, dependendo dos
significados conferidos às narrativas que compõem uma tradição. É por isso que as narrativas literárias
são centrais para o Letramento Crítico e Transcultural.

Assim, o valor “moral” da literatura não se afirma na imposição de determinados modelos culturais
como superiores, fixos, universais e transcendentais, mas no reconhecimento do valor situado de
qualquer produção cultural que vai estar sempre em contraponto com outros valores de outros contextos
culturais. Isso quer dizer que o valor de um sistema de significação, como o da literatura, nunca vai ser
estável, mas vai depender do contexto de enunciação onde for recriado.

No caso da literatura inglesa, esses aspectos devem ser levados em conta na reconsideração da
maneira como é criado o currículo da disciplina. Primeiro, deve ser sempre lembrado que a seleção dos
textos que formam o currículo é feita não em função de significados fixos, inscritos nos textos, que
respondem somente a um dominante estético, mas em função do “programa de verdade” que se tenta
afirmar. Como vimos, no caso da literatura inglesa, a formação da disciplina tinha como objetivo a
inclusão de grupos de menor influência na ideologia dominante dentro e fora das fronteiras nacionais.

Ao mesmo tempo, quando uma literatura nacional se torna literatura estrangeira, como no caso
do ensino da Literatura Inglesa na Índia, o que se deve lembrar é que esses textos irão modificar a
maneira de significar de seu contexto de origem e adquirir novas significações no contexto de chegada,
dependendo das relações entre as duas culturas. Como visto, se dentro das fronteiras da Inglaterra a
27
Unidade I

literatura inglesa era lida como recriação dos valores do Iluminismo, ao cruzar as fronteiras nacionais
esses mesmos valores tornaram-se elementos de dominação por meio das leituras que os ingleses
impuseram a eles. Assim, os valores de uma cultura podem se tornar preconceitos ao serem recriados
em um contexto de enunciação diferente. É justamente esse aspecto das literaturas em inglês que deve
ser levado em conta no ensino nas universidades brasileiras.

É por isso que a prática literária deve ser sempre entendida como culturalmente situada: a elaboração
do currículo, bem como a leitura dos textos literários, sempre têm que ser entendidas como práticas
de significação que se caracterizam por serem críticas polissêmicas e geográfica e historicamente
contingentes. Entendido dessa maneira, o texto literário se transforma em uma “prática moral”, no
sentido em que se torna lugar de encontro de culturas, aberto a novas camadas de significação que
desconstroem estereótipos e levam a traduzir a diferença em respeito e consideração pelo Outro cultural,
e não em discriminação.

Finalmente, nossas considerações sobre a formação da disciplina Literatura Inglesa (simultaneamente)


como literatura nacional e estrangeira, em termos de metáforas literárias dominantes (que correspondem
às agendas políticas de determinadas conjunturas históricas e culturais) e não simplesmente de autores
a serem estudados pelos valores inerentes aos seus textos, devem-se ao nosso entendimento de que
o currículo não deve se configurar como uma lista de textos fixos, de valor universal e transcendente,
ou uma prática de imposição de padrões morais como se fossem universais, mas como uma prática
de letramento crítico, que considera o texto literário como um âmbito de construção de significação
altamente polissêmico, por meio do qual se recriam as diferenças culturais. Considerada dessa perspectiva,
a crítica literária não se limita à descrição de padrões literários, mas deve ser entendida como uma
“crítica aos sistemas de opressão e exploração e luta por uma sociedade melhor” (CERVETTI; PARDALES;
DAMICO, 2001, p. 6) articulados por meio deles. Nesse sentido, as estratégias retóricas literárias devem ser
entendidas como ferramentas de letramento social, que ajudam na interpretação crítica das narrativas e
dos contextos sociais onde são articuladas e, por conseguinte, podem ser aceitas ou rejeitadas.

A literatura como processo de dominação, então, não se cancela simplesmente mudando os textos
do currículo, ou pela criação de novos modelos nacionais que repetem o mesmo conceito essencialista
da literatura, mas mudando, em um primeiro lugar, as metáforas ao redor das quais se organizam as
disciplinas escolares e, em segundo lugar, no estilo de letramento literário, tomando consciência de
como, segundo o enfoque crítico, essas narrativas podem ajudar na preservação de interesses sociais,
políticos e econômicos ou sua mudança.

Hoje, no momento da globalização, a metáfora nacional, como elemento estético e pedagógico que
aglutina as narrativas literárias e determina a maneira em que as narrativas são incluídas no currículo
escolar, está sendo problematizada. Apter (2008, p. 582) enumera uma série de metáforas que têm
aparecido nos últimos tempos, desafiando a ideia da nação-estado: “Literatura do Mundo”; “A República
Mundial das Letras”; “Cosmopolitanismo”; “Sistema Literário Planetário”; “Cidades”. Ela critica todas essas
metáforas por sua falta de engajamento político e econômico e o fato de propor uma fácil harmonização
entre todas essas narrativas. Nas suas palavras, essas metáforas “não respondem ao desafio de fazer os
estudos literários sensíveis aos diferentes contextos geopolíticos e específicos de cada local, de maneira
a evitar reproduzir uma cartografia imperial” (APTER, 2008, p. 583).
28
Ensino de Literaturas de Língua Inglesa

Nós achamos que uma metáfora que permite pensar as narrativas de maneira relacional e
complexa é a proposta por Damrosch (2003), que sugere pensar em termos de um espaço elíptico no
qual as narrativas são vistas como um contraponto contínuo entre as culturas de partida e chegada,
sempre sujeito à mudança e mobilidade. Nesse sentido, os estudos literários tornam-se uma zona de
contato (PRATT, 1992) mediada por um processo contínuo de familiarização e desfamiliarização das
narrativas, a nível literário e cultural, através de fronteiras de tempo e espaço em uma intersecção
contingente e temporária.

Essa mudança de metáfora para a organização curricular vai junto a, como aponta Gikandi (2005),
uma mudança do que se entende como “crítica literária” e que se baseia na diferença que se faz na
língua inglesa entre os conceitos de criticism e critique. No primeiro caso, a crítica é entendida como
uma prática que coloca sobre rasura a composição da narrativa, a relação entre forma e conteúdo, em
termos literários, e se foca no estilo, gênero, uso das estratégias retóricas etc. Como acrescenta Gikandi
(2005), a tarefa do criticism era estabelecer um corpo de valores inquestionáveis como o imperativo dos
estudos literários. Por isso, não precisava de uma teoria. Pelo contrário. Era um processo criativo que
tentava estabelecer o poema como existindo em um mundo comum entre aqueles que o discutiam:
autor, crítico, leitor. Obviamente, todos eles eram ingleses e o poema era um lugar público onde as
mentes podiam se unir.

No segundo caso, do critique, na explicação de Gikandi (2005), a crítica questiona as normas e a


cultura da tradição literária sendo estudada, assim como sua história e seu papel como epistemologia
social. Esse processo já assume que nem literatura nem cultura são termos universais e problematiza a
ideia de que um modelo nacional pode assumir valores universais e se impor sobre os outros. É justamente
esse processo que vamos considerar da perspectiva do Letramento Crítico.

Por sua vez, como conclui Gikandi (2005), na formação dessas novas tradições literárias, como
a indiana, canadense, novazelandesa, australiana, norte-americana, caribenha etc., o literário
nunca foi discutido. O que é considerado é o direito de formar outras tradições nacionais em
língua inglesa, que fazem questão de mostrar que suas tradições podem ser tão essencialistas
como a inglesa. Ou seja, a formação da literatura ao redor do conceito de nação, imposto
pelos ingleses, continua ainda sendo uma das metáforas principais na formação das literaturas
pós‑coloniais. Então, a pergunta que Gikandi (2005) coloca é: como uma cultura e uma literatura
nacional podem ser transformadas em um conceito transcultural que não essencialize seus
próprios valores?

Nós entendemos que uma das respostas a essa pergunta reside, justamente, na consideração do
literário a partir da ótica do Letramento Crítico e Transcultural que implica, como veremos, uma releitura
dos conceitos de estética, narrativa e leitura como processos sociais, situados e múltiplos.

Assim consideradas, mais do que afirmar a cultura nacional, as narrativas literárias tornam-se uma
zona de contato que nos ajuda a aproximar de outras culturas e tornam-se caminhos por meio dos quais
é possível expor situações de injustiça e desigualdade e, por conseguinte, tornam-se canais de agência
que ajudem e contribuam para a reconstrução social.

29
Unidade I

1.2 O Conceito de narrativa

“People create stories that create people that create stories…”


“Stories create people that create stories that create people…”
(Chinua Achebe, 1988)

1.2.1 O Letramento Crítico e o conceito de narrativa

Não há cultura que não narre as estórias de sua própria experiência e comunidade, como não há
comunidade sem uma linguagem. As estórias das diferentes comunidades, como explica Chamberlin
(2003) são tão variadas como as paisagens e as linguagens. Essas estórias narram de onde as pessoas
vêm e porque estão aqui; como viver e como morrer. Podem ter diferentes formas: de estórias de
criação até a constituição de uma nação, dos épicos do sul às sagas do norte, canções de ninar ou hinos
nacionais, mitos ou matemática.

Chamberlin (2003, p. 2) define as estórias não somente como “crônicas de eventos”, mas “cerimônias
de crença”, que aprendemos quando somos muito pequenos. O autor acrescenta que elas nos ensinam
como crer antes de nos ensinar no que acreditar. É essa segunda fase, no que acreditar, que provoca
muitos dos conflitos presentes entre as diferentes comunidades mundiais.

Amamos e odiamos devido às nossas crenças. As nossas estórias nos mantêm unidos, ao mesmo
tempo que nos separa dos Outros. Isso porque, como diz Chamberlin (2003), nós moramos nas nossas
estórias porque elas estão fortemente entrelaçadas com o nosso conceito de lar. Mais ainda, elas são o
nosso lar. Precisamos acreditar nelas, para que nos ofereçam sustento, mas precisamos nos distanciar
delas para entender o seu poder. Nós precisamos delas: quando não as temos, nos sentimos tristes. A
mesma coisa acontece com Eles. Então, o que une e separa Nós de Eles é essa prática de acreditar nas
nossas estórias, que nos torna adeptos a determinadas crenças muito cedo nas nossas vidas.

De maneira diferente: pela palavra oral, escrita, pintura, música, dança, representações, objetos etc.,
todas as comunidades narram suas estórias, no seu desejo de que elas façam sentido para eles mesmos e
também para os Outros; ao mesmo tempo que nos relacionam com a nossa tradição nos tornam visíveis
para os Outros.

As narrativas são, como temos visto, “zonas de contato” no âmbito epistemológico, porque
articulam as crenças e valores da comunidade e de comunicação, pois são um dos meios pelos quais
a comunidade transmite os seus valores e as suas mudanças para os membros da própria comunidade
e das outras comunidades.

Essa propensão à narrativa deve-se a que, ao impor uma certa ordem ao caos da existência, elas ajudam
o homem a fazer sentido das suas circunstâncias, encurtando as distâncias entre o “ser” e o “conhecer”, ao
mesmo tempo que outorgam grande prazer. É no âmbito das narrativas que o ser humano pode considerar,
com certo distanciamento, os problemas que o afligem no seu dia a dia e criar novas narrativas que o
ajudem a resolvê-los, revelando, em outro nível, que a nossa experiência dos assuntos humanos sempre
estará mediada pela forma das narrativas que utilizamos para contá-las (BRUNER, 2001).
30
Ensino de Literaturas de Língua Inglesa

Essa ressignificação se realiza pela imaginação, a qual, a partir de uma leitura interpretativa dos
acontecimentos de uma comunidade (que se manifesta nos eventos que incluímos ou deixamos fora
da nossa narrativa), relaciona eventos desconectados e fragmentados em um enredo, saturando-o de
significados e originando crenças, costumes e comportamentos. É essa imaginação que nos ajuda a lidar
com a nossa ignorância, imaginar um mundo melhor e, segundo veremos, a nos relacionarmos melhor
com o Outro, tanto dentro como fora da nossa comunidade, como aponta Chamberlin (2003).

Um exemplo dessas narrativas de crença são os mitos da criação. Para Achebe (1998, p. 112) os
“mitos da criação” não são restritos às narrativas de origem, mas podem ser encontrados em todos os
momentos das sociedades humanas porque é por eles que as comunidades validam sua organização
social, seus sistemas políticos, suas atitudes morais, crenças religiosas e preconceitos. É por meio
dessas estórias que as sociedades consolidam seus ganhos e perdas e introduzem mudanças, quando
velhas narrativas são substituídas por outras mais adequadas que ajudam a sociedade a lidar com as
contingências do momento.

Por sua vez, essas narrativas e crenças são compartilhadas pelos membros da comunidade e dão
origem à identidade individual e coletiva e conferem unidade à comunidade, porque, como diz Kearney
(2001), nas estórias as pessoas recriam o seu contexto ou habitat na sua imagem e semelhança.

Pelo fato de as narrativas literárias serem compartilhadas por todos os membros da comunidade,
a ponto que nos sentimos partícipes delas e nos identificamos com elas, são mais efetivas, como fala
Achebe (1988), para provocar mudanças de comportamento do que tratados filosóficos ou estéticos
porque como o seu discurso se assemelha com o nosso dia a dia, são mais acessíveis. Não em vão, um
grande escritor como Henry James (apud KEARNEY, 2001, p. 2) disse que “o romance é uma forma
moral, cujo propósito é nos mostrar como viver”, enquanto Marcel Proust observou que “há coisas que
só podem ser expressas na forma de estórias” (apud KEARNEY, 2001, p. 2).

Essas narrativas, por sua vez, nos levam a refletir sobre as nossas crenças, a maneira como
entendemos nossa comunidade e também como nos relacionamos com os Outros. Esse processo revela
que as narrativas não representam a cultura de maneira mimética, mas, por meio da metáfora literária,
a recriam. Diferentes narradores em diferentes circunstâncias podem fazer uma leitura diferenciada dos
eventos narrados. Contudo, como a palavra escrita oferece a possibilidade de gravar, guardar ou tornar
permanente aquilo que é transitório e, dessa maneira, estabelecer verdades que nos permitem agir no
nosso mundo, muitas vezes esquecemos o caráter de construto dessas estórias e crenças e as tomamos
como verdades universais e permanentes.

Observação

“Construto” diferencia-se de “dado”. Enquanto este último aparece como


natural (um given, em inglês), algo essencial que não pode ser mudado, o
primeiro (construct, em inglês) seria produto da interação social e, por isso,
sujeito a mudanças.

31
Unidade I

Esse aspecto da narrativa tem seu lado positivo e seu lado negativo. O primeiro, porque nos oferece
coisas nas quais acreditar, o que nos ajuda a ordenar as nossas vidas. O segundo, porque essa mesma
certeza nas nossas crenças faz com que, às vezes, nos tornemos intolerantes frente às crenças dos
Outros. É nesse sentido que se pode dizer que, se nossas estórias nos ajudam a organizar o caos da nossa
existência, também produzem conflito e confusão quando confrontados com as estórias dos Outros. O
importante é lembrar que as estórias constroem culturas, costumes, crenças e, ao mesmo tempo, elas
questionam essas mesmas culturas e costumes que constroem e levam a produzir novas mudanças.

As estórias também podem ser entendidas como canais de comunicação, pois as narramos para
fazer sentido às nossas vidas e serem comunicadas aos Outros, da mesma maneira que os Outros nos
contam sobre suas vidas por suas estórias. Kearney (2001, p. 6) explica que as estórias foram inventadas
para responder à grande pergunta: “Quem somos nós?” A essa mesma pergunta, nós acrescentamos,
“Quem são os Outros?” Porque, como acrescenta o autor, no gosto pelas narrativas está implícito o
desejo de conhecer o Outro.

Nesse mesmo processo, as narrativas tornam-se um modo de interação no qual não só nos
familiarizamos com outros modos de vida, e aprendemos a respeitá-los e apreciá-los, mas acabamos
refletindo sobre as nossas circunstâncias. Assim, a narrativa como processo epistemológico de
conhecimento adquire novos níveis de significação quando, nessa ida e volta entre narrativas,
descobrimos a maneira como somos “imaginados” pelos Outros.

Porém, o conhecimento do Outro por meio das narrativas literárias tem sido problematizado, porque,
muitas vezes, a estética estiliza a estória sendo narrada, apaga os seus contornos ásperos e enxergamos
somente os elementos de bondade e nobreza com que está saturada. Então, pelas narrativas literárias,
estaríamos só nos aproximando de uma visão idealizada de uma outra cultura, enquanto uma relação
mais direta, sem a mediação da literatura, mudaria nossa visão dela. A nossa ideia é que, por um lado,
uma leitura crítica de um texto literário que vai além do estético leva a desconstruir essa visão idealizada
da cultura. Por outro lado, essa construção idealizada da cultura revela aspectos que, às vezes, ficam
escondidos dos próprios membros dessa cultura.

Para Kearney (2001), a metáfora literária produz dois efeitos no leitor. Por um lado, as peripécias das
personagens na narrativa fazem com que o leitor sinta empatia por elas. Por outro, o elemento estético
estabelece uma certa distância entre os eventos narrados e o leitor, o que faz com que este último os
interprete a partir de uma perspectiva crítica. É justamente, como diz Kearney (2001, p. 9), essa dupla
relação de empatia e distância que produz uma dupla visão, além do nosso ego, e nos permite enxergar
outras possibilidades de ser. Soma-se a isso o fato de que as narrativas literárias (diferentemente das
narrativas históricas ou científicas) pedem a “suspension of disbelief” para poder entrar no mundo
criado pela imaginação do autor. No entanto, o fato dessa suspensão ser temporária e não permanente
faz com que possamos nos relacionar com a mesma narrativa a partir de uma perspectiva mais crítica,
que vai depender do contexto a partir do qual a leitura é realizada. Como fala Achebe (1988, p. 96) “a
descrença é suspendida não banida e pode retornar a qualquer momento”. Chamberlin (2003, p. 34)
cita a frase com a qual começam as narrativas de Majorca: “It was and it was not”, acreditamos e não
acreditamos ao mesmo tempo. Quando esquecemos esse jogo, diz o autor, “o mito torna-se ideologia, a
religião em dogma e as comunidades em conflito”.
32
Ensino de Literaturas de Língua Inglesa

Por sua vez, a inventiva do autor, expressa por meio da metáfora literária, torna a narrativa
inesquecível, mostra-nos o mundo a partir de uma perspectiva diferente, e leva-nos a experimentar
outros mundos por uma marcada carga afetiva. É por isso que a literatura tem grande poder de
persuasão e o valor afetivo da metáfora literária tem sido utilizado para repassar os valores dos grupos
dominantes. Contudo, essa qualidade da metáfora literária pode ser entendida como um elemento para
cortar amarras, tornar-se independente e mudar o status quo da sociedade.

Achebe (1998, p. 112) fala de narrativas “benignas e malignas”. As primeiras são aquelas que nunca
esquecem que são uma ficção, enquanto as segundas nunca o souberam. Um exemplo desse último caso,
aponta o autor, seriam aquelas estórias que nunca falam “Vamos imaginar...” e apresentam narrativas
(como as da superioridade de algumas raças) como verdadeiras.

A partir dos princípios do Letramento Crítico e Transcultural, nós achamos que as primeiras estórias
nunca esquecem que são construtos, fruto de interpretações de um determinado contexto social e
contingência histórica e, por isso, estão em contraponto com muitas outras. Essas estórias nos tornam
cientes dos valores dos Outros e, paradoxalmente, da qualidade fundamentalista das nossas próprias
crenças. As segundas, ao contrário, fundamentalizam as crenças dos Outros. Enquanto as primeiras
estão abertas a mudanças, as segundas se fossilizam e se isolam. Enquanto as primeiras libertam, as
segundas aprisionam.

1.2.2 Frente às narrativas dos Outros

O Letramento Crítico Transcultural problematiza o conceito de narrativa em geral e narrativas


canônicas em particular, no sentido que entende que o valor literário não está dado pelo fato de essas
narrativas articularem verdades universais e estáveis por meio de metáforas sofisticadas e complexas
(embora as metáforas literárias caracterizem-se pelo seu grande valor estético e afetivo), mas também
porque articulam a maneira na qual as comunidades enxergam suas experiências em diferentes
contingências históricas. Quando consideradas dessa maneira, as narrativas literárias perdem sua
qualidade de narrativas sagradas e tornam-se accessíveis e questionáveis. Como assinala Jane Tompkins
(1985, p. xii), quando textos chamados de clássicos são considerados não como produtos geniais, mas
como narrativas impregnadas de interesses nacionais, sociais, econômicos e institucionais, então a sua
centralidade na cena crítica deve-se menos a sua excelência, neste caso, indisputável, do que ao produto
de contingências históricas.

Por sua vez, como assinala Fish (1982), diferentes comunidades interpretativas vão demandar
diferentes tipos de narrativas. Esse conceito de “comunidade interpretativa” pode ser definido
como comunidade nacional (como no caso das tradições literárias nacionais) ou pode representar
diferentes grupos sociais e culturais, dentro ou fora dos bordes da nação, definidos por gênero
(como no caso da literatura feminista ou formas populares como o “romance)”; faixa etária (formas
com o rap ou o hip hop); grupos étnicos (por exemplo, a literatura nativa nos Estados Unidos ou
do Canadá, ou a “literatura negra”); culturas pós-coloniais (as diferentes tradições literárias de
língua inglesa); grupos de afinidade (literatura digital; imagética); literaturas consideradas como
“regionais”, tal como o caso da literatura de cordel no Brasil (embora todo e qualquer tipo de
narrativa sempre será regional) etc.
33
Unidade I

Ainda em uma mesma comunidade ou em uma mesma língua, há não uma, mas diferentes
tradições literárias, porque cada comunidade (dentro e fora das fronteiras nacionais) tem
uma série de narrativas com as quais se identifica e que mostram como Nós somos quando
comparados a Eles. Não há uma literatura universal escrita em muitas línguas, mas muitas
literaturas escritas em muitas ou ainda em uma língua só, como seria o caso das narrativas
literárias em língua inglesa.

Muitas vezes essas narrativas, as de Nós e as de Eles, são reclassificadas como “clássicas” e “populares”,
“hegemônicas” e “periféricas”, “mainstream” e de “minoria”, instaurando um contraponto entre os
primeiros e os segundos membros dos pares, que toma a forma de um imperialismo literário ao aceitar
a entrada das primeiras e barrar a entrada das segundas dentro do cânone nacional. Assim, muitas
vezes as narrativas consideradas como canônicas (as da elite e, por isso, parte da tradição) são impostas
às comunidades (aos “regionais” com suas literaturas “menores”) desconsiderando não só o seu gosto
literário, mas também o fato de que essas narrativas, as canônicas, podem não satisfazer as necessidades
de uma determinada comunidade.

Isso mostra que as tradições literárias são múltiplas e muitas vezes conflitantes, tanto nacionalmente
(as literaturas dos diferentes grupos dentro da nação), quanto internacionalmente (como o caso das
línguas multiculturais, como a inglesa). Mais do que impor umas sobre as outras, o que é preciso, como
discute Chamberlin (2003), é que essa dicotomia possa ser negociada e que as narrativas das diferentes
comunidades sejam entendidas a partir de uma ótica relacional mais do que oposicional, que considera
que todos somos nutridos pelas estórias das nossas comunidades: familiarizar-se com as estórias de
uns e outros é uma maneira de encurtar distâncias e desconstruir estereótipos. Porém, isso não implica
apagar a contradição, mas abraçá-la.

Chamberlin (2003) aponta que as narrativas de cada comunidade são determinadas pelas suas
crenças e estilos e que, quando separadas dos seus contextos, elas podem aparecer como falsas ou sem
sentido, ao mesmo tempo em que todas elas são críveis e podem ser apreciadas pela sua autenticidade
e autoridade, dentro de suas comunidades.

Um bom exemplo dessa situação são as narrativas literárias pós-coloniais de língua inglesa. Muitas
vezes, elas causam um senso de estranhamento quando são lidas por pessoas que esperam o relato
clássico inglês ou norte-americano, porque não conhecem os valores e tradições desses grupos sociais,
o que se manifesta no uso da língua inglesa, no estilo do enredo, na qualidade das metáforas, nos
costumes sociais narrados, e assim por diante. É o que acontece com as literaturas da África de língua
inglesa, as literaturas do Caribe ou do subcontinente indiano.

Cada tradição, por sua vez, vai ter suas raízes tanto nas experiências da comunidade quanto na sua
forma de expressão (em outras palavras, na tradição estética dessa comunidade). Seriam essas duas
formas de estórias. Chamberlin (2003) se pergunta se também seriam “duas verdades”. A sua resposta
é que, mais do que verdades, elas são duas narrativas que mostram o ponto de convergência entre o
que se chama de “realidade” e de “imaginação”. Por isso, as crenças religiosas, científicas etc. são melhor
entendidas não quando isoladas, mas quando relacionadas com as outras narrativas da comunidade.
É dessa maneira que nós achamos que devem ser entendidas as narrativas de qualquer comunidade
34
Ensino de Literaturas de Língua Inglesa

para superar as dicotomias anteriormente mencionadas: de maneira relacional, como mímica, crítica,
conflito, antagonismo, influência, coincidência, contenção, e assim por diante.

Esse momento de encontro relacional é definido por Chamberlin (2003, p. 223) como uma “cerimônia
de crença” (“ceremony of belief”), que acontece no momento de convergência das estórias de Nós e de
Eles, quando suspendemos nossa descrença (“suspend your disbelief”). Produz-se, como explica o autor,
quando a linha entre “o teu” e “o meu” se reposiciona, quando o mistério e a clareza convergem por um
instante; quando não podemos dizer se temos nos rendido a eles ou ainda estamos separados. Esse é o
momento quando cruzamos a linha imaginária que divide “Nós” e “Eles”. Não é que a diferença some,
mas impregnamos a estória com o ritual da “cerimônia de crença” e ela se transforma em uma nova
narrativa, nesse espaço em comum.

Para o autor, não há estórias que contenham com maior evidência esse ritual da cerimônia do que
quando cantamos o nosso hino nacional (ou, em nossa opinião, quando lemos os clássicos da nossa cultura).
Nessa hora, dizemos que acreditamos em coisas nas quais, talvez, em outra hora e em um outro contexto
não acreditaríamos. No entanto, diz Chmberlin (2003), é esse o momento da cerimônia, quando acreditar
é possível. É também esse o momento em que a identidade coletiva impõe-se à identidade individual e os
conceitos de civilização e barbárie superpõem-se: civilização, porque sentimos que não há expressão mais
bela nem emocional do que a das nossas estórias; barbárie pelo caráter incrível daquilo em que acreditamos.

Essa cerimônia revela, por um lado, a convivência de verdades contraditórias dentro de nossas
próprias estórias; por outro, se podemos reconhecer esse processo na nossa cultura, igualmente podemos
identificá-lo em outras: se podemos acreditar no incrível de nossa cultura, por que não acreditar nas
outras? Se podemos duvidar das outras culturas, por que não duvidar da nossa própria? Como diz o
autor, podemos não acreditar nelas, mas mostrar respeito: embora não sejamos da mesma comunidade,
podemos nos comunicar.

Esse momento assinala o borde entre “civilização e barbárie”. Só que esquecemos que a “barbárie”
também está do nosso lado: aos olhos dos demais podemos ser tão bárbaros como eles para nós. Quando
aprendemos a reconhecer o bárbaro em Nós e o civilizado em Eles é que a cerimônia de crença tem lugar
e podemos perguntar, como diz Chamberlin (2003, p. 215), “Se essa é a sua terra, onde estão as suas
estórias?”. Nessa hora, e por um momento, saímos das nossas estórias e nos interessamos nas deles. Mais
uma vez, realiza-se a cerimônia de crença.

Chamberlin (2003, p. 230) acrescenta que o que pode nos ajudar a desconstruir as dicotomias
entre culturas é perceber que o problema não reside em considerar dois grupos de estórias como
conflitantes, mas em esquecer a contradição entre “fato” e “ficção”, o verdadeiro e o não verdadeiro,
que é parte de qualquer estória e sobre a qual depende o seu poder. Só que Nós sempre identificamos
as nossas estórias como verdadeiras e as de Eles, como ficcionais, esquecendo que esses dois
elementos são constitutivos de todas e quaisquer estórias, que qualquer narrativa flutua entre “a
agência imaginativa e a natureza da realidade” e que precisamos manter essa contradição viva
quando pensamos nas estórias de outras pessoas e também nas nossas. É dessa maneira que criamos,
diz o autor, um “lugar comum” que não é um local, mas uma atitude que aceita que as categorias de
imaginação e realidade se aplicam a Eles e a Nós.
35
Unidade I

Chamberlin (2003, p. 234) aponta que aqueles que trabalham como pesquisadores e cientistas
podem enxergar esse processo com clareza, porque têm os meios para poder refletir e, por isso, têm
a possibilidade de “interromper as estórias que os mantêm aprisionados”. Então, eles olham para suas
narrativas em perspectiva e podem se perguntar o que fazem e por que o fazem.

É esse o conceito de narrativa, não só linguístico ou literário, mas social e relacional, sujeito a um
constante processo de reescrita e reinterpretação, que está por trás do Letramento Crítico e Transcultural.
Quando aplicado às leituras do texto literário (neste caso, estrangeiro), ele ajuda a criar um espaço
comum que, mais do que um lugar, é uma atitude mental em que possamos, por um lado, enxergar
as crenças articuladas nas estórias de uma perspectiva crítica, não com o fim de desvalorizá-las ou
inferiorizá-las quando confrontadas com outras, mas de resignificá-las; por outro, considerar as estórias
dos demais não em um tom de harmonia banal que apaga as diferenças (entre Nós e Eles), mas em um
clima de relação, às vezes conflitiva, que nos permite aprender a conviver com a diferença.

Em outro nível, enxergar os paradoxos da narratologia nos permite, como também aponta Chamberlin
(2003, p. 235), enxergar os paradoxos de nossas vidas e culturas. Dividir o mundo entre Eles e Nós é
inevitável: o importante é como lidamos com essa divisão. Esse é o momento da cerimônia que nos
coloca em um espaço comum. É essa cerimônia de crença que deve definir o conceito de estória e que
deve estar presente não só na elaboração do cânone (múltiplo, social e situacional), mas na prática
pedagógica de sala de aula, por meio de uma atitude crítica, de desconstrução de nossas crenças e
transcultural, de aproximação das crenças dos demais.

Essa atitude manifesta-se ao ampliar o cânone e permitir a entrada de outras narrativas em outros
gêneros literários; ao incorporar as narrativas de outras tradições, no caso de línguas multiculturais; ao
problematizar o discurso literário em seu contraponto com outros tipos de discurso, por exemplo, o cinema.
Isso mostra que os textos importantes para uma comunidade não são aqueles necessariamente impostos
por um cânone, mas aqueles que se apresentam como tal em determinada conjuntura, pela maneira
e estória que narram. Observar a maneira na qual essas “novas” estórias se encaixam ou confrontam o
cânone pode revelar a maneira pela qual a comunidade se enxerga em um determinado momento.

Trazer diferentes tipos de narrativas para a sala de aula e, assim, modificar o cânone, implica conectar
a palavra com o mundo, no sentido de relacionar diretamente a prática de sala de aula com o dia a dia.
Se na sala de aula só entrarem as narrativas canônicas (com as suas leituras críticas, também canônicas),
corre-se o risco de que a aula de literatura se torne anacrônica e o texto literário assuma o nível de uma
escritura sagrada. Contudo, isso não implica um “vale tudo” (a famosa crítica do free floating signifier,
de Jacques Derrida), ou que o novo vai substituir o velho, como se fosse uma simples troca de nomes,
mas implica desenvolver uma atitude interpretativa crítica, tanto do tradicional como do novo, como
assim também da relação que se estabelece entre ambos.

Essa atitude requer em primeira instância, uma reconsideração da canonicidade não só das narrativas,
mas ainda mais importante, das estratégias de leitura e do conceito de narrativa e, em segunda instância,
da maneira como elas se inserem no processo cultural e social. Nesse sentido, não estamos ensinando
determinados textos per se, tanto pelo seu conteúdo ou valor estético, mas como prática cultural que
leva os alunos a melhor conhecer a sua e outras culturas simultaneamente.
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Ensino de Literaturas de Língua Inglesa

É nesse sentido que o texto literário em geral e o texto de literatura estrangeira em particular,
tornam-se um “espaço comum” em que os diferentes coexistem, não deixando de lado as suas diferenças,
mas em termos de suas diferenças. A aula de literaturas estrangeiras é o espaço no qual esse tipo de
relacionamento entre estórias e culturas coloca-se em evidência, como veremos na continuação.

1.3 A leitura como processo de criação de significados

“Reading is rewriting the text of the work within the text of our lives.”
(Roland Barthes, 1985)

Conforme temos visto, no contexto do Letramento Crítico Transcultural, o ensino de literatura


não se baseia nem na acumulação de nomes de autores e textos lidos, nem no descobrimento de
significados escondidos que fazem sentido para uns poucos, nem no estabelecimento definitivo
do significado de qualquer texto literário fora do tempo, nem na visão do texto literário como
transparente, ao ponto de não requerer um processo interpretativo, mas na criação de significados
por meio da interação com o texto literário que mostra a relação entre a palavra e o mundo, e nos
leva a refletir sobre a maneira em que o nosso contexto cultural relaciona-se com muitos outros.
Assim, não colocamos os nossos significados nem em um lugar de privilégio, nem de inferioridade
frente ao Outro diferente.

Essa ideia está baseada no conceito de Derrida de que “nada existe fora da textualidade”
(1967) no sentido que nada existe fora da interpretação. Assim como lemos e interpretamos um
texto, lemos e interpretamos um gesto, uma atitude, uma situação e, da mesma maneira, somos
interpretados pelos outros. É por esse processo que nos relacionamos e comunicamos. Por isso,
estimular o processo de leitura na sala de aula, como um processo criativo, é uma maneira de
desenvolver nossas habilidades para ler o texto maior que é o do nosso contexto social e aprender
a nos inserir e relacionar nele. Essa leitura estendida do texto literário que considera como a
metáfora literária articula visões de mundo e nos conecta com o mundo, nos torna atores e leva,
por extensão, à ação social.

1.3.1 A leitura do texto literário: processo criativo, crítico e social

O texto literário caracteriza-se pela intensidade temática o que dá origem a vários níveis de
significação que, por sua vez, são articulados por meio de uma inventiva verbal ou metáforas. Essa
característica das narrativas literárias faz o jogo interpretativo mais complexo do que em outros tipos de
narrativas ao ponto que o torna parte do significado do texto. Nos passos de Jorge Luis Borges, Umberto
Eco (1995, p. 12) define a narrativa literária como um bosque no qual há caminhos que se bifurcam; e
define o leitor, como um caminhante que, com sua leitura, faz a própria trilha:

Mesmo quando não existem num bosque trilhas bem definidas, todos podem
traçar sua própria trilha, decidindo ir para a esquerda ou para a direita de
determinada árvore e, a cada árvore que encontrar, optando por esta ou
aquela direção.

37
Unidade I

Da mesma maneira, o leitor do texto literário precisa fazer suas escolhas, uma vez dentro do enredo
da narrativa. Essas escolhas se traduzem em leituras a partir de perspectivas diferentes, que saturam
a narrativa de novos significados e levam o leitor a se envolver com as personagens do texto e se
flexibilizar frente a novas e diferentes experiências culturais.

Para o Letramento Crítico e Transcutural, a leitura que o leitor faz da narrativa literária é tão
importante quanto a leitura que o escritor faz do mundo, conforme temos visto na seção anterior: o
leitor, como o escritor, precisa criar sua trilha. No campo da literatura, essa visão do papel criativo do
leitor se origina, como explica Eagleton (1983), quando houve uma mudança da centralidade do texto
literário para o leitor, com as teorias da recepção. A contribuição dessas teorias é que a experiência
estética não está simplesmente contida na narrativa literária, mas é gerada a partir da relação entre a
narrativa e o leitor, na qual este último torna-se um novo criador.

O processo de leitura do texto literário, como processo criativo, pode ser entendido em função das
forças centrípetas e centrífugas de Bakhtin (1981), em que as primeiras tentam reconstruir o contexto
de produção do texto e, então, olham para o passado, para o autor, enquanto as forças centrífugas
resignificam esse texto a partir do contexto do leitor e olham para o futuro. Essa leitura centrípeta,
por sua vez, implica um processo de familiarização com temas e estilos literários que muitas vezes são
alheios aos leitores e leva, por sua vez, a uma desfamiliarização com as próprias narrativas da cultura
do leitor. Nesse processo, como aponta Scholes (1989, p. 7), “ler é escrever é viver é ler é escrever” em
um processo sem fim, no sentido de que por meio da leitura reescrevemos outros textos e contextos
culturais e modificamos a visão do nosso próprio contexto. Assim, a experiência literária torna-se uma
experiência de vida.

É desse processo de leitura que o professor de literatura precisa fazer o seu aluno ciente: as leituras
não estão marcadas, a priori, já indicadas no texto, mas se constroem com cada leitura, tornando-se
não um processo de reconhecimento de significados já prontos, mas um processo de criação de novos
significados. Em outras palavras, as possíveis leituras do texto literário não são determinadas por marcas
fixas no texto, mas pela maneira como o leitor se relaciona com as suas metáforas.

O processo de descobrir “a figura no tapete”, como dizia Henry James, torna-se mais complexa
porque o processo de leitura vai além de decifrar os códigos que revelem a intencionalidade do autor. A
ideia é desenvolver habilidades de leitura crítica que, mais do que descobrir significados, saturem o texto
com aqueles significados que são relevantes para o leitor.

Essa ideia precisa ser enfatizada na aula de literatura porque as narrativas com as quais o aluno se
depara na sala de aula pertencem, na maioria das vezes, ao cânone literário nacional. Nessa instância,
a ideia das leituras já prontas e fechadas aparece com mais força, porque quando os textos literários se
tornam canônicos, ficam isolados no panteão dos textos consagrados. Então, passa-se a ideia de que só
os críticos, também consagrados, têm acesso à complexa rede de significação que o escritor, por meio de
seu processo de composição, inscreveu no texto. Ter acesso a esses significados do escritor implica ser
um iniciado nesse clube de especialistas e se tornar o que Eco (1995, p. 15) chama de “o leitor modelo”,
“[...] uma espécie de tipo ideal de leitor que o texto não só prevê como colaborador, mas ainda procura
criar”. Seria esse um leitor que sabe decodificar os significados inscritos no texto.
38
Ensino de Literaturas de Língua Inglesa

Para o Letramento Critico e Transcultural, como temos visto, o leitor ideal seria aquele que, como
explica Bakhtin (1981), estabelece uma relação dialógica com a narrativa, no sentido de que, por sua
leitura, satura o texto com novos significados, vai além da reconstrução da intencionalidade do texto,
e indaga, entre outros questionamentos: O que o texto silencia? O que o texto reprime? De quem é
cúmplice? Quem se beneficia com esse texto?

Isso quer dizer que o significado com o que o leitor satura o texto não tem a ver somente com a
natureza do texto ou com um jogo para descobrir a natureza desse texto, mas com a função ou com o
que esse texto significa ou representa no contexto de enunciação do leitor.

Essa segunda visão do leitor e do texto literário problematiza, em primeiro lugar, a ideia de que o
professor está além de qualquer julgamento porque os saberes que ele traz para sala de aula são os
que a sociedade quer transmitir e preservar. Em segundo lugar, em vez de ensinar leituras já prontas,
considera as dificuldades na leitura de textos literários causadas por metáforas, estilos narrativos ou
gêneros com os quais o aluno não está familiarizado, ao mesmo tempo em que resgata a visão do
aluno que está familiarizado com formas culturais, como livros, músicas ou filmes, embora sua opinião
nem sempre seja levada em conta na sala de aula porque se considera que não pode emitir julgamento
porque seu gosto ou critério ainda não está formado.

Em outro nível, isso mostra que a leitura é sempre social, como explica Bakhtin, focando-se em dois
aspectos. O primeiro aspecto Bakhtin (1981) chama de dialogismo e se refere ao fato de os significados
recriados na interação com o texto não se originam em um só sujeito – autor, professor, aluno – e
não dependem de seu gosto pessoal, mas no contexto linguístico, cultural e ideológico ao qual eles
pertencem e a seu intercâmbio pela negociação, avaliação e transformação.

O segundo aspecto Bakhtin (1981) chama de heteroglossia e se refere às muitas vozes que cruzam
a língua, a literatura e a cultura, as que devem ser reconhecidas na formação da sociedade. Os textos
com os quais nos deparamos já foram saturados de significados por outros leitores, da mesma maneira
que as nossas palavras carregam o significado dos outros. Ao mesmo tempo, quando saturamos um
texto de significados, o fazemos a partir da nossa experiência pessoal, das nossas bibliotecas privadas,
da intertextualidade que podemos estabelecer com o texto a partir das nossas leituras anteriores e das
leituras que outros já fizeram dos mesmos textos.

Johnston (2003) aponta que quando esse conceito de heteroglossia é aplicado aos conceitos de
cultura, raça e etnicidade, ele encoraja a pluralidade e a diversidade e confere uma nova dimensão ao
texto literário.

Fish (1982) explica que a reação ao texto literário nunca é nem subjetiva nem individual, mas
está mediada pelas crenças da cultura ou, nas palavras do autor da comunidade interpretativa
a qual pertencemos. Ou seja, a nossa interpretação sempre estará contida não pelo texto, mas
pelo contexto no qual nos inserimos. Isso significa que a nossa reação e a nossa experiência
da narrativa nunca é somente individual, nem incontrolável, mas está pautada pelo nosso
contexto social.

39
Unidade I

A modo de exemplo, Simon (1992, p. 102) narra o que significa para um moço judeu ler na escola
o Mercador de Veneza, de William Shakespeare, no qual a personagem de Shylock é a “quintessência
do vilão” e sua filha Jéssica renuncia à identidade judaica para ser aceita pelo seu amado Lorenzo.
Essas observações mostram que o valor atribuído ao texto de Shakespeare não está contido somente
na qualidade de sua metáfora literária, nem na leitura privada ou individual de qualquer pessoa, mas
na maneira como uma determinada comunidade entende a narrativa. Como aponta Simon (1992, p.
103), “textos e leitores sempre vão juntos historicamente e é a historicidade do ato de interpretação
que exclui qualquer resposta pessoal”. A leitura, então, é vista não só como um passatempo ou um ato
prazeroso, mas um ato profundamente político.

Da mesma maneira, então, que a linguagem é social, porque, como explica Bakthin (1981), ela acontece
em determinados contextos sociais e articula as relações entre os membros de uma comunidade, as
narrativas em geral e as literárias em particular também são sociais, desde que narrem as experiências,
costumes e crenças de uma determinada comunidade, conforme vimos antriormente. Por isso, como
explica Eagleton (1983), são as estratégias narrativas da comunidade interpretativa que vão regular a
resposta pessoal do leitor, seja essa uma ideologia, a comunidade acadêmica, o contexto cultural etc.

Da perspectiva da pedagogia, Freire (1988) aponta que, pelo fato de a leitura estar relacionada com
o nosso conhecimento de mundo, ela é muito mais do que decodificar uma linguagem: ela implica ler
além do nível literal do texto, relacionar a narrativa do texto com o contexto de produção do autor e do
leitor e, assim, entender qual a sua função.

Esse tipo de leitura do texto literário contesta a maneira na qual a interpretação literária tem sido
ensinada nos departamentos de literatura por décadas como “[...] um enfoque submisso aos significados
profundos ou escondidos [neles], considerados como narrativas sagradas” (Scholes, 1985, p. 38). Nessa
perspectiva, o status conferido a essas narrativas está fora de qualquer questionamento; repetem‑se
leituras de críticos consagrados e, assim, afirmam-se determinadas visões de mundo. Vista dessa maneira,
a leitura dos textos literários torna-se um processo conservador e reacionário, porque, como acrescenta
Scholes (1985), a aula de literatura, mais do que uma crítica dos textos estudados, foca-se em uma
leitura explicativa que reafirma o valor canônico dessas leituras.

Nessa prática interpretativa, o professor, do local da autoridade, é visto como aquele que tem acesso
à sabedoria da cultura, contida nessas narrativas, que é preciso disseminar na sociedade, por meio das
interpretações realizadas em sala de aula. Há uma coincidência entre a leitura do professor e a visão
hegemônica da sociedade, enquanto a leitura do aluno é vista como deficiente e não como o resultado
das linguagens e discursos aos quais teve acesso.

Contudo, como aponta Horton (1985), se o aluno é parte da mesma cultura, ele também compartilha
da mesma sabedoria e, por isso, sua visão é também de grande valia, embora muitas vezes seja silenciada.

Ao mesmo tempo, a ideia não é de que a visão do professor perdeu o seu valor, ou que o professor
não precisa levar para sala de aula seu conhecimento sobre um determinado tema, mas que esse
conhecimento sempre estará em contraponto com aquele que também o aluno traz para sala de aula.
Simultaneamente, o aluno precisa desenvolver suas habilidades de leitura crítica e se tornar um leitor
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Ensino de Literaturas de Língua Inglesa

informado que pode se aproximar do texto literário a partir de ângulos diferentes. Isso o leva a, por
um lado, rever sua relação com outras culturas e, por outro, a desenvolver um olhar crítico da sua
comunidade, seja essa uma das muitas comunidades de uma nação ou uma outra nação diferente.

Da perspectiva do Letramento Crítico Transcultural, então, os significados não estão no texto


literário, prontos para serem revelados pelo professor para os alunos: eles estão no processo de leitura
desenvolvido tanto pelo professor como pelos alunos e estarão diretamente relacionados ao contexto a
que pertencem e às leituras a que tiveram acesso.

Por sua vez, ao entender o processo de leitura criticamente, evitamos ser manipulados pelas ideologias
articuladas no texto. Por isso, o letramento crítico implica ler “against the grain” (MCLAUGHLIN; DEVOOGD,
2004, p. 16), ou seja, entender o que está por trás do texto, qual as relações de poder articuladas nele,
quem se beneficia com essa leitura, como ela afeta o leitor etc. Ao questionar a perspectiva do texto e
pensar em leituras alternativas (que mudam a centralidade das personagens, dão voz aos silenciados,
narram os eventos de outra perspectiva etc.), o aluno torna-se parte ativa dessas relações de poder.

Como explicam McLaughlin e DeVoogd (2004), ler de maneira crítica significa entender a relação
de poder que se estabelece entre autor e leitor e compreender que, embora o autor tenha o poder de
criar uma mensagem, os leitores têm a possibilidade de analisar e questioná-la, bem como de oferecer
visões alternativas.

Assim, o leitor tem um papel tão ativo como o do escritor quando transforma a leitura da narrativa
literária, a partir de seu próprio contexto de produção, em um novo texto. Ambos, narrador e leitor são,
simultaneamente, criadores e intérpretes. Esse processo de interpretação e reescrita explica-se pelas
metáforas do espelho e do labirinto: quando o escritor lê o texto maior, que é seu contexto cultural,
e quando o leitor lê o texto escrito pelo escritor, ambos se espelham neles, no sentido em que criam
significados, a partir de suas perspectivas. Ao mesmo tempo, ambos entram em um labirinto: a sua
escolha de um caminho ou de outro vai depender, justamente, das suas bibliotecas, ou seja, das leituras
e textos que conformam suas experiências de vida.

Essa visão crítica das narrativas deve levar ao objetivo principal do Letramento Crítico e Transcultural,
que é o de adquirir uma visão crítica do texto maior, o contexto social, e pôr em prática uma agência
social que produza mudanças nele.

1.3.2 O texto literário estrangeiro na sala de aula: a leitura transcultural

Esse processo de criação de significados fica explicitamente evidente na leitura de textos literários
estrangeiros, porque implica um momento de transculturalidade, quando importamos epistemologias
de um contexto cultural para outro. Souza (2008) explica a transculturalidade no sentido de que nos
movimentos “trans”, ou no fluxo semiótico de um contexto social para outro, a natureza da relação
social e cultural entre o contexto de origem (“de onde”) e o contexto de chegada (“para onde”) define a
maneira com que esses significados interagem e são transformados. Citando Bakthin (1981) e sua ideia
de que as palavras sempre estão saturadas com os significados dos outros, Souza (2008) se pergunta se
a natureza dos Outros, na comunidade de origem, quando comparada com a comunidade de chegada,
41
Unidade I

tem um papel fundamental na decisão de até que ponto os significados saturados nas palavras são
mantidos, abandonados ou modificados quando as palavras cruzam os bordes de um contexto social
para outro.

Para Souza (2008, p. 4), a atenção deve se focar na maneira como a relação de semelhança ou
diferença entre as duas comunidades afeta as práticas de letramento; em outras palavras, até que ponto
os “significados saturados dos outros” afetam os novos significados adquiridos nos novos contextos, se
é que tal coisa acontece. Isso já revela que esse processo não é neutro, mas cultural e responde a uma
relação de hierarquia e poder entre as culturas envolvidas.

O ensino de literaturas estrangeiras funciona da mesma maneira: implica o reconhecimento de um


Outro diferente por meio da introdução de sistemas de construção de significados em novos contextos.
Contudo, esse processo vai depender da relação entre a cultura de partida do texto literário estrangeiro
e a cultura de chegada, em que o texto está sendo ensinado. Um bom exemplo é a leitura de textos
da tradição literária norte-americana, especialmente após o 11 de setembro; ou a recepção dos alunos
de narrativas escritas nas ex-colônias inglesas (Índia, Caribe, África), no sentido de que nem a estória
sendo narrada nem o sistema epistemológico que as articula corresponde ao universo associado com as
culturas de língua inglesa.

Nesse sentido, o Letramento Crítico e Transcultural é de grande valia porque, pela sua ênfase em
olhar as narrativas e as práticas de letramento como sociais, situadas e múltiplas (sempre relacionando
o estético com o histórico, social e político), promove o movimento transcultural no sentido em que
fornece subsídios para evitar a fetichização do Outro, qualquer que seja a cultura de origem. Dessa ótica,
a metáfora literária estrangeira satura-se de novos significados na cultura de chegada.

Saiba mais

Leia mais sobre o termo “fetiche” no livro:

WILLIAMS, R. Palavras-chave: um vocabulário de cultura e sociedade.


Tradução de Sandra Guardini Vasconcelos. São Paulo: Boitempo, 2007.

O reconhecimento do significado como resultado de um processo de construção contingente e


cultural e historicamente situado, e não como um valor fixo e fechado, muda a maneira de se relacionar
com as narrativas literárias, privilegiando as perguntas “Quem fala?”, “Para quem fala?”, “Qual a
epistemologia por trás da narrativa?”, “Qual a relação de poder entre esse texto literário e a minha
cultura?”, “De que maneira essas leituras mudam minha perspectiva da minha cultura?” Por sua vez,
como veremos, essas perguntas nos levam à ideia da ação social que pode ser promovida pela literatura.

Esse processo de criação de significados revela que o objetivo do Letramento Crítico Transcultural é
fazer os alunos cientes de que nas aulas de literaturas, mais do que uma transmissão de conhecimentos de
narrativas consagradas, há uma constante criação de significados e que esse processo está diretamente

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Ensino de Literaturas de Língua Inglesa

relacionado com a historicidade da subjetividade do indivíduo leitor: os leitores vão investir essas
narrativas com significados segundo sua conjuntura histórica e cultural. Dessa maneira, estabelece-se
um vínculo relacional entre narrador-texto-leitor em que o indivíduo leitor torna-se um novo narrador.

1.4 Os cânones literários e o currículo escolar

1.4.1 O cânone transcultural: ensinar por meio do conflito

A leitura das narrativas literárias de uma perspectiva Crítica e Transcultural leva a uma dessacralização
e democratização dos cânones literários. Em primeiro lugar, a leitura dos textos literários como processo
de construção de significados e o conceito de narrativa como uma prática situada e relacional desafiam
o conceito de cânone, como estável e fechado, ao mostrar que as leituras não são o resultado de valores
fixos contidos nas narrativas, que vão se manter intactos independentemente do lugar ou do tempo em
que sejam lidas ou estudadas.

Como vimos, as leituras dos textos literários (e de qualquer texto em geral) são produtos do contexto
cultural e do momento histórico em que são realizadas, tanto dentro como fora dos bordes da nação.
Um exemplo já clássico é a maneira como a obra de William Shakespeare tem sido apreciada por seus
contemporâneos, por gerações posteriores na Grã-Bretanha, nas suas colônias, no resto do mundo,
dependendo de se a literatura inglesa era considerada como uma literatura nacional ou uma literatura
estrangeira, de civilização ou de emancipação.

Ao mesmo tempo, o conceito de cânone está intimamente ligado ao conceito do “literário”. A literatura,
como é conhecida hoje na língua inglesa, apareceu no século XIX com os poetas românticos. Eles limitaram
a categoria de literatura aos textos da imaginação para os diferenciar das narrativas utilitárias da sociedade
industrial e a nova realidade da sociedade burguesa (Eagleton, 1983). Nesse sentido, a literatura era mais
do que escapismo: tornou-se um dos âmbitos a partir do qual se lutava contra o materialismo crescente da
época, revelando o valor contingente da literatura, associado com interesses sociais e políticos.

Assim, os românticos colocaram a literatura no centro da cultura, considerando a imaginação como


o elemento que lhes permitia articular o que eles entendiam como verdades absolutas. O Romantismo
resultou na criação de cânones (a partir da divisão entre narrativas consideradas como canônicas ou não
canônicas), que tinham como objetivo o estabelecimento de uma língua e cultura, baseado na crença de
que esses cânones continham o espírito de uma nação ou povo (Scholes, 1995), neste caso da nação
inglesa. Por sua vez, os chamados críticos consagrados, guardiões dessa tradição canônica, organizaram
as narrativas do cânone nacional em disciplinas nas escolas, para repassar os valores transmitidos por
elas como estáveis e absolutos.

Observação

O termo “cânone” vem do discurso religioso e refere-se aos textos


sagrados. Por extensão, quando os textos literários são definidos como
canônicos, isso significa que eles têm sido “consagrados” pela crítica.
43
Unidade I

Então, a tendência a canonizar ou apocrifar (Scholes, 1995) se deve a uma maneira de pensamento
totalizante e homogeneizante que considera os valores de determinado grupo social como absolutos e
universais e desconhece outras maneiras de pensar e ideologias. Essa concepção de mundo é refletida
tanto nos textos escolhidos como nos métodos de leitura. Quando as disciplinas se constituem, elas
institucionalizam e regulam não só a entrada de certos discursos ao cânone, mas também a maneira
como serão lidas e interpretadas, criando um outro cânone de interpretações permitidas.

Se, como falamos anteriormente, hoje as diferentes comunidades do mundo estão intimamente
interligadas e seus valores em contraponto uns com os outros, o currículo literário precisa representar
essa diversidade e conflito cultural. Em particular, porque a consideração de questões relacionadas com
etnicidade, identidade sexual e classe faz com que outras comunidades tenham se tornado visíveis e suas
narrativas, antes silenciadas, agora sejam articuladas. Essas novas identidades querem ter autonomia
dentro da comunidade e, por isso, apresentam-se como metáforas alternativas que modificam o cânone
oficial ou formam novos cânones literários. Elas contestam o valor de universalidade atribuído às
narrativas do cânone oficial, como também a ideia de que, pelo fato de serem de culturas consideradas
marginalizadas ou menos desenvolvidas, as suas narrativas não têm valor literário.

Nesse processo de democratização do cânone podem suscitar três problemas. O primeiro, que uma
lista de narrativas (ao final, é o que todo cânone é) seja substituída por uma nova lista contendo outras
narrativas, embora mais abrangente ou multicultural, que se torne um novo cânone. O segundo, que o
fato de acrescentar alguns nomes ao cânone, para dar um efeito de multiculturalidade, seja uma maneira
mascarada de contribuir para os que favorecem um cânone homogêneo e unicultural. O terceiro, que
esses novos cânones reproduzam esse conceito de literatura como essencialista e fixo.

Para escapar desse dilema, mais do que considerar quantas narrativas entram no cânone ou
ignorar as narrativas canônicas, o importante é desmistificar o cânone e considerar a maneira como
as narrativas são lidas para que seja verdadeiramente crítica e transcultural e não um simples gesto
politicamente correto. A ideia não é ler os textos a partir de uma perspectiva de condescendência ou
benevolência que tenta harmonizar as diferentes narrativas e perspectivas culturais. O que é preciso,
como vimos, é fornecer aos alunos ferramentas que lhes possibilitem fazer uma leitura crítica das
representações discriminatórias que se fazem do Outro diferente e estão inscritas não somente no
discurso literário, mas em todo os tipos de narrativas que nos rodeiam: filmes, músicas, vídeos, jornais,
programas de TV etc.

Uma das respostas para esse dilema é oferecida por Graff (1993), para quem o que é preciso ensinar
é, justamente, o conflito existente entre as narrativas das diferentes comunidades, focando-se em temas
como agência, gênero, identidade, etnicidade etc.

O autor aponta que, nas últimas décadas, o currículo da disciplina Literatura Norte-americana tem
se tornado uma área central de conflito cultural porque é um microcosmo do confronto das diferentes
culturas e valores que formam a nação. Isso porque, com a democratização da cultura, grupos antes
excluídos – mulheres, afro-americanos, homossexuais, diferentes grupos de imigrantes – entraram na
academia. Entendemos que esse conceito se aplica a outras tradições literárias em inglês, como a Inglesa,
a Canadense, a Australiana etc. que têm se tornado culturas marcadamente multiculturais. Para Graff
44
Ensino de Literaturas de Língua Inglesa

(1993, p.108): “O contraste é fundamental para o processo de leitura e interpretação, porque nenhum
tema, ideia ou texto é uma ilha. Para se tornar inteligível em si mesmo, precisa ser abordado em relação
a outros temas, ideias e textos”.

De acordo com o autor, a melhor maneira de lidar com esse conflito é, em vez de apagá-lo ou
estabelecer uma falsa harmonia, fazê-lo parte de nosso objeto de estudo e ensiná-lo. No caso da aula
de literaturas estrangeiras, como vimos, implica questionar o valor do literário, pela problematização dos
conceitos de estética, narrativa e leitura. Isso nos leva a rever os Nossos valores e os valores do Outro.

Souza (2009) problematiza o conceito de conflito (e a relação que pode se estabelecer por meio dele)
ao apontar que a confrontação violenta pode ser evitada se ambos os lados fizerem uma leitura crítica
da sua posição, tentando entender suas diferenças. O autor cita Freire (2005), para quem é necessário
desaprender noções de senso comum, segundo as quais os significados de uma comunidade não são
questionados nem contestados e, ao contrário, adotar uma maneira de pensar rigorosa baseada em
aprender a escutar o Outro. Segundo Freire, não se aprende a falar falando, mas se aprende a falar
escutando.

Souza (2009) acrescenta que esse processo de leitura crítica, segundo Freire, implica aprender a ler
não somente os textos que estamos lendo, mas a maneira com que lemos esses textos. É esse processo
que vai nos tornar cientes da relação entre a palavra e o mundo.

As leituras dos possíveis textos, aponta Souza (2009), podem ser múltiplas e variadas e precisam ser
validadas dentro da comunidade. Por um lado, essa validade é condição sine qua non para a narrativa
fazer sentido. Por outro, essa validade não é necessariamente reconhecida como tal, quando a narrativa
é interpretada em uma outra comunidade. Isso não significa que as verdades não existem, mas que
os fundamentos nos quais se baseiam são contingentes: historicamente variáveis e dependentes do
contexto em que são articuladas. Isso nos leva à autorreflexão e a perceber que nossos fundamentos
e crenças são resultado da nossa comunidade. Conclui Souza (2009) que, se os valores são, então,
contingentes, a maneira de lidar com o conflito, como a diferença do Outro, é escutando e percebendo
que Nossa história e valores, como dos Outros, existem e são válidos, mas cada um no contexto de sua
coletividade sócio-histórica.

Na prática, o ensino por meio do conflito se concretiza na justaposição de diferentes narrativas


que problematizam os valores de uns e outros, canônicas e não canônicas, mostrando o local em que
são constituídas: assim, o cânone abre as portas para as novas narrativas ao mesmo tempo em que é
problematizado. A título de exemplo, Graff (1994, p. 108) explica que uma maneira de ajudar os alunos a
problematizar o conceito de “universalidade” é ensinar um romance como Heart of Darkness, de Joseph
Conrad, sobre a colonização europeia da África em contraponto com Things Fall Apart, do escritor
nigeriano Chinua Achebe.

Esse processo de ensino de literatura crítica e transcultural pode se concretizar pelas duas metáforas
propostas por Damrosch (2009). A primeira seria pelas fronteiras do tempo e a segunda pelas fronteiras
dos diferentes contextos culturais. Em ambos os casos implica colocar lado a lado narrativas que
pertencem a diferentes contextos de produção.
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Unidade I

Ensinar narrativas literárias separadas pelo tempo implica colocar em contraponto narrativas
desenvolvidas em diferentes contingências históricas e, por isso, produto de diferentes ideologias e
concepções culturais. Para se aproximar delas é preciso reconstruir o seu contexto de produção cultural,
linguística e literária sempre cientes da maneira como elas são apreendidas no momento presente.

Essa leitura em contraponto, através do tempo, pode ser realizada entre textos de diferentes culturas
ou da mesma cultura. Damrosch (2009) acrescenta que, ainda dentro de uma tradição nacional, lemos
narrativas de outros períodos. Tal o caso da literatura inglesa, quando lemos Chaucer ou os romancistas
do século XIX, por exemplo. Damrosch (2009, p. 24) cita L. P. Hartley, que aponta que “o passado é um
país estrangeiro; as coisas se fazem de maneira diferente lá”. Nessa leitura, aponta o autor, precisamos
nos manter em um ponto de equilíbrio entre o passado e o presente: nem apagar as particularidades do
passado, ao assimilar com o presente, nem o considerar como um exemplo de antiquarianismo isolado
e dissociado do presente. Uma maneira de visualizar essa relação temporal é observar os traços das
narrativas de outros períodos nas narrativas contemporâneas.

No que diz respeito à leitura das narrativas por meio de diferentes contextos culturais, implica nos
familiarizarmos com epistemologias e concepções de literatura e crenças distantes da nossa que se
tornam canais para nos familiarizarmos com outras comunidades e culturas, tanto dentro como fora das
fronteiras da nação. Essa leitura tem como objetivo problematizar a relação hierárquica entre diferentes
tradições culturais e literárias, como as diferentes literaturas nacionais articuladas em língua inglesa.

Em ambos os casos (de leituras através do tempo e do espaço) pode-se estabelecer um contraponto
entre as narrativas por meio de uma metáfora em comum, articuladas em um terceiro texto que nos
permita apreciar diferenças culturais, ideológicas e literárias de maneira relacional que nem banalize,
nem apague a diferença, mas que destaque o conflito entre as narrativas (classe, etnicidade, identidade
sexual) mediado pela distância temporal e cultural. Essa leitura intertextual torna-se, assim, uma zona
de contato ou de engajamento entre diferentes perspectivas culturais.

Por sua vez, essas estratégias de leitura nos levam a dessacralizar e democratizar as narrativas
consideradas como clássicas. Graff (1993, p. 50) aponta que a melhor maneira de “matar os clássicos”,
que, muitas vezes, são apresentados aos alunos como distantes e impossíveis de abordar, é colocando-os
em um pedestal. Pelo contrário, uma maneira de aproximá-los dos alunos é os ensinando em contraponto
com outras narrativas, consideradas como não canônicas.

Johnston (2003, p. 46) cita Toni Morrison (1989), que diz que a construção do cânone é equivalente
à construção do império; defender o cânone implica defender a nação, enquanto o debate do
cânone implica um confronto entre culturas. Para que esse confronto não se traduza em diferenças
intransponíveis, mas em um processo de significação, ele precisa ser negociado constantemente. Se
assumirmos que as culturas e as identidades são heterogêneas e não são fixas, mas estão em um processo
de transformação constante, o que se ensina na sala de aula não são estereótipos culturais com os quais
os alunos precisam se familiarizar, mas as complexidades das diferentes culturas, que, por sua vez, vão
mudar mais uma vez ao entrar em contato com a nossa. Essa negociação é a maneira de lidar com a
diferença de forma relacional mais do que oposicional, como já temos apontado.

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Ensino de Literaturas de Língua Inglesa

Por sua vez, esse processo de “democratização” do cânone implica uma descolonização do conceito
de “imaginação” como sendo único e universal, e sua reconsideração como sendo social, múltiplo e
situado: a “imaginação” leva o cunho da cultura em que é desenvolvida e implica a criação de diferentes
sistemas epistemológicos, neste caso, estéticos. Quando é entendida como “cultural”, a imaginação nos
revela, como apontam Lankshear e Knobel (1997), que o Outro se relaciona com o mundo da mesma
maneira que nós o fazemos: por lealdades, crenças, valores, conceitos e práticas que são cultural e
historicamente contingentes, embora impregnados de significações diferentes.

Esse desafio à imaginação é o resultado das novas relações interculturais, da heterogeneidade


social e a descontinuidade cultural que grupos feministas, pós-coloniais, da chamada “black literature”,
literatura gay etc., têm enfatizado com o fim de problematizar a história oficial, uma outra denominação
para o cânone. Por sua vez, todas essas tradições se manifestam não só pela palavra escrita, mas por
outros tipos de narrativas, como o cinema, a televisão etc.

A relação entre todas essas narrativas, a maneira como umas modificam as outras implicam os
seguintes questionamentos: a estória de quem é narrada ou silenciada? Que histórias devem ser
lembradas ou esquecidas? O que se compreende como normal ou anormal, justo ou injusto etc.?

Então, para o Letramento Crítico e Transnacional, o que está por detrás desse enfoque do cânone é
que, mais do que colocar ou tirar nomes, o que interessa é entender, primeiro, que as narrativas literárias
são construções culturais que promovem determinadas visões de mundo e, por isso, precisam de uma
leitura crítica. Porém, essa maneira de se relacionar é sempre complexa, contingente e múltipla.

Resumo

Os conceitos principais discutidos foram: o que significa Letramento


Crítico e Letramento Transcultural e a sua importância para o ensino das
literaturas estrangeiras de língua inglesa. A historiografia da disciplina
Literaturas de Língua Inglesa desde suas origens como literatura inglesa.

Vimos também o conceito de narrativa partir de uma ótica


epistemológica, no sentido de que as narrativas contêm os valores de
uma comunidade e de comunicação, porque é por meio das nossas
narrativas que nos comunicamos com outras culturas. Estudamos
o conceito de leitura como um processo de criação significados
que transforma o aluno em agente, que em vez de repetir leituras
consagradas, cria as próprias.

Por fim, o conceito de cânone literário considera que o que interessa


não é somente quais narrativas ler, mas como as ler, dando espaço,
assim, a narrativas não canônicas, ao passo que são renovadas as
leituras do cânone.

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