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Sobre o conceito de literatura

O objetivo desta aula é lançar uma das perguntas mais fundamentais para a
teoria que norteará esta disciplina: o que é Literatura? Essa, aliás, é uma reflexão
fundamental para o campo dos estudos literários e não há como chegar à
literatura infantil sem, antes, compreendê-la. A opção, neste resumo, é trabalhar
com a visão do teórico inglês Terry Eagleton, um dos principais nomes atuantes
nessa linha de pesquisa.
Para ele, muitas têm sido as tentativas de definir literatura. É possível, por
exemplo, defini-la como escrita “imaginativa”, no sentido de ficção- escrita esta
que não é totalmente verídica. Mas se refletirmos, ainda que brevemente, sobre
aquilo que comumente se considera literatura, veremos que tal definição não
procede. Segundo Eagleton, talvez a literatura seja definível não pelo fato de ser
ficcional ou “imaginativa”, mas porque emprega a linguagem de forma peculiar.
Segundo essa teoria, a literatura é a escrita que, nas palavras do crítico russo
Roman Jakobson- um dos denominados formalistas russos-, representa uma
violência organizada contra a fala comum. A literatura transforma e intensifica a
linguagem comum, afastando-se sistematicamente da fala cotidiana. Em sua
essência, esse formalismo russo foi a aplicação da linguística ao estudo da
literatura.
Após traçar uma série de reflexões sobre os debates acerca desse conceito,
o teórico inglês chega ao cerne do debate que mais nos interessa aqui. Ele
propõe que a estrutura de valores, em grande parte oculta, que informa e enfatiza
nossas afirmações fatuais, é parte do que entendemos por “ideologia”- por
ideologia, entende-se a maneira pela qual aquilo que dizemos e no que
acreditamos se relaciona com as estruturas de poder e com as relações de poder
da sociedade em que vivemos. Daí chegamos à literatura. Se não é possível vê-
la como uma categoria objetiva, descritiva, também não é possível dizer que ela é
apenas aquilo que queremos chamar de literatura. Com isso em mente, fica claro
o porquê da necessidade de lançarmos um olhar para outros escritos, vindo para
além do que o cânone tem a oferecer. De todo modo, partamos deste ponto: a
Literatura é uma forma de expressão artística das tensões existenciais do ser
humano de uma determinada época.
Algumas funções da literatura
É difícil pensar na Literatura como em algo meramente utilitário, que atende a um
propósito específico. No entanto, é Umberto Eco o responsável por identificar
algumas dessas funções mais importantes do fazer literário, a partir de uma
pergunta lançada por ele próprio: para que serve esse bem imaterial que é a
literatura? Por função, devemos entender o papel que a arte literária desempenha
nas sociedades. Segundo o autor, antes de tudo, ela serve para manter a língua
como um patrimônio coletivo. A língua vai para onde quer, mas é sensível às
sugestões literárias. Sem Dante, não haveria italiano unificado. Sem Shakespeare
ou Camões, o inglês e o português, certamente, não teriam explorado toda a sua
potência. A literatura, contribuindo para formar a língua, cria a identidade da
comunidade.
Portanto, com base nessa reflexão inicial proposta por Eco, é possível pensar
a literatura a partir de algumas funções, sendo elas:

 Estímulo ao conhecimento de mundo.


 
 Transmissão de experiências.
 
 Convite à reflexão crítica.
 
 Denúncia de realidades sociais.
 
 Construção de uma identidade nacional.

Catarse

Indo ao encontro dos principais conceitos envolvendo a teoria da literatura,


é preciso pensar em um processo pensado por Aristóteles que estabelece e
sistematiza, possivelmente, a relação mais importante de todas: a da literatura
com o leitor. Afinal, todas funções listadas anteriormente só parecem ter sentido
se pensadas a partir das operações que estabelecem com o público. A catarse,
na visão aristotélica, é a relação de identificação e projeção do leitor com o texto
com o qual está em contato. Segundo o pensador, é um processo por meio do
qual as pessoas podem liberar as suas tensões existenciais, na medida em que a
arte pode contribuir para a liberação desses sentimentos tensionados e/ou
reprimidos.
 

Mímesis ou Mimese

Indo ao encontro de um outro conceito fundamental para o pensamento de


Aristóteles, na Poética, deve-se trabalhar a noção de Mímesis ou Mimese, que
surge justamente a partir do impasse mencionado anteriormente envolvendo as
dificuldades de definição de literatura e de como estabelecer suas pontes com o
Real. É um erro pensar que a arte, em qualquer uma de suas expressões, é o
Real. Basta pensar na obra A traição das imagens, obra de 1929 do belga René
Magritte. No entanto, ao mesmo tempo, ambos têm, sim, uma ligação de
mutualismo muito particular; seus espaços constroem e são construídos uns
pelos outros simultaneamente. Pense, por exemplo, na palavra imitação. Não se
pode afirmar, claro, diferentemente do que diz o ditado popular, que a Arte imita a
vida. O termo mais adequado seria reproduz, tal qual um espelho, que recria uma
imagem. Diante dessa visão, portanto, pode-se afirmar que, de fato, a literatura
plasma, estrutura e modela o real em seus engenhos ficcionais. Esses mesmos
universos, com os quais entramos em contato por meio do ato de ler, trazem
inúmeros impactos, conforme vimos, para a nossa vida cotidiana.
Esse conceito vai ser de extrema importância para trabalharmos futuramente a
relação das histórias infantis
com o processo de formação das crianças e dos adolescentes.
 

Atividade extra
Nome da atividade: Assistir à entrevista da professora doutora Eliana Yunes,
coordenadora da cátedra
UNESCO de leitura, ao programa Sem Censura (TV Brasil).
Link para assistir à atividade: https://www.youtube.com/watch?v=l7a643BPHzE
 

Referência Bibliográfica
ARISTÓTELES. Poética; trad., pref., introd., e notas de Eudoro de Souza.
Brasília, Imprensa Nacional/ Casa da
Moeda, 1992.
EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo, Martins
Fontes, 1977.
ECO, Umberto. Sobre a literatura. Trad. De Eliana Aguiar. Rio de Janeiro,
Record, 2003.

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