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CAPÍTULO I

ABORDAGEM POÉTICA
O que é literatura comédia, a poesia ditirâmbica, a maior parte da aulética e da citarística,
Flaviano Maciel Vieira consideradas em geral, todas se enquadram nas artes de imitação”
Veremos aqui o que disseram e o que dizem alguns grandes (ARISTÓTELES, 1969, p. 289).
estudiosos sobre o que vem a ser literatura. Quais os principais teóricos? Esta primeira tentativa de conceituação da arte da palavra, por parte
Quais são suas teorias mais representativas? O que disseram de de Aristóteles, dizendo que esta arte é de imitação, já coloca questões
significativo e importante? O que torna um texto literário? Quais os relativas à relação do real e do ficcional na composição da obra literária.
procedimentos estéticos? Enfim, como se apresenta a oposição entre O que acontece com o real nesta imitação? Ele é exatamente
texto literário e não-literário? Antes de apresentar respostas para estas demonstrado ou esta imitação nada mais é do que uma transfiguração do
perguntas, faz-se necessário deixar claro algumas questões básicas. real?
Primeiramente, vejamos o seguinte: podemos dizer literatura No desenvolvimento do livro, apresentam-se conceitos referentes
médica, literatura filosófica ou literatura jurídica, como sendo um ao estudo da poesia como imitação de ações, e também ao estudo da
conjunto de escritos referentes a uma determinada área do tragédia e sua comparação com a epopeia. Parte também importante
conhecimento, mas o termo literatura que nos serve (aos amantes, dele é o capítulo quarto, onde Aristóteles faz um levantamento histórico
estudantes e professores de Letras) diz respeito à arte da palavra. da poesia desde suas origens. Sem dúvida, obra indispensável para
Como se dá esta arte, qual é sua matéria, que relações estabelece aqueles que querem estudar literatura.
com o mundo real e como se organiza são questões que nos conduzirão O que o pensador grego faz é mostrar a arte da imitação como aquela
no decorrer destes escritos. A pergunta central é: o que é e do que é feita arte que imita ações, paixões e caracteres por meio de palavras. Ele nos
a boa literatura? ensina que a imitação é um ato da natureza humana e os homens sentem
Em segundo lugar, é bom deixar claro que serão apresentadas prazer neste ato criativo de imitar. Ou seja, para ele é uma arte como
conceituações e não definições prontas e acabadas sobre o que seja recriação.
literatura. Afinal, estamos nos referindo a um objeto artístico, daí a Passou-se o tempo e esta arte da palavra foi ganhando novos
dificuldade/impossibilidade de definição. contornos e conceituações. Terry Eagleton, em seu livro Teoria da
Em terceiro lugar, e finalmente, o objetivo maior deste texto é Literatura: uma introdução, nos dá um panorama de algumas das mais
apresentar ao aluno um olhar abrangente (não único, mas apenas um representativas teorias literárias que surgiram.
olhar) sobre a teoria literária. Neste sentido, serão apresentados alguns Para o autor “a literatura emprega a linguagem de forma particular
dos principais conceitos teóricos sobre o assunto. E ao longo do texto (...). A tessitura, o ritmo e a ressonância das palavras superam o seu
serão feitas referências a livros importantes e imprescindíveis para a significado abstrato. Existe uma desconformidade entre os significantes e
formação de um professor de língua e literatura. os significados” (EAGLETON, 2001, p. 02- 03).
Como será um olhar mais geral sobre os conceitos, não temos aqui a Eagleton inicia este giro geral sobre as teorias que se estabeleceram
pretensão de ir fundo em seus assuntos. Conceituações serão sobre a literatura com os Formalistas Russos, mostrando o florescimento
apresentadas para que se tenha um conhecimento geral das teorias e dos de suas ideias durante a década de 20 do século passado. Diz o autor que
teóricos, mas sem perder o essencial de cada um destes conceitos. Cabe a a literatura para os formalistas não era uma pseudo-religião, sociologia,
cada aluno desenvolver seus estudos lendo na íntegra os livros ou psicologia, mas uma forma particular de se lidar com a linguagem.
seus conhecimentos literários. Encarar a literatura com olhares sociológicos, psicológicos ou mesmo
estritamente históricos, não era válido nem fazia parte de suas discussões.
Teorias Essencialmente, os formalistas aplicaram estudos da linguística aos
Comecemos por um conceito apresentado por Aristóteles, um dos estudos da literatura. Assim, puderam mostrar que a forma não era
maiores filósofos da Grécia antiga. Do século IV até nossos dias é expressão do conteúdo, mas sim o conteúdo era a “motivação” da forma,
inegável a enorme influência que seus estudos exercem sobre o mundo nada mais que um pretexto para um tipo específico de realização formal.
Ocidental. Em sua Poética (texto que dá início ao conjunto de estudos que Segundo o autor, os formalistas
temos hoje sobre questões de teoria literária), no primeiro capítulo, rejeitavam as doutrinas simbolistas, quase místicas que haviam influenciado a crítica
literária até então e, imbuídos de um espírito prático e científico, transferiram a atenção
intitulado “Da poesia e da imitação segundo os meios, o objeto e o modo
para a realidade material do texto literário em si (EAGLETON, 2001, p. 03).
de imitação”, ele nos diz que “a epopeia e a poesia trágica, assim como a
Um texto literário, para este grupo de estudiosos, apresentava uma tentativa de aplicar os ensinamentos e métodos de Ferdinand de Saussure
linguagem que se desviava da norma. Mas para que se pudesse à literatura.
identificar um desvio, seria necessário identificar a norma da qual se Segundo Eagleton:
desviava. A literatura, desta forma, deforma a linguagem comum, o que A escola Linguística de Praga – Jakobson, Jan Mukarovski, Feliz Vodika e outros,
representou uma espécie de transição do formalismo para o estruturalismo moderno.
causa um efeito de “estranhamento”.
Esses teóricos desenvolveram as ideias dos formalistas, mas
Para os Formalistas, não existia uma essência da literatura. Seus sistematizaram-nas com maior firmeza dentro do quadro da linguística Saussuriana.
objetivos não eram definir literatura. Seu foco de estudos era como a (EAGLETON, 2001, p. 136)
linguagem se desautomatizava, como ela perdia seu estado e função Com a obra destes estudiosos, a palavra estruturalismo, segundo
naturais e como ganhava este novo caráter literário. Classificar um objeto Eagleton, aproximou-se de uma fusão com a palavra semiótica. Vejamos,
como literatura, para eles, era muito instável. A preocupação dos então, as ideias de seu fundador C. S. Pierce.
Formalistas Russos era com a “literaturidade”. Com a Semiótica de Pierce (estudo sistemático dos signos), temos os
Eagleton ainda percorre teorias como a Fenomenologia (a ciência signos divididos em três tipos básicos: o signo icônico: ocorre quando o
dos fenômenos puros), que, segundo o autor, influenciou os Formalistas signo se assemelha ao que representa (o retrato de uma pessoa, por
no campo da crítica literária, na medida em que também separava entre exemplo); o signo indéxico: ocorre quando o signo associa-se de alguma
parentes o objeto real. Para estes estudos, um fenômeno poderia ser forma àquilo que é indicação (fumaça com fogo, etc.); e o signo simbólico:
compreendido de maneira total e pura através do que nele há de ocorre quando o signo está de forma arbitrária ou convencional ligado ao
essencial e imutável. seu referente.
Em seguida, apresenta a Hermenêutica (a ciência ou arte da Além disso, Pierce distingue conotação e denotação, paradigma e
interpretação). Mostra como ela vê a história como um “diálogo vivo sintagma, e trata de metalinguagens, signos polissêmicos entre outras
entre o passado, presente e futuro, e busca pacientemente eliminar questões. Este olhar teórico mostra que a obra literária, de forma
obstáculos a essa interminável comunicação mútua”. Diz ainda que “a contínua, transforma o sentido dicionarizado enriquecendo-lhe, fazendo
hermenêutica tende a se concentrar nas obras do passado; as perguntas com que novas significações sejam produzidas através do choque e da
teóricas que ela faz surgem principalmente desta perspectiva” condensação de seus vários níveis.
(EAGLETON, 2001, p. 101). Após um levantamento geral de algumas teorias literárias, sigamos
Além destas, o autor ainda percorre questões sobre a Teoria da agora apresentando teóricos e críticos que muito influenciaram e ainda
Recepção, teoria que vê a obra como cheia de “indeterminações”, influenciam nos estudos de literatura. Estes teóricos são citados aqui pelo
características que, para terem efeito, dependem da interpretação do grau de importância de suas obras. Comecemos com um dos mais
leitor. Diz Eagleton que importantes estudiosos da linguagem e da literatura (linguagem
Diferentes leitores têm a liberdade de concretizar a obra de diferentes maneiras, e não há literária), Roman Jakobson (2007).
uma única interpretação correta que esgote o seu potencial semântico. Essa generosidade,
porém, é condicionada por uma instrução rigorosa: o leitor deve construir o texto de
Diz ele que a literatura “é uma violência organizada contra a fala
modo a torná-lo internamente coerente. (EAGLETON, 2001, p. 111) comum”. A violência aqui é devido à falta, por parte da literatura, da
Como podemos observar, são muitos os estudos existentes sobre a objetividade e intencionalidade comunicativa do uso das palavras que
literatura e sua essência. Além dos já apresentados, temos ainda o ocorrem na fala comum. A palavra poética não comunica ou informa
Estruturalismo, que se ocupa do exame das leis gerais pelas quais as principalmente, como a palavra da fala comum, o seu uso e combinação,
estruturas funcionam. Diz Eagleton que pelo contrário, faz gerar diversos sentidos numa obra. Logo, a palavra
só nos tornamos estruturalistas convictos quando pretendemos que o significado de poética serve a uma estrutura polissêmica. Ou seja, é trabalhada
cada imagem só exista em relação a outras imagens. As imagens não têm um significado apuradamente na busca de sentidos múltiplos.
substancial, apenas um significado relacional (EAGLETON, 2001, p. 130).
De acordo com Eagleton,
Este sistema objetivo de ver a obra em seus elementos relacionais, A influência de Jakobson pode ser percebida em toda parte no Formalismo, no
sem juízos subjetivos de valor, era o foco dos estruturalistas. Supriram, estruturalismo tcheco e na linguística moderna. Ele contribui particularmente
assim, a necessidade que se tinha de uma disciplina acadêmica rígida. “As para poética por ele considerada parte do campo da linguística, formulando a
noção de que a linguagem poética consistia acima de tudo de uma certa relação
unidades individuais de qualquer sistema só tem significado em virtude
autoconsciente da linguagem para consigo mesma (EAGLETON, 2001, p. 135).
de suas relações mútuas” (id. ibid.). Diz Eagleton que o florescimento do
Fator importante na obra de Jakobson são suas teorias da
estruturalismo literário, na década de 1960, foi resultado de uma
comunicação e das funções da linguagem. Nestes estudos, ele mostra que
toda comunicação apresenta basicamente seis elementos: emissor, outros. Logo, o mais importante seriam os modos como a sociedade se
receptor, mensagem, canal, código e referente. Assim, em todo ato apodera dos temas para transformá-los em elementos de sistemas
comunicativo há uma intenção que atinge predominantemente um significantes.
destes elementos, podendo ser definida sua determinada função. Podem Leyla Perrone-Moisés (2009), na apresentação deste livro, nos
ser elas: emotiva (o emissor em destaque); referencial (a informação lembra que o estudioso francês parte do princípio de que tudo seja
contextual em destaque); apelativa (o receptor em destaque); fática (o linguagem, concentrando-se, assim, na elaboração de uma ciência tendo
canal em destaque); metalinguística (o código em destaque) e poética – esta como base o estruturalismo linguístico.
que nos interessa particularmente (a própria mensagem em destaque, Diz Barthes: “a literatura ‘mais verdadeira’ é aquela que se sabe a
através de sua elaboração singular). mais irreal, na medida em que ela se sabe essencialmente linguagem, é
A poética, para Jakobson, preocupa-se com o que faz de uma aquela procura de um estado intermediário entre as coisas e as palavras”
mensagem verbal uma obra de arte. Ou seja, suas pesquisas dizem (BARTHES, 2005, p. 79).
respeito aos problemas da estrutura verbal da obra. Apresenta, para isso, Outro grande estudo sobre o assunto está no livro Que é a literatura?,
dois critérios linguísticos da função poética: critério de seleção e de publicado em 1948, por Jean-Paul Sartre. Ele reflete sobre a natureza e
combinação das palavras. A seleção é feita em base de equivalência, função da literatura, respondendo a três perguntas básicas: o que é
semelhança e dessemelhança, sinonímia e antonímia; já a combinação é escrever?; por que escrever? E para quem escrever? Sartre nos diz que escrever
feita com base na construção da sequência, se baseia na contiguidade. é um ato de desnudamento, e que aquele que escreve tem a consciência
Vejamos as palavras de Jakobson: “a função poética projeta o princípio de de revelar as coisas, os acontecimentos e solicita um pacto com o leitor,
equivalência do eixo de seleção sobre o eixo de combinação” que ele colabore em transformar sua realidade, o mundo.
( JAKOBSON, 2007, p. 136). A Literatura para Sartre seria a tentativa do escritor de criar uma
A poeticidade, para ele, não acrescenta ao discurso ornamentos realidade que pudesse ser exibida no mundo real, modificando, assim, as
retóricos, mas, sim, apresenta uma total reavaliação do discurso e de estruturas da sociedade. Para o teórico aquele que escreve pode até não
todos os seus componentes, sejam eles quais forem. Neste sentido, na levar em conta um determinado tipo de leitor, mas certo tipo de leitor já
poesia, qualquer elemento verbal passa a ser uma figura do discurso vem implícito no momento da escrita, funcionando, segundo Eagleton,
poético. como uma estrutura interna do texto.
A poesia para Roman Jakobson é um tipo de linguagem. Sendo Vejamos outro teórico literário russo, Mikhail Bakhtin, que, segundo
assim ela deve ser inclusa pelo linguísta em seus estudos. Este não pode Eagleton, é “a mais coerente crítica do formalismo russo” (EAGLETON,
deixar fora de suas pesquisas a função poética da linguagem e um 2001, p. 160). Para este teórico, o signo devia ser considerado como um
especialista da literatura não pode deixar de lado em seus estudos os elemento ativo da fala, transformado a partir de sua modificação de
problemas linguísticos referentes à composição da obra. significados, decorrente de variados contextos e variadas condições
Enfim, para ele a função poética surge quando o eixo de sociais específicas.
similaridade se projeta no eixo de contiguidade. Quando o paradigma se Diz Eagleton que:
projeta sobre o sintagma. Outro grande estudioso da literatura foi Roland Não se tratava simplesmente de perguntar “o que significava o signo”, mas de
investigar sua diversificada história, na medida em que os grupos sociais , classes,
Barthes, professor e crítico francês que muito influenciou e ainda
indivíduos e discursos conflitantes tentavam apropriar-se dele e impregná-lo de seus
influencia os estudos literários. Em seu livro Aula, ele nos mostra próprios significados. (EAGLETON, 2001, p. 160)
algumas definições sobre o que seja a literatura: “trapaça salutar”, Na teoria de Bakhtin a linguagem é vista como um elemento
“deslocamento sobre a língua”, “encena a linguagem em vez de utilizá-la” ideológico: os signos são a própria matéria geradora e veiculadora da
( jogo teatral das palavras); e usa também “função utópica” (BARTHES, ideologia. Ou seja, sem eles não existem valores ou ideias. Diz acordo
2005). Terry Eagleton:
Já no livro Crítica e Verdade, ensina- nos que a linguagem literária Bakhtin respeitava o que se poderia chamar de “autonomia relativa” da linguagem,
nunca aponta o mundo, aponta a si mesma. Logo a obra literária não é o fato de ela não poder ser reduzida a um simples reflexo de interesses sociais; insistia,
uma mensagem, “é fim em si própria”. Para Barthes, a literatura não se porém, em que não havia linguagem que não estivesse envolvida em relações sociais
definidas e que essas relações sociais eram, por sua vez, parte de sistemas políticos,
trata de sentido, mas de processo de produção de sentido, isto é, ideológicos e econômicos mais amplos (EAGLETON, 2001, p. 161).
processo de “significação”. Segundo ele, formas e conteúdos não são o Enfim, segundo a teoria de Bakhtin a linguagem é um meio material
mais importante numa obra literária, mas o processo que vai de uns aos
de produção que gera significado através de um processo de conflito estrutura da obra e a essência de suas ideias, fornecendo, assim, fatores
social e de diálogo. Dando continuidade a esse panorama sobre questões para determinar a sua validade e seu efeito sobre os leitores. No entanto,
de literatura, veremos que aqui no Brasil temos Antonio Candido, os elementos de ordem social são filtrados em meio a uma concepção
professor e crítico de literatura dos mais influentes e que muito estética e trazidos ao nível da fatura, metáfora esta usada para falar do
acrescentou aos estudos literários do país. Vejamos algumas de suas entendimento da singularidade e autonomia da obra.
principais ideias neste campo da literatura. Enfim, após percorrer alguns de suas principais ideias sobre
Em seu livro Literatura e Sociedade levanta questões referentes à literatura, fiquemos com as palavras de Candido que nos orientam sobre
relação entre a obra e o seu condicionamento social. Esta relação, como recorrer no trato de um objeto literário:
segundo ele, não deve ser exagerada para não se errar na interpretação. O primeiro passo (que apesar de lógico deve ser assinalado) é ter a consciência
da relação arbitrária e deformante que o trabalho artístico estabelece com a
Ou seja, numa análise não se pode desfigurar a obra.
realidade, mesmo quando pretende observá-la e transpô-la rigorosamente, pois
Diz ele que “só a podemos entender [a obra] fundindo texto e a mimese é sempre uma forma de poiese (CANDIDO, 2010, p.12).
contexto numa interpretação dialeticamente íntegra” (CANDIDO, 2010, Vejamos a seguir alguns outros conceitos de literatura apresentados
p. 13). Para Candido o externo (o social) importa como um elemento que por alguns estudiosos e esperamos que lhes sirvam para seus estudos
tem certo papel na composição da estrutura da obra, tornando-se assim literários. Décio Pignatari nos ensina que “O poeta não trabalha com o
um elemento interno de sua constituição. signo, o poeta trabalha o signo verbal” (PIGNATARI, 2005, p. 10). Já Jean
Segundo o autor, antes o aspecto social era visto como essência Cohen no diz que “A frase poética é objetivamente falsa, mas
realizadora da obra. Depois se tomou posição oposta em que a subjetivamente verdadeira” (COHEN, 1966, p. 171). Com Iuri Tinianov
importância passou a ser dada ao material formal, independente de temos que “A forma de uma obra literária deve ser entendida como uma
qualquer contexto, sobretudo social, considerado inoperante como entidade dinâmica” (TINIANOV, 1983, p. 452).
elemento de construção. Como pudemos perceber, desde Aristóteles até nossos dias, são
Vejamos suas palavras: muitos os conceitos e estudiosos com suas teorias. Temos, aliás, aqui no
Hoje sabemos que a integridade da obra não permite adotar nenhuma dessas visões
dissociadas (...). Tanto o velho ponto de vista que explicava fatores externos, quanto o
Brasil, importantes teóricos e críticos da linguagem literária, como Décio
outro, norteado pela convicção de que a estrutura é virtualmente independente, se Pignatari, Haroldo de campos, Augusto de Campos, Alfredo Bosi,
combinam como elementos necessários do processo interpretativo. (CANDIDO, 2010, p. Roberto Schwarz e Otto Maria Carpeaux, por exemplo.
13-14) Enfim, o objetivo destes escritos foi apresentar alguns dos muitos
Observemos que a literatura para Candido é uma criação estética caminhos que a literatura vem percorrendo, além dos muitos teóricos
que se vale de aspectos do social para sua composição. Estes elementos que a representaram e ainda representam. São esses, e outros mais, os
do social integrados à obra, entretanto, não devem ser encarados como conceitos com os quais devemos nos familiarizar para nossa formação
os mesmos de antes, da realidade histórico social que foi tirada, mas, sim, como professores. Independente das teorias acima expostas, diferentes
reencarados como elementos que atuam na organização interna da obra, em suas abordagens, podemos dizer que todas elas trazem traços
de maneira a constituir-lhe uma estrutura peculiar. teóricos comuns. Em todas elas é a palavra e seu uso que faz a diferença.
Para Antonio Candido, a estética da estrutura deve assimilar a Não qualquer uso, mas um uso novo, singularizado, um uso literário das
dimensão social como fator de arte. Assim, “o externo se torna interno e palavras.
a crítica deixa de ser sociológica, para ser apenas crítica” (CANDIDO, A literatura em todas elas é vista como uma manifestação de arte, e
2010, p. 17). Desta forma, ensina-nos o mestre brasileiro, a crítica literária a palavra é seu material. É a linguagem que lhe dá vida. Mas não
supera o sociologismo crítico (tendência equivocada que procura tudo qualquer linguagem, mas, sim, uma elaborada ao ponto de ser geradora
explicar por meio dos fatores sociais), e não supera a orientação de sentidos. Enfim, a forma como explora as possibilidades verbais em
sociológica, sempre possível e legítima segundo o autor. Nesta busca do seus vários níveis é seu traço essencial.
que seja o elemento literário, diz ele que: [...]
Uma crítica que se queira integral deixará de ser unilateralmente sociológica,
psicológica ou linguística, para utilizar livremente os elementos capazes de
conduzirem a uma interpretação coerente. (...) Mas nada impede que cada
crítico ressalte o elemento de sua preferência, desde de que o utilize como
componente da estrutura da obra. (CANDIDO, 2010, p. 17)
Candido nos diz que o elemento social é levantado para explicar a
CAPÍTULO II traz uma seleção de artigos de Barthes sobre crítica e literatura), Leyla
ANÁLISE DE POEMAS Perrone-Moisés diz que “a abertura de Barthes à contemporaneidade,
O método analítico do poema sua permanente disponibilidade para o novo, são as qualidades que seus
Flaviano Maciel Vieira detratores veem como defeitos” (PERRONE-MOISÉS, 2009, p. 08).
“A literatura é um sistema de signos, um código Um dos pontos-chave de sua obra é a afirmação de que a linguagem
(...). constrói-se com a ajuda de uma estrutura, ou seja, de uma língua; é pois literária é autônoma. Escrever para Barthes é um “verbo intransitivo”.
um sistema significativo de segundo grau, por outras palavras, um sistema Segundo sua ótica, a obra literária não é mensagem. É fim em si própria.
conotativo.” Além disso, ele faz a distinção básica entre sentido e significação. Diz ele:
(Tzvetan Todorov) “entendo por sentido o conteúdo (o significado) de um sistema
A crítica literária significante, e por significação o processo sistemático que une um sentido
A partir da transcrição acima, que nos diz que a literatura é um e uma forma, um significante e um significado” (BARTHES, 2009, p. 09).
sistema conotativo, podemos observar que caminhos deve tomar e qual Para Barthes, a literatura não é simplesmente sentido, mas, sim,
a função da crítica literária. Se esta função realmente existe, ela deve ser processo de produção de sentidos, isto é, de significação. As perguntas
voltada principalmente para os elementos presentes numa obra que norteadoras de seus estudos são: como a obra chega a significar e qual o
podem ser interpretados de acordo com o código literário. processo. Como se pode observar, temos, numa análise como esta, um
Iuri Tynianov, integrante do célebre grupo dos formalistas russos olhar crítico aguçado e voltado para atos concretos de significação com
demonstra que: os quais os signos se apresentam.
A unidade da obra não é um todo simétrico e fechado, mas sim uma integridade Ensina-nos ele que o ato da crítica é um ato de metalinguagem.
dinâmica, com um desenvolvimento próprio, entre seus elementos se coloca não o signo
Num dos ensaios de Crítica e Verdade, intitulado “Literatura e
estático da audição e da igualdade, mas sempre o signo dinâmico da correlação e da
Metalinguagem”, Barthes estabelece uma distinção entre linguagem-objeto
integração. (TINIANOV, 1983, p. 452)
e metalinguagem. A linguagem-objeto seria a própria matéria que é
Diz ainda que:
O princípio construtivo é reconhecido não nas condições máximas em que é submetida à investigação lógica; e a metalinguagem seria uma linguagem
previsto, mas sim nas mínimas, pois evidentemente estas condições mínimas se ligam mais forçosamente artificial, chamando a atenção para o fato de que a
estreitamente a uma dada construção, e, portanto, nelas devemos procurar as respostas metalinguagem é uma linguagem que fala da linguagem. Um código
relativas ao caráter específico da construção. (TINIANOV, 1983, p. 458). trabalhando outro código.
O que nos diz este grande estudioso da linguagem e da literatura? Os estudos de Barthes tentam deixar claro que o importante numa
Parece claro que, se existe um certo sistema significativo, correlacional e análise literária não é “nem as formas, nem os conteúdos, mas o
dinâmico na obra literária, o crítico deve utilizar sua linguagem em processo que vai de uns aos outros” (BARTHES, 2009, p. 69). O crítico,
torno destes traços correlacionais para melhor se aproximar da natureza neste sentido, deve basear-se na adaptação de sua linguagem
artística da obra. metalinguística para com a linguagem-objeto analisada, geradora de
Parafraseando Fernando Pessoa quando diz que a literatura é a sentidos. Procedendo assim, o crítico cria leituras coerentes a partir das
confissão de que a vida não basta, podemos dizer que a crítica é a possibilidades formais características de um objeto literário.
confissão de que a literatura não basta. O que acontece é que o crítico É por causa deste papel reflexivo-atuante sobre a obra literária que o
literário é aquele que expõe uma leitura da obra, decifrando signos os crítico, para Barthes, é um escritor. Sobre esta fala da fala, ato básico da
quais segue atentamente. Deve, também, saber fazer um determinado crítica, vejamos o que ele nos diz: “esta é uma pretensão de ser, não de
recorte para empreender suas leituras. Uma boa crítica depende, entre valor; o crítico não pede que lhe concedam uma “visão” ou um “estilo”,
outras coisas, de um embasamento válido e consistente para as análises mas somente que lhe reconheçam o direito a uma certa fala, que é a fala
que serão feitas. O leque de abordagens críticas que se tem traz leituras indireta” (BARTHES, 2009, p. 69).
de base marxista, psicanalítica, fenomenológica, estilística, estruturalista, A atividade crítica para ele deve contar com duas espécies de
semiológica, psicanalítica e outras mais. relações: a relação da linguagem crítica com a linguagem do autor
Vejamos a seguir ideias de Roland Barthes, crítico literário francês, observado, e a relação desta linguagem objeto com o mundo. Relação, diz
que assume, aliás, todas as bases críticas citadas acima alternadamente ou o autor, com a devida justeza. O crítico, neste sentido, é um “comentador”
ao mesmo tempo. Esta alternância de abordagens faz parte de seu da obra, já que reconduz uma matéria (transmissor) e redistribui seus
método abrangente. Na apresentação do livro Crítica e Verdade (livro que elementos para lhe dar uma certa inteligência (operador).
Importante dizer é que Barthes foi um dos responsáveis pela Nova O método analítico desenvolvido por Pound é por ele chamado de
Crítica, aquela que foi de encontro às análises que não tinham como método ideogrâmico. Esta abordagem visa encarar o poema como uma
objeto principal de observação a estrutura significativa da obra. Nada de estrutura condensada que gera diversas configurações, cada uma delas
divagações filosóficas, psicológicas, sociológicas ou quaisquer outras que representadas por significações particulares e parciais que, quando
fugiam ao concreto formal do objeto literário. Foi ele um dos mais unidas, geram um sentido que apresenta unidade significativa. Gera-se
importantes responsáveis por esta guinada da crítica literária. Ainda no um sentido outro que é propriamente literário.
livro Crítica e Verdade, ele firma que: Este sentido captado através do método ideogrâmico poundiano é o
Enquanto a crítica tradicional teve por função julgar, ela só podia ser resultado de uma correlação de traços estruturais que são percebidos na
conformista, isto é, conforme aos interesses dos juízes. Entretanto a verdadeira
obra pelo crítico numa análise atenta e minuciosa. Permite um acesso
crítica das instituições e das linguagens não consistia em julgá-las, mas em distingui-las,
em separá-las e duplicá-las. Para ser subversiva, a crítica não precisa julgar, basta falar da válido ao objeto. Ocorre que num ideograma, dois ou mais blocos de
linguagem, ao invés de a usar. (BARTHES, 2009, p. 190) ideias interrelacionam-se simultaneamente, criticando-se
A visão que um aluno, ou mesmo um professor de Letras, deve ter reciprocamente. Daí a natureza de muitas ideias em poucas formas, que
sobre a crítica é aquela onde a literatura é encarada como um certo tipo geram sentidos quando unidas, relacionadas.
de linguagem, uma linguagem incomum, com organização própria, Para Pound, literatura realmente grande é aquela que apresenta
simbólica, significativa, geradora de sentidos, ou seja, uma obra aberta, uma linguagem carregada de significado em seu máximo grau. Diz ainda
como nos diz Umberto Eco. que “literatura é novidade que permanece novidade” (2006, p. 33). Na
Como podemos observar, o crítico literário é aquele que sabe análise ideogrâmica desta linguagem singular, diz ele, não importa por
“conectar” a obra, sabe demonstrar as operações linguísticas que geram onde começar o exame crítico, desde que se volte coerente e
suas significações polissêmicas. Se o poeta tem consciência da linguagem recorrentemente às camadas para se atingir a unidade da obra, ou seja,
literária, o crítico tem consciência da linguagem literária e da linguagem que se volte novamente ao ponto de partida.
metalinguística que pode captar tal linguagem literária. Importante destacar também na obra de Pound, em seu livro ABC
Enfim, para Barthes, o crítico é aquele que escreve (cria) sobre uma da Literatura, é sua divisão de três modalidades de poesia: 1) Melopeia: as
escrita (criação). A linguagem crítica é uma linguagem segunda, aquela palavras estão repletas de uma propriedade musical (som, ritmo) que
que capta o caráter literário de uma determinada linguagem. É segunda orienta seu significado; 2) Fanopeia: poesia repleta de imagens sobre a
porque é criação de uma criação. imaginação visual; e 3) Logopeia: “a dança do intelecto entre as palavras”,
Após um levantamento importante das ideias de Barthes, (domínio específico das manifestações verbais).
necessárias para melhor entendermos o caráter metalinguístico e criador Vejamos algumas categorias de crítica vistas como válidas por
da crítica, vejamos agora o que nos diz um dos mais importantes e Pound: 1) crítica pela discussão; 2) crítica via tradução; 3) crítica pelo exercício
discutidos poetas do século XX, o também crítico literário Ezra Pound. no estilo de uma época; 4) crítica via música e crítica via poesia. Enfim, diz
No texto Como ler, de 1928, esclarece-nos que a primeira coisa a se Pound que os melhores críticos contribuem efetivamente para dar mais
cobrar de um crítico é sua noção do que é bom, do que ele considera qualidade às obras que analisam. Portanto, um crítico não deve ser
como um escrito de sólida qualidade literária. Assim, para Pound, o considerado pela excelência de seus argumentos, mas pela alta qualidade
crítico saberá onde se pisa. de suas escolhas.
Saber onde se pisa para Pound é ter consciência da linguagem
literária. Crítica literária para ele não envolvia questões relacionadas ao
poeta, mas sim ao poema. É o poema que deve ser focado, são sua
estrutura e composição que devem ser analisadas, em sua condensação e
polissemia. Diz ele que identificamos o mau crítico quando ele começa a
discutir o poeta em vez do poema.
O olhar dos biologistas para ele era o mais adequado para se estudar
literatura. O que deveria acontecer numa crítica, assim como fazem os
biólogos, é um exame direto e cuidadoso da matéria, comparando-a
com outras estruturas, outras matérias. É a análise precisa do que é, do
que está lá, da forma que informa.

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