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Descrição
Propósito
Estudar uma modalidade literária é fundamental para os estudos em Literatura, pois viabiliza o seu
reconhecimento em determinadas categorias e permite, na análise de um texto, visualizar sua construção
dentro de certos paradigmas.
Preparação
Antes de iniciar os seus estudos, pesquise o termo “gêneros literários” no e-dicionário de termos literários.
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27/02/2023, 11:50 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico
Objetivos
Módulo 1
Módulo 2
Módulo 3
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Introdução
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Embora muito antiga, e remonte aos clássicos, a teoria dos gêneros literários não encontrou ainda
consenso. Há quem diga que seu conhecimento é fundamental para os estudos literários, como existem
também seus detratores, pregando o fim das classificações em virtude da liberdade literária, defendendo
ora a posição do autor, ora a do texto ou ainda privilegiando a interpretação do leitor.
Sendo a teoria dos gêneros um debate ainda não resolvido, isso se estende a suas modalidades, e o
fantástico não foge a essa regra. Logo, seu enquadramento tem levantado questões acerca de seu
reconhecimento como gênero ou modo literários.
O que segue é um recorte teórico e crítico de alguns estudos que giram em torno do conceito de fantástico
e seus desdobramentos históricos e críticos.
Bons estudos!
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Com isso, podemos relacionar o gênero a outros sentidos, como o de geração, e não apenas ao
classificatório. É a partir do sentido de geração que conseguimos entender a historicidade presente nos
textos literários.
Nosso cânone e principal referência do que mais tarde se tornaria a primeira teoria dos gêneros é
Aristóteles (384-322 a.C.) e sua obra intitulada Poética. Nessa obra, ao subdividir a poesia em espécies, o
discípulo de Platão cria categorias que hoje entendemos como a origem dos gêneros literários.
Partindo do conceito de mimesis, a arte de imitar a natureza, de criar a partir da verossimilhança; Aristóteles
diferencia as artes miméticas através dos meios, objetos ou modos de imitar, separando-as em três
categorias básicas:
Anatol Rosenfeld (1985) defende a tese de que pouca coisa se alterou na teoria dos gêneros desde a
Poética. Com base nos gêneros tripartidos aristotélicos, o autor aponta para a existência de um significado
substantivo e um significado adjetivo para essas classificações.
Exemplo
Percebemos a possibilidade de, em uma obra épica, encontrar fortes traços líricos entre outras diversas
combinações. “Não há poema lírico que não apresente ao menos traços narrativos ligeiros e dificilmente se
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encontrará uma peça em que não haja alguns momentos épicos e líricos.” (ROSENFELD, 1985, p. 18)
Pensando na evolução histórica da teoria dos gêneros, após Aristóteles, dois momentos foram
significativos para a crítica literária:
Primeiro
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Segundo
Angélica Soares, em Gêneros Literários (2004), aponta para o movimento pré-romântico alemão o Sturm und
Drang como o instante em que a teoria dos gêneros encontra obstáculos ao tempo que ganha força.
O Sturm und Drang traz como premissa a ideia de gênio e a defesa da espontaneidade de criação. Com isso,
a tarefa de conciliar teoria dos gêneros e autonomia do escritor tornou-se um embaraço, sendo
prontamente acolhida pelo filósofo Friedrich Schlegel. Sem excluir o gênio criador, Schlegel elabora uma
nova teoria de gêneros baseada na estruturação das obras românticas.
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No final do século XIX, a teoria dos gêneros ficou em vias de extinção com Brunetière que, influenciado
pelas ideias evolucionistas de Darwin, afirmou que o gênero, após nascer e se desenvolver, estaria fadado à
morte. Contudo, é o estatuto de cultura e historicidade que resguarda o gênero da finitude. Nessa direção
também interessa o estudo de Lukács, que expõe a transformação temporal da epopeia em romance,
demonstrando a modificação dos gêneros ao longo da história, como podemos conferir no trecho a seguir:
Epopeia e romance (...) não diferem pelas intenções configuradoras, mas pelos
dados histórico-filosóficos com que se deparam para a configuração. O
romance é a epopeia de uma era para a qual a totalidade extensiva da vida não
é mais dada de modo evidente, para a qual a imanência do sentido à vida
tornou-se problemática, mas que ainda assim tem por intenção a totalidade.
No excerto acima, fica evidente a dificuldade de se pensar o gênero na modernidade, visto o caráter
fragmentado da época. Distante da tradição e do mundo compartilhado, as formas modernas dão conta e
refletem o dilaceramento do sujeito.
Para alguns autores, o gênero ou modalidade fantástica germina neste solo. Tzvetan Todorov vai além e faz
o corte temporal limitando o gênero fantástico à expressividade de uma época estranha, e,
consequentemente, exclui autores como Edgar Allan Poe e Kafka. Para Ceserani, esta é uma atitude seletiva
e purista do crítico, que reduz “o campo de ação do fantástico e o identifica somente com um gênero
literário historicamente limitado a alguns textos e escritores do século XIX e prefere falar de “literatura
fantástica do romantismo europeu” (CESERANI, 2006, p. 8)
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Linguística saussuriana
Ferdinand de Saussure (1857-1913) foi um linguista suíço, considerado o pai da linguística moderna.
Deste modo, pensar o gênero literário pela lógica estruturalista significa buscar
algo de comum entre os fenômenos da linguagem literária que possa sugerir uma
regra.
Mas existiria um nível de generalidade a limitar os tipos de gêneros? Para Todorov, há diferentes níveis de
generalidade e seu conteúdo dependerá da perspectiva adotada. (TODOROV, 2017, p.9)
Uma das oposições à teoria dos gêneros se direciona justamente ao que esta procura de universal nas
obras. Em defesa da particularidade, do valor aplicado à originalidade, critica teorias que se voltam para que
há de ordinário nelas. Esse discurso marca uma posição de defesa da singularidade, na qual cada obra
literária deva ser estudada como tal.
Contudo, em As estruturas narrativas (2006), Todorov diz que o estabelecimento de modelos se dá com fins
aplicativos, e além de elucidar a natureza e as características do fenômeno literário, serve, inclusive, para
verificar o que há de específico, afinal, tudo o que não está no molde é o que há de original em determinada
obra particular.
Comentário
Todorov defende as estruturas e categorias literárias da crítica de engessamento, ao lembrar da flexibilidade
destas frente às mudanças inevitáveis. Para ele, “o modelo ideal é aquele que tenha algumas traves
mestras, mas ofereça ao mesmo tempo certa flexibilidade, para poder variar no momento da aplicação e ser
capaz de revelar tanto o repetido quanto o novo.” (TODOROV, 2006, p. 10)
Benedetto Croce, em Estética como Ciência da Expressão e Linguística Geral (1969), refletindo um
pensamento de base liberalista, rejeitava com veemência a noção de gênero justamente por seu caráter
generalista. Criticava o fato de o leitor/crítico preocupar-se com a estrutura em detrimento de seu objetivo
maior, o sentido impresso no texto. Entretanto, ignorar o que há de modelar seria ignorar a própria
linguagem, dirá Todorov.
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Georg Lukács, importante crítico literário, sai em defesa da forma literária, afirmando que ali situa-se o
verdadeiramente social. “Toda a forma é a resolução de uma dissonância fundamental da existência, um
mundo onde o contrassenso parece reconduzido a seu lugar correto, como portador, como condição
necessária do sentido” (LUKÁCS, 2000, p. 61)
Por tudo isso, é possível concluir que, para a teoria dos gêneros, é de grande importância estudar a obra
levando em conta sua historicidade como parte portadora de sentido, uma vez que é, ao mesmo tempo,
modelada e produtora da realidade na qual se inscreve.
Por muito tempo, o fantástico foi deixado de lado pelos estudos literários e sua conceitualização limitada e
dissonante, promovendo muitos equívocos e debates nessa seara, perpetuados ainda hoje.
Devido à sua base estruturalista, para dar conta de tudo aquilo que extrapola o fantástico, gêneros vizinhos,
o estranho e o maravilhoso, foram concebidos.
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No ensaio A narrativa fantástica, Todorov apresenta um elemento que se torna fundamental em toda sua
conceitualização, a hesitação.
Comentário
Para o autor, o fantástico perdura somente no tempo da incerteza. Esta hesitação se trata de uma
ambiguidade narrativa diante de situações regidas por leis desconhecidas da nossa realidade. Optando o
herói ou o leitor por uma explicação natural ou sobrenatural, ou seja, desfazendo a dúvida, sai-se do campo
do fantástico.
Hesitar no fantástico é estar na organização natural, sem a expectativa de acontecimentos insólitos, e ser
surpreendido por situações que coloquem tanto personagem quanto leitor diante do inexplicável. Ali, o leitor
e o herói hesitam em aceitar ou negar o que veem. Esta incerteza é a condição primordial para instituir o
gênero. Veja o exemplo dado por Todorov:
Para além da hesitação, Todorov determina mais três condições para o estabelecimento do fantástico:
A primeira condição é a avaliação dos acontecimentos pelo leitor através de seu mundo para decidir
se tal fenômeno é natural ou sobrenatural.
A segunda, Todorov nomeou de jogo de espelhos, no qual a hesitação acontece por uma projeção do
leitor, ou seja, a incerteza do leitor se torna também a do personagem.
Na terceira, o leitor deve rechaçar tanto a explicação do insólito por uma elucidação natural, como o
advento de um sonho, por exemplo, quanto à sua absorção, o que deslizaria para o maravilhoso, ou
seja, “tanto a interpretação alegórica como a interpretação poética” (TODOROV, 2006, p. 39) devem
ser recusadas.
Ainda que o crítico coloque a segunda condição como expletiva, a primeira e a terceira são fundamentais
para o estabelecimento de fantástico.
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A social
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A literária do sobrenatural
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A função do próprio fantástico.
Segundo Cailois (apud CESERANI, 2006), “o fantástico é, assim, ruptura da ordem reconhecida, irrupção do
inadmissível dentro da inalterável legalidade cotidiana, e não substituição total de um universo real por um
exclusivamente fantasioso.” (CAILOIS apud CESERANI, 2006, p. 47)
Tanto a função social quanto a literária do sobrenatural servem para barrar uma censura. Na primeira,
rompe-se com as leis institucionalizadas e particulares dos autores, ou seja, pelo sobrenatural é possível
driblar a censura de temas proibidos, como o incesto, a necrofilia, a sensualidade excessiva, nos diz
Todorov.
Como função literária, a transgressão ocorre no seio da própria narrativa, para isso o maravilhoso precisa:
“trazer uma modificação da situação precedente, romper o equilíbrio (ou o desequilíbrio).” (TODOROV, 2006,
p. 160)
Por fim, Todorov faz uma breve discussão sobre a função do próprio fantástico, que está presa à reação
provocada por ele.
Atenção!
Também como transgressão, funciona como reação à consciência positivista da época, é afinal uma
transgressão da linguagem pela própria linguagem, pois explica o que o cientificismo não dá conta, o
subjetivo.
Neste ponto, vemos a clara influência do estruturalismo, que confere ao significante a autonomia que as
coisas perderam.
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Contrária à definição de Todorov, a francesa Irène Bessière escreve o ensaio O relato fantástico: forma mista
de caso e adivinha (1974). Nele, questiona o fato de Todorov ter reduzido o fantástico a um traço não
específico, ao da hesitação. Para ela, o fantástico não está inserido em uma categoria ou gênero, “mas
supõe uma lógica narrativa que é tanto formal quanto temática e que, surpreendente ou arbitrária para o
leitor, reflete, sob o jogo aparente da invenção pura, as metamorfoses culturais da razão e do imaginário
coletivo.” (BESSIÈRE, 2012, p. 2)
Não sendo idealizado como resultado, mas como a própria causa, em um jogo entre a realidade e
desrealização. O seu domínio do que é natural ou não, é determinado culturalmente.
Diferente de Todorov que defendia a tese do fantástico ser datado e localizado, para Bessière, ele vai estar
presente em diferentes épocas e culturas e refletirá esses marcos. Logo, a modalidade fantástica
“pressupõe uma percepção essencialmente relativa das convicções e das ideologias do tempo, postas em
obra pelo autor.” (BESSIÈRE, 2012, p. 3)
Diante de uma realidade problemática, o fantástico não se resume ao oposto do mundo natural, pois tudo o
que é exibido provém deste mundo. Portanto, não é a inverossimilhança que o define, e sim, as
contraditórias verossimilhanças.
Outro ponto em que Bessière se mostra contrária a Todorov é no que diz respeito à resolução do fantástico.
Para Todorov, o fantástico se desfaz no momento em que se decide pela via do natural ou do sobrenatural,
pois ele só dura o tempo da dúvida. Já a autora francesa, tomando como exemplo uma ficção de Jorge Luis
Borges (1899-1986), fala de uma impossibilidade de solução, ou ainda, da existência de todas as soluções.
Atenção!
De forma resumida, o que Bessière critica é a limitação provocada pela definição do fantástico como
gênero, sustentando que, abraçado pelo modo, o fantástico abarca uma maior diversidade de obras cujo
principal objetivo é promover a incerteza.
Ceserani, em O fantástico (2006), faz referência ao ensaio de Bessière, dizendo que sua análise é
fortemente influenciada pela definição de Jolles a respeito do fantástico, concebendo esta modalidade
narrativa como “contra-forma” ou, de forma mais precisa, como “modo”.
Para além da contingência histórica, Remo Ceserani promove um estudo em que sistematiza o relato
fantástico a partir do que nomeou “Procedimentos formais e sistemas temáticos do fantástico”. Os
procedimentos formais seriam de ordem narrativa e retórica, e alguns exemplos são:
Figuratividade.
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Quanto aos sistemas temáticos, Ceserani exemplifica com os temas mórbidos, de amores improváveis e do
vazio.
Em 1937, três amigos, Borges, Bioy Casares e Ocampo discutem os melhores e mais importantes textos de
literatura fantástica da história, e desta conversa, três anos mais tarde, sai a primeira publicação de
Antologia da Literatura Fantástica (1940). No prólogo, Bioy Casares afirma que, como gênero, a literatura
fantástica, com regras bem definidas, teria surgido no século XIX e na língua inglesa. Contudo, não acredita
existir somente um tipo de conto fantástico, mas vários, logo para dar conta de um estilo ficcional que, nas
suas palavras, é anterior às letras, é preciso averiguar as regras gerais como também as especiais para
cada um.
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O fantástico: gênero ou modo?
No vídeo, a especialista discutirá o conceito de fantástico a partir de duas perspectivas teórico-literárias:
gênero e modo.
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Todorov tornou-se referência para os estudos do gênero fantástico. Esse fato se deu pela publicação
do célebre ensaio A narrativa fantástica, e depois pela obra Introdução à literatura fantástica. Para o
crítico búlgaro, há um elemento crucial para que a narrativa fantástica se estabeleça. Marque qual das
alternativas representa esse elemento:
A Temáticas fúnebres.
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B Ser hermético.
C Amor romântico.
D Hesitação.
E Narrador onisciente.
Questão 2
O fantástico como gênero foi questionado por diversos autores. Pode-se dizer que um dos principais
ataques à teoria de Todorov se deu por conta
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Segundo alguns críticos a Todorov, a limitação do fantástico a algumas obras europeias, e devido ao
corte histórico, dos séculos XVIII e XIX, fez com que expressivos autores da modalidade fantástica
ficassem de fora, tais como Edgar Allan Poe e Franz Kafka.
realidade conhecida.
Para entender a razão da inserção de eventos perturbadores é preciso compreender o contexto histórico do
qual emerge o fantástico.
Para o crítico búlgaro, o aparecimento de narrativas com conteúdo sobrenatural, que traz como temas o
grotesco, o sombrio, tabus e interdições, é o positivismo. Quando a ciência derruba os ícones e resta
apenas a realidade, o resultado é o desamparo.
O indivíduo burguês se vê submerso numa realidade e subjetividade nascidas a fórceps e a sua linguagem,
arbitrária, concreta, científica e empírica não preenche o vazio transcendente. A representação literária da
realidade não se mostra suficiente para dar conta das angústias do sujeito burguês europeu.
Para Todorov, não é coincidência que neste cenário surjam as narrativas fantásticas, pois é este o gênero
que desponta da necessidade de tapar um buraco deixado pela morte do mundo transcendental provocado
pelo mundo moderno.
Comentário
Todorov, contudo, atenta para um detalhe importante, o de não pensar o fantástico como simples oposição
ao naturalismo, ou seja, à representação fiel da realidade. Ele reside, na verdade, na ambiguidade fantástica,
onde, através do recurso linguístico, a hesitação ocorre dentro do sentido.
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Para ilustrar, Todorov nos serve com o exemplo de Aurélia de Nerval, que, para ele, teria como tema principal
a linguagem. Observe as seguintes passagens:
Parecia-me que entrava numa moradia conhecida... Uma velha criada que eu
chamava de Marguerite e que me parecia conhecer desde a infância me
disse... E eu tinha a impressão de que a alma de meu antepassado estava
naquele pássaro... Acreditei cair num abismo que atravessava o globo. Sentia-
me levado sem sofrimento por uma correnteza de metal fundido... Tive a
sensação de que essas correntezas eram compostas de almas vivas, em
estado molecular... Tornava-se claro para mim que os antepassados tomavam
a forma de certos animais para nos visitar na terra...
Pelos grifos, podemos notar de que modo o autor trabalha a linguagem a fim de criar uma atmosfera de
ambiguidade. O uso das locuções e do tempo imperfeito mantém a narrativa em dois mundos e a sua
retirada nos jogaria para o mundo do maravilhoso, como veremos adiante
Outro mecanismo efetivo é o de manter a própria loucura à prova, como nos mostra o exemplo a seguir:
Ora, se na remoção das locuções entramos em terreno maravilhoso, ao aceitarmos a tese da loucura,
entraremos, pois, no gênero estranho. Daí a sutileza e habilidade do autor ao trabalhar a linguagem a serviço
de manter leitor e personagem na ambiguidade, sustentando assim a hesitação, portanto, dentro do que
Todorov nomeou como gênero fantástico puro.
A partir dos exemplos acima, vimos, então, que há um limite para o gênero fantástico, e extrapolá-los seria
adentrar em gêneros vizinhos.
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Atenção!
Optar pela absorção do sobrenatural na verdade narrativa ou pela explicação realista que desfaça o
acontecimento insólito, seria sair do fantástico e entrar nos gêneros maravilhoso e estranho
respectivamente. “‘Cheguei quase a acreditar’: eis a fórmula que resume o fantástico. A fé absoluta como a
incredulidade total nos leva para fora do fantástico; é a hesitação que lhe dá vida.” (TODOROV, 2017, p. 36)
Para ilustrar de que modo se estabelecem os limites do fantástico, segue o seguinte diagrama:
Para Todorov, o fantástico pode desvanecer a qualquer instante, logo é um gênero evanescente. O autor o
compara ao tempo presente, que se situa no limiar entre passado e futuro, um “puro limite”.
“A comparação não é gratuita: o maravilhoso corresponde a um fenômeno desconhecido, jamais visto, por
vir: logo a um futuro; no estranho, em compensação, o inexplicável é reduzido a fatos conhecidos, a uma
experiência prévia, e daí ao passado. Quanto ao fantástico mesmo, a hesitação que o caracteriza não pode,
evidentemente, situar-se senão no presente.” (TODOROV, 2017, p. 48-49, grifo nosso)
O estranho
Filipe Furtado formulou o termo metaempírico que, a princípio, tem-se como sinônimo de sobrenatural,
elemento comumente associado ao fantástico. Entretanto, o termo se pretendia muito mais abrangente, na
medida em que personagens e ocorrências não necessariamente associados ao sobrenatural seriam
abarcados pelo conceito, desde que se revelassem alheios ao mundo empírico, ou ainda sem efetiva
realização. O vocábulo, assim, adequa-se a designar figuras, ideias, objetos, cenários ou ações passíveis de
emergir tanto do fantástico, quanto de gêneros vizinhos. Nas palavras de Furtado:
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Dentro da acepção todoroviana, o fantástico permanece apenas na fração de tempo da hesitação. Diante de
um acontecimento insólito, leitor e personagem precisam decidir se aquilo que percebem se deve ou não à
“realidade”, tal como ela existe para a opinião comum. Há, portanto, dois caminhos a seguir:
Maravilhoso
Estranho
Caso sejamos conduzidos pela lógica narrativa a uma explicação natural, entramos, pois, no campo do
gênero estranho.
Façamos um breve parêntese para compreender de que forma a escolha do foco narrativo viabiliza a
construção de um clima que favoreça a manifestação fantástica.
Analisando a função do narrador na composição da narrativa fantástica, Filipe Furtado aponta para uma
figura em geral homodiegética. Ou seja, o narrador faz parte da história, ou altera o curso da história em
certa medida, sendo um personagem secundário (testemunha). Isso se deve ao ônus advindo da escolha
pelo protagonismo do narrador, porque ao optar por uma saída racional, o resultado da derrota para o
sobrenatural é quase sempre a sua morte, loucura ou uma metamorfose monstruosa. Daí a preponderância
do narrador como testemunha, que se resume a testemunhar e a contar os acontecimentos insólitos
atravessados pelo protagonista. (FURTADO, 1980, p. 111)
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Exemplo
Todorov dá como exemplo a obra de Cazotte, O diabo apaixonado (1772), em que, os sonhos de Alphonse
são justificados pelo uso de entorpecentes. Logo, seja pelo uso de drogas, insanidade ou ainda por um
simples sonho, o fantástico é desfeito pela racionalidade.
Contudo, Todorov revela ainda a existência de um estranho puro. Nele, os acontecimentos são todos
passíveis de explicação racional, entretanto, não deixam de ser extraordinários e impressionantes. A novela
A queda da casa de Usher, de Edgar Allan Poe, é um grande exemplo. Nela, o insólito é promovido por uma
série de coincidências que bem poderiam tomar o rumo do sobrenatural. Contudo, o narrador de Poe
intervém, revelando o que ali acontecera, como podemos ler no fragmento a seguir. O comentário é feito no
instante em que a casa assombrosamente desaba:
A novela de Poe, contudo, é classificada por Todorov como estranho puro. Para o gênero estranho, não foi
estabelecida pelo crítico uma delimitação temporal, a não ser no caso de obras ligadas ao fantástico, como
no exemplo de O diabo apaixonado. De resto, elas se perdem no campo geral da literatura: sua definição se
prende à estrutura narrativa que apresentem os elementos mencionados.
A queda da casa de Usher, logo, é definida como tal por conta da sucessão de coincidências insólitas
presentes na narrativa, como uma suposta ressureição da irmã e o desmoronamento da casa após a morte
de todos seus habitantes, o que, prontamente, é explicado racionalmente pelo narrador.
Outro elemento gerador de estranheza na novela de Poe, e que o afasta do fantástico, é o que Todorov
nomeou de “experiência dos limites”. Em “A queda da casa de Usher é o comportamento doentio do irmão e
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da irmã que desconcerta o leitor (...) O sentimento de estranheza parte, pois, dos temas evocados, os quais
se ligam a tabus mais ou menos antigos”. (TODOROV, 2017, 54-5) Ora, lembremos aqui do contexto em que
se origina o fantástico, segundo a concepção todoroviana.
Ele surge como gênero de uma época marcada pela estranheza, cujas temáticas apresentam transgressões
de interdições contemporâneas, que funcionavam como uma espécie de catarse permitida. Em Poe, além
do autor evocar temas/tabus antigos, o incômodo se dá pelo excesso e não pelo tema em si.
O maravilhoso
Se em uma ponta do diagrama de Todorov situa-se o estranho, na outra, encontramos o maravilhoso. Na
linha central, podemos ver o fantástico, entre o fantástico-estranho e o fantástico-maravilhoso, dois gêneros
limítrofes que são decididos perante a escolha de uma saída racional ou sobrenatural.
Todavia, no esquema de Todorov, temos também o maravilhoso puro. Neste caso, não há uma delimitação
ou regras que o definam, caracterizando-se, apenas, pelos eventos sobrenaturais que se apresentam
durante a narrativa.
Atenção!
Contudo, há uma premissa: nem leitor ou narrador devem reagir a eles, pois estes são verossímeis dentro
do contexto em que se inserem. São verdades narrativas a presença de seres mágicos, como fadas, a
animais falantes ou um sono de cem anos, como vemos nos contos de Perrault.
Perrault
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Charles Perrault foi um escritor francês do século XVII, autor de grande número de contos de fadas, tais como
A Bela Adormecida e Chapeuzinho Vermelho.
Logo, o que distingue o maravilhoso-fantástico do maravilhoso puro é a surpresa suscitada por eventos
sobrenaturais. Desse modo, resumindo:
Fantástico-maravilhoso
close
Maravilhoso puro
No maravilhoso puro, esse estranhamento está ausente, não há qualquer surpresa mediante a
presença do insólito.
Todorov, entretanto, chama a atenção para a necessidade de separar o maravilhoso puro de outras
narrativas em que o maravilhoso está presente, sob algumas justificativas. Chega, inclusive, a falar de um
maravilhoso imperfeito por conta das explicações que fornece, ainda que também insólitas. São eles:
Neste tipo de narrativa, não são eventos sobrenaturais que evocam o maravilhoso, mas a dimensão
excessiva (hiperbólica) daquilo que nos é natural. Por exemplo, em As mil e uma noites fala-se de
cobras tão grandes e largas, capazes de engolir um elefante.
Neste caso, o sobrenatural não é apresentado como tal, diz Todorov, ele responde às leis de lugares
supostamente desconhecidos para o leitor, logo estas leis não são passíveis de serem postas à
prova. Ainda com o exemplo de As mil e uma noites, nele, Simbad descreve o pássaro de roca, animal
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desconhecido dos manuais de zoologia, uma ave cujas patas são tão grossas quanto o troco de uma
árvore.
Aqui, Todorov percebe a presença do maravilhoso provocado pelo que chamou de aparecimento de
gadgets, ou seja, engenhocas ou aperfeiçoamentos tecnológicos inexistentes à época, mas
perfeitamente possíveis. É um passo para a narrativa de ficção científica. Uma porta secreta que
abre por comando de voz ou um tapete voador são alguns exemplos desses gadgets que dão um
toque maravilhoso à narrativa.
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Fantástico, estranho ou maravilhoso?
No vídeo, a especialista apresenta e discute as diferenças entre fantástico, estranho e maravilhoso, além de
discorrer sobre gêneros limítrofes.
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27/02/2023, 11:50 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico
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27/02/2023, 11:50 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico
O fantástico, para Todorov, acontece num período histórico marcado por uma corrente filosófica, que
defendia que a única forma de conhecimento verdadeiro é o científico. Essa doutrina era denominada:
A Classicismo
B Parnasianismo
C Idealismo
D Existencialismo
E Positivismo
A narrativa fantástica germina em solo positivista, para dar conta do vazio deixado pelo mundo
transcendente e representar as angústias do sujeito moderno cujo discurso racional e científico não
fornecem respostas.
Questão 2
Todorov estrutura um esquema com categorias que vão do maravilhoso ao estranho. No centro, em
uma fina linha, está situado o fantástico. Entretanto, podemos ver ao seu lado, como gêneros vizinhos,
o fantástico-estranho e o fantástico-maravilhoso. Este último diferencia-se do maravilhoso por um
detalhe. De acordo com as alternativas, diga qual elemento é necessário para se definir um texto como
fantástico-maravilhoso.
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27/02/2023, 11:50 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico
Não era um jogo da imaginação, mas um realismo que refletia fielmente uma
realidade até então invisível, contraditória e rica em peculiaridades e
deformações, que a tornavam inusitada e surpreendente para as categorias da
literatura tradicional.
A citação acima é de Arturo Uslar Pietri, autor venezuelano e criador do conceito “realismo mágico”. Tanto o
realismo mágico, de Pietri, quanto o real maravilhoso, de Carpentier, dizem respeito a um mesmo
movimento literário na América Latina. Distanciando-se do realismo clássico, esta escola literária busca
expandir o conceito de mimesis no intuito de abraçar as particularidades do continente americano, que até
então seguia o modelo literário europeu que, para uma realidade tão sui generis, mostrava-se insuficiente.
Comentário
Com base na mistura de povos, de nativos indígenas, colonizadores europeus e escravos africanos, é feita a
matéria da América Latina. Por tudo isso, Santeria, Popol-Vuh, santos cristãos, entre outras manifestações
religiosas e de fé, figuram no cotidiano enredado por uma atmosfera mágica.
anteria
Religião sincrética, na qual se observam influências da religião iorubá, o cristianismo e as religiões dos povos
indígenas das Américas.
Popol Vul
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Traduzido como “livro da comunidade”, é um registro da cultura maia, no qual está presente a concepção de
criação do mundo maia.
“A fé religiosa e as crendices populares que se alternam com a realidade, permitem a convivência entre os
acontecimentos reais e os sobrenaturais do texto, isto é, tornam possível a incorporação do insólito ao
cotidiano, ao banal (...)” (CAMARANI, 2007, p. 30)
O caráter paradoxal é o que mais se destaca nos dois conceitos, em que real e sobrenatural dividem o
mesmo espaço, sem provocar estranheza. Quando pegamos como referência o gênero fantástico, a
hesitação diante do insólito é a sua premissa. Quando pensamos no gênero maravilhoso, ainda que o
sobrenatural seja verossímil dentro da narrativa, percebemos a dicotomia entre natural e sobrenatural fora
dela.
Até o início do século XX, as obras latino-americanas espelhavam-se nos movimentos literários europeus.
Com realidades tão distantes, esses modelos passaram a se tornar insuficientes, resultando numa cópia da
literatura europeia com ambientação americana.
Astúrias
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Carpentier
Pietri
Eles conversavam sobre a necessidade de se ter uma literatura identitária, cujo norteamento mimético não
estivesse limitado pelo descritivismo da realidade, como se fazia no início do século XIX, ou ainda
dominado pelo realismo empírico do século XX.
Influenciados pelas vanguardas europeias, principalmente pelo movimento surrealista, a expansão do real
se inscreve para absorver especificidades latino-americanas como o ambiente exuberante, a fé, o milagre, a
santeria etc. Contudo, a narrativa mágica americana traz diferenças bem demarcadas das vanguardas no
emprego do insólito.
Dos encontros desses intelectuais, vem a constatação de que modelo algum europeu seria suficiente para
representar a diversidade “inclassificável de uma mestiçagem contraditória”, segundo palavras do próprio
Pietri. Para o venezuelano, do realismo ao modernismo do século XIX, a literatura hispano-americana não
passou de um contorno escondido sob o véu literário europeu que não permitia toda a exuberância mágica
do cotidiano latino-americano se revelar.
A respeito desta nova representação da realidade, Pietri salienta que esta não compreendia um jogo de
imaginação, mas sim o retrato fiel da realidade que até então estivera deixada de lado, e o espanto que
causara se dava em comparação à literatura tradicional. Como bem observou Leyla Perrone-Moisés:
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Realismo mágico
Como disse Gabriel Garcia Marquez (via webstories da Folha de São Paulo): "É só realismo. A realidade é
que é mágica. Não invento nada. Não há uma linha nos meus livros que não seja realidade. Não tenho
imaginação."
Pietri foi o precursor do conceito “realismo mágico”, cuja primeira menção aparece no texto Letras y
hombres de Venezuela, de 1948, em que utiliza o termo para qualificar os contos venezuelanos da década de
30 e 40.
Comumente vinculado a outros movimentos, como o real maravilhoso de Carpentier, o realismo mágico,
segundo alguns críticos, possui suas particularidades. A junção se deve ao fato de esses movimentos
serem contemporâneos, respondendo a um desejo criativo e, acima de tudo, libertário. Visava, portanto,
produzir uma literatura que funcionasse como afirmação das particularidades da realidade da América
hispânica. Para o próprio Pietri, Carpentier cunha um novo nome para um mesmo fenômeno, dirigindo sua
crítica apenas à imprecisão conceitual do uso do termo maravilhoso. Sobre o conceito “real maravilhoso”
dirá ser um bom nome, todavia, chama a atenção para o fato da magia nem sempre ter a ver com
maravilhas, sendo o elemento mágico o mais comum na realidade americana.
Para Pietri, o desejo de criar uma literatura distinta dos modelos estrangeiros nasce da percepção de uma
realidade latino-americana que difere, em diversos aspectos, da realidade europeia. Para ele, a necessidade
de desvincular o mágico americano da concepção de mágico europeu se dá, primordialmente, porque:
Mágico europeu
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Mágico americano
Ao passo que o elemento sobrenatural das narrativas fantásticas partia do imaginário, na latino-américa ele
emerge do real. Logo, o papel do autor consiste na percepção sensível desses elementos mágicos e na sua
representação literária.
Ora, se a realidade ficcional dialoga com o real, e daí desponta seu objeto; logo, do cotidiano, percebido
como mágico, emerge uma nova noção de realismo literário. Para Pietri, a literatura da América hispânica
estava transbordando de fantasias sobrepostas à realidade. Contudo, a expressão do fenômeno mágico,
para o autor, era entendida como revelação, apenas direcionada à tradição literária, pois, no dia a dia latino-
americano, a magia sempre se fez presente.
Comentário
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Um dos desdobramentos do realismo mágico é o seu entendimento, pelos autores e pelo público hispano-
americano, enquanto uma espécie de reescritura da história da América Latina, ou ainda, a sua
redescoberta. É, pois, uma escrita feita pelo olhar do colonizado, com suas manifestações da vida coletiva e
suas particularidades, o que contribui para uma nova compreensão do passado e interpretação do presente
latino-americano. Em outras palavras, uma história escovada à contrapelo.
Deste viés, é possível empreender uma leitura crítica de velhos problemas que assolam a América Latina, da
hegemonia ideológica, que resume esta parte do continente a uma eterna colônia, às questões de
desigualdade social. Daí o investimento de Pietri ao escrever o ensaio Godos, Insurgentes y Visionarios
(1986). Nele, exibe toda a sua concepção de história e cultura latino-americana, rompendo com a ideologia
do colonizador e exaltando a cultura nacional, olhando para a mestiçagem de forma positiva, onde residiria
a verdadeira riqueza cultural.
Dentro desta perspectiva, de reescritura, podemos recortar um período literário que vai das Lendas da
Guatemala (1930), de Miguel Ángel Astúrias, a Cem anos de solidão (1967), de Gabriel García Márquez.
Real maravilhoso
O conceito de “real maravilhoso” surge pela primeira vez no ensaio de Alejo Carpentier de 1948. No ano
seguinte, o autor retorna a esse texto no prólogo do seu romance intitulado O reino deste mundo, que
podemos ler como a concretização dessas ideias. No ensaio, inspirado numa viagem que Carpentier fez ao
Haiti, o autor idealiza a natureza do maravilhoso, que infere não ser privilégio daquele país, mas de toda
América.
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Para Carpentier, ele deve ser compreendido pelo viés cultural e, principalmente, percebido no contexto da fé,
pois surge na alteração da realidade, exibindo riquezas só alcançadas a partir da elevação do espírito. A
partir desta concepção, marca as diferenças entre ele e o surrealismo, como também fizera seu amigo
Pietri.
Logo, o surrealismo padeceria de ausência de fé naquilo que representava, incapazes, nas palavras de
Carpentier, de conceber uma mística válida, não passando de uma falsificação do maravilhoso.
No ensaio Lo Barroco y lo Real Maravilloso, Carpentier reafirma esse distanciamento pela seguinte sentença:
“O extraordinário não é belo forçosamente. Não é bonito nem feio; é antes de tudo surpreendente pelo
insólito.” (CARPENTIER, 1969, p. 143)
Assim, o maravilhoso se inscreve no que é incomum e está ligado diretamente à história e à cultura de um
povo, e, sobretudo, representa um mundo ainda encantado.
No romance O reino deste mundo, Carpentier deixa claro o embate entre o mundo desencantado do
colonizador e o mundo mágico dos escravos.
Como podemos ver nas duas passagens a seguir, a personagem Mackandal está a cumprir sua sentença,
morrer na fogueira. De um lado, escravos veem Mackandal metamorfosear-se em mosquito e voar,
vencendo a morte trágica, do outro, os homens brancos assistem Mackandal queimar e chocam-se com a
reação dos negros a quem julgam sem compaixão.
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“Mackandal já estava amarrado com as costas coladas ao poste de tortura. O verdugo tinha presa
uma brasa nas tenazes. Repetindo um gesto que ensaiara na véspera em frente ao espelho, o
governador desembainhou o sabre e deu ordem para que se cumprisse a sentença. O fogo começou
a subir até o maneta, chamuscando-lhe as pernas. Nesse momento, Mackandal agitou o coto, que
não tinham podido amarrar, num gesto ameaçador, que nem por minguado era menos terrível,
urrando conjuros desconhecidos e jogando o torso violentamente para a frente. As cordas caíram, e
o corpo do negro esticou-se no ar, voando sobre as cabeças, antes de mergulhar nas ondas do negro
mar de escravos. Um só grito ressoou na praça:
— Mackandal sauvé!
(...)
Naquela tarde os escravos regressaram para as fazendas rindo durante todo o trajeto. Mackandal
tinha cumprido sua promessa, permanecendo no reino deste mundo. Uma vez mais os brancos eram
batidos pelos Altos Poderes da Outra Costa. E enquanto Monsieur Lenormand de Mezy, de touca de
dormir, comentava com sua beata esposa a insensibilidade dos negros ante o suplício de um
semelhante — tirando disso certas considerações filosóficas sobre a desigualdade das raças
humanas, que pretendia desenvolver num discurso cheio de citações latinas (...)” (CARPENTIER,
1985, p. 20)
O real maravilhoso conta a história da América, que é permeada de elementos mágicos por conta da
diversidade de povos, que chegam a esse continente carregados de elementos míticos. Devido à aura
mágica, que constitui a realidade latino-americana, não podemos confundir o real maravilhoso com o
realismo descritivo ou com o fantástico europeu, até mesmo com os movimentos vanguardistas. Embora
suas contribuições sejam inegáveis, afinal, o colonizador europeu é, também, matéria constitutiva da
América, a escola literária latino-americana deve ser compreendida em seu movimento de libertação e
promoção de uma literatura identitária.
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Realismo mágico e real maravilhoso
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27/02/2023, 11:50 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico
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27/02/2023, 11:50 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico
A seguinte frase é de Gabriel García Márquez e foi proferida pelo escritor durante uma entrevista em
que falava a respeito de suas obras. Leia abaixo a declaração de García Márquez e marque a opção do
movimento literário ao qual ele se refere.
"É só realismo. A realidade é que é mágica. Não invento nada. Não há uma linha nos meus livros que
não seja realidade. Não tenho imaginação."
A Naturalismo
B Realismo
C Fantástico-maravilhoso
D Parnasianismo
E Realismo mágico
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A sentença de García Márquez resume o que foi o movimento realismo mágico, que buscava na magia
do cotidiano o verdadeiro realismo, sem fórmulas artificiais ou invenções sobrenaturais, era apenas a
representação do dia a dia de uma cultura rica em misticismos e eventos maravilhosos.
Questão 2
O realismo mágico e o real imaginário foram movimentos limitados à expressão literária. Uma de suas
intenções era a de criar uma literatura identitária, mas para isso era necessário romper com modelos
anteriores. Leia as alternativas e marque aquela que melhor corresponde a essa afirmativa.
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Considerações finais
Por meio de um breve recorte histórico, pudemos entender como os gêneros literários se constroem como
estrutura classificatória, estabelecendo as variedades literárias através de generalizações. Vimos também a
influência da historicidade nos estudos de gênero e de que forma a classificação do fantástico, neste
conceito, despertou críticas avessas a ela.
A partir das críticas à teoria do fantástico como gênero, e da defesa de seu enquadramento dentro dos
parâmetros de modo literário, conseguimos perceber a sua expansão na história da literatura.
Por fim, percorremos os movimentos identitários da América Latina, que buscavam se libertar dos modelos
europeus, para então construir uma literatura nacional, partindo dos elementos de sua rica cultura.
headset
Podcast
Para encerrar, ouça um resumo dos principais tópicos abordados.
Referências
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27/02/2023, 11:50 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico
ARISTÓTELES. Poética. Tradução Eudoro de Sousa. Imprensa Nacional: Casa da Moeda, 1990.
BESSIÈRE, I. O Relato Fantástico: forma mista do caso e da adivinha (traduzido). In: Revista Fronteiraz, n. 3,
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CAMARANI, A. L. S. O universo mágico de Guimarães Rosa e Mia Couto: Primeiras estórias e Estórias
abensonhadas. In: Anais VII Seminário de Pesquisa Grande Sertão: Veredas e Corpo de Baile: 50 anos,
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CARPENTIER, A. O Reino Deste Mundo. Tradução João Olavo Saldanha. Rio de Janeiro: Record, 1985.
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GAMA-KHALIL, M. Literatura Fantástica: Gênero ou Modo? In: Terra Roxa e outras terras, v. 26, UEL,
Londrina, 2013.
LUKÁCS, G. A Teoria do Romance. Col. Espírito crítico. Tradução José Marcos Mariani de Macedo. São
Paulo: 34/Duas Cidades, 2000.
TODOROV, T. Introdução à Literatura Fantástica. Tradução Maria Clara Correa Castello. São Paulo:
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TODOROV, T. A narrativa fantástica. In: As Estruturas Narrativas. Tradução Leyla Perrone-Moisés. São Paulo:
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BORGES, J. L.; BIOY CASARES, A. OCAMPO, S. (orgs) Antologia da Literatura Fantástica. Tradução Josely
Vianna Batista. São Paulo: Cosac Naify, 2013.
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 41/42
27/02/2023, 11:50 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico
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Para saber mais a respeito da classificação do fantástico como gênero, pesquise o artigo Notas sobre a
teoria estruturalista do gênero fantástico de Tzvetan Todorov, de Aline Sobreira de Oliveira.
Para saber mais a respeito do realismo mágico, pesquise o termo “realismo mágico” no e-dicionário de
termos literários.
Para saber mais a respeito do real maravilhoso, pesquise o termo “real maravilhoso” no e-dicionário de
termos literários.
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