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Palavras-chave: História-Literatura-Marxismo
É um tanto hesitante pensar em como seria uma escrita disforme, em não estruturar
um texto antes de escrevê-lo. Quando escrevo um conto, penso em como ele tem que ser
iniciado mediado e finalizado. Relaciono a priori todos os elementos que vou utilizar e isso
ajuda a dar sentido a escrita, a levá-la adiante. Não é comum também que façamos uma
leitura que não tenha uma organização das palavras, então pensar a literatura sem uma teoria,
é tarefa quase impossível, por mais que algumas correntes de pensamento teórico definam o
que é literatura, outras têm outras definições e dentre elas o Marxismo norteia que definir a
literatura é um trabalho complexo, desafiante, porém necessário. Então pensamos em três
premissas importantes.
Pensar num texto literário de forma crítica, diga-se de forma analítica, não extermina
a ideia de pensá-lo como um texto que não tenha tido uma estrutura pré-determinada, um
modo, uma técnica de como começar a escrevê-lo, definir seus elementos pré-textuais e tudo
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Professora, graduada em História, e Mestranda no curso de História Social-PPGH, UFAL.
E-mail:joedsa.wanessa@gmail.com.
o que ele irá possuir para ganhar um sentido literário2. De acordo com a crítica marxista
existe uma relação tênue entre escrever e colocar sua escrita numa forma. A forma é
necessária para que a escrita se torne legível, compreensível, isto é, a forma é uma função
estética3 da literatura. Assim como na vida cotidiana, tantas vezes estamos preocupados com
a estética, do corpo, da casa, na arte também há essa preocupação com a estética. Deixar este
trabalho estético, assim como depois da sua pintura seca, o pintor emoldura sua tela, é um
trabalho formalista, assim dialeticamente falando, a forma e o escrito estão em dicotomia,
relacionados ao fim. A relação forma e conteúdo (vendo o conteúdo como sendo as palavras,
enredo, cenário, a estória enfim, elementos que compõe o conto, já abarcando aqui as
determinações e conexões já citadas) existem e não se pode pensar em não haver uma
necessidade mútua dos dois objetos, sim a forma pode ser um objeto e o conteúdo outro, mas
vamos pensar a forma com Terry Eagleton4 quando disse que: “ao selecionar a forma, por
tanto o escritor descobre que sua escolha está limitada ideologicamente.”(2011, p. 54),
percebemos que não pode se negligenciar a forma, ao contrário, é aqui que me permito a
tentativa de explicar o por que de não partir de uma mera interpretação de um texto literário,
ou de recortar suposto elemento formal e produzir uma explicação rasa sobre ele. A produção
de análises nesta categoria, a de análises formais, é limitada, por isso a existência das
abstrações, desta maneira, esse pressuposto que mesmo evidenciando certa crítica, continuará
a esconder informações significativas presentes nessa produção.
A digressão5 das principais funções da literatura, inclusive a sua função estética diante
da questão de um texto possuir uma forma, é extremamente importante na análise crítica que
segue. O viés a ser seguido é o de não limitar a obra as suas questões formais que
representam interpretações e incompletude, diante da vastidão de um complexo que pode ser
um texto literário. Por exemplo: certo personagem tem tais características psicológicas em
função da forma escolhida para o objeto literário, mas até que ponto elas nos interessam além
2
Advindo da literatura, da arte de escrever uma ficção.
3
“lugar do comportamento estético” vide, Prólogo da obra “Estética” em Anuário Lukács 2017, pp.11.
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Critico literário marxista inglês que escreveu sobre o que é a literatura para o marxismo em Marxismo e crítica
literária, entre outras obras como A ideia de cultura, que faz uma abordagem do que é a cultura e quais suas
modificações teóricas ocorridas de acordo com as mudanças cíclicas da história. A leitura dele me foi de
extrema importância e clarificação sobre as questões de forma, e suas relações com base e superestrutura,
particularmente em seu capítulo forma e conteúdo, o qual estou discorrendo agora.
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Premissa 1.
de interpretar sua personalidade? Tentar expor mais que uma ideologia, decodificar as ideias
dentro dessa forma, escutar a fala de um personagem, tirá-la do papel, trazer para a realidade
sua “aflição” “angustia”, internalizar e depois externalizar, refletir sobre essa fala, esse
cenário, essa atitude trazem de informação apropriada à descoberta de algo que não está
propriamente dito. E neste caso o desfecho de um conto, romance, enfim, que é pensado
fantasioso, aciona respostas para certas aflições históricas, que vivemos hoje ao longo de
muitos anos de opressão, por exemplo, as de gênero. Essencialmente a análise trata dessas
questões que veem com a História adentrar o campo Sociedade, e o distanciamento da
estética é a uma tomada de consciência necessária, de que o sistema burguês se infiltra nas
mais adversas situações, o chamado Capitalismo6 e toda a degeneração causada pela sua
implantação, sólida, mas não indestrutível. Tomando está posição como ponto de partida,
para compreender que na arte e na literatura também ocorre uma teorização aplicável, algo
sobre “especialidade”, que as colocam em função das ideologias para serem usadas de acordo
às necessidades políticas ou sociais de determinado sistema vigente, no caso do estudo feito,
as observações necessárias sobre a realidade regional das Alagoas, sobre as questões de
gênero, é perspectivar essas leis de uso, dentro do que me é permitido e conhecido. Em
analogia a este uso de uma obra para fins ideológicos, lembro Guernica7 do Pintor Pablo
Picasso, de 1937. Onde a obra foi usada, embora não com tanta clareza, ideologicamente
como forma de manifesto antifascista e ficou conhecida como o marco da arte como livre
expressão na idade moderna, o que representa a análise feita é mais ou menos isso: dialogar8
Rosália das visões com a história e encontrar nela mensagens sociais, que aqui, digam
respeito a questão do gênero feminino na literatura.
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Expressão a qual me refiro ao atual sistema econômico. O mundo da alienação, da “felicidade” e da
“facilidade”. Para Marx, o capitalismo é o mais alto nível de desenvolvimento econômico que chegou a
humanidade, junto com todo esse glamour vem essa falsa sensação de facilidade que permeia também a arte,
permitindo seu uso para as mais diversas relações. Relacionado à arte, as concepções criadas por este mundo
ocultam as diversas conexões existentes num texto literário, por exemplo, diminuindo seus componentes um a
um e relacionando seu conteúdo a meras relações de uma causa que surte um efeito. Esse foi o mundo burguês
que eu conheci fazendo as leituras na área da crítica literária marxista, o mundo da brevidade, onde tudo é
resumível e simplificável.
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A obra foi usada para um estudo de caso iconográfico por Carlo Ginzburg, em sua obra Medo, reverência,
terror Quatro ensaios de iconografia política, 2008. Onde há uma introdução da noção de Pathosformel, que é
uma indução de sentimentos feita pelo direcionamento emocional através de imagens. Pare entender a analogia
ler 4. A espada e a lâmpada: Uma leitura de Guernica*, p.70.
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Premissa 2.
Todavia, creio que não temos aqui a necessidade de entrar em uma discussão sobre as
ideologias, mas é de extrema ordem evidenciar que o meio para propagar qualquer ideia é o
meio ideológico. Voltando a teoria aplicável atrelada aos interesses de dominação, não
poderia ser na arte ou na literatura de maneira contrária, a tudo o que o capitalismo se
apropria, tentando impossibilitar ou ocultar um reconhecimento satisfatório das várias
camadas de realidades existentes em uma obra de arte, aqui no conto de Ceres. E em
entendimento desse conto como um complexo de informações também históricas, de teor
social para a crítica marxista, é notório que a forma literária é uma imposição política que
suprime muitas vezes literalmente as conexões diretas de fato estabelecidas entre a obra e
tudo que lhe adorna, é o estético a ser obedecido, onde há a apropriação das técnicas de
escrita, juntamente com as influências, fazendo com que o conteúdo, a narrativa seja ou não
admirável. As grandes escolas e também o Marx, partem de que as melhores literaturas já
feitas foram as realistas. O Realismo realmente produziu, em alto nível, inclusive no Brasil,
obras magníficas, então não negligenciando a forma, aplicando aqui apenas como a opção
pioneira do leitor para ler o texto, que nela está e só depois da escolha mergulhar no texto e
usar sua subjetividade a respeito de seu conteúdo. E ainda a respeito da forma determinada,
da questão ideológica onde cabem desde os elementos formais à abstração, que devem ser
conciliadas para que haja completude no entendimento do texto, e aqui seu pensamento se
equipara ao de György Lukács9, devido à atenção ao fator de não negligenciar a forma, que
nos vem repleta de conteúdo, que deixa de ser observado, tantas vezes. Elucidando que, o que
se pretende é uma análise crítica, não formal, mas que não negligencia a forma, devido à
questão da essencialidade que esta possui. A análise buscou criar um novo olhar para a leitura
do conto onde o autor é a peça chave, que mesmo se apropriando de uma forma,
sistematizada por uma ideologia, escreve, no caso de Ceres, em seu nível literário, sobre o
que é de fato importante em sua perspectiva de mundo e manda seu recado através da forma.
Até aqui eu tentei clarificar que, tanto para Eagleton como para Lukács existe a
possibilidade de através da crítica marxista em análise, que se concretize o reconhecimento
de que em toda obra de arte, inclusive na literária, existem expressões da realidade. O
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Filosofo Marxista Húngaro, que se debruçou não só à crítica, mas também se dedicou a superação de
“vacilações e idealismo político, e concluiu suas obras, acima de tudo com a preocupação em torno da teoria do
materialismo. Na literatura dedicou-se à estética e “aos princípios humanizadores da atividade artística e literária
constituíram o ponto alto de sua produção.” Fonte: http://www.institutolukacs.com.br/quem.
conteúdo de um texto literário se molda de acordo com o que se coloca dentro de determinada
forma, mas a forma não irá, mesmo com toda sua bagagem ideológica, determinar
literalmente o que há nele, ou seja, o que se pode ou não dizer ali. Assim entre agora em
evidencia o talento do autor, o que adentra a questão da História Intelectual, e esse talento
para escrever não parte da técnica, ele independe. Assim como se por magia existe a
possibilidade de se fazer uma crítica onde existe a continuidade de um trabalho já feito antes
através de uma análise formal. É como se ao escrever o autor já esperasse esse complemento,
não que a obra seja incompleta, não! Mas a descoberta através do diálogo da obra com suas
conexões externas a sua realidade impressa, que um crítico teve a intuição de desvendar em
através de sua leitura, além de uma interpretação, buscando um conhecimento profundo
sobre. Entendamos que, assim como podemos recorrer ao diálogo metodológico da obra, digo
toda, elementos internos com os externos, como o que se pensa a respeito da mesma, o que se
relata de sua existência dentro da totalidade, as ligações com a superestrutura, também ocorre
à metodologia de camuflagem no corpo textual, o que seria os fatores que impedem a obra de
ser vista como um complexo de informações sociais, o que seria ordinário, a forma já
sabemos também por que ela deve estar lá, agora resta saber o mais importante, o além do
trabalho imaginativo, intelectual10, assim disse Lukács em seu ensaio sobre literatura:
Procede aqui envolver a História enquanto disciplina nessa análise ser um desafio,
porém mesmo sendo escassos os escritos de Marx sobre literatura, deixa-se o viés para o uso
de seu método, o que significa que os estudos literários obtiveram lucro. Mesmo destacando a
ausência de uma obra completa sobre teoria literária, o método deixado é louvável e eficaz
também para estes estudos. Essa citação fundamentada da teoria materialista, da parte de
Lukács acentua a importância enquanto a unidade da História como ciência, e progride dando
espaço a estudos dialéticos em diversos objetos. A escassez de escritos literários de Marx,
não foi impedimento para que surgissem estudos estéticos, literários. Então, com base na
dialética deixada por ele, disse:
Nem a ciência, nem os seus diversos ramos, nem a arte, possuem uma história
autônoma, imanente que resulte exclusivamente da sua dialética interior. A
evolução em todos esses campos é determinada pelo curso de toda a história da
produção social, no seu conjunto: e só com base neste recurso é que podemos ser
esclarecidos de maneira verdadeiramente científica os desenvolvimentos e as
transformações que ocorrem em cada campo singularmente considerado.
(LUKÁCS, 1997, p.12).
A conclusão que se tira, das reflexões acima sobre o método, mesmo com a escolha de
uma forma literária, de uso de técnicas e até mesmo a presença de uma forte teoria literária
muito enraizada, e teorizada em que o marxismo é, ou só pode ser vinculado aos estudos
sobre economia política, é revisada aqui. Dar o entendimento de que toda produção, seja ela
de qual área for, nos pensamentos humanos, ou sobre sociedade, política, e economia, podem
ser estudada através do método de Marx, da dialética, é uma das propostas aqui. Além do
trabalho sociológico, e a questão de se teorizar sobre a Literatura, de se criar aparatos para
estudos, além das questões de isolamento de fato, de separação do que define o que é um
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Em Eagleton, encontrei o termo explicar, a partir dele, construí toda a minha explicação a respeito da leitura
que fiz do conto “Rosália das Visões”. Nesse sentido, eu não faço uma análise de sua forma e elementos. De
modo mais direto, explico um aspecto específico da sua obra que me chamou a atenção desde a primeira leitura
que realizei de um conto de Ceres, que me pareceu esclarecer questões de gênero e contemporaneidade, em sua
literatura, ao menos em alguns de seus contos. Premissa 3.
texto literário, e todas as suas funções, em termos de formas, gêneros literários, interpretações
unívocas, todas essas maneiras de se olhar um corpo textual, existe também o caminho do
diálogo com ele, e suas determinações objetivas, seu encontro à subjetividade, e sua conexão
com elementos não intrínsecos a ele, é um trabalho investigativo em busca de algo que algo
que não se pode ver, mas que se descobre.
Os dois Mundos
Acima as premissas suscitam um imenso viés sobre novas formas de leitura para as
obras literárias, formas essas que estendem um pensamento além da criação de regras e
conceitos a serem seguidos em análises literárias encontra-se não debate sobre forma e
conteúdo na literatura, onde o diálogo teórico acima afortuna a análise, que obviamente é
também composta pela minha subjetividade, mas também muito mais do que isso, é a
tentativa de aprofundar a leitura do conto Rosália das visões a uma perspectiva histórica.
Identificar recados sociais para determinados leitores é uma das maiores intenções deste
estudo, o que além de imaginativo e literário esse conto possui?
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Contista, Pesquisadora, Professora, Intelectual coletiva do movimento feminista e Fundadora do CEDIM
(https://pt-br.facebook.com/cedimal/) também presidiu a Associação Alagoana Pró-Mulher e foi vice-presidente
da Federação Alagoana pelo Progresso Feminino (https://www.historiadealagoas.com.br/federacao-alagoana-
pelo-progresso-feminino.html)
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Tonada em Simone de Bouvoir.
tradado com ignorância ao largo da história e que é ainda recorrente o tratamento nos dias
atuais. O exemplo da naturalidade veio com a personagem Jacques do conto Meu amor
estrangeiro, que planejava com seu amante algo de ruim para sua esposa. E esse não foi à
única personagem homossexual, travesti, e também transexual, muito menos o único conto
que tratou do tema. Assim como também exibe a factualidade ao criar personagens
femininas, que tomam decisões, muitas vezes complexas, que envolvem coragem e astúcia,
como Rosália, no conto Rosália das Visões, o objeto desta análise. A narrativa fantástica de
Ceres me presenteou com leituras prazerosas, o que é uma das eficácias da literatura, mas
também me abriu a percepção da investigação, o que é um viés da História. Refletir sobre até
que ponto eu poderia encontrar neste conto fantástico, mais que uma criação imaginativa,
encontra-se em sua obra debates ocultos sobre gênero e sexualidade, entre outros, o ocultismo
também. As reflexões sobre uma interpretação histórica de um desses temas me vieram
acompanhada de questões sociais que necessitavam ser discutidas para além da literatura, no
âmbito social. A leitura abrange atmosferas que poderiam passar despercebidas se não
houvesse sobre elas um olhar historiográfico.
A construção da crítica se inicia com o que seus personagens querem falar e serem,
que não poderiam falar e ser na objetividade, na realidade, no mundo real, e aqui estão os
reflexos da vida real. Sei dos desafios de desmitificar a personagem e a narrativa já
denominada fantástica presente nesse conto, e foi por isso que tentei trazer ao máximo o viés
da subjetividade à tona. Em Rosália das Visões de 1984, sua quinta publicação, existe um
forte diálogo entre a sua personagem principal e a força vital de uma mulher real. Devido às
explicações anteriores sobre a literatura e seus conceitos aplicáveis, na teoria literária, é
intrínseca a ideia de que um conto é um composto de elementos que dizem respeito a suas
características e forma, e obedecem todas as regras e seu autor se utilizou de técnicas de
escrita para a sua criação. E essa criação, por ser literária, necessita, além de tudo, do talento
desse autor. Observar que essas análises formais já remoídas caracterizam-se além da
interpretação, implica na fragmentação desses elementos imanentes a obra recortando
personagens, cenários, narrativas, foco narrativo, e outros elementos intrínsecos à obra. Nesta
análise eu preciso de todos os elementos juntos e além de tudo interligados com o mundo
externo ao conto. É uma questão de ir além de uma interpretação. Então lhe convido a olhar
comigo este conto com uma perspectiva, dialética e histórica do gênero feminino.
Ficando claro que o trabalho é despretensioso, revelando-se uma aproximação inicial
em relação ao objeto, e tenta mostrar não aspectos apenas literários desse conto, mas também
históricos. Vamos retomar o pensamento de Eagleton, em suas considerações sobre a forma e
superestrutura, pretendo fazer uma pequena analogia, me apropriando de uma fala de
Nascimento, a qual ela deixa claro que “o fantástico é a primeira inspiração para o estudo” e
nesses dois mundos, o mundo real e o mundo do conto pretendem dar início a análise. Em
seus mais de 22 contos fantásticos, definidos como dentro de todos os padrões de criação
literária, e outros não mesmo ainda que se encaixem apenas tecnicamente. Eu, ao contrário
dos formalistas tenho uma proposta de leitura para esses contos que não se delimitam
diretamente na definição de seu gênero conto fantástico, mas sim, dialogar sobre esses dois
mundos e entender que podemos ler lembrando que além da personagem fictícia e toda sua
estória, existe uma vida objetiva ligada a ele e esse é o segundo mundo. As ligações de
elementos do texto com elementos de fora do papel, o trânsito entre o que é real e o que é
imaginário, é um trabalho fascinante.
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O estudo do ensaio é inicial, é algo o que pretendo maturar, mas não poderia deixar de citar Raymond
Williams (1921-1988) que foi um novelista, nascido no Reino Unido e que contribuiu para com o marxismo
suas ideias sobre cultura e literatura. Formado na Universidade de Cambridge, me foi de grande valia ler sua
obra Marxism, estructuralism and literary analysis, 1981, onde percebi através de suas palavras que sua escolha
pela literatura não foi uma alternativa consciente, assim como também não foi para mim. Essa leitura me foi de
silêncio ideológico que é imposto ideologicamente num texto literário. Assim me faço
entender: “ A tarefa do crítico não é a de completar a obra, mas de buscar o princípio de seu
conflito de significados e mostrar como tal é produzido pela relação da obra com a
ideologia.” (EAGLETON, PP.69, 2011).
grande valia para continuar meu estudo sobre meu tema que é apenas um prelúdio de uma tese a qual pretendo
me ater com mais profundidade.
por a prova seu talento, juntamente com ele a ideia de elevar sua obra, na qual conseguiu
adicionar um conteúdo progressista e contribuir para a História das Mulheres na sociedade
usando suas personagens femininas, e até outras gays, travestis, tornando as suas narrativas
atuantes na sociedade do mundo conto, e quebrando o silencio ideológico, fazendo essas
pessoas serem vistas no mundo real, através da literatura. Assim a militância feminina ativa
de Heliônia Ceres precisou, em minha análise, ser legitimada aqui, e por isso a decisão de
explicar a personagem Rosália através de esse olhar.
Quem é Rosália?
Na leitura do conto Rosália das visões encontra-se além do que lhe é intrínseco a obra
e a forma literária sobre o que já observamos nas quais me fazem chegar a respostas para
algumas indagações sobre a personagem Rosália. Existe a narração de uma lembrança de
Rosália que me remete ao Contexto Histórico do Brasil oitocentista, quando vestiam os
mortos com as roupas de seus santos devotos, os mortos de boas condições financeiras, e
eram expostos na igreja, “Novamente a Lembrança de Rosália na igreja, o caixão branco
vestida de santa.” (CERES, Rosália das Visões, [doravante R.V], PP.5). Vê-se também nesse
trecho da narrativa outro ponto importante “Sinto que por tudo isso Irineu me ponha no asilo.
Ele já me pôs uma vez para ficar com minhas terras, que horror!” (R.V. PP.6) a mulher
fragilizada de um relacionamento, Rosália, uma mulher, oprimida por um marido? OS pontos
reais do conto são a variação de posição dos bancos da igreja, e o corpo de Rosália em estado
de decomposição, esses são elementos fundamentais para a evasão do conto para a realidade,
e uma determinação do passar do tempo na narrativa, é aqui que me atenho ao ser histórico
que Rosália representa. Aqui culmina o cerne da minha questão: desmitificar através dessa
análise Rosália encontra-la através de abstração na História. A abstração vai existir pelo fato
de haver um vácuo ideológico que leva Rosália a ser um mistério no conto. Ainda
percebendo a relevância histórica do conto, no campo da História Social, onde se encontra
Rosália num caixão no meio de igreja sendo velada por tantas outras almas sem face, pessoas
que recorriam à religião como forma de consolo–a narrativa mostrando sinais da vida privada
de uma mulher– “Rosália estava morta, vivera sempre tão sozinha ali permanecia no átrio da
igreja parodiando sua vida” (R.V PP.5) o resumo da vida de Rosália é sua morte, no conto ela
viveu e morreu, passou pela vida sem que pudesse ser percebida, o retrato não tão antigo de
uma mulher no meio social.
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Filosofo Francês representante do Existencialismo. A questão intelectual para Sartre era vista como
representação e assiduidade ativista dentro da sociedade. Vide, O Existencialismo, sua obra de 1946 publicada
na França.
estava a ver Rosália num caixão, e que aprendera com elas o que eram os ruídos da solidão.
Rosália que talvez tenha sido uma santa, católica, exemplo de pureza e sua exposição na
igreja seria o preço a pagar ao exemplo que foi em vida, e esse espelho que era Rosália se
torna uma sombra, para outras mulheres que vivem épocas difíceis em vida e assim “Dos
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compartimentos vazios, dos lugares desertos das palestras mortas” dos pensamentos sem
eco jamais liberto dessas lembranças que restavam de uma vida sem passado, por isso vinha
rezar. Era uma boa coisa a fazer em meio à vida sem maiores ocupações. E assim Rosália era
um espelho morto da vida de sua observadora, que passa a refletir sobre sua vida através da
imagem de Rosália. Em sua forma escolhida a autora nos deixa transparecer que sua atuação
política na vida e seu posicionamento em favor das mulheres, através não só da imagem de
Rosália, mas nessa mulher –narradora– que se encontra perdida, amedrontada, solitária e
omissa a si. Essa tomada de posição é crucial para que se desfeche o conto também de uma
maneira não só finalista, mas também histórica, onde realidades do conto fantástico, dos
bancos que mudam de posição na igreja, no corpo sem carne de Rosália, saem da atmosfera
fantástica e traz a tona uma historicidade de uma dentre tantas mulheres as quais Heliônia
Ceres pode ter tido ávido contato.
No desfecho do conto: “Vamos resolver o caso de tuas terras, não temas nada” onde a
narradora fala para ela mesma como se fosse Rosália, em uma tomada de consciência de
existência, “Qualquer motivo que as houvesse trazido á igreja se apagava (...). Resolvera ser
igual a todos os outros, pôr o grande peso no coração e assumir coisas imprevistas. Através
desse ato de revolta, passaria finalmente a existir.” (R.V. PP.9) o feminismo aparece neste ato
de coragem de ir à busca das soluções de seus dilemas e tomar suas decisões. Assim esse
tempo do texto é o tempo propenso à ligação do mundo imaginário ao mundo real, ao mudo
da autora feminina, aqui as palavras do papel se misturam com o ambiente real e objetivo,
cotidiano de Heliônia Ceres. A hora em que o tempo se mostra cíclico, e desfecho real entre a
forma e o que cabe nela, a escolha de Ceres, desse tipo de forma literária para ir além dos
pensamentos de uma época, uma mulher que não poderia ser mais uma Rosália, onde seus
16
Ver o conto Rosália das Visões também no livro: O olho de Besouro, pp. 5-9. HD livros e Editora, publicado
em 1998, nesta publicação há um Caderno de tarefas e um manual do professor, um paradidático para a
disciplinas de Gramática e Literatura, para alunos do ensino médio.
“olhos se tornariam mais claros, os ouvidos mais nítidos e de sua mente escapavam, uma por
uma todas as sombras da igreja, até mesmo se apagava a sombra de Rosália”. (RV.PP.9)
Está era Rosália, Rosália das Visões, que causou visões, a mulher caricaturada do
Patriarcado, o exemplo de pureza a ser seguida, a mulher oprimida pelo marido, com posses,
mas sem voz, a mulher adoecida pela repressão de seus próprios desejos, uma das tantas
mulheres que passaram pela vida sem ter “a quem dizer alô” 17
. Essa mulher que não era
Heliônia Ceres, mas também foi uma mulher que não devemos ser ou se tornar18 enquanto
mulheres ativas socialmente, seres históricos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
17
Ver no conto pp.7
GINZBURG, Carlo. Medo, reverência, terror: Quatro ensaios de iconografia política,
2008.
LUKÁCS, Georg. Ensaios sobre literatura. In: Introdução aos Escritos Estéticos de
Marx e Engels. Tradução de Leandro Konder- Rio de Janeiro: Civilização Brasileira S.A,
1945.
FONTES ON LINE:
http://www.institutolukacs.com.br/quem;
http://cpdoc.fgv.br/equipe/LucianaHeymann
https://www.facebook.com/cedimal/ .