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Literatura / Poesia

30 melhores poemas de
Carlos Drummond de
Andrade analisados

Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e
Interartes

Carlos Drummond de Andrade (31 de outubro


de 1902 — 17 de agosto de 1987) é um dos
maiores autores da literatura brasileira, sendo
também considerado o maior poeta nacional
do século XX.

Integrada na segunda fase do modernismo


brasileiro, sua produção literária reflete
algumas características do seu tempo: uso da
linguagem corrente, temas do cotidiano,
reflexões políticas e sociais.

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Através de sua poesia, Drummond foi


eternizado, conquistando a atenção e a
admiração dos leitores contemporâneos. Seus
poemas se centram em questões que se
mantêm atuais: a rotina das grandes cidades, a
solidão, a memória, a vida em sociedade, as
relações humanas.

Entre suas composições mais famosas, se


destacam também aquelas que expressam
reflexões existenciais profundas, onde o sujeito
expõe e questiona seu modo de viver, seu
passado e seu propósito. Confira alguns dos
poemas mais famosos de Carlos Drummond de
Andrade, analisados e comentados.

No Meio do Caminho

No meio do caminho tinha uma pedra


tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse


acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do
caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Este é, provavelmente, o poema mais célebre


de Drummond, pelo seu caráter singular e
temática fora do comum. Publicado em 1928,
na Revista da Antropofagia, "No Meio do
Caminho" expressa o espírito modernista que
pretende aproximar a poesia do cotidiano.

Referindo os obstáculos que surgem na vida


do sujeito, simbolizados por uma pedra que se
cruza no seu caminho, a composição sofreu
duras críticas pela sua repetição e
redundância.

Contudo, o poema entrou para a história da


literatura brasileira, mostrando que a poesia
não tem de ficar limitada aos formatos
tradicionais e pode versar sobre qualquer
tema, até mesmo uma pedra.

Consulte também a análise completa do


poema "No meio do caminho tinha uma
pedra".

Poema de Sete Faces

Quando nasci, um anjo torto


desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens


que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:


pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode


é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste


se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,


se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer


mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

Um dos aspectos que captam imediatamente a


atenção do leitor neste poema é o facto do
sujeito referir a si mesmo como "Carlos",
primeiro nome de Drummond. Assim, existe
uma identificação entre o autor e o sujeito da
composição, o que lhe confere uma dimensão
autobiográfica.

Desde o primeiro verso, ele se apresenta como


alguém marcado por "um anjo torto",
predestinado a não se enquadrar, a ser
diferente, estranho. Nas sete estrofes são
demonstradas sete facetas diferentes do
sujeito, demonstrando a multiplicidade e até
contradição dos seus sentimentos e estados de
espírito.

É evidente o seu sentimento de inadequação


perante o resto da sociedade e a solidão que
o assombra, por trás de uma aparência de
força e resiliência (tem "poucos, raros
amigos").

Na terceira estrofe, alude à multidão,


metaforizada nas "pernas" que circulam pela
cidade, evidenciando o seu isolamento e o
desespero que o invade.

Citando uma passagem da Bíblia, compara o


seu sofrimento com a paixão de Jesus que,
durante a sua provação, pergunta ao Pai por
quê Ele o abandonou. Assume, assim, o
desamparo que sente perante Deus e a sua
fragilidade enquanto homem.

Nem mesmo a poesia parece ser uma resposta


para essa falta de sentido: "seria uma rima,
não seria uma solução". Durante a noite,
enquanto bebe e olha a lua, o momento da
escrita é aquele onde se sente mais vulnerável
e emocionado, fazendo versos como uma
forma de desabafar.

Leia também a análise completa do Poema de


Sete Faces.

Quadrilha

João amava Teresa que amava Raimundo


que amava Maria que amava Joaquim
que amava Lili,
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa
para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria
ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J.
Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

Com o título "Quadrilha", esta composição


parece fazer referência à dança europeia com o
mesmo nome que virou tradição nas festas
juninas brasileiras. Vestidos com disfarces, os
casais dançam em grupo, conduzidos por um
narrador que propõe várias brincadeiras.

Usando essa metáfora, o poeta apresenta o


amor como uma dança onde os pares se
trocam, onde os desejos se desencontram. Nos
três primeiros versos, todas as pessoas
mencionadas sofrem de amores não
correspondidos, menos Lili "que não amava
ninguém".

Nos quatro versos finais, descobrimos que


aqueles romances falharam. Todas as pessoas
mencionadas acabaram isoladas ou morreram,
apenas Lili casou. O absurdo da situação
parece ser uma sátira sobre a dificuldade de
encontrar um amor verdadeiro e
correspondido. Como se fosse um jogo de
sorte, apenas um dos elementos é
contemplado com o final feliz.

Confira também a análise completa do poema


Quadrilha.

José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,


está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão


quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Um dos maiores e mais conhecidos poemas de


Drummond, "José" exprime a solidão do
indivíduo na cidade grande, a sua falta de
esperança e a sensação de estar perdido na
vida. Na composição, o sujeito lírico se
interroga repetidamente acerca do rumo que
deve tomar, procurando um sentido possível.

José, um nome muito comum na língua


portuguesa, pode ser entendido como um
sujeito coletivo, simbolizando um povo. Assim,
parecemos estar perante a realidade de muitos
brasileiros que superam inúmeras privações e
batalham, dia após dia, por um futuro melhor.

Na reflexão sobre o seu percurso é evidente o


tom disfórico, como se o tempo tivesse
deteriorado tudo em seu redor, o que fica
nítido em formas verbais como "acabou",
"fugiu", "mofou". Listando possíveis soluções
ou saídas para a situação atual, percebe que
nenhuma delas funcionaria.

Nem mesmo o passado ou a morte surgem


como refúgios. Contudo, o sujeito assume a
sua própria força e resiliência ("Você é duro,
José!"). Sozinho, sem a ajuda de Deus ou o
apoio dos homens, continua vivo e segue em
frente, mesmo sem saber para onde.

Consulte também a análise completa do


poema "José" de Carlos Drummond de
Andrade.

Amar

Que pode uma criatura senão,


entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,


sozinho, em rotação universal,
senão rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa
marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples
ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,


o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e
uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,


distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa
ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura
medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,


e na secura nossa amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.

Apresentando o ser humano como um ser


social, que existe em comunicação com o
outro, nesta composição o sujeito defende que
o seu destino é amar, estabelecer relações,
criar laços.

Descreve as várias dimensões do amor como


perecíveis, cíclicas e mutáveis ("amar,
desamar, amar"), transmitindo também as
ideias de esperança e renovação. Sugere que
mesmo perante a morte do sentimento, é
preciso acreditar no seu renascimento e não
desistir.

Apontado como "ser amoroso", sempre


"sozinho" no mundo, o sujeito defende que a
salvação, o único propósito do ser humano
está na relação com o outro.

Para isso, tem que aprender a amar "o que o


mar traz" e "sepulta", ou seja, o que nasce e o
que morre. Vais mais além: é preciso amar a
natureza, a realidade e os objetos, ter
admiração e respeito por tudo o que existe, já
que esse é "nosso destino".

Para cumpri-lo é necessário que o indivíduo


seja teimoso, "paciente". Deve amar até a falta
de amor, por conhecer sua "sede infinita", a
capacidade e vontade de amar mais e mais.

Os Ombros Suportam o Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais:


meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu
amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não


abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem
enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a


velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma
criança.
As guerras, as fomes, as discussões
dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta
morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma
ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Publicado em 1940, na antologia Sentimento


do Mundo, este poema foi escrito no final da
década de 1930, durante a Segunda Guerra
Mundial. É notória a temática social presente,
retratando um mundo injusto e repleto de
sofrimento.

O sujeito descreve a dureza da sua vida sem


amor, religião, amigos ou sequer emoções ("o
coração está seco"). Em tempos tão cruéis,
repletos de violência e morte, ele tem que se
tornar praticamente insensível para suportar
tanto sofrimento. Deste modo, sua
preocupação é apenas trabalhar e sobreviver, o
que resulta numa solidão inevitável.

Apesar do tom pessimista de toda a


composição, surge um laivo de esperança no
futuro, simbolizada pela "mão de uma
criança". Aproximando as imagens da velhice e
do nascimento, faz referência ao ciclo da vida e
à sua renovação.

Nos versos finais, como se transmitisse uma


lição ou conclusão, afirma que "a vida é uma
ordem" e deve ser vivida de forma simples,
focada no momento presente.

Consulte também a análise completa do


poema "Os ombros suportam o mundo" .

Destruição

Os amantes se amam cruelmente


e com se amarem tanto não se veem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.

Amantes são meninos estragados


pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.

Nada, ninguém. Amor, puro fantasma


que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.

E eles quedam mordidos para sempre.


Deixaram de existir, mas o existido
continua a doer eternamente.

Partindo do próprio título, neste poema é


inegável a visão negativa do sujeito acerca
dos relacionamentos amorosos. Descrevendo
o amor como "destruição", reflete sobre o
modo como os casais se amam "cruelmente",
como se lutassem. Sem enxergar a
individualidade do outro, deixam de se ver,
procurando uma projeção de si mesmos no
parceiro.

É o próprio amor que parece "estragar" os


amantes, corrompê-los, levá-los a agir desta
forma. Alienados, não percebem que a união
os destrói e afasta do resto do mundo. Por
causa dessa paixão se apagam e se anulam
mutuamente.

Destruídos, guardam a memória do amor


como uma "cobra" que os persegue e morde.
Mesmo com a passagem do tempo, essa
memória ainda machuca ("quedam
mordidos") e a lembrança do que viveram
persiste.

Congresso Internacional do Medo

Provisoriamente não cantaremos o amor,


que se refugiou mais abaixo dos
subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os
abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não
existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso
companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares,
dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o
medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o
medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de
depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores
amarelas e medrosas.

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"Congresso Internacional do Medo" assume


uma temática social e política que espelha o

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