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LITERATURA
TURMA ITA
NÚCLEO CENTRAL NÚCLEO ALDEOTA NÚCLEO SUL NÚCLEO EUSÉBIO NÚCLEO SOBRAL
(85) 3464.7788 (85) 3486.9000 (85) 3064.2850 (85) 3260.6164 (88) 3677.8000
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A primeira fase, que compreende as obras Alguma A terceira fase da obra poética de Carlos Drummond
poesia e Brejo das Almas, é “predominantemente de Andrade instaura, no espaço de sua escritura, a crítica do
individualista”, impregnada de subjetivismo do eu lírico, seu fazer literário, de modo mais consciente e sistemático.
cuja visão de mundo limita-se ao particular das emoções Constata-se uma poética marcada pelo desencanto político.
interiores do sujeito. Aqui a poesia “gauche” ganha O poeta se lança numa poesia reflexiva, filosófica e
destaque, manifestando a incompletude do poeta, condenado metafísica. Claro enigma introduz essa vertente filosófica,
pelo “anjo torto”, desses “que vivem na sombra” ao pessimista e reflexiva, abordando morte e vida, infância e
fatalismo sentimental, constituindo o paradoxo dramático velhice, amor e tempo. A metalinguagem, aspecto bastante
que reverbera na alma do poeta, revelando a impotência recorrente na obra de Drummond, corresponde à própria
diante do mundo, a dificuldade de estabelecer uma impossibilidade de construir a poesia ideal para resolver os
comunicação com o mundo. Aqui, temos um Eu > Mundo. problemas fundamentais e essenciais, por isso, universais,
da humanidade como um todo. Dessa forma, a procura
“Mundo mundo vasto mundo, incessante do poeta no fazer poético traduz a própria
angústia do homem em resolver os problemas que o afligem,
se eu me chamasse Raimundo sejam eles de ordem social, filosófica ou psicológica. Surge
seria uma rima, não seria uma solução. uma poesia desencantada, pessimista e bastante metafísica.
Mundo mundo vasto mundo, Aqui, temos um Eu = Mundo.
mais vasto é meu coração.” Principais obras: Claro Enigma (1951), Fazendeiro do ar
(1955), Vida passada a limpo (1959) e Lição de coisas
A segunda fase (1962).
“Escurece, e não me seduz
A segunda fase, que se inicia a partir de Sentimento do tatear sequer uma lâmpada.
mundo (1940) até Novos poemas (1947), passando por José Pois que aprouve ao dia findar
(1942) e Rosa do povo (1945), nota-se uma poesia muito aceito a noite”
mais preocupada com as questões sociais. Mas não se
exaure nessa poética militante. Alcançando certa maturidade A quarta fase
estética, o poeta conseguiu fundir, no espaço da poesia, um
estilo próprio a temáticas universais, distanciando-se dos Na última fase da poesia drummondiana, o discurso
preceitos estético-ideológicos do Modernismo de 1922. Por poético está impregnado do memorialismo do poeta mineiro.
isso, essas temáticas dizem respeito não mais ao Nessa quarta fase, a mineiridade, o sentimento da família e
individualismo da fase anterior, mas sim ao destino do da terra são temáticas recorrentes. Não quer dizer que com
homem em face do mundo. A vida, a morte, enfim, a isso não haja nas fases anteriores da poesia de Drummond o
existência da humanidade passa a ser questionada, sem aparecimento desses elementos como temática; claro que há.
ilusão, sem otimismo ingênuo. Há, nesse momento da Só que nessa última etapa de sua obra, a partir de Boitempo
poesia de Drummond, uma consciência dos problemas do (1968), o poeta itabirano retoma-os com mais frequência e
mundo, um interesse pelos destinos da humanidade em um relevância. Da mesma forma que Boitempo, os livros
tempo tomado pela tragédia da Segunda Guerra. Aqui, Menino antigo (1973) e Esquecer para lembrar (1979)
temos um Eu < Mundo. giram em torno da infância e adolescência dentro do
espaço-tempo da memória do poeta.
“Não, meu coração não é maior que o mundo.
“Entardece na roça
É muito menor. de modo diferente.
Nele não cabem nem as minhas dores. A sombra vem nos cascos,
Por isso gosto tanto de me contar. no mugido da vaca
separada da cria.
Por isso me dispo, por isso me grito, O gado é que anoitece
por isso frequento os jornais, me exponho e na luz que a vidraça
cruamente nas livrarias: da casa fazendeira
derrama no curral
preciso de todos. surge multiplicada
sua estátua de sal,
Sim, meu coração é muito pequeno. escultura da noite.”
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Observação:
Os homens estão cá fora, estão na rua.
Alguns estudiosos apontam uma 5ª fase drummondiana,
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava. denominada “fase erótica”. Essa fase ocorreu no fim da vida
Mas também a rua não cabe todos os homens. do autor e não tem um período delimitado, pois poucos
especialistas defendem essa parte da produção literária do
A rua é menor que o mundo.
mineiro como uma fase de fato. Entretanto, quem acredita
O mundo é grande.” nesse período, aponta o erotismo e os textos curtos como
características dos poemas.
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Uma observação:
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres. A poesia de Drummond nasce sob o signo da
A tarde talvez fosse azul, fragmentação. As Sete Faces são, na verdade, sete
não houvesse tantos desejos. fragmentos. Os nexos lógicos estão rompidos. Cada estrofe
é um motivo que surge e se extingue. O número sete é um
O bonde passa cheio de pernas: número sagrado. Numa de suas acepções simboliza a
pernas brancas pretas amarelas. totalidade do divino e do humano. Três é o número divino,
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração. representa Trindade. O número quatro é o número terrestre,
Porém meus olhos representa os quatro pontos cardeais. A soma de ambos
não perguntam nada. perfaz a harmonia do criador com a criatura.
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que não tem nome (v.8). Ou seja, José é apenas mais um na Vomitar esse tédio sobre a cidade.
multidão. Nos versos 13 a 18, o sujeito encontra-se sem Quarenta anos e nenhum problema
condições de expressão. São assinaladas a carência e a resolvido, sequer colocado.
solidão vivenciadas pelo indivíduo que está impedido de Nenhuma carta escrita nem recebida.
seguir certos impulsos. O uso reiterado das expressões Todos os homens voltam para casa.
“sem” e “não” contribuem para reforçar a noção de carência Estão menos livres, mas levam jornais
que define a atmosfera do poema. Os versos 19 a 27 trazem e soletram o mundo, sabendo que o perdem.
novamente a imagem de esvaziamento observada no uso da
Crimes da terra, como perdoá-los?
expressão “não veio”. Essa ideia é enfatizada pela repetição Tomei parte em muitos, outros escondi.
do vocábulo “tudo” que denota generalização do vazio. Na Alguns achei belos, foram publicados.
sequência dos versos, registra-se a inutilidade das tentativas Crimes suaves, que ajudam a viver.
de José para resolver seu problema. Nem os versos, nem o Ração diária de erro, distribuída em casa.
delírio, nem as leituras, nem a riqueza, nem a revolta, Os ferozes padeiros do mal.
metaforizadas no texto se mostraram suficientes para vencer Os ferozes leiteiros do mal.
a crise.
Para expressar a precariedade da existência de José, Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Drummond utiliza-se de expressões sem continuidade Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
semântica, frases coordenativas, nas quais não há uma Porém meu ódio é o melhor de mim.
ligação das ideias entre si. Os termos não apresentam Com ele me salvo
coerência do ponto de vista lógico. Nestes versos o sujeito e dou a poucos uma esperança mínima.
remete ao passado e faz referências de forma fragmentária,
pois todos os referenciais foram destruídos, o que fez com Uma flor nasceu na rua!
que se perdesse o sentido da existência. Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
Nos versos 45 a 51, a utilização dos verbos no
ilude a polícia, rompe o asfalto.
imperfeito do subjuntivo compondo orações condicionais,
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
anuncia a possibilidade de mudança que o verso seguinte garanto que uma flor nasceu.
desmente. Isso vem evidenciar que não há resolução para a
dúvida em relação ao futuro, já que nem mesmo morrer vale Sua cor não se percebe.
a pena, pois não resolveria o problema. Assim, “José” é a Suas pétalas não se abrem.
metonímia do próprio autor e/ou de um povo, cuja situação Seu nome não está nos livros.
é repetida dia a dia, pois não há destino certo: na escuridão, É feia. Mas é realmente uma flor.
sem amigo e sem abrigo. O poema José é símbolo de uma Sento-me no chão da capital do país às cinco horas
época de massificação, de uma “época de objetos e não de da tarde
sujeitos”. O poema de Carlos Drummond de Andrade e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
aplica-se aos milhares de “Josés” que transitam pela vida Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
sem serem notados, ouvidos ou vistos. Aos “Josés” Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas
condenados pela sociedade à solidão e ao anonimato, que em pânico.
não tiveram nenhuma oportunidade de se realizarem como É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo
homem, que gritam, protestam, amam, mas têm seu grito e o ódio.
sufocado pela indiferença, seu protesto ignorado e seu amor
Comentário
não correspondido, mas que continuam se arrastando pela
vida sem saber aonde vão chegar. O poema “A Flor e a Náusea” representa a explosão
revoltada do indivíduo diante do mundo em que vive, ao
A FLOR E A NÁUSEA mesmo tempo em que mostra a esperança quando do
aparecimento de uma flor que perturba. Ao passear pela rua
Preso à minha classe e a algumas roupas, cinzenta, o sujeito depara com a náusea; vê-se enjoado e tem
vou de branco pela rua cinzenta. o desejo de vomitar sobre tudo o que lhe incomoda e
Melancolias, mercadorias espreitam-me. perturba. No entanto, nem tudo está perdido, pois é desse
Devo seguir até o enjoo? enjoo, revolta, náusea e ódio que brota uma flor feia, que
Posso, sem armas, revoltar-me? nem se consegue classificar, mas que fura o asfalto. Isso
acontece ao mesmo tempo em que parece armar-se uma
Olhos sujos no relógio da torre: tempestade, que é símbolo de uma violenta perturbação na
Não, o tempo não chegou de completa justiça. ordem desse tempo de nojos, enjoos e vômitos. A flor, que
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações faz parte do título do poema e também do livro onde o
e espera. mesmo está inserido, simboliza o descontentamento do
poeta diante do mundo e das pessoas, procurando desabafar
O tempo pobre, o poeta pobre
o sentimento de repulsa por essa sociedade mesquinha e
fundem-se no mesmo impasse.
hipócrita. No entanto, nem tudo está perdido, pois há a
possibilidade de que do meio de tanta sujeira, náusea e
Em vão me tento explicar, os muros são surdos. enjoo brote a flor perturbadora, ou seja, acredita-se em um
Sob a pele das palavras há cifras e códigos. futuro melhor, no desabrochar da revolução socialista, de
O sol consola os doentes e não os renova. uma consciência libertária representada por uma poesia que
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas se levanta como instrumento de denúncia, engajamento e
sem ênfase. libertação.
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No poema “Cidadezinha Qualquer”, os elementos Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
linguísticos empregados pelo poeta reforçam as Hoje sou funcionário público.
características de uma cidade de interior no que ela tem de Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
rotineira. A ideia da mesmice transmitida pelo texto
constrói-se pela estrutura que organiza o poema. Veja, por Comentário
exemplo, que na primeira estrofe, não há verbos de ação.
As palavras são justapostas, conferindo um ritmo lento ao “Confidência do itabirano” é o segundo poema da obra
cotidiano. Essa falta de ação objetiva inerente às pequenas Sentimento do mundo. Escrito em primeira pessoa, traz as
cidades do interior é enfocada pelo enunciador, percepções de um eu lírico que se funde ao próprio poeta,
evidenciando a simplicidade peculiar, isenta de qualquer uma vez que expõe, de forma saudosista, a sua relação com
fato inédito. No verso “Mulheres entre laranjeiras”, a cidade de Itabira – MG, mesma cidade de nascimento de
transparece a domesticidade da vida feminina, indicada Drummond. Após destacar a sua densa ligação com a
apenas para o casamento – sugestão entrevista na cidade de Itabira nos dois primeiros versos, o eu poético
simbologia do temo “laranjeiras”, já que a flor dessa árvore afirma que, como consequência disso, é “triste, orgulhoso:
compõe o buquê das noivas. Além disso, os três termos de ferro”. Porém, a rápida impressão de que o termo “ferro”
(“pomar”, “amor” e “cantar”) remetem a atividades ligadas possui sentido estritamente conotativo, associando-se à ideia
à mulher do interior, cuja vida se centra no amor à família e de que o eu lírico se mostra forte perante os percalços da
cujo trabalho limita-se à esfera doméstica, estendendo-se, vida, logo é complementada nos dois versos seguintes. Em
por vezes ao pomar, onde permanece durante horas, “Noventa por cento de ferro nas calçadas” e “Oitenta por
entoando em alto e bom som as canções de sua preferência. cento de ferro nas almas”, o enunciador associa denotação e
Nos três versos da segunda estofe, o emprego de estruturas conotação, dando à palavra “ferro” não somente a
em paralelismo compõe uma ordem sintática simétrica, significação de força e dureza de vida, impressa na alma dos
moradores de Itabira, mas também o sentido literal do
induzindo o leitor a colocar o homem na mesma condição
termo, referindo-se à porcentagem de ferro utilizada na
do cachorro e do burro, numa forma de animalizá-lo por ter construção das vias da cidade. Os “Noventa por cento de
um cotidiano igual ao dos animais que o cercam. A sugestão ferro nas calçadas” surgem no poema como fator de orgulho
de movimento indicada pelo verbo “vai” é freada pelo para o eu lírico; trabalho realizado de forma esmerada que,
advérbio “devagar”, contribuindo ainda mais para essa em seus quase cem por cento de presença de ferro, se mostra
paralisia da cidade. Nos últimos versos, o enunciador confiável. Aqui, não somente a cidade é exaltada em sua
destaca um comportamento dos moradores: ficar à janela grandeza repleta de saudade por parte do eu poético, mas
para observar o movimento da cidade, à espera de algo também a figura de quem tornara possível tal cidade; a
inédito, ou seja, pessoas ociosas se colocam à janela na figura indireta do trabalhador. Em “A vontade de amar, que
ânsia de que os olhos alcancem algo de novo ou com a me paralisa o trabalho, vem de Itabira, de suas noites
finalidade de tomar conhecimento da vida dos outros – brancas, sem mulheres e sem horizontes”, notamos a
hábito comum nas pequenas cidades, onde a novidade presença de forte traço saudosista, a ponto de cessar a ação
restringe-se à curiosidade de saber da vida alheia. E, como de trabalho do enunciador no momento em que lhe vêm à
em um desabafo, o eu-poético, cansado da rotina, assume a mente e ao coração as lembranças da cidade natal. Em
posição de espectador e compõe o último verso. Pensa alto síntese, Drummond evidencia no poema a tensão histórica
sobre o que vê e diz: “Êta vida besta, meu Deus”. “Êta”, entre o “eu” e a sua comunidade por meio de imagens que
palavra sincopada, nos mostra a espontaneidade com que o representam a forma como a sociedade e o mundo
sujeito expôs o seu pensamento, formando com “vida besta, colaboram para a constituição do indivíduo. O poeta
meu Deus” uma frase peculiar aos hábitos linguísticos dos itabirano revisita a Itabira de sua memória, mas essa Itabira
agora é apenas uma fotografia pendurada na parede,
habitantes de pequenas cidades.
causando a dor, a saudade.
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O poema, à primeira leitura, parece ser apenas uma I “Às duas horas da tarde deste nove de agosto de 1847
homenagem do poeta a seu pai, já morto, e que se acaso nesta fazenda do Tanque e em dez outras casas de rei, q
estivesse vivo estaria comemorando seus noventa anos. No não de valete, em Itabira Ferros Guanhães Cocais
entanto, Drummond reúne a todos os familiares vivos e Joanésia Capão diante do estrume em que se movem
mortos nesta mesa, fazendo uma fusão de tempos distintos nossos escravos, e da variação perfumada dos cafezais q
num mesmo espaço. O poema é composto por trezentas e
trança na palma dos coqueiros fiéis servidores de nossa
quarenta redondilhas maiores, ou seja, versos com sete
sílabas poéticas, em uma única estrofe. E o último verso paisagem e de nossos fins primeiros, deliberamos
isolado com uma só palavra “vazia”, para adjetivar a vender, como de fato vendemos, cedendo posse jus e
“mesa”, esse elemento símbolo da família, que, no final, domínio e abrangendo desde os engenhos de secar areia
estava “vazia”. A cena descrita no poema é virtual, uma vez até o ouro mais fino, nossas lavras mto nossas heranças
que seu pai, Carlos de Paula Andrade morreu em 1931, vinte de nossos pais e sogros bem amados q dormem na paz
anos antes de completar os noventa anos aludidos no poema. de Deus entre santas e santos martirizados. Por isso
Nela tudo é ilusório e o poeta transita pelos tempos verbais: neste papel azul Bath escrevemos com a nossa melhor
futuro do pretérito que se alterna com o pretérito imperfeito, letra estes nomes q em qualquer tempo desafiarão
algumas vezes o poeta faz uso do presente realizando um tramoia trapaça e treta:
jogo com o tempo. Drummond brinca com o tempo aludindo
às cenas passadas “gostavas de festa” verbo no pretérito Esmeril Pissarão
imperfeito em seguida a forma verbal no futuro do pretérito, Candonga conceição
que não chega a se realizar “que festa grande te faria a
gente”, ou seja, formas verbais não acabadas. Ao conjugar E tudo damos por vendido ao compadre e nosso amigo
os verbos no presente, consegue trazer a história para o aqui o sr Raimundo Procópio e a d. Maria Narcisa sua
e agora “e teus filhos que não bebem/ e o que gosta de mulher, e o q não for vendido, por alborque de nossa
beber”. O uso de recursos linguísticos como as anáforas e os mão passará, e trocaremos lavras por matas, lavras por
dêiticos, a primeira se refere a pressupostos já de títulos, lavras por mulas, lavras por mulatas e arriatas,
conhecimento do emissor e do seu interlocutor, como no que trocar é nosso fraco e lucrar é nosso forte. Mas
verso “e não gostavas de festa” e o uso da segunda pessoa fique esclarecido: somos levados menos por gosto do
como recurso dêitico, que conduz à presentificação, pois sempre negócio q no sentido de nossa remota
estabelece um diálogo no tempo presente. Nesse ambiente descendência ainda mal debuxada no longe dos serros.
“cordial” tudo que é narrado se desenvolve em torno da De nossa mente lavamos o ouro como de nossa alma um
“mesa”, alegoria do convívio do “homem cordial”. Todos
dia os erros se lavarão na pia da penitência. E filhos
em volta da “mesa”: os mortos e os vivos a comemorar uma
data que não chegou a existir. O poeta usa elementos netos bisnetos tataranetos despojados dos bens mais
anafóricos e dêiticos para transitar entre o passado e sólidos e rutilantes, portanto os mais completos irão
presente. E evoca ao pai e a mãe para participar da “mesa” tomando a pouco e pouco desapego de toda fortuna e
como também a irmã “que já se foi”. Nesse sentido, concentrando seu fervor numa riqueza só, abstrata e
constata-se o poder da lírica de condensar extratos muito uma.
distintos da história e do indivíduo. No poema “A mesa” a
força da autoridade patriarcal é evidenciada sem ser, no Lavra da Paciência
entanto, apresentada de modo explícito. O que revela tal Lavrinha de Cubas
força são os versos dedicados à figura paterna, os quais
expressam uma relação de poder do pai sobre os filhos, Itabiruçu
como um deus enfurecido e onipresente que está em todos
os lugares e tudo pode antever. A figura paterna é aquela II Mais que todos deserdamos
que tudo vê. E toma conta do gado e da alma dos filhos, que deste nosso oblíquo modo
“entrava-nos alma adentro/ via a lama podre” de seus um menino inda não nado
descendentes, e “amaldiçoava” e “perdoava”. Pai que (e melhor não fora nado)
representa o papel de chefe da família patriarcal, fazendeiro, que de nada lhe daremos
o símbolo do “homem cordial”. E a mãe é descrita nos sua parte de nonada
versos como a que tudo fazia parecer mágica, fazia, mas não e que nada, porém nada
aparecia, estava por traz de todas as produções de o há de ter desenganado.
“comidinhas e bebidinhas”. E também exerce o papel da E nossa rica fazenda
mãe que cuida dos filhos “marmanjos cinquentões”. A
já presto se desfazendo
representação da mãe dona-de-casa, a mãe “cordial”, papel
tradicional da família mineira, porque não dizer da vai-se em sal cristalizando
brasileira. E que nunca deixa de dar colo aos filhos, na porta de sua casa
“cosendo” a “alma frouxa e rasgada”, mulher com poder de ou até na ponta da asa
reestabelecer a paz na alma destroçada dos filhos. Mas um de seu nariz fino e frágil,
poder invisível, silencioso, mas que permanece presente de sua alma fina e frágil,
mesmo estando morta. A ela também, ele, o poeta, dedica no de sua certeza frágil
final do poema os versos: “Quem preparou? que inconteste frágil frágil frágil frágil
vocação de sacrifício pôs a mesa, teve os filhos? quem se mas que por frágil é ágil,
apagou? quem pagou a pena deste trabalho? (...) quem senta e na sua mala-sorte
do lado esquerdo, assim curvada? Que branca, mas que se rirá êle da morte.
branca mais que branca (...) quem é toda luz e é branca?’
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IV Este hemos por bem VII Ó monstros lajos e andridos que me perseguis com
reduzir à simples vossas barganhas
condição ninguém. sobre meu berço imaturo e de minhas minas me
Não lavrará campo. expulsais.
Tirará sustento Os parentes que eu amo expiraram solteiros.
de algum mel nojento. Os parentes que eu tenho não circulam em mim.
Há de ser violento Meu sangue é dos que não negociaram, minha alma é
sem ter movimento. dos pretos,
Sofrerá tormenta minha carne dos palhaços, minha fome das nuvens,
no melhor momento. e não tenho outro amor a não ser o dos doidos.
Não se sujeitando Onde estás, capitão, onde estás, João Francisco,
a um poder celeste do alto de tua serra eu te sinto sozinho
ei-lo senão quando e sem filhos e netos interrompes a linha
de nudez se veste, que veio dar a mim neste chão esgotado.
roga à escuridão Salva-me, capitão, de um passado voraz.
abrir-se em clarão. Livra-me, capitão, da conjura dos mortos.
Este será tonto Inclui-me entre os que não são, sendo filhos de ti.
e amará no vinho E no fundo da mina, ó capitão, me esconde.
um novo equilíbrio
e seu passo tíbio VIII — Ó meu, ó nosso filho de cem anos depois,
sairá na cola que não sabes viver nem conheces os bois
de nenhum caminho. pelos seus nomes tradicionais… nem suas cores
marcadas em padrões eternos desde o Egito.
V — Não judie com o menino Ó filho pobre, e descorçoado, e finito,
compadre. ó inapto para as cavalhadas e os trabalhos brutais
— Não torça tanto o pepino, com a faca, o formão, o couro… Ó tal como quiséramos
major. para tristeza nossa e consumação das eras,
— Assim vai crescer mofino, para o fim de tudo que foi grande!
sinhô! Ó desejado,
— Pedimos pelo menino porque pedir é nosso destino. ó poeta de uma poesia que se furta e se expande
Pedimos pelo menino porque vamos acalentá-lo. à maneira de um lado de pez e resíduos letais…
Pedimos pelo menino porque já se ouve planger o sino És nosso fim natural e somos teu adubo,
do tombo que êle levar quando monte a cavalo. tua explicação e tua mais singela virtude. . .
— Vai cair do cavalo Pois carecia que um de nós nos recusasse
de cabeça no valo. para melhor servir-nos. Face a face
Vai ter catapora te contemplamos, e é teu esse primeiro
amarelão e gálico e úmido beijo em nossa boca de barro e de sarro”.
vai errar o caminho
vai quebrar o pescoço Comentário
vai deitar-se no espinho
fazer tanta besteira O longo poema “Os bens e o sangue”, que Carlos
e dar tanto desgosto Drummond de Andrade publica em Claro Enigma (1951),
que nem a vida inteira pode ser lido como a formalização literária de um contrato
dava para contar.
fundador da nação brasileira moderna. Nele encontram-se as
E vai muito chorar.
(A praga que te rogo ideias da “praga” e do “sarro”, coisas insuperáveis, que
para teu bem será.) representam resquícios do mundo patriarcal que não se acha
superado na modernidade. O poema trata da história dos
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antepassados e da deterioração do tempo; dos bens e de 4ª parte – “Cantar de amigos” – Esse bloco de poemas
Minas. Poesia e praga em “Os bens e o sangue” o poeta dá trata das amizades do poeta Drummond no plano real,
voz a seus antepassados que anteveem o futuro do “menino” intelectual e poético.
inapto aos costumes mineiros e predizem a dissolução dos
ODE NO CINQUENTENÁRIO DO POETA
bens e do destino de seu descendente, ambos, BRASILEIRO
irremediavelmente, votados à perda. Este poema tem oito
estrofes, a primeira tem a forma de um documento/contrato, Esse incessante morrer
em que são vendidas as lavras, as terras, os bens. Lavra, que nos teus versos encontro
palavra derivada de “lavrar”, significa lugar onde se extrai é tua vida, poeta,
ouro e diamante. Lavrar do latim laborare, ‘trabalhar’,1. e por ele te comunicas
sulcar a terra.2. desenhar em bordados. 3.explorar minas. com o mundo em que te esvais.
4.exarar por escrito, redigir. 5. gastar, desgastar, corroer.
Esta multiplicidade semântica do verbo “lavrar”, que além Debruço-me em teus poemas
de ter o sentido explorar mina, tem tantos outros e nelo percebo as ilhas
significados, como “desgastar”, e “corroer” que indicam a em que nem tu nem nós habitamos
corrosão do tempo e da própria paisagem da região devido à (ou jamais habitaremos!)
escavação das minas. “Lavrar” tem ainda o sentido de e nessas ilhas me banho
redigir, escrever. Esse último significado está sugerido pela
num sol que não é dos trópicos,
forma do poema que é como se fosse um contrato de compra
numa água que não é das fontes
e venda, um documento lavrado em cartório. Assim, o termo
mas que ambos refletem a imagem
“lavra” adquire todas essas nuances e reforçam a ideia do
de um mundo
desgaste do tempo, da história e de certa maneira resume a
anáfora do termo “lavras por matas, lavras por títulos, lavras amoroso e patético.
por mulas, lavras por mulatas e arriatas” intensifica a ideia Tua violenta ternura,
da desvalorização das minas e, que se não vendidas tua infinita polícia,
permutavam-se por qualquer coisa sejam “mulas” ou tua trágica existência
“mulatas”. A repetição da rima “atas” nos remete no entanto sem nenhum sulco
novamente à ideia de documento histórico, uma vez que a exterior – salvo tuas rugas,
ata é um registro escrito no qual se relata o que se passou tua gravidade simples,
numa sessão, convenção, congresso. A afirmação “trocar é o a acidez e o carinho simples
nosso fraco e lucrar esse é o nosso forte” deixa transparecer que desbordam em teus retratos,
um gesto impetuoso dos antepassados ao se desfazerem das
que capturo em teus poemas,
posses, sem pensar na consequente derrocada dos bens da
são razões por que te amamos
família e do futuro de seus descendentes “Mais que todos
e por que nos fazes sofrer…
deserdamos/ deste modo oblíquo modo/ um menino ainda
não dado”. Os versos soam como um vaticínio do qual não Certamente não sabias
se pode fugir. E no final da estrofe a praga é de certa que nos fazes sofrer.
maneira atenuada, pois no futuro fará bem ao “menino” ter
[...]
passado por todos esses percalços. Fica então configurada a
rogação da praga, como castigo bem dado ao “menino Comentário
doentio” que “não lavrará campo” e “Tirará sustento de
algum mel nojento”, e de fato o “menino” “vai muito O Poema “Ode no cinquentenário do poeta brasileiro”
chorar”. Na sexta estrofe, a história é contada com a pode ser entendido como uma homenagem do poeta
tendência para a queda, o declínio, a decadência, o fim. Drummond ao poeta Manuel Bandeira, que na época
Destacamos o primeiro verso “Os urubus no telhado” que se completava 50 anos. No decorrer do poema, Drummond
enfatiza muitos aspectos das obras e de personalidade do
configuram como um presságio da morte a espreitarem a
poeta Bandeira. O termo “Ode” remete a um canto a algo
carniça, que seria a sobra da história do lugar, e também a
sublime, superior, grandioso. Bandeira, como é de
matéria de que é feita a poesia. O poema “estabelece a
conhecimento de muitos, viveu sua vida perseguido pelo
ligação entre o passado da família e o presente do indivíduo, medo e pela dúvida, pela tuberculose e pela promessa de
através da forma altamente significativa de um testamento”. uma morte constante. Bandeira, na perspectiva de
Assim sendo, ele não só determina o modo como o sujeito Drummond, era a prova viva da resistência da vida sobre a
lírico concebe as relações familiares, mas também morte; e era inevitável que ele se comunicasse com o mundo
ressignifica traços poéticos importantes de Drummond. por meio dessa visão preciosa. Na primeira estrofe,
Drummond dirige-se diretamente a Bandeira, destacando a
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temática da morte, aspecto recorrente na poesia do intensa. A evocação de Manuel Bandeira e de seus poemas
homenageado “Esse incessante morrer/que nos teus versos destaca, em grande parte, a beleza e o lirismo do cotidiano, a
encontro/é tua vida, poeta,/e por ele te comunicas/com o capacidade insistente de amar, a fraternidade entre os
mundo em que te esvais). Segundo Drummond, Bandeira homens. Essas características, que legam Bandeira a um
cria “ilhas” utópicas nas quais o enunciador se debruça lugar de destaque na literatura nacional, aparecem no poema
como poeta. Estas ideias utópicas ocultas nos poemas de como contraponto ao contexto pessimista no qual o livro se
Bandeira de alguma maneira preenchem Drummond e o refere.
fazem refletir sobre um mundo ‘amoroso e patético’, ou
seja, sem violência e com capacidade de provocar alguma VIAGEM DE AMERICO FACÓ
comoção emocional, produzir um sentimento de piedade,
nos seres que o habitam (Debruço-me em teus poemas/e Sombra mantuana, o poeta se encaminha
neles percebo as ilhas/em que nem tu nem nós ao inframundo deserto, onde a corola
habitamos/(ou jamais habitaremos!)/e nessas ilhas me noturna desenrola seu mistério
banho/num sol que não é dos trópicos,/numa água que não é fatal mas transcedente: àqueles paços
das fontes/mas que ambos refletem a imagem/de um mundo
amoroso e patético.). tecidos de pavor e argila cândida,
Drummond lista também uma série de características onde o amor se completa, despojado
em relação à obra poética Bandeira: da cinza dos contatos. Desta margem,
diviso, que se esfuma, a esquiva barca,
(1) Tua violenta ternura,
(2) tua infinita polícia, e aceno-lhe: Gentil, gentil espírito,
(3) tua trágica existência sereno quanto forte, que me ensinas
a arte de bem morrer, fonte de vida,
no entanto sem nenhum sulco
exterior – salvo tuas rugas, uniste o raro ao raro, e compuseste
(4) tua gravidade simples, de humano desacorde, isento, puro,
(5) a acidez e o carinho simples teu cântico sensual, flauta e celeste.
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NOSSO TEMPO como o do enterro que não foi feito, do corpo esquecido na
mesa,
I conduz à copa de frutas ácidas,
Esse é tempo de partido, ao claro jardim central, à água
tempo de homens partidos. que goteja e segreda
Em vão percorremos volumes, o incesto, a bênção, a partida,
viajamos e nos colorimos. conduz às celas fechadas, que contêm:
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua. papéis?
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos. crimes?
As leis não bastam. Os lírios não nascem moedas?
da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se Ó conta, velha preta, ó jornalista, poeta, pequeno historiados
na pedra. urbano,
Visito os fatos, não te encontro. ó surdo-mudo, depositário de meus desfalecimentos, abre-te
Onde te ocultas, precária síntese, e conta,
penhor de meu sono, luz moça presa na memória, velho aleijado, baratas dos
dormindo acesa na varanda? arquivos, portas rangentes, solidão e asco,
Miúdas certezas de empréstimos, nenhum beijo pessoas e coisas enigmáticas, contai;
sobe ao ombro para contar-me capa de poeira dos pianos desmantelados, contai;
a cidade dos homens completos. velhos selos do imperador, aparelhos de porcelana partidos,
Calo-me, espero, decifro. contai;
As coisas talvez melhorem. ossos na rua, fragmentos de jornal, colchetes no chão da
São tão fortes as coisas! costureira, luto no braço, pombas, cães errantes, animais
Mas eu não sou as coisas e me revolto. caçados, contai.
Tenho palavras em mim buscando canal, Tudo tão difícil depois que vos calastes...
são roucas e duras, E muitos de vós nunca se abriram.
irritadas, enérgicas,
comprimidas há tanto tempo, IV
perderam o sentido, apenas querem explodir. É tempo de meio silêncio,
de boca gelada e murmúrio,
II palavra indireta, aviso
Esse é tempo de divisas, na esquina. Tempo de cinco sentidos
tempo de gente cortada. num só. O espião janta conosco.
De mãos viajando sem braços, É tempo de cortinas pardas,
obscenos gestos avulsos. de céu neutro, política
Mudou-se a rua da infância. na maçã, no santo, no gozo,
E o vestido vermelho amor e desamor, cólera
vermelho branda, gim com água tônica,
cobre a nudez do amor, olhos pintados,
ao relento, no vale. dentes de vidro,
Símbolos obscuros se multiplicam. grotesca língua torcida.
Guerra, verdade, flores? A isso chamamos: balanço.
Dos laboratórios platônicos mobilizados No beco,
vem um sopro que cresta as faces apenas um muro,
e dissipa, na praia, as palavras. sobre ele a polícia.
A escuridão estende-se mas não elimina No céu da propaganda
o sucedâneo da estrela nas mãos. aves anunciam
Certas partes de nós como brilham! São unhas, a glória.
anéis, pérolas, cigarros, lanternas, No quarto,
são partes mais íntimas, irrisão e três colarinhos sujos.
e pulsação, o ofego,
e o ar da noite é o estritamente necessário V
para continuar, e continuamos. Escuta a hora formidável do almoço
na cidade. Os escritórios, num passe, esvaziam-se.
III As bocas sugam um rio de carne, legumes e tortas
E continuamos. É tempo de muletas. vitaminosas.
Tempo de mortos faladores Salta depressa do mar a bandeja de peixes argênteos!
e velhas paralíticas, nostálgicas de bailado, Os subterrâneos da fome choram caldo de sopa,
mas ainda é tempo de viver e contar. olhos líquidos de cão através do vidro devoram teu osso.
Certas histórias não se perderam. Come, braço mecânico, alimenta-te, mão de papel, é tempo
Conheço bem esta casa, de comida,
pela direita entra-se, pela esquerda sobe-se, mais tarde será o de amor.
a sala grande conduz a quartos terríveis,
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maior tortura”. Assim, poeta tem essa luta com as palavras Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
como um ato de sedução, exigindo-lhe esse empenho para a Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
materialização de seu desejo: o ato poético. Importante Espera que cada um se realize e consume
destacar que o poema trabalha com a repetição da estrutura com seu poder de palavra
do verso em redondilho menor, sugerindo o ato constante de e seu poder de silêncio.
lutar, uma ação permanente. Ao final do poema, o poeta Não forces o poema a desprender-se do limbo.
conclui que o duelo é inútil e que jamais se resolverá. Mais Não colhas no chão o poema que se perdeu.
uma vez a figura feminina, talvez por se tratar de palavras, Não adules o poema. Aceita-o
aparece nos versos: “O teu rosto belo/na curva da noite/ que
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
toda me envolve.” Mesmo o duelo sendo inútil o poeta
no espaço.
prossegue com a luta, pois não houve nenhuma corrupção,
somente “paixão”.
Chega mais perto e contempla as palavras.
PROCURA DA POESIA Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
Não faças versos sobre acontecimentos. e te pergunta, sem interesse pela resposta,
Não há criação nem morte perante a poesia. pobre ou terrível que lhe deres:
Diante dela, a vida é um sol estático, Trouxeste a chave?
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes Repara:
pessoais não contam. ermas de melodia e conceito
Não faças poesia com o corpo, elas se refugiaram na noite, as palavras.
esse excelente, completo e confortável corpo, Ainda úmidas e impregnadas de sono,
tão infenso à efusão lírica. rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou dor no escuro Comentário
são indiferentes.
Não me reveles teus sentimentos,
Dividida em duas partes, o poema de Drummond trata
que se prevalecem de equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia. do exercício do fazer poético. Na primeira parte, Drummond
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz. enumera uma série de mandamentos do que, afirma, não
O canto não é o movimento das máquinas nem deve ser feito no exercício da produção poética: “não faças
o segredo das casas. versos sobre acontecimentos”, “não faças poesia com o
Não é música ouvida de passagem, rumor do corpo”, iniciando, de forma imperativa, uma lista de
mar nas ruas junto à linha de espuma. instruções ao leitor, o que acaba dando ao poema uma feição
injuntiva. Se na primeira estrofe já observamos essas
O canto não é a natureza orientações, na segunda estrofe, o eu lírico expande os
nem os homens em sociedade. mandamentos, acrescentando que, como os
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada “acontecimentos” dos quais a primeira estrofe fala, os
significam. “sentimentos” e os “pensamentos”, também não são poesia,
A poesia (não tires poesia das coisas) principalmente por serem “equivocados”, como dito no
elide sujeito e objeto. terceiro verso da estrofe. É importante notar, contudo, que o
eu lírico utiliza o advérbio “ainda” no último verso, o que
Não dramatizes, não invoques, funciona como a primeira referência à diferença da matéria-
não indagues. Não percas tempo em mentir.
prima da poesia com o que a poesia realmente é, o “que
Não te aborreças.
pensas e sentes, isso ainda não é poesia”, mas pode vir a ser.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de Na segunda parte, o poeta, embora adotando o imperativo,
família propõe um conselho ao seu interlocutor, afirmando qual a
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável. natureza verdadeira do exercício poético, a sua essência:
“Penetra surdamente no reino das palavras. /Lá estão os
Não recomponhas poemas que esperam ser escritos./ Estão paralisados, mas
tua sepultada e merencória infância. não há desespero, há calma e frescura na superfície intata.
Não osciles entre o espelho e a /Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.” Pode-se
memória em dissipação. dizer, então, que o poeta acentua o caráter autônomo do
Que se dissipou, não era poesia. universo poético: por mais que trate de questões relativas ao
Que se partiu, cristal não era. mundo concreto, a verdadeira poesia não pode prescindir do
trabalho íntimo e constante com a linguagem. Também
Penetra surdamente no reino das palavras. pode-se concluir que a proposta de criação de Drummond
Lá estão os poemas que esperam ser escritos. difere daquela apresentada pelos românticos em geral, pois
Estão paralisados, mas não há desespero, estes defendiam a poesia como sinônimo de “expressão da
há calma e frescura na superfície intata. subjetividade”.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
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2. Avalie as seguintes afirmações sobre o texto em Carlos Drummond de Andrade é um dos expoentes do
questão. movimento modernista brasileiro. Com seus poemas,
I. Sem deixar de lado o humor irônico, o poeta, na penetrou fundo na alma do Brasil e trabalhou
terceira estrofe, alude ao desajustamento entre a poeticamente as inquietudes e os dilemas humanos. Sua
poesia é feita de uma relação tensa entre o universal e o
realidade interior e a exterior, aliado à percepção da particular, como se percebe claramente na construção
sexualidade; do poema Confidência do Itabirano. Tendo em vista os
II. Servindo-se do recurso da intertextualidade (“Meu procedimentos de construção do texto literário e as
Deus, por que me abandonaste”), o poeta evidencia concepções artísticas modernistas, conclui-se que o
certo índice de religiosidade, que serve de poema anterior
contraponto ao espírito até certo ponto galhofeiro da a) representa a fase heroica do modernismo, devido ao
estrofe seguinte; tom contestatório e à utilização de expressões e usos
III. Numa perspectiva metalinguística, o poeta, na sexta linguísticos típicos da oralidade.
estrofe, sugere que a atividade poética não consiste b) apresenta uma característica importante do gênero
lírico, que é a apresentação objetiva de fatos e dados
apenas em fazer rimas, condenando dessa maneira o históricos.
esteticismo, o beletrismo contra os quais os c) evidencia uma tensão histórica entre o “eu” e a sua
modernistas, como ele, insurgiram-se; comunidade por intermédio de imagens que
IV. Com os dois últimos versos da sexta estrofe, o poeta representam a forma como a sociedade e o mundo
pretende afirmar que seu “coração” é separado do colaboram para a constituição do indivíduo.
mundo, confirmando seu individualismo e d) critica, por meio de um discurso irônico, a posição
isolamento em relação ao meio social, características de inutilidade do poeta e da poesia em comparação
da fase inicial de sua obra, identificada como fase com as prendas resgatadas de Itabira.
irônica (ou fase gauche); e) apresenta influências românticas, uma vez que trata
da individualidade, da saudade da infância e do
V. A última estrofe do poema mostra que, amor pela terra natal, por meio de recursos retóricos
diferentemente dos poetas da primeira fase pomposos.
modernista (da qual retém o humor irônico),
Drummond não recusa o lirismo, elemento que será 4. Leia o poema José, de Carlos Drummond de Andrade.
depurado ao longo de sua obra.
E agora, José? e tudo fugiu
a) todas corretas, sem exceção. A festa acabou, e tudo mofou,
a luz apagou, e agora, José?
b) todas corretas, com única exceção. o povo sumiu,
c) todas corretas, exceto III e V. a noite esfriou (...)
d) todas corretas, exceto II e V. e agora, José?
e) todas incorretas, exceto I e IV e agora, você? Se você gritasse,
Você que é sem nome, se você gemesse,
que zomba dos outros, se você tocasse,
3.
Você que faz versos, a valsa vienense,
CONFIDÊNCIA DO ITABIRANO se você dormisse,
que ama, protesta?
e agora, José? se você cansasse,
Alguns anos vivi em Itabira. se você morresse....
Principalmente nasci em Itabira. Está sem mulher, Mas você não morre,
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. está sem discurso, você é duro, José!
está sem carinho,
Noventa por cento de ferro nas calçadas. Sozinho no escuro
já não pode beber,
Oitenta por cento de ferro nas almas. já não pode fumar, qual bicho-do-mato,
E esse alheamento do que na vida é porosidade e cuspir já não pode, sem teogonia,
a noite esfriou, sem parede nua
[comunicação. para se encostar,
o dia não veio,
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho, sem cavalo preto
o bonde não veio,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e o riso não veio, que fuja a galope,
[sem horizontes. não veio a utopia você marcha, José!
e tudo acabou José, para onde?
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana. Assinale a alternativa correta sobre o poema.
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço: a) O diálogo com José, interlocutor, pode ser lido
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil, como uma forma de o sujeito-lírico refletir sobre o
desamparo existencial.
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval; b) O poema em versos curtos apresenta o caminho para
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas; superação dos impasses de José.
este orgulho, esta cabeça baixa... c) As repetições indicam a monotonia da existência do
Tive ouro, tive gado, tive fazendas. trabalhador comum, José, em crise com sua
condição operária.
Hoje sou funcionário público. d) O sujeito lírico, na ausência de respostas, não
Itabira é apenas uma fotografia na parede. consegue decifrar para onde José marcha, embora
Mas como dói! este saiba seu caminho.
e) A expressão “e agora, José?” põe em relevo a
ANDRADE, C. D. Poesia completa. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 2003.
indignação do sujeito-lírico com seu interlocutor,
incapaz de se definir.
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5. A partir da leitura do trecho de A Flor e a Náusea, O emprego do verbo no presente do indicativo, embora
poema do modernista Carlos Drummond de Andrade, na primeira estrofe associado ao passado e ao futuro,
assinale a alternativa em que o conceito é adequado à
pode ser compreendida como:
temática apresentada nos versos.
a) Disciplina: obediência às regras, aos superiores, aos a) A ciclicidade de uma existência marcada pela
regulamentos, postura que é defendida pelo eu lírico. desilusão de viver.
b) Dissimulação: ocultação, por um indivíduo, de suas b) A perene dor que move a humanidade em sua
verdadeiras intenções, uma vez que o eu lírico tenta
trágica existência.
esconder sua reação diante do surgimento da flor.
c) Esperança: sentimento vivido pelo eu lírico, pois ele c) A força vital que nos move para continuarmos a
vê como possíveis a confiança em algo promissor e viver.
a realização de mudanças. d) A batalha constante que arranca o sentido da vida.
d) Nostalgia: melancolia profunda causada pelo e) A luta do homem pela sobrevivência diante de um
distanciamento entre o eu lírico e sua terra natal.
e) Resignação: submissão à vontade do destino, mundo de guerra e sofrimento.
postura adotada pelo eu lírico que se mostra
alienado e indiferente. 9.
CIDADEZINHA QUALQUER
6. O poema em questão evidencia um dos eixos da
literatura da geração de Drummond:
a) a espiritualidade. Casa entre bananeiras
b) o egocentrismo. mulheres entre laranjeiras
c) a busca da identidade nacional.
pomar amor cantar
d) a consciência social.
e) o niilismo existencial.
Um homem vai devagar
7. De todos os sinais de pontuação, a vírgula é aquela que Um cachorro vai devagar
desempenha maior número de funções. Considerando
essa informação, assinale a alternativa em que a vírgula Um burro vai devagar
foi empregada para isolar o adjunto adverbial, com o Devagar...as janelas olham
objetivo de destacá-lo:
a) “Melancolias, mercadorias espreitam-me.”
Eta vida besta, meu Deus.
b) “Posso, sem armas, revoltar-me?”
c) “Não, o tempo não chegou de completa justiça.”
ANDRADE, Carlos Drummond de.
d) “O tempo é ainda de fezes, maus poemas, De alguma poesia (1930).
alucinações e espera.”
e) “Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Na visão de Fávero (2000), há paralelismo a partir do
8. momento em que as estruturas são reutilizadas, mas
O ENTERRADO VIVO com diferentes conteúdos, ou seja, “um meio para
deixar fluir o texto” (p. 81). Diante disso, depreende-se
É sempre no passado aquele orgasmo,
que
é sempre no presente aquele duplo,
a) no título há paralelismo, visto que é ativado um
é sempre no futuro aquele pânico.
frame: o retrato da vida em uma cidadezinha do
É sempre no meu peito aquela garra. interior.
É sempre no meu tédio aquele aceno. b) no último verso há paralelismo, visto que se tem
É sempre no meu sono aquela guerra. resumida a concepção sobre a vida que aí se leva:
É sempre no meu trato o amplo distrato. “Eta vida besta, meu Deus”.
Sempre na minha firma a antiga fúria. c) em “Vai devagar”, a recorrência imprime ao texto
Sempre no mesmo engano outro retrato. um caráter concreto: na cidadezinha tudo vai
devagar e a única ação está nas janelas.
É sempre nos meus pulos o limite. d) a semelhança lexical entre “bananeiras” e
É sempre nos meus lábios a estampilha. “laranjeiras” acentua o fluxo do texto, tornando as
É sempre no meu não aquele trauma. diferenças semânticas lexicais reutilizáveis, em meio
ao conteúdo paralelo do poema.
Sempre no meu amor a noite rompe.
e) em “um”, a recorrência imprime ao texto um caráter
Sempre dentro de mim meu inimigo.
imaginário da existência de um objeto referido e
E sempre no meu sempre a mesma ausência.
paralelo ao conteúdo dos versos.
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viajando através da carne. Ou talvez existamos somente neles, que são omissos,
e nossa existência,
Carlos Drummond de Andrade.
apenas uma forma impura de silêncio, que preferiram.
Com base no texto, afirma-se: Carlos Drummond de Andrade, em “A família que me dei”, no livro
I. Ao remontar lembranças familiares, o retrato assume “Carlos Drummond de Andrade – Antologia poética” [organizada
contornos fantasmáticos nos seus pequenos detalhes, pelo autor].
54ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2004, p. 98.
que parecem metamorfosear elementos como o
jardim e os próprios parentes. Com relação ao poema, considere as assertivas:
II. Os limites físicos do retrato, definidos pela moldura, I. Na primeira estrofe, o eu lírico afirma que os nossos
são ultrapassados pela sugestão de imagens que mortos têm uma existência dentro de nós, portanto
simbolizam uma realidade lírica de reminiscências. esparsa e curta.
III. O retrato de família caracteriza-se como um II. Nos versos da segunda estrofe, o eu lírico afirma
elemento mágico que responde fielmente às dúvidas que as lembranças dos familiares causam um
do cotidiano dos familiares. sentimento negativo, desolador no sujeito.
IV. O poema propõe uma metáfora sobre a invenção do III. Na terceira estrofe, identificamos o emprego da
figura de linguagem denominada paradoxo.
passado, enquanto perspectiva do observador.
Está correto o que se diz em:
A(s) afirmativa(s) correta(s) é/são: a) I, II e III.
a) I, apenas. b) I e II.
b) II, apenas. c) II e III.
c) III, apenas. d) I apenas.
d) I, II e IV, apenas. e) I e III.
e) I, II, III e IV.
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Sobre o poema, “Sentimento do mundo”, é correto Com base na leitura do trecho do poema de Carlos
afirmar que: Drummond de Andrade, que integra a coletânea
a) O sujeito lírico é otimista em relação à sua atuação Sentimento do mundo, pode-se afirmar que o autor
no mundo. a) demonstra uma preocupação maior com a forma em
b) O sujeito lírico se sente impotente diante dos detrimento do tema desenvolvido.
acontecimentos.
b) enfatiza a injustiça social, priorizando esse tema em
c) O sujeito lírico mostra-se alienado dos problemas
cotidianos. relação às propostas estéticas cultivadas pelo
d) O sujeito lírico revela-se pragmático em relação à Modernismo.
vida. c) passa a cultivar uma nova maneira de fazer poesia,
e) O sujeito lírico manifesta uma postura de abandonando as pressões estéticas do Modernismo.
radicalização ideológica em relação ao mundo. d) revela dubiedade entre apegar-se à estrutura formal
do poema e dar vazão à crescente confusão
16. sentimental que caracteriza a fase madura de sua
MÃOS DADAS poesia.
e) passa a apresentar preocupações que não se
Não serei o poeta de um mundo caduco.
mostravam presentes nas primeiras fases de sua
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros. trajetória poética.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade. 18.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história. Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
janela. Entre eles, considero a enorme realidade.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
Os versos anteriores, do poema “Mãos dadas”, de Carlos
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os Drummond de Andrade, prendem-se a uma fase de sua
homens presentes, poesia na qual o poeta mineiro,
a vida presente a) promovendo um balanço crítico de sua poesia,
ANDRADE, C. D. Sentimento do mundo. aventura-se em novas formas poéticas, de caráter
São Paulo: Cia. das Letras, 2012.
experimental.
Escrito em 1940, o poema Mãos dadas revela um eu b) influenciado diretamente por Oswald de Andrade,
lírico marcado pelo contexto de opressão política no passa a compor epigramas irônicos.
Brasil e da Segunda Guerra Mundial. Em face dessa c) relativizando a ironia que caracterizava momentos
realidade, o eu lírico anteriores, escreve poemas de cunho político-social.
a) considera que em sua época o mais importante é a d) desiludido com os rumos do mundo contemporâneo,
independência dos indivíduos. recolhe-se à intimidade e passa a refletir sobre o
b) desvaloriza a importância dos planos pessoais na absurdo da existência.
vida em sociedade. e) já na casa dos setenta anos, entrega-se a um
c) reconhece a tendência à autodestruição em uma memorialismo em tom de crônica, revivendo suas
sociedade oprimida.
experiências juvenis.
d) escolhe a realidade social e seu alcance individual
como matéria poética.
e) critica o individualismo comum aos românticos e 19.
aos excêntricos. “Não faça versos sobre acontecimentos,
Não há criação nem morte perante a poesia.
17.
Diante dela, a vida é um sol estático,
MÃOS DADAS
Não aquece nem ilumina.”
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro. [...] Uma das constantes da obra de Carlos Drummond de
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, Andrade, como se verifica nos versos anteriores, é:
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista a) a louvação do homem social.
da janela, não distribuirei entorpecentes ou cartas b) negativismo destrutivo.
de suicida, não fugirei para as ilhas nem serei raptado c) a violação e desintegração da palavra.
por serafins. d) pessimismo lírico.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, e) questionamento da própria poesia.
os homens presentes, a vida presente.
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No trecho do “Poema de sete faces”, o eu lírico ilustra o Que cruel, obscuro instinto
seu “gauchismo”, evidenciado pelo (a): movia sua mão pálida
a) desajuste do sujeito, entendido como uma danação sutilmente nos empurrando
figurativamente decretada por um “anjo torto”.
pelo tempo e pelos lugares
b) angústia do eu lírico diante de um mundo que o
condenou e o desprezou. defendidos?
c) dilema do sujeito em relação ao seu destino de poeta
num mundo que entrava em Guerra. Olhei-o nos olhos brancos.
d) desprezo do poeta pela humanidade, pela religião e Gritei-lhe: Fala! Minha voz
pela modernidade da máquina. vibrou no ar um momento,
e) solidão do eu lírico, vítima do isolamento social, o bateu nas pedras. A sombra
que o afasta da realidade social de seu tempo.
prosseguia devagar
29. aquela viagem patética
“O bonde passa cheio de pernas: através do reino perdido.
pernas brancas pretas amarelas. Porém nada dizia.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos [...]
não perguntam nada.”
DRUMMOND, Carlos Drummond. Antologia Poética.
Nos versos do “Poema de sete faces”, constata-se que o
eu lírico manifesta um sentimento de: Com relação ao poema, considere as assertivas:
a) alívio por não se sentir parte do mundo, o que I. Tomando a sombra do pai como guia de sua viagem,
confirma seu comportamento gauche.
Drummond constrói gradualmente imagens
b) revolta ao confrontar-se com a realidade de um
mundo tomado pela modernidade. associadas à sua história e ao passado de sua família;
c) resignação diante de sua destinação profética II. Conjugando um cenário silencioso e agonizante, os
anunciado pelo anjo que vive na sombra. versos são marcados pela sensação de
d) resiliência, observada na perseverança do eu lírico incomunicabilidade;
no enfrentamento de seus dramas. III. Revisitando o passado familiar, o eu lírico busca a
e) perplexidade do sujeito diante de um mundo em que expiação de seus erros, reconstruindo um reino
não se encaixa, o que produz o isolamento.
perdido em suas memórias antigas.
30.
VIAGEM NA FAMÍLIA Está correto o que se diz em:
a) I, II e III.
No deserto de Itabira b) I, apenas.
a sombra de meu pai c) II, apenas.
tomou-me pela mão.
d) II e III.
Tanto tempo perdido.
Porém nada dizia. e) I e II.
Não era dia nem noite.
Suspiro? Voo de pássaro? • Texto para as questões 31 e 32.
Porém nada dizia.
CONGRESSO INTERNACIONAL DO MEDO
[...]
No deserto de Itabira
as coisas voltam a existir, Provisoriamente não cantaremos o amor,
irrespiráveis e súbitas. que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
O mercado de desejos Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
expõe seus tristes tesouros: não cantaremos o ódio porque esse não existe,
meu anseio de fugir; existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
mulheres nuas; remorso;
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
Porém nada dizia.
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
Pisando livros e cartas, cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
viajamos na família. cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
Casamentos; hipotecas; depois morreremos de medo e sobre nossos túmulos
os primos tuberculosos; nascerão flores amarelas e medrosas.
a tia louca; minha avó
traída com as escravas, Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo.
rangendo sedas na alcova. In: Poesia e prosa.
Porém nada dizia.
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35. Em “A rosa do povo”, Carlos Drummond buscou obter • Texto para as questões 36 e 37.
um ponto de equilíbrio entre a função social e a função
estética do texto poético. Uma de suas estratégias para A MÃO SUJA
tal baseava-se na exploração da palavra pelo poeta em
sua potencialidade máxima, como se revela no poema Minha mão está suja. Ai, quantas noites
“Procura da poesia”. Sob essa perspectiva, leia o poema Preciso cortá-la. no fundo de casa
“Áporo” e depois a definição da palavra “áporo” do Não adianta lavar. lavei essa mão,
dicionário.
A água está podre. poli-a, escovei-a.
Nem ensaboar. Cristal ou diamante,
Um inseto cava
cava sem alarme O sabão é ruim. por maior contraste,
perfurando a terra A mão está suja, quisera torná-la,
sem achar escape. suja há muitos anos. ou mesmo, por fim,
uma simples mão
Que fazer, exausto, A princípio oculta branca,
em país bloqueado, no bolso da calça, não limpa de homem,
enlace de noite quem o saberia? que se pode pegar
raiz e minério? Gente me chamava e levar à boca
na ponta do gesto. ou prender à nossa
Eis que o labirinto
Eu seguia, duro. num desses momentos
(oh razão, mistério)
presto se desata: A mão escondida em que dois se
no corpo espalhava confessam
em verde, sozinha, seu escuro rastro. sem dizer palavra...
antieuclidiana, A mão incurável
uma orquídea forma-se. E vi que era igual abre dedos sujos.
Antologia Poética, Carlos Drummond de Andrade usá-la ou guardá-la. [...]
O nojo era um só.
“Áporo, s. m. (Didát.) Problema difícil ou impossível de Antologia poética, Carlos Drummond de Andrade
resolver // (Bot.) Gênero de plantas da família das
orquidáceas, composto de várias espécies, todas 36. Considerando que o poema foi publicado no livro
herbáceas, de flores quase solitárias, ordinariamente “José”, obra da 2ª fase da poesia de Drummond, analise
esverdinhadas. // (Zool.) Gênero de insetos as assertivas:
himenópteros, da família dos cavadores, cujo tipo é o I. Cortar a própria mão denota simbolicamente o
áporo-bicolor. // F. gr. Aporos (difícil, sem saída).” empenho do poeta em manter-se isolado, distante do
Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa Caldas Aulete. mundo moderno, validando sua ligação com Itabira;
Apud. PIGNATARI, Décio. “Áporo”. In: Contracomunicação. 3. ed. II. Decepar o próprio corpo seria a maneira de
Cotia: Ateliê Editorial, 2004, p. 138.
purificação da sujeira impregnada na mão,
metonímia para o corpo todo;
Com base nas informações dadas e no poema “Áporo”,
III. Observa-se nos versos a ideia de mutilação como
assinale a alternativa correta.
forma drástica, agressiva e punitiva do poeta
a) É um poema metalinguístico, em que o áporo é
consigo mesmo.
metáfora do poeta (o inseto cavador) e da poesia (a
orquídea), mas indica também a dificuldade de
Está correto o que se diz em:
elaborar uma poesia de resistência sócio-política.
a) I e III
b) Os versos “enlace de noite / raiz e minério”
b) II e III, apenas.
introduzem uma crítica contra a mineração
c) I e II, apenas.
predatória em Itabira(MG), terra natal do poeta,
d) II, apenas.
onde a extração de ferro degradou boa parte da
e) I, II e III.
paisagem.
c) A forma do poema é solta e desordenada,
37. Com base no poema, pode-se inferir que o eu lírico
apresentando estrofes e métrica irregulares, o que
manifesta
remete ao caos labiríntico de onde o inseto busca
a) a autonegação provocada pelo sentimento de culpa e
escapar ou ao desenho confuso da orquídea.
de limitação.
d) O termo “antieuclidiana” refere-se a Euclides (pai da
b) a vocação como poeta engajado e como formador de
geometria clássica), indicando a negação do
opinião.
racionalismo por Drummond, o que o levou a
c) a autocrítica ao seu fazer poético, propondo uma
configurar esse poema como um texto ininteligível.
revisão de seu discurso.
e) O poema resume-se a um mero exercício lúdico, em
d) o engajamento social, sugerindo a mutilação das
que as palavras são contempladas, manipuladas,
injustiças sociais.
transformadas, destituídas de qualquer significado
e) a ideia de transformação e renovação por meio do
ou intenção implícita.
sacrifício pessoal.
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Meu pai montava a cavalo, ia para o campo. a) os verbos, advérbios e complementos representam
Minha mãe ficava sentada cosendo. uma situação perigosa para quem bebe pouco leite.
Meu irmão pequeno dormia. b) a construção repetitiva dos versos sugere uma tensão
entre as condições de vida, a repetição própria do
Eu sozinho menino entre mangueiras
trabalho moderno e uma moralidade social violenta.
lia a história de Robinson Crusoé,
c) o estilo coloquial do poema está em perfeita
comprida história que não acaba mais.
consonância com os preceitos da poética romântica
do autor.
No meio dia branco de luz uma voz que aprendeu
d) os versos tematizam a luta no campo entre grandes e
a ninar nos longes da senzala – nunca se esqueceu
pequenos pecuaristas dedicados à produção de
chamava para o café.
laticínios no país.
Café preto que nem a preta velha e) a escassez de recursos linguísticos é uma metáfora
café gostoso da escassez de recursos na produção social de
café bom. laticínios no país.
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• Texto para as questões 51, 52 e 53. 51. Com base na leitura do poema, a intenção do poeta é a
de realizar:
ROMARIA a) uma reconstrução da memória da beleza das
procissões que marcaram seu tempo de infância,
A Milton Campos
revisitando-as nostalgicamente.
Os romeiros sobem a ladeira b) uma crítica à religiosidade, desmascarando as
cheia de espinhos, cheia de pedras, motivações religiosas de interesse pessoal que
sobem a ladeira que leva a Deus movem os fiéis.
c) revelar o sacrifício dos penitentes em busca da
e vão deixando culpas no caminho.
salvação, destacando todo o cenário de religiosidade
Os sinos tocam, chamam os romeiros: de Minas Gerais.
Vinde lavar os vossos pecados. d) revisitar o passado de sua infância e reconstruir o
painel de suas memórias, recompondo as tradições
Já estamos puros, sino, obrigados,
itabiranas.
mas trazemos flores, prendas e rezas. e) evidenciar que a fé dos peregrinos é rejeitada por
No alto do morro chega a procissão. Jesus, que no alto da cruz lamenta os pecados dos
fiéis.
Um leproso de opa empunha o estandarte.
As coxas das romeiras brincam no vento. 52. O verso “o pó das feridas e o pó das muletas”, na quinta
Os homens cantam, cantam sem parar. estrofe, constitui um exemplo da seguinte figura de
linguagem:
Jesus no lenho expira magoado.
a) hipérbato.
Faz tanto calor, há tanta algazarra. b) quiasmo.
Nos olhos do santo há sangue que escorre. c) antonomásia.
Ninguém não percebe, o dia é de festa. d) metonímia.
e) disfemismo.
No adro da igreja há pinga, café,
imagens, fenômenos, baralhos, cigarros 53. Embora modernista, o poema apresenta um ideal
e um sol imenso que lambuza de ouro Barroco, aspecto observado no (a):
o pó das feridas e o pó das muletas. a) tensão revelada no desajuste entre os desejos
humanos e o ideal de espiritualidade.
Meu Bom Jesus que tudo podeis, b) ironia entre a busca pela espiritualidade penitente e a
humildemente te peço uma graça. imagem distante da salvação.
Sarai-me Senhor, e não desta lepra, c) antagonismo entre a fé refreada pelos desejos da
carne e a busca pela de satisfação espiritual.
do amor que eu tenho e que ninguém me tem.
d) jogo entre a imagem do sofrimento de Cristo na cruz
Senhor, meu amo, dai-me dinheiro, e o sacrifício dos romeiros.
muito dinheiro para eu comprar e) imagem de um Cristo ornamentado e distante e a
imagem pobre dos penitentes.
aquilo que é caro mas é gostoso
e na minha terra ninguém não possui.
54.
Jesus meu Deus pregado na cruz, “Os romeiros pedem com os olhos,
me dá coragem pra eu matar pedem com a boca, pedem com as mãos.
um que me amola de dia e de noite Jesus já cansado de tanto pedido
e diz gracinhas à minha mulher. dorme sonhando com outra humanidade.”
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BIBLIOGRAFIA ANOTAÇÕES
GABARITO
1 2 3 4 5 6 7 8
B D C A C D C D
9 10 11 12 13 14 15 16
C A D E D E B D
17 18 19 20 21 22 23 24
E C E D C C B E
25 26 27 28 29 30 31 32
D B E A E E C C
33 34 35 36 37 38 39 40
C D A B A D B B
41 42 43 44 45 46 47 48
B B C E C E B B
49 50 51 52 53 54
C E B D A B
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