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TEORIA CRÍTICO LITERÁRIA

Dra. Sylvia Bittencourt

GUIA DA
DISCIPLINA
2019
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância

“O professor sempre se impacienta, quando tem de explicar


qualquer coisa mais de uma vez. O livro não. O livro exige apenas
a boa vontade de quem estuda.”
Aluísio Azevedo

 Ao escolher esta epígrafe de Aluísio Azevedo, introduzo uma questão pedagógica.


O valor da leitura no processo da aprendizagem. Não que eu queira fugir da
responsabilidade docente de explicar quantas vezes forem necessárias, as
dúvidas que surgirão, mas sim envolver você com uma verdade inquestionável: o
protagonismo do leitor no ato de ler. É ele o sujeito de sua aprendizagem, ainda
mais no caso do Ensino/Aprendizagem da Literatura
 Como o objeto de estudo da disciplina é Literatura e engloba uma produção
artística, humana e social, ela se transforma com o passar dos tempos. Suas
funções se transformam ao longo da História. Há muitas manifestações do BELO
e do BOM. Isso sugere que o gosto se transforma ao longo do tempo da
humanidade e de nossa própria vida. Lembre-se de que você já fez careta e cuspiu
a primeira colherada de um doce. Há crianças que chegam a se arrepiar com
repulsa pelo novo paladar açucarado. Mas hoje.... haja brigadeiro!
 Essa “conversinha” introdutória tem como objetivo refletir sobre a resposta pronta,
nascida do senso comum e vendida como se fosse verdade: “Gosto não se
discute”. Gosto se discute. SIM!!. Mau gosto, lamenta-se e bom gosto se
aprende, ampliando as referências e o horizonte de conhecimento a respeito de
todas as artes, paladares e cores. É uma questão de se ter um repertório a
respeito do que é Humano: a diversidade, a alegria de brincar com palavras, o
auto-conhecimento que são fenômenos estudados por múltiplas ciências
humanas ou exatas.
 A prova maior de que o gosto não é uma condenação fatal, que devemos
carregar por toda vida, é que estamos diante de uma disciplina que reúne duas
áreas de conhecimento: Teoria Literária e Crítica Literária que abarcam um
conteúdo que fez muita gente pensar, desde os gregos até os dias atuais. Sem
esquecer da crítica que aborda fatos, técnicas tanto de músicas, como filmes
populares. Gosto se discute, sim, mas sem fanatismo, sem precipitação, afinal
 “vá que sua opinião mude na semana seguinte”?

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1. O QUE É LITERATURA?

Por enquanto é arte. A arte da palavra e é o resultado do exercício artístico da


linguagem verbal. É nisso que ela se difere das demais escritas.

Platão e Aristóteles foram os pioneiros na tentativa de descrever e organizar toda


essa produção humana, a que hoje damos o nome de Literatura. A descrição feita por
Aristóteles – discípulo de Platão (384 a.C.–322 a.C.) foi fundamental para apontar as bases
da natureza literária e seu pensamento influenciou na cultura ocidental.

No tempo dos gregos, as coisas não eram como nós as conhecemos hoje: Não
existia o livro impresso e as manifestações literárias se davam oralmente. As narrativas e
as músicas eram declamadas por homens conhecidos como aedos ou rapsodos, cuja
função era a de fazer circular oralmente – por meio de declamações públicas – essas
composições entre o maior número possível de pessoas. Homero suposto autor da Ilíada e
da Odisseia era um aedo cego. O registro que temos dos textos daquela época é bastante
posterior ao momento em que eles foram compostos e depois de passar por séculos de
tradição oral.

Como nossa cultura é herança recebida dos gregos antigos, boa parte das ideias de
Platão e Aristóteles ainda valem e nos fornecem as bases para responder a essa pergunta.
O que é literatura?

Para esboçarmos uma resposta mais profunda, dependemos de contextos


históricos, referências culturais e esforço teórico. Saliento que para a análise do literário há
necessidade de um instrumental teórico que vem se especializando e se ampliando com o

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passar dos milênios, afinal as ciências da linguagem vêm se especializando, principalmente


ao longo das últimas décadas do século XX.

Se literatura é compreendida, de modo geral, como o exercício artístico da


linguagem, se linguagem verbal é uma forma da comunicação, de interação com os outros
e com o mundo que nos cerca e conosco mesmos. Podemos, assim, facilmente perceber
que os limites do universo são insuficientes para abarcar a temática literária, pois ela
engloba o real que pode ser representado, como o que é imaginado, desejado, temido e
sonhado...

Diante dessa amplitude, não basta um conceito de Literatura. Muito mais coerente
é falar em conceitos de literatura, no plural, porque assim podemos pensar em toda a
diversidade da produção artística que se utiliza da linguagem verbal, sem deixar nada de
fora.

Sendo assim, vamos a eles, aos conceitos de literatura.

Segundo Soares Amora1, podemos pensar os conceitos de literatura em dois


grandes blocos históricos, ou seja, em duas Eras – a Clássica e a Moderna.

A Era Clássica vai desde a época de Platão e Aristóteles, os primeiros teóricos da


literatura, até o século XVIII; a Era Moderna vai desde o Romantismo até os nossos dias.
Há poucas décadas já se fala em Era Pós-Moderna.

Na Era Clássica, primeiramente há uma preocupação em estabelecer um conceito


relacionado à forma com que a linguagem é utilizada para se dizer que determinada
composição é arte literária ou não. Em segundo lugar, os antigos falam no conteúdo quando
se estabelece que a arte literária é a arte que cria, pela palavra, uma imitação da realidade.(
mimesis)

1
Antônio Augusto Soares Amora, foi um pioneiro, educador, professor do curso de Letras da Universidade
de São Paulo, poeta, escritor e ex-presidente da Academia Paulista de Letras.( *1917 – 1999)

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1.1. Alguns conceitos


Para os gregos antigos, a literatura é um uso especial da linguagem com o objetivo
de criar uma imitação da realidade. (ou mimese, estudada por Aristóteles).

Aqui temos três aspectos que merecem destaque.


 Observe que se trata de um uso da linguagem, fato que obriga o emprego de
uma determinada Língua .2
 Esse uso especial da linguagem é direcionado para a criação, ou seja, a
literatura não é como a História, que tem a pretensão de registrar a verdade
dos fatos: a literatura cria ficção, pois não está interessada no registro da
verdade imediata. (verossimilhança)
 Essa criação se dá na medida em que imita a realidade – aqui temos a ideia
de imitação estabelecendo que a literatura tenha como referência a imitação
da realidade, e isso quer dizer que, mesmo sendo criação, a literatura precisa
se referenciar na realidade, imitando-a.

Na Era Moderna, ou seja, a partir dos românticos do século XVIII, a literatura passa
a ser compreendida, de maneira mais ampla, como o conjunto da produção escrita. Isso se
deve, principalmente, a invenção da imprensa.

1.2. Funções da literatura


A partir da Era Moderna, com a invenção de Gutenberg3, a literatura passou a ter
uma relação mais direta com a ideia de ficção, de criação, afastando-se um pouco da noção
clássica de imitação da realidade. Isso não significa que não haja a presença do imaginário
na Era Clássica, basta lembrar-nos da mitologia grego-latina que povoava as grandes
epopéias. (Olimpo, Vênus, Netuno, Cupido etc)

2 A linguagem é a capacidade que os seres humanos têm para produzir, desenvolver e compreender a língua e outras manifestações,
como a pintura, a música e a dança. Já a língua é um conjunto organizado de elementos (sons e gestos) que possibilitam a comunicação.
https://novaescola.org.br/conteudo/257/qual-a-diferenca-entre-lingua-e-linguagem 2/5/19

3 Em 1442, Johann Gensfleish Gutenberg (1397-1468) desenvolveu técnicas de impressão em papel.

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O aspecto mais importante dessa concepção de literatura é o fato de que a realidade


passa a ser considerada de múltiplas formas, não é mais possível falar em uma única
realidade. Cada artista concebe o mundo a partir da sua subjetividade, da sua intuição e
sua obra é um retrato livre dessa interioridade.

Em síntese, podemos dizer que atualmente a noção de literatura está diretamente


ligada à época em que essa mesma literatura foi produzida. O que não foi considerado
literatura há 200 anos, hoje pode muito bem ser considerado como obra literária: não há
mais a crença, como havia na concepção clássica, de que a literatura abrange obras
eternas e de valor universal.

Podemos então dizer que a literatura existe em relação à época em que foi produzida
e também em relação ao país em que apareceu.

A definição de Literatura a partir de suas funções indica tanto a função social como
individual, ou seja, pública ou privada. Aristóteles falava de katharsis (catarse), ou de
purgação, ou de purificação de emoções como o temor e a piedade. É uma noção difícil de
determinar, mas ela diz respeito a uma experiência especial das paixões (dores,
sofrimentos) ligada à arte poética. Além disso, ele colocava o prazer de aprender na origem
da arte poética: instruir ou agradar, ou ainda instruir agradando, serão as duas finalidades

Horácio4 dizia que a literatura tinha uma função bem nobre: deleitar ensinando-nos
a ser melhores, mais sábios mais cultos. Antônio Cândido 5 retorna a Horácio ao
sintetizar que é educativa a função da literatura.

Na atualidade, considera-se Literatura, não somente obras consagradas, os ditos


clássicos pois nosso país apresenta números vergonhosos de leitores, mesmo de textos
pragmáticos. É a Educação Básica a responsável pela formação de mais leitores
competentes já que as famílias e a sociedade em geral pouco contribuem para tal

4
Quinto Horácio Flaco, foi um poeta lírico e satírico romano, além de filósofo. É um dos maiores poetas da
Roma Antiga. (de 65 a.C., Roma- 8 a.C.)

5
Antonio Candido de Mello e Souza foi um sociólogo, crítico literário e prof essor da USP Estudioso da
l i t e r a t u r a b r a s i l e i r a e e s t r a n g e i r a , é a u t o r d e u m a o b r a c r í t i c a e xt e n s a , r e s p e i t a d a n a s p r i n c i p a i s
universidades do Brasil ( 1918 – 2017).

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competência. A escola, portanto precisa usar estratégias para formação de leitores e para
tanto se vale de obras de pouca complexidade, simplificadas, resumos e de leitura
facilitada. Na escola, há sempre o objetivo de avaliação, o que torna a literatura uma causa
de sofrimento, fracasso, burla e algo bem distante do deleite e do prazer de se ler.

É preciso começar por se seduzir leitores jovens, alargando os limites do literário,


aceitando até livros de autoajuda, religiosos, literatura popular e de massas, promover
eventos de aproximação dos jovens com os livros _ caso a paixão não tenha sido moldada
na infância.

E aí é que entra a teoria, novamente. A reflexão teórica sobre a realização da obra


literária poderá nos apontar um Norte no sentido de estabelecer valores: valores estéticos,
morais, valores de permanência, de ruptura, valores que possam nos autorizar a
reconhecer tais obras como manifestações artísticas do humano, pela palavra.

Experimente o estado de alma proposto por Gilberto Gil para você ler Literatura. O
recolhimento, concentração, a solidão habitada por pensamentos ajuda a conversar
conosco e com algo muito além de nós mesmos.

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Aproveite para vivenciar Literatura além da razão e sim por uma experiência
emocional. Ouça o silêncio e aprofunde cada um dos versos ... E aproveite para
chorar diante a Beleza que é a descoberta da VIDA. Chorar pelo Belo é valioso!

Se eu quiser falar com Deus - Gilberto Gil


https://www.youtube.com/watch?v=cw2htOGZO1Q acesso em 2/05/2019

Outra sugestão: ODE À ALEGRIA Letra de música


pode ser um
L.ETRA DE SCHILLER foi escrito em 1785 e revisado em 1803 poema!
https://www.youtube.com/watch?v=bMHKfHL32ak

Se eu quiser falar com Se eu quiser falar com Se eu quiser falar com


Deus Deus Deus

Tenho que ficar a sós Tenho que aceitar a dor Tenho que me aventurar

Tenho que apagar a luz Tenho que comer o pão Tenho que subir aos
céus
Tenho que calar a voz Que o diabo amassou
Sem cordas pra segurar
Tenho que encontrar a Tenho que virar um cão
paz Tenho que dizer adeus
Tenho que lamber o chão
Tenho que folgar os Dar as costas, caminhar
Dos palácios, dos
nós
castelos Decidido, pela estrada
Dos sapatos, da gravata
Suntuosos do meu Que ao findar vai dar
Dos desejos, dos sonho em nada
receios
Tenho que me ver Nada, nada, nada, nada
Tenho que esquecer a tristonho
Nada, nada, nada, nada
data
Tenho que me achar
Nada, nada, nada, nada
Tenho que perder a medonho
conta Do que eu pensava
E apesar de um mal
encontrar
Tenho que ter mãos tamanho
vazias
Alegrar meu coração
Ter a alma e o corpo
nus

Maravilhoso vídeo para a primeira semana, celebre o fato de você estar estudando.

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2. TEORIA DA LITERATURA: O QUE É ISSO?

Por isso, embora nada se possa considerar definitivo em matéria de


excelência estética, dificilmente se poderá considerar como gratuito o
efeito de permanência de obras que mantêm, mesmo com o passar
dos séculos, o vigor do momento de seu aparecimento. (OSAKABE;
FREDERICO, 2004,).

Teoria é uma palavra de origem grega, “theoria”, que tinha o significado, nessa
língua, de contemplar, olhar, especular ou examinar. Ou seja, observar sistematicamente
um fenômeno natural e/ ou humano para encontrar e descrever a especificidade so objeto
de estudo.

Teoria científica confere o limite entre o que é ciência ou simples especulação


defendida pelo senso comum6. Geralmente é pela formação universitária que adquirimos
conhecimentos para irmos além das frágeis especulações e das ociosas hipóteses iniciais
do senso comum.

A teoria é um instrumento, uma ferramenta, serve para fazer um


trabalho, serve para produzir o conhecimento de que necessitamos. Como o Homem, a
Vida e a Sociedade se transformam com o tempo, constata-se que as teorias evoluem em
virtude da descoberta de novos fatos, que necessariamente passam a integrar a versão
evoluída. Chegamos então a perceber que Teoria da Literatura agrega várias teorias que
dão forma a um conjunto de princípios fundamentais de uma arte_ a arte da palavra _
ou a opinião sintetizada de princípios que precisam ser comprovados. Teoria é uma
noção geral de hipóteses sobre qualquer fenômeno não conhecido. E em nosso caso há
o fenômeno literário que há milênios se expressa em diferentes línguas, empregando
palavras e se valem de recursos linguísticos.

Fazendo uma síntese: A Teoria Literária consiste no estudo e sistematização da


Literatura como área do conhecimento, bem como os modos de análise deste campo.
Para o leitor comum, a teoria literária não tem grande utilidade, visto que as leituras
que realiza são determinadas especificamente pelo gosto, influências ao acaso e na maioria

6
O Senso Com um é a soma dos sabe res do cotidi an o e é form ado a pa rti r de hábitos, crenç as,
preconceitos e tradições. Na filosofia, o termo é utilizado para explicar as interpretações feitas pelos
indivíduos à realidade que os cercam sem estudos prévios ou provas científicas. É apenas um pensamento
sem a força da comprovação.

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das vezes, decorrentes do senso comum ou da mídia. O acadêmico, por sua vez, costuma
fazer uma leitura mais complexa, dedicando-se aos pormenores da crítica especializada de
sua área tendo assim fundamentos comprováveis para exercer a docência de Literatura.
Espera-se que o docente da Educação Básica conheça os princípios que regem a prática
de ler e escrever, pois a escola precisa desenvolver o senso crítico das novas gerações e
garantir-lhes a competência de Leitura e de compreensão da linguagem verbal, inclusive a
literária.

Mesmo sabendo que não é objetivo da Educação Básica a formação de escritores e


de críticos literários, espera-se que as novas gerações se interessem por conhecer os
pensamentos, sentimentos e utopias da humanidade, a literatura de seu país e
experimentem o prazer estético e sobretudo se beneficiem com o legado cultural humano
que perdura há milênios. Nas palavras de Victor Manuel de Aguiar e Silva:

“A teoria da Literatura integra-se no grupo das chamadas ciências do espírito,


caracterizadas por possuírem um objetivo, métodos e escopo7 diversos dos das
chamadas ciências da natureza . Enquanto essas têm como objeto o mundo natural,
a totalidade das coisas e dos seres que são simplesmente dados, quer no
conhecimento sensível, quer à abstração intelectual, as ciências do espírito têm
como objeto o mundo criado pelo homem no transcurso dos séculos/. As ciências
do espírito esforçam-se por compreender a realidade no seu caráter individual, no
seu devir espacial e temporariamente condicionado”

Quem possui um bom repertório de leitura literária e interesse em se debruçar sobre


os princípios da literariedade8 pode transformar-se em teórico e pensar sobre a realidade,
criando teorias sobre ela. Uma teoria é fruto, ou resulta do exercício de pensar sobre a
realidade, contestando as ideias já prontas e as soluções já dadas para os problemas que
enfrentamos nas várias esferas da vida, precisa ser comprovada na realidade.

(es.co.po)
1. Alvo, ponto que se pretende atingir: Nosso escopo era a ilha a ser tomada.
2. Finalidade, objetivo; PROPÓSITO; INTUITO: O escopo da operação era acabar com os madeireiros.
3. O espaço, a abrangência da mobilidade e efetividade de algo, de um sistema, de uma atividade, de uma ideia etc.

8
Literariedade é o «conjunto de características específicas (linguísticas, semióticas, sociológicas) que permitem considerar um texto
como literário». A palavra vem de «literário + -dade».

[Cf. Dicionário Eletrônico Houaiss]

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Quando nos interessamos por pensar e criar teorias, estamos, de várias formas,
combatendo preconceitos, pois passaremos a criar conceitos novos, sobre os quais
teremos pensado bastante.

Para o teórico Compagnon (2003, p.19), algumas distinções são necessárias.


Primeiramente, quem diz teoria pressupõe uma prática, diante da qual uma teoria se coloca,
ou diante da qual se elabora uma teoria. Diante disso, podemos perguntar: que prática a
teoria da literatura codifica, isto é, organiza mais do que regulamenta?

Não é, parece, a própria literatura ou a criação literária: a teoria da literatura não


ensina a escrever romances ou poemas. Na verdade, a teoria literária estabelece os modos
pelos quais os estudos literários podem se organizar. Pode-se dizer, enfim, que a teoria
literária instrui os estudos literários ou os estudos da literatura.

A teoria literária é construção discursiva da qual participam muitos agentes, dentre


os quais se destacam os autores e os leitores. Ela se configura como uma proposta de
interpretação do fenômeno literário. Assim, temos diversos movimentos teóricos
importantes que buscam dar conta da produção literária. É comum dizer que a teoria literária
“corre atrás” da produção literária para compreender seus mecanismos de realização do
modo mais eficiente possível.

Para os críticos acadêmicos, a teoria literária pode ser considerada como o ponto de
partida para compreender os pormenores da área a qual se dedicam, tais como correntes
de pensamento etc. Nesse aspecto, ela opera uma distinção entre o crítico e o leitor comum.

Entre os conceitos básicos, destacam-se os de discurso, linguagem, espaço,


estrutura, literariedade, narrador, obra literária, polissemia, tempo e verossimilhança.

As principais linhas da teoria literária são: o Formalismo Russo (primeiras décadas


do século passado), o Estruturalismo Tcheco (década de 30 do século passado), o Pós-
Estruturalismo e o Desconstrutivismo franceses, e a Estética da Recepção alemã (década
de 60 do século passado), a Crítica de Gênero (década de 70 do século passado), e os
Estudos Pós-Coloniais e Culturais (a partir da década de 80 do século passado).

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3. O QUE É CRÍTICA LITERÁRIA

Fechado, um livro é literal e geometricamente um volume, uma


coisa entre outras. Quando o livro é aberto e se encontra com
seu leitor, então ocorre o fato estético. Deve-se acrescentar que
um mesmo livro muda em relação a um mesmo leitor, já que
mudamos tanto. (BORGES, 1987).

A arte não é apenas entretenimento, nem fuga da realidade como quando se adota
uma postura escapista. Ela também provoca reflexão e transformação. No caso da
literatura, ela favorece a aquisição de um repertório linguístico mais complexo, sem o qual
não é possível haver conhecimento, uma vez que todo o conhecimento humano passa pela
linguagem; ou como proferiu Wittgenstein9: “As fronteiras da minha linguagem são as
fronteiras do meu universo”.

Em todos os suportes e mídias, em todos os gêneros; sejam eles orais, escritos ou


audiovisual, a linguagem é usada de forma artística, logo, é objeto necessário dos estudos
literários. Assim, ao estudar a Literatura estamos no universo da linguagem verbal artística
e intelectual. Isto abrange desde as formas mais ancestrais (epopeia, novela, romance,
conto, crônica, ensaio, epístola, manifesto, poesia lírica, letra de música, poesia concreta,
teatro, ópera...) até as novas modalidades (roteiro de cinema, teledramaturgia, cartum,
charge, gibi, quadrinhos, spot de rádio, outdoor, slogan, peças publicitárias para a TV,
propaganda em geral, stand up comedy, blog, fanfic etc).

Todos os gêneros textuais e todos os suportes de comunicação e expressão são


merecedores de estudo literário e assim devem ser objeto de reflexão do profissional
graduado em Letras, sobretudo aqueles com especialização em Literatura. Por serem muito
abrangentes os limites do fenômeno literário, já existe desde os meados do século XX,
cursos de especialização, de mestrado e doutorado em Teoria e Literatura nas
universidades do país. Isso favorece a capacitação de docentes na área literária com
aprofundamento e atualização dos estudos.

9
Ludwig Joseph Johann W ittgenstein foi um filósofo austríaco, naturalizado britânico. Foi um dos
p r i n c i p a i s a u t o r e s d a v i r a d a l i n g u í s t i c a n a f i l o s o f i a d o s é c u l o X X. S u a s p r i n c i p a i s c o n t r i b u i ç õ e s f o r a m f e i t a s
nos campos da lógica, filosofia da linguagem, fil osofia da matemática, e filosofia da mente. ( 1899 – 1951)
W ikipédia

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Esses cursos favorecem o surgimento do profissional da área: o crítico literário, ou


seja, um crítico de arte especializado na arte da linguagem. Ele analisa o argumento
(enredo), o contexto, o discurso, as ideologias, as ferramentas retóricas utilizadas, o efeito
proposto, o efeito obtido, a importância política, a forma, o conteúdo; o valor sociocultural,
filosófico, pedagógico, histórico, além do valor estético.

Veja a abrangência de conhecimentos envolvidos e como eles são adquiridos ao


longo do tempo, por isso o crítico literário se firma com o passar do tempo. E o que se faz
enquanto os conhecimentos ainda não são consolidados. Ele se guia com a leitura de
críticas de vários críticos já consagrados.

O crítico literário é, portanto, um filósofo da arte verbal. No estudo de Literatura e


Teoria da Literatura, o graduando em Letras deve obter as ferramentas para compreender
a arte literária, sua importância e função, tanto nos suportes tradicionais (livro, teatro,
folhetim, música...) quanto nos mais atuais (rádio, cinema, revista, TV, internet).

O crítico literário é um conhecedor da História e da tradição, um pesquisador do


folclore, um estudioso da cultura que define a identidade nacional de um povo. Mas ele
também é um pensador, um formador de opinião, um crítico das ideologias,
consequentemente, sua função essencial é pesquisar, produzir e inovar.

Sem a arte não há espírito humano. A arte é a expressão máxima de técnica aliada
a sentimento, racionalidade aliada à experiência, idealismo aliado a empirismo, tradição
aliada à ruptura. A arte define e revela quem somos, que mitos cultivamos, em que ideais
estéticos nos espelhamos, quais sentimentos escondemos e quais repudiamos. Como
disse Lacan: “o artista precede o psicanalista”.

Logo, o crítico literário é também um leitor e intérprete das metáforas e alegorias da


vida; um contemplador dos mitos, lendas, símbolos, arquétipos e investigador de seus
significados; um observador atento da sociedade e um estudante da psique humana.

A crítica literária precisa da teoria que apresenta recursos conceituais como


sustentação dos critérios da arte. Vimos que a teoria se configura como uma proposta de
interpretação da obra literária. A crítica, por sua vez, dirá se essa interpretação é válida, ou
seja, se o que a obra diz e o modo como diz são válidos como expressão artística. Todos

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nós já nos perguntamos um dia: Machado de Assis seria umautor tão importante na história da
literatura?

Quem disse que ele é importante? De certa forma, foi a Crítica Literária.É claro que não
disse sozinha: outras instituições importantes participaram desse julgamento – a escola de
Ensino Fundamental e Médio e as Universidades, a mídia.

A crítica literária divide, com a escola e com a universidade, a função de julgar a


produção literária de seu tempo e, ao realizar esse julgamento, ela estabelece,
simultaneamente, o que cada época julga importante em termos artísticos e culturais.

O papel do crítico literário, segundo Machado de Assis (1999, p. 40), no seu famoso
ensaio “O ideal do crítico”, a ciência e a consciência são as duas condições principais
para se exercer a crítica. Ainda mais: a crítica útil e verdadeira será aquela que, em vez de
modelar as suas sentenças por um interesse, quer seja o interesse do ódio, quer o da
adulação ou da simpatia, procure reproduzir unicamente os juízos da sua consciência. Não
lhe é dado defender nem os seus interesses pessoais, nem os alheios, mas somente a sua
convicção, e a sua convicção deve formar-se tão pura e tão alta que não sofra a ação das
circunstâncias externas. [...] Com tais princípios, eu compreendo que é difícil viver; mas a
crítica não é uma profissão de rosas, e se o é, é-o somente no que respeita à satisfação
íntima de dizer a verdade. (MACHADO DE ASSIS, p. 40-41)

Na perspectiva de Machado de Assis, o crítico literário é uma espécie de missionário


que dirá a verdade, nada mais do que a verdade, sobre determinada obra literária. O papel
do crítico é portar-se como um juiz, ou seja, ele deve julgar o valor da obra literária.

Para Antonio Candido, outro crítico literário importante, o papel do crítico pode ser
compreendido da seguinte forma: toda crítica viva – isto é, que empenha a personalidade
do crítico e intervém na sensibilidade do leitor – parte de uma impressão para chegar a um
juízo. [...] Entre impressão e juízo, o trabalho paciente da elaboração, como uma espécie
de moinho, tritura a impressão, subdividindo, filiando, analisando, comparando, a fim de
que o arbítrio se reduza em benefício da objetividade, e o juízo resulte aceitável pelos
leitores. (CANDIDO, 2000, p. 31)

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Além disso, Candido também considera que o crítico deve ser um “árbitro objetivo”
capaz de julgar o valor da obra artística por meio de dois mecanismos básicos – a
impressão e o juízo. Enquanto Machado de Assis fala em ciência, Antônio Candido fala
em impressão, mas precisamos entender que a impressão adequada sobre determinada
obra necessita do conhecimento – ou seja, da ciência.

Temos então que o papel do crítico literário é julgar – por meio dos conhecimentos
que a teoria literária estabelece – o valor da obra de literatura.

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4. O ENSINO DA TEORIA DA LITERATURA

Após ter discutido na semana passada os conceitos fundamentais de nossa


disciplina (Literatura, teoria, crítica) _ sem, porém, esgotá-los _ venho, nessa aula,
esclarecer um aspecto didático sobre o ensino da Teoria da Literatura, que você licenciado
em Letras, empregará na docência da Educação Básica. Empregarei aqui, nas duas últimas
semanas, as orientações do MEC de 2006 para do Ensino Médio.10

Em sua introdução ao livro Formação da Literatura Brasileira, Antônio Candido11


indica que, para operar como um sistema, a literatura necessita “a existência de um
conjunto de produtores literários” ou seja um ou vários autores, “um conjunto de receptores”
ou seja leitores e, por fim, “um mecanismo transmissor, que liga outros”-. Melhor explicando;
a obra ou obras (2009, p. 25). Aqui está a tríade autor, leitor e texto, que é o objeto de
estudo do professor de literatura em sala de aula.

No entanto, se lembrarmos que cada um dos elementos que compõem a tríade,


(autor, leitor e texto) eles não são universais e atemporais, mas sim são entendidos
conforme sua época e em determinada cultura. Em outras palavras, a concepção de leitor
como agente da tríade determina o ponto de vista histórico que é “um dos modos legítimos
de estudar literatura”. Esse leitor histórico sempre é condicionado por um dado contexto.

Esta concepção faz surgir uma séria indagação: “ou a literatura está viva no tempo
presente, ou simplesmente não está viva”. Ou seja: a obra literária só teria valor estético na
época em que foi produzida (tempo histórico), ou seria algo que está situado para além da
história, aquilo que vive apesar do tempo? Neste último caso, já não caberia falar de um
leitor contextualizado pelo tempo, mas sim de um leitor proficiente,12 conhecedor das
ferramentas interpretativas capazes de desnudar a verdadeira essência atemporal do fato
literário.

10
BRASIL. Orientações curriculares para o Ensino Médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília:
Ministério da Educação, 2006.
11
Antônio Candido de Mello e Souza foi um sociólogo, crítico literário e professor universitário brasileiro.
E s t u d i o s o d a l i t e r a t u r a b r a s i l e i r a e e s t r a n g e i r a , é a u t o r d e u m a o b r a c r í t i c a e xt e n s a , r e s p e i t a d a n a s
principais universidades do B rasil. (1918 – 2017).
12
1 . D i z - s e d a p e s s o a e xt r e m a m e n t e c a p a z e e f i c i e n t e ; C O M P E T E N T E ; P E R I T O

Teoria Crítico Literária 15


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Isso explica artistas poetas e escritores ignorados por seus contemporâneos e pela
crítica de seu tempo, mas que se tornaram imortais com o passar do tempo. Exemplo:
Fernando Pessoa que foi celebrado pela crítica brasileira inicialmente, um século depois de
sua morte. São eles os escritores criadores que viveram a frente de seu tempo. Van Gogh
é um outro exemplo.

Quanto à polêmica entre a necessidade da contextualização histórica ou não, é


prudente avisar que não há uma única verdade a ser seguida quanto aos estudos literários.
Além do fato de que para a formação de um leitor proficiente, há um processo de longa
duração, que requer um constante investimento no tempo. Ele pode se dar ao longo de toda
uma vida e é um processo inacabado, pois o leitor proficiente jamais aposenta a leitura. No
entanto, é a presença dos conhecimentos históricos _ para críticos historicistas_ que
sustenta a elaboração da crítica literária e explica os achados estéticos de uma determinada
época. Já a crítica feita do presente, precisa da História para alimentar o conhecimento
prévio que é exigido ao leitor proficiente, para que o ato de leitura se concretize plenamente.
Salienta-se que não só a História deve fazer parte dos conhecimentos prévios do leitor, mas
a Geografia, História da Literatura, Cosmogonias, Filosofias, Mitos, Sociologia, Psicologia,
Música etc. etc. ... Além do domínio do idioma.

 Sinfronismo e a ânsia da imortalidade.


Então a literatura situa-se numa espécie de
atemporalidade radical, ou melhor, num tempo
eternamente presente.
André Cechinel

Literatura é sinfronismo. Ele é a essência literária. Basicamente, sinfronismo é a


coincidência espiritual, de estilo, de módulo vital, entre o homem de uma época e os de
todas as épocas, dos próximos aos dispersos no tempo e no espaço. Nesse caso a obra
literária é vista independente do tempo e do espaço e é confrontada somente com a
sensibilidade do leitor. Afinal, música boa jamais envelhece... Há aqui o ponto de vista do
esteticismo.

Literatura é ânsia de imortalidade, pois ou ela está viva no tempo presente, ou


simplesmente não está viva. Fato que enfatiza, o objeto literário não como resultado de um
tempo histórico, mas como aquilo que está situado para além da história, aquilo que vive
apesar do tempo.

Teoria Crítico Literária 16


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 Intenção do autor ou diálogo com autores anteriores

A ferramenta básica do crítico literário é, portanto, a


erudição, conquistada com suor e totalmente
distinta da chamada inspiração romântica
André Cechinel

No século XIX, no Romantismo, a teoria de leitura crítica da literatura valorizou o


aprofundamento do estudo no autor individualizado e o julgamento estético da obra era a
rigor feito a partir do pressuposto da intencionalidade do autor e assim fortalece-se o
biografismo. Mas contra essa “verdade’ de que tudo se explicava pela vontade do escritor
(inspiração), surge uma outra hipótese dos teóricos do new criticism que apostavam em
ferramentas analíticas capazes de libertar a voz autoral do texto; seu procedimento
fundamental consiste na chamada leitura de pequenas partes muito minúsculas e de
caráter intratextual, 13capazes de desvelar os menores paradoxos e ambiguidades
poéticas. Caberia ao leitor proficiente fazer a busca por ambiguidades textuais identificadas
apenas por um leitor instrumentalizado.

O estudante de Teoria de Literatura e leitor das Literaturas em Língua Portuguesa


poderá se abalar com a indicação da proficiência em leitura logo ao início de um curso. No
entanto, acredite, só com os estudos que se chega a um grau satisfatório de domínio crítico.
Ele será suficiente para dar ao estudante autonomia para procurar, encontrar, justificar a
importância estética de um texto. A prática, o interesse e a troca de ideias sempre serão
essenciais para construção de uma avaliação de crítica literária, para estabelecer
influências e traçar paralelos entre leitores, obras e autores.

 O ensino da literatura e a vivência do estranhamento.


Na obra poética a novidade é obrigatória.
Wladimir Maiakóvski
(Como fazer versos, 1926)

A partir das Orientações Curriculares para o Ensino Médio, documento oficial que
busca “contribuir para o diálogo entre professor e escola sobre a prática docente” nota-se
a preocupação dos autores em privilegiar a necessidade de um contato efetivo com o texto
e reduzir a excessiva à figura do autor e ao contexto de produção das obras.

13
Um mesmo escritor pode reler-se, utilizando-se de textos que ele mesmo escreveu, o que resulta numa espécie de intratextualidade.
Ocorre quando o autor é capaz de criar elos de aproximação entre todos os motivos, temas ou símbolos de um texto de retomar a unidade
em sua obra.

Teoria Crítico Literária 17


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O ensino da literatura, para cumprir seu objetivo, portanto, “não deve sobrecarregar
o aluno com informações sobre épocas, estilos, características de escolas literárias etc. [...]
Trata- se, prioritariamente, de formar o leitor literário” (BRASIL, 2006, p. 54). A formação do
leitor literário passa - não pelo conhecimento dos fatos que “condicionam” a obra -, mas
sim pela “sensação de estranhamento que a elaboração peculiar do texto literário, pelo
uso incomum de linguagem, ” (BRASIL, 2006, p. 55). O termo “estranhamento”, cabe
assinalar, constitui uma espécie de constante nos textos dos formalistas russos, que não
cansavam de insistir na singularidade da linguagem literária.

Nesse sentido, o texto e o leitor assumem um papel preponderante em relação ao


biografismo, e assim, aquilo que antes era tomado como o ponto de partida inevitável para
qualquer estudo, agora se situa num segundo plano. Essa mudança de direcionamento,
entretanto, pode chegar à supressão do contexto histórico, isto é, o desaparecimento do
contexto de produção do texto literário. Ora, o principal vínculo da obra com o momento
histórico de sua publicação sempre fora, até então, o espaço autoral; com a “eliminação”
do autor e com o peso atribuído à “gramática do texto” (os instrumentos que o leitor deveria
possuir para ler com proficiência), o contexto passa a ocupar, em determinados momentos,
uma zona marginal dos estudos literários.

Criou-se o impasse: de que modo trabalhar o contexto histórico em sala de aula sem
comprometer a primazia do objeto literário e sem reintroduzir a figura autoral como ponto
de chegada interpretativo? Ou, paralelamente, como adentrar a realização final do escritor
sem ignorar os fatores que, até certo ponto, condicionam historicamente a sua atividade
criativa? Para compreender melhor a dimensão do impasse, torna-se necessário
atravessar, neste instante, o segundo ponto que movimenta esta investigação. Quem é o
leitor? Como se dá a leitura (A RECEPÇÂO) do texto pelo leitor?

Enquanto espera a próxima


explicação, pense lentamente
sobre esse desafio. Em arte
não há pressa, por isso ela
vem sofrendo desvalorização
no presente milênio da
velocidade e da ansiedade

Teoria Crítico Literária 18


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ORIENTAÇÔES CURRICULARES MEC

1- http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf
acesso em 09/09/2019
2- https://blogjardimdababilonia.wordpress.com/2013/09/22/raul-castagnino-
pergunta-o-que-e-literatura-e-alabama-shakes/Raul Castagnino pergunta: O que
é literatura? E Alabama Shakes.

Teoria Crítico Literária 19


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5. APRENDER E ENSINAR LITERATURA NO ENSINO MÉDIO.

No currículo de Licenciatura em Letras há obrigatoriedade do estudo de Literaturas


e Teoria e Crítica Literária no intuito de oferecer oportunidade de alimentar o gosto pela
leitura e apresentar um suporte teórico para licenciar profissionais como educadores
capacitados

O segundo argumento é a inclusão do ensino de Literatura no Ensino Médio tendo


como embasamento uma visão pedagógica que objetiva a educação da sensibilidade; como
meio de atingir um conhecimento tão importante quanto o científico – embora se faça por
outros caminhos.

O ensino de Literatura (e das outras artes) visa, sobretudo, ao cumprimento do inciso


III dos objetivos estabelecidos para o ensino médio ou seja:

A LDBEN nº 9.394/96 como se pode ver nos objetivos a serem alcançados pelo
ensino médio (Art. 35) a clareza com o compromisso da formação integral. Vejamos:

Objetivos do Ensino médio:


“I - Consolidação e aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino
fundamental, possibilitando o prosseguimento dos estudos;
II - Preparação básica para o trabalho e para a cidadania do educando, para continuar
aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de
ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
III - Aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e
o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico. (LDBEN, 1996).”

Hoje assistimos a valorização das máximas (o mercado, a eficiência técnica e o foco


no individualismo) sobre as quais a modernidade se sustenta, configurando assim, uma
“modernidade elevada à potência superlativa”, caracterizada pela “cultura do mais rápido e
sempre mais”. Em decorrência dessa visão de mundo, faz-se necessária a pergunta: por
que ainda a Literatura está presente no currículo do ensino médio? pois seu estudo não
colabora com nenhum dos valores do mundo hiperveloz.

Teoria Crítico Literária 20


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Para não nos deixar levar pelo senso comum14, é bom refletir sobre Literatura a partir
da contribuição do saudoso professor Antonio Cândido, um dos melhores pensadores
brasileiros do Século XX.

_Para que serve a Literatura?


_ Como fator indispensável de humanização.

Entendo aqui por humanização [...] o processo que confirma no homem aqueles
traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do
saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a
capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da
complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve
em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos
e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante. (CÂNDIDO, 1995).

É evidente que para que se atinja tais objetivos, não se deve acumular a disciplina
com informações sobre épocas, estilos, características de escolas literárias etc., como até
hoje tem ocorrido. Há três décadas, o MEC, as pesquisas acadêmicas, a formação de
professores e as publicações da área orientam para o caráter secundário de tais conteúdos.

Afinal, “Aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética


e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico” ( MEC, PCN 2018)
demonstram com clareza que se trata, prioritariamente, de formar o leitor literário, melhor
ainda, de “letrar” literariamente o aluno, fazendo-o apropriar-se daquilo a que tem direito.

Mas o que vem a ser letramento literário? O termo “letramento” foi tomado da
Linguística, mas já é de uso bastante corrente entre os que se ocupam da educação.
Principalmente entre nossos colegas alfabetizadores. Magda Soares nos ajuda a entender
o termo que faz a distinção entre alfabetizado e letrado que são conceitos de amplitude
distinta a ponto de permitir nas provas internacionais de avaliação identificar analfabetos
funcionais presentes em todas séries do Ensino Básico e até no Universitário. Vejamos o
que nos ajuda a professora e pesquisadora mineira.

14
A melhor forma de evitarmos a sedução do senso comum (dizer o que todos dizem sem saber o porquê)
é consultar fontes científicas com valor notório e que tenham sido citadas e abonadas por inúmeras
publicações.

Teoria Crítico Literária 21


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À medida que o analfabetismo vai sendo superado, que um número cada vez maior
de pessoas aprende a ler e a escrever, e à medida que, concomitantemente, a sociedade
vai se tornando cada vez mais centrada na escrita (cada vez mais grafocêntrica), um
novo fenômeno se evidencia: não basta apenas aprender a ler e a escrever. As pessoas
se alfabetizam, mas não necessariamente incorporam a prática da leitura e da escrita,
não necessariamente adquirem competência para usar a leitura e a escrita, para
envolver-se com as práticas sociais da escrita: não leem livros, jornais, revistas, não
sabem redigir um ofício, um requerimento, uma declaração, não sabem preencher um
formulário... (SOARES, 2004,). (grifos nossos) 15

Por extensão, podemos pensar em letramento literário como estado ou condição de


quem não apenas é capaz de ler poesia ou drama, mas dele se apropria efetivamente por
meio da experiência estética, fruindo-o.

Contrariamente ao que ocorreu com a alfabetização, que se vem ampliando cada


vez mais, a leitura de Literatura tem-se tornado cada vez mais rarefeita no âmbito escolar,
como bem observou Regina Zilberman (2003, p. 258), seja porque diluída em meio aos
vários tipos de discurso ou de textos, seja porque tem sido substituída por resumos,
compilações, etc. Por isso, faz-se necessário e urgente o letramento literário: empreender
esforços no sentido de dotar o educando da capacidade de se apropriar da literatura, tendo
dela a experiência literária.

Estamos entendendo por experiência literária o contato efetivo com o texto. Só assim
será possível experimentar a sensação de estranhamento que a elaboração peculiar do
texto literário, que pelo uso incomum da linguagem, consegue produzir no leitor, o prazer
estético, o qual fica estimulado a contribuir com sua própria visão de mundo para a fruição
estética. 16

Por ser o prazer estético compreendido aqui como conhecimento, participação,


fruição, um tipo de conhecimento diferente do científico, ele objetivamente não pode ser
medido. Mas abrimos um espaço organizado e para dialogarmos com ele e tratarmos dele,
criou-se uma experiência construída a partir da troca de significados, da ampliação de

15
letramento: estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita”
(SOARES, 2004)

16
Ação de aproveitar ou usufruir de alguma oportunidade. Utilização prazerosa de algo; gozo.

Teoria Crítico Literária 22


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horizontes, com capacidade até de tocar nossa sensibilidade e nos causar horror, tristeza
e medo

Por ser a literatura, arte em palavras, nem tudo que é escrito pode ser considerado
literatura. Essa questão, entretanto, não é tão simples assim, visto que a linha que divide
os campos do literário e do não literário é bastante tênue, confundindo-se muitas vezes.

Faça a comparação entre os dois textos:

A) Lição sobre a água de Antônio Gedeão

Este líquido é água.


Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.
É um bom dissolvente.
Embora com exceções, mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, bases e sais.
Congela a zero grau centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.
Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.

Teoria Crítico Literária 23


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B-
Água (fórmula: H2O) é uma substância química cujas
moléculas são formadas por dois átomos de hidrogênio e um de
oxigênio. É abundante no Universo, inclusive na Terra, onde cobre
grande parte de sua superfície e é o maior constituinte dos fluidos dos
seres vivos. As temperaturas do planeta permitem a ocorrência da
água em seus três estados físicos principais. A água líquida, que em
pequenas quantidades parece incolor, mas manifesta sua coloração
azulada em grandes volumes, constitui os oceanos, rios e lagos que
cobrem quase três quartos da superfície do planeta. Nas regiões
polares, concentram-se as massas de gelo e vapor constitui parte da
atmosfera terrestre. Mais especificamente, a água líquida tem duas
fases líquida com grandes diferenças de estrutura e densidade.[1]
A água possui uma série de características peculiares, como
sua dilatação anômala, o alto calor específico e a capacidade de
dissolver um grande número de substâncias. De fato, estas
peculiaridades foram favoráveis para o surgimento da vida nos
oceanos primitivos da Terra, bem como propiciaram sua evolução.
Atualmente, todos os seres vivos existentes precisam da água para
sua sobrevivência.
Embora os oceanos cubram a maior parte da superfície
terrestre, sua água é inadequada para o consumo humano por conta
de sua salinidade. Somente uma pequena fração disponível sobre a
superfície dos continentes que contém poucos sais dissolvidos, a
água doce, está disponível para consumo direto. Wikipédia

Teoria Crítico Literária 24


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ATENÇÃO! A aula não acabou, oriento para que faça um exercício intelectual de
vivenciar o conceito de estranhamento.
 O que você não esperava encontrar no poema de Antônio Gedeão? Uma
imagem apenas.
 Pesquise para descobrir quem é. E de onde ela veio. (GOOGLE)
 Compare a cena lembrada com os dozeversos anteriores. Qual é a sua
hipótese para a mistura de temas? Para você vivenciar o conceito de
literariedade, procure as diferenças de linguagem entre o poema e o texto da
Wikipédia. Pense sobre isso várias vezes e constate que seus achados irão se
ampliando.

RESPOSTA. Só escureça as letras, para conferir sua resposta:


(Ofélia é personagem da tragédia de Shakespeare, Hamlet. Ela se suicida, jogando-
se num rio ao e desesperar com a loucura do amado Hamlet.) INTERTEXTUALIDADE.

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6. DE ONDE VEM A CRIAÇÃO?

O Poder da Criação de Paulo César Pinheiro

Não, ninguém faz samba só porque prefere


Força nenhuma no mundo interfere
Sobre o poder da criação
Não, não precisa se estar nem feliz nem aflito
Nem se refugiar em lugar mais bonito
Em busca da inspiração
Não, ela é uma luz que chega de repente
Com a rapidez de uma estrela cadente
Que acende a mente e o coração
É faz pensar que existe uma força maior que nos guia
Que está no ar
Bem no meio da noite ou no claro do dia
Chega a nos angustiar
E o poeta se deixa levar por essa magia
E o verso vem vindo e vem vindo uma melodia
E o povo começa a cantar, lá laia laiá
Lá lá laía laia

A um Poeta - Olavo Bilac

Longe do estéril turbilhão da rua,


Beneditino escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha e teima, e lima, e sofre, e sua!

Mas que na forma de disfarce o emprego


Do esforço; e a trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua,
Rica, mas sóbria, como um templo grego.

Não se mostre na fábrica o suplício


Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifício:

Porque a Beleza, gêmea da Verdade,


Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.

Vamos começar esta aula de uma forma diferente. Deliberadamente, espero


provocar estranhamento e motivar você para uma reflexão polêmica. Já aviso: não há uma

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resposta certa. Acesse o endereço abaixo e ouça um time de sambistas brasileiros


apresentando o Samba “O Poder da Criação” de Paulo César Pinheiro. Esse samba vale
tanto quanto uma aula de literatura.

Dona Ivone Lara, Salve o Samba!


https://www.youtube.com/watch?v=tiAa8JsI37Y acesso em 02 de junho de 2019

Houve durante séculos, no mundo ocidental, diversas tentativas de estabelecimento


das marcas da literariedade de um texto. O que torna o texto, arte das palavras?

Houve o tempo em que a arte da palavra era explicada pela presença valorizada do
autor/ poeta. Melhor dizendo, a arte nascia de uma determinada intenção do autor ou dos
sentimentos do autor. Em um aspecto mais amplo, originava-se da relação da obra com a
sociedade a partir da cosmovisão de uma cultura, sobre o poeta.

Mais recentemente, o mistério da criação deslocou-se do autor e da obra, para o


terceiro elemento da tríade: leitor (visto esse como coprodutor do texto) e para a
intertextualidade17, colocando-se em questão a autonomia e a especificidade da literatura.

Essa mudança de ponto de vista determinou o deslocamento de foco da metodologia


de ensino da literatura, criando posições diversas: de um lado, o professor que só trabalha
com autores indiscutivelmente canônicos, como Machado de Assis, por exemplo, utilizando-
se de textos críticos também consagrados. Neste caso, o professor pode ser considerado
autoritário, conservador, que aprendeu assim e assim “passa” para o aluno, “pois é isso
que cai nos vestibulares”. De outro lado, há o professor que lança mão de textos que
apresentem literariedade e provoquem estranhamento. Ou seja, desde poemas como os
de Fernando Pessoa como textos típicos da cultura popular, como da cultura de massa. É
caso do professor que se considera libertário (por desconstruir o cânone) e democrático
(por deselitizar o produto cultural). É bom lembrar que o Prêmio Nobel de Literatura de 2016
foi entregue ao compositor e cantor Bob Dylan

17
Intertextualidade é o nome dado à relação que se estabelece entre dois textos, quando um texto já criado exerce influência na criação
de um novo texto. Os textos já existentes e reconhecidos são chamados de textos fontes

Teoria Crítico Literária 27


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Alerto que não existem respostas prontas para se fazer uma opção “ acertada” mas
o recomendável é discutir no Conselho de Escola, com o coletivo escolar a abordagem
didática a ser oferecida para que faça, desde a motivação para que jovens leiam, até
promover o desempenho desejado de um leitor proficiente de literatura e que será
submetido a provas variadas para continuidade de estudos e/ ou busca de profissão.

Portanto, as duas opções devem ser avaliadas para que se evite subestimar alunos
desprotegidos culturalmente e vítimas de preconceito, por achar que eles não entenderiam
os clássicos, excluindo da literatura clássica os alunos economicamente fragilizados “que
não gostam de ler literatura”. E nem retirando da avaliação literária produções de cultura de
massas, por serem valorizadas pelo marketing nem sempre criterioso e serem mantidas
como produto do mercado. Essa discussão é muito apropriada para as reuniões de
Avaliação e Planejamento, desde que subsidiadas por leituras prévias de documento
oficiais PCN e Diretrizes do MEC e outras publicações e revistas dedicadas ao tema. Não
basta discutir a partir apenas do senso comum ou de experiências do curso de ensino médio
de décadas atrás, em que eram diferentes os critérios de “boa leitura”. Apenas a atualização
das obras literárias não basta, precisa haver atualização teórica e metodológica.

Convido você a ouvir de novo o samba e reler o soneto de Bilac, o primeiro de século
XXI e o outro do século XIX- XX. A canção vinda da cultura popular e o soneto dos meios
culturais acadêmicos/ políticos do século XX. Um é da estética tradicional do samba e outro
da estética parnasiana.

Uma metodologia de estudos literários é a Literatura Comparada que destaca temas


em comum ou opostos, tipos de linguagem, de discursos e recursos estilísticos.

Paulo Cesar Pinheiro afirma que a criação poética não é escolha pessoal, e nem
consequência de algo exterior que interfira nesse fenômeno. Não é resultado, nem mesmo
das emoções e nem da busca isolada da inspiração. Então, onde ela nasce? Nos dez
versos seguintes ele vai ensaiando explicações com imagens belas, rápidas e fugazes pois
nenhuma delas é o bastante para explicar, mas conseguem tocar a razão e a emoção. A
explicação se amplia e chega à dimensão imaterial: força maior que nos guia Que está
no ar. É a força misteriosa presente em todos os fenômenos epifânicos e em todas
cosmogonias , que procuram explicar o inexplicável e que por milênios, angustiam a
humanidade para descobrir como foi a criação do Universo, da Terra, da Natureza , do

Teoria Crítico Literária 28


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Humano, da Cultura e da Arte. E chegamos ao fim à descoberta de Paulo Cesar: o samba,


a poesia, criação chegam ao ser humano como uma dádiva (E o verso vem vindo e vem
vindo uma melodia e o povo começa a cantar) e se expandem para todas as criaturas
que se beneficiam da beleza da criação. Repare no décimo quinto verso 5 fonemas V
(fonema contínuo, velado como sopro e metáfora do sopro divino para que o surdo
passasse a escutar) O sopro da Criação. Mesmo assim, permanece o mistério. Mesmo
neste milênio de tantas certezas e verdades tecno-científicas que levam o embate entre
grupos e a violência em nome de uma verdade, a arte consegue manter preservado um
espaço para a descoberta, para o devir.18 Ainda não temos respostas, por isso é que vale
a pensa continuar procurando

Já no soneto de Bilac todo o fazer poético é produto do trabalho do poeta que se


isolada do mundo e com esforço de concentração opera um trabalho que exige esforço
físico, semelhante a de um escultor, para que surja a OBRA, como expressão de valores
morais como a Beleza e a Verdade. Do resultado desse ofício surge a Arte Pura que reúne
“força e a graça na simplicidade”. Portanto encontramos uma explicação diferente tanto da
origem da produção artística como para a destinação da obra.

Para Paulo, o samba alimenta, faz o povo cantar e sambar, multiplicando a alegria
entre todos. A arte chega a todos e os beneficia.

Para Bilac a perfeição das formas artísticas inspira a presença de valores morais
para um jovem país nascido sob o manto da filosofia Positivista. A BELEZA e a VERDADE
ou em outras palavras: o BOM e o BELO precisam ser difundidos pela arte.

18
[Filosofia] Processo de mudanças efetivas pelas quais todo ser passa. Movimento permanente que at ua
como regra, sendo capaz de criar, transformar e modificar tudo o que existe; essa própria mudança.

Teoria Crítico Literária 29


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7. A FORMAÇÃO DO LEITOR PROFICIENTE

A leitura crítica de um texto passa pelo reconhecimento da literariedade,


estranhamento ou fruição. Os dois primeiros conceitos estão relacionados com a natureza
da obra. Já a fruição, ela dirige o foco para o leitor, o público.

Trataremos aqui de nos aproximar cada vez mais desses conceitos que não são
excludentes, mas que se somam a fim de subsidiar a leitura crítica de um texto de arte,
clássico, erudito ou não.

Há diferentes formas de fruição da arte segundo as classes sociais e as diferentes


culturas, na medida em que para uma comunidade cultural, a possibilidade de conhecer e
aproveitar a leitura de Machado de Assis ou Mário de Andrade, pode ficar prejudicada por
faltar conhecimento prévio para tanto. Para ele, são familiares a literatura de massas, o
folclore, a sabedoria espontânea, a canção popular, o cordel, o provérbio, as rezas. Estas
modalidades são importantes e nobres, mas é grave considerá-las como suficientes para a
grande maioria que, devido à limitação social, vive excluída do mundo letrado.

Não se trata de impor a erudição, como literatura clássica, romântica ou realista


como paradigmas únicos de arte literária, mas sim de apresentar e oferecer aos jovens, até
mesmo encorajá-los, para que usufruam do direito de expandir os horizontes cognitivos
sobre a arte das palavras.

Afinal há um mundo de inteligência, cultura e sensibilidade “humanas” que é muito


mais amplo e permanente do que o mundo da cultura de massas, tão consumível com
paradigmas da sociedade de consumo e bem adequado à sociedade líquida de que fala
Umberto Eco 19

19 P a p e S a t à n Al e p p e - C r ô n i c a s d e U m a S o c i e d a d e L í q u i d a
O último livro escrito por Umberto Eco. Crises ideológicas, econômicas e políticas, individualismo
desenfreado e uma relação simbiótica com nossos celulares são alguns dos elementos que compõem
o ambiente em que vivemos: o de uma sociedade líquida, onde nada parece fazer sentido ou ter
sequer algum significado. Neste que é seu derradeiro livro, a fim de tornar mais fácil a compreensão
de nossa sociedade desnorteada..

Teoria Crítico Literária 30


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Sempre haverá dúvidas nos julgamentos de um texto em casos limítrofes entre ser
arte ou não. Mas é possível discernir um texto literário de um exclusivamente de consumo,
pois nestes é possível identificar clichês, estereótipos, o senso comum e ausência total de
algo novo, tanto na linguagem, na forma ou nas ideias. Resumindo: nem os critérios da
História da Literatura, os Estilos de Época Literária nem o gosto particular do leitor
sustentam o critério de um texto ser ou não literatura, pois há necessidade de se ter em
mente que _ mesmo sendo arte, a fruição da leitura requer certa proficiência que só advém
com leitura e estudo. Daí a importância da crítica literária como norteadora dos leitores.

Desfrute (fruição): trata-se do aproveitamento satisfatório e prazeroso de obras literárias,


musicais ou artísticas, de modo geral bens culturais construídos pelas diferentes linguagens,
depreendendo delas seu valor estético. Apreender a representação simbólica das
experiências humanas resulta da fruição dos bens culturais podem propiciar aos alunos
momentos voluntários para que leiam coletivamente uma obra literária, assistam a um
filme, leiam poemas de sua autoria – de preferência fora do ambiente de sala de aula:
no pátio, na sala de vídeo, na biblioteca, no parque (PCN p. 67).

Somente o deleite, não basta para o letramento literário, pois dessa forma, o prazer
estético proporcionado pela fruição pode ser confundido com divertimento, com atividade
lúdica simplesmente, talvez por isso se aconselha tal desfrute animado entre jovens seja
algo reservado para fora da sala de aula Caso contrário, abre-se espaço para a falsa
hipótese de que o texto literário é apenas aquele como leitura facilmente deglutível.

Não podemos confundir prazer estético com palatabilidade. Também não se quer,
com isso, afirmar que os textos que proporcionam prazer estético sejam obrigatoriamente
densos, difíceis de serem compreendidos, maçantes.

É bem verdade que é difícil conceituar o prazer estético, até porque o conceito tem
uma história que vem da Antiguidade.

Aristóteles, por exemplo, analisou a sensação de deleite provocado pela visão de


um objeto belo (e, para ele, o belo advinha da imitação da natureza). Ou seja das
mimeses.20 O filósofo reconhece no prazer estético a dupla natureza: uma proveniente dos
sentidos (prazer diante da técnica perfeita de imitação) e outra, intelectual (prazer pelo
reconhecimento da imagem original no imitado).

20
Mimese, mímesis ou mimesis, é um termo crítico e filosófico que abarca uma variedade de significados,
i n c l u i n d o a i m i t a ç ã o , r e p r e s e n t a ç ã o , m í m i c a , o a t o d e s e a s s em e l h a r , o a t o d e e x p r e s s ã o e a a p r e s e n t a ç ã o
do eu.

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Na poética de Aristóteles, há ainda o conceito de catarse ligado ao prazer estético.


Ou seja: o prazer ante a tragédia pode surgir com a identificação do receptor ao que foi
21
representado e ele deixar emergir suas próprias paixões e se entregar a uma descarga
emocional prazerosa e salutar.

Com o passar dos tempos, foram várias as considerações em torno do prazer


advindo da fruição de uma obra de arte. Para citar um filósofo mais recente e polêmico,
lembremos Adorno22, para quem a sensação de prazer diante de uma obra, na atualidade,
já deporia contra seu caráter verdadeiramente artístico, provando apenas sua
palatabilidade, o que em última instância quer dizer apropriada ao consumo. Portanto para
Adorno a fruição seria a negação da arte.

Dada a dificuldade, mas também a necessidade, de utilizarmos o termo, esclarece-


se que a fruição de um texto literário diz respeito à apropriação que dele faz o leitor,
concomitante à participação do mesmo leitor na construção dos significados desse mesmo
texto.

Quanto mais profundamente o receptor se apropriar do texto e a ele se entregar,


mais rica será a experiência estética, isto é, quanto mais letrado literariamente o leitor,
mais crítico, autônomo e humanizado será. Mas esta informação serve para apontar o futuro
a ser planejado para aqueles que querem atingir o grau elevado de proficiência em leitura
autônoma e crítica de uma obra de arte.

É importante oferecer esta opção que vai requerer uma atitude de leitor contumaz,
ao longo da própria vida. Mas ao término da Educação Básica, quando os alunos se
preparam para as provas seletivas com conteúdos tão variados, o professor de Literatura

21
Paixão - Emoção ou sentimento muito forte (amor, ódio, desejo etc.), capaz de alterar o
comportamento, o raciocínio, a lucidez: Deixar -se levar pelas paixões. O que causa padecimento.
22
Theodor W. Adorno ( 1903 – 1969) foi filósofo, sociólogo, musicólogo e compositor alemão. Adorno valoriza a linguagem
artística, a qual consegue expressar as irracionalidades, contradições e estranhamentos dos sujeitos, sem violentá-las por meio
de conceitos. Ao erigir os seus próprios significados, cada obra de arte cria o seu mundo interno (ser-para-si), sem necessidade
de se espelhar em objetos externos e incorrer em violência cognitiva

Teoria Crítico Literária 32


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deve ter a prudência na hora de fazer a indicação de leituras, pois se exagerar, será grande
o risco de insucesso.

Quanto ao estudante de Letras, a expectativa é diferente. Ao término do curso, ele


precisa atingir um certo grau de autonomia para a busca de referências e para conferir
sentido ao que lê. Mesmo que seu repertório de leituras ainda esteja em formação, o
estudante pode praticar com crônicas, poemas, letras de música, desde que esse repertório
limitado, vá se ampliando com o passar os anos, a fim de criar referências que possam
indicar a presença de intertextualidades em um texto.

Afinal, para o professor de literatura competente, não bastam o diploma e o histórico


escolar de seu curso de Letras. Para ser professor de literatura, exige-se a honestidade de
que seja leitor assíduo, atualizado, com disponibilidade de ampliar sua fruição ante as
linguagens experimentais da atualidade. Ser leitor proficiente de literatura, requer um alto
investimento pessoal de horas e horas de leitura, numa sociedade de baixo letramento e
que supõe que o leitor, sentado numa cadeira, em silêncio, lendo, é apenas uma pessoa
que “não está fazendo nada”. Para a maioria das pessoas ler é não fazer nada...

Da tríade autor/obra/público, o leitor vem sendo analisado e conceituado não só por


meio das chamadas teorias da recepção, como também por outras linhas críticas da
atualidade, para as quais não apenas autor e texto merecem atenção da crítica, mas esse
terceiro elemento forma com os outros o campo de estudo da crítica, da teoria e da história
da Literatura. O leitor e a leitura tornam-se, hoje, objetos de reflexão teórica, até mesmo no
interior do próprio texto literário.

Por meio da leitura, dá-se a concretização de sentidos múltiplos, originados em


diferentes lugares e tempos. Hoje a noção de texto se amplia: o que antes era considerado
fixo e imutável passou a ser “espaço de dimensões múltiplas, onde se casam e se
contestam escrituras variadas, das quais nenhuma é original” (BARTHES, 1988).

Teoria Crítico Literária 33


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Bakhtin, ao desenvolver o conceito de polifonia23, chamando a atenção para a


dimensão dialógica do texto, apontou para sua pluralidade discursiva, que ultrapassa os
limites da estrutura interna da obra, estendendo-se à leitura alcançando a voz do leitor. A
palavra plural, requer uma leitura também múltipla, não mais regulada pela busca do
significado único ou pela verdade interpretativa, mas atenta às relações e às diferentes
vozes que se cruzam nos textos literários.

Nas discussões sobre o caráter plural da leitura, uma pergunta deve ser feita: a leitura
do texto literário possibilita a irrefreável disseminação de sentidos, tantos quantos forem os
leitores que o fertilizem com seu olhar? Umberto Eco, em seu famoso livro Obra aberta,
coloca definitivamente em cena a relação fruitiva dos receptores, quando ainda eram as
obras estudadas como um cristal, ou seja: como estruturas fechadas em suas relações
internas. Eco, motivado pela polêmica gerada pelo seu conceito de obra aberta, questiona:
“[...] é possível fazer tão decididamente a abstração de nossa situação de intérpretes,
situados historicamente, para ver a obra como um cristal?”24 (ECO, 1969). Ver a obra de
literatura como obra aberta indicava as novas formas de arte contemporâneas, tendo como
eixo a relação obra–leitor.

Vinte anos depois de escrito o primeiro ensaio que resultaria em Obra aberta (1969),
Umberto Eco, em Lector in fabula (1986), dialoga com seu livro que primeiro colocou a
questão da “abertura” da obra de arte, tentando mostrar como a solicitação da cooperação
do leitor já era estratégia do texto colocada pelo autor. Posteriormente, em Interpretação e
superinterpretação (1993), o autor retoma mais uma vez, na tentativa de desfazer equívocos,
seu conceito de obra aberta:
a) Toda obra de arte é aberta porque não comporta apenas uma interpretação;
b) A "obra aberta" não é uma categoria crítica, mas um modelo teórico para
tentar explicar a arte contemporânea;

23
a polifonia textual apresentada por Mikhail Bakhtin, é uma característica dos textos em que estão presentes diversas vozes. O termo
polifonia é formado pelos vocábulos “poli” (muitos) e “fonia” (relativo ao som, voz). A polifonia aponta a presença de obras ou referências
que aparecem dentro de outra. È a presença da intertextualidade.

24
Cristal, metáfora para uma obra bela e translúcida, mas de dureza que resiste o manuseio, impenetrável.
Eco defende que as obras podem e devem ser penetra das por múltiplas leituras.

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c) Qualquer referencial teórico usado para analisar a arte contemporânea não


revela suas características estéticas, mas apenas um modo de ser dela
segundo seus próprios pressupostos.
d) A intencionalidade é considerada um pressuposto da obra aberta. Além de
toda obra possibilitar várias interpretações, a obra aberta apresenta-se de
várias formas e cada uma delas se submete ao julgamento do público.

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8. TEXTO 8
“O texto literário resulta de uma vontade de comunicação. Mas
aquilo que o define é, mais do que a vontade de comunicação, a
sua capacidade de significar. É esta característica que o
distingue de qualquer texto normal, puramente utilitário.”
Yvette Centeno, Docente da Universidade de Lisboa

Até a primeira metade do século XX permanecia o conceito positivista de literatura,


que se baseava nas referências teóricas do positivismo que oferecia os mesmos critérios
para a crítica literária. A ideia darwinista de sobrevivência das espécies passou a ser
utilizada como referência para sobrevivência de uma obra: as melhores e mais fortes
sobrevivem no tempo; a valoração da raça como fator de formação da literatura; a
construção de uma história literária se confundindo com a própria história do país. Isso
reforçava a ligação entre Literatura e História. No entanto, na segunda metade daquele
século dois movimentos de teoria e crítica literária realizaram uma ruptura como o conceito
positivista: o Formalismo Russo e o New Criticism.

Estes movimentos partem do princípio de que os textos literários possuem


características estruturais peculiares que os diferenciam inequivocamente dos textos
não-literários, por esse motivo é possível estabelecer a definição de um determinado
referencial de literatura capaz de sustentar a ideia de que a literatura deve ser definida
como modalidade específica da linguagem verbal, relacionando-se com a linguística.
I - Para os formalistas russos, a linguagem literária é resultado de uma função
específica da linguagem verbal. E a partir da constatação de que no ato de comunicação,
há presença de seis elementos, que são:
a) emissor: é aquele que envia a mensagem (pode ser uma única pessoa ou um
grupo de pessoas).
b) mensagem: é o conteúdo (assunto) das informações que ora são transmitidas ou
se refere ao objeto ou a situação a que a mensagem se refere.
c) receptor: é aquele a quem a mensagem é endereçada (um indivíduo ou um grupo),
também conhecido como destinatário.
d) canal de comunicação: é o meio pelo qual a mensagem é transmitida.
e) código: é o conjunto de signos e de regras de combinação desses signos utilizados
para elaborar a mensagem: o emissor codifica aquilo que o receptor irá decodificar.

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- Funções de Linguagem https://www.todamateria.com.br/funcoes-da-

linguagem/ acesso em 03 de setembro de 2019

Para Roman Jakobson, a comunicação verbal pressupõe a interação de seis fatores,


sendo que cada um deles origina uma função linguística específica. Mesmo ocorrendo a
presença de mais do que uma função sempre haverá uma delas predominando:
• A função expressiva (ou emotiva) está centrada no emissor; a primeira pessoa
do singular é algumas vezes uma indicação desta função.
• A função conotativa está orientada para o destinatário, aqui a presença, ou do
outro (Tu ou Vós) é mais evidente. É a quem dirigimos a mensagem.
• A função referencial (denotativa ou cognitiva) está orientada para o contexto;
refere-se ao assunto, ao que está nos rodeando.
• A função fática ocorre em mensagens que têm por finalidade estabelecer,
prolongar ou interromper a comunicação, isto é, verificar se o processo funciona;
testa se o canal está funcionando e se o receptor tem condições de receber a
mensagem.
• A função metalinguística está centrada no código, ocorre quando “o emissor e/ou
o receptor julgam necessário averiguar se ambos utilizam na verdade o mesmo
código” (Jakobson)
• A função poética está centrada na própria mensagem.

A este propósito, Todorov afirma: “A literatura é uma linguagem não instrumental e


o seu valor reside nela própria” (TODOROV, 1978: 18).

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Tanto no Formalismo Russo como no New Criticism, “a função poética é a que volta
a atenção sobre a própria “mensagem”” (TODOROV, 1978).

II - A maior contribuição do New Criticismo para a leitura crítica do poema consiste


na definição da autonomia do texto literário, que passou a ser entendido como uma
entidade independente, livre das supostas relações determinantes da sociedade com o
artista e deste com o texto e se empenhar na formulação de uma teoria objetiva da arte.

25
T.S.Eliot recusou a ideia de poesia como expressão da personalidade do poeta,
concebendo-a como resultado consciente do trabalho do espírito, que organiza as
experiências da personalidade. Em vez de entender o poema como consequência de
sentimentos pessoais, ele passou a encará-lo como uma forma de apropriação pessoal da
tradição literária, em que a visão individual das coisas deve, essencialmente, se transformar
em sabedoria técnica. Resumindo: não se admite, portanto, nenhum outro tipo de
informação para além do que o que está contido no próprio texto.

Dois conceitos introduzidos na Teoria da Literatura pelos teóricos do New Cristicism


são:
• O correlato objetivo. Trata-se da criação de um conjunto de objetos, de uma
série de eventos, de uma situação ou de uma paisagem com o poder de
despertar no leitor a emoção desejada. O poeta seleciona e dispõe os elementos
de tal forma, que, uma vez vislumbrados na leitura, desencadeiam imediata
reação emocional.
• Close Reading, ou seja, a correta leitura que deve fundar-se em pressupostos
objetivos, consagrados pelo sistema de uma teoria aplicável a qualquer texto e
à disposição de qualquer pessoa com um mínimo de condições técnicas para o
exercício da leitura. Esse exercício consiste no exame minucioso do poema,
cuja forma os novos críticos entendem como um organismo dinâmico, regido por
tensões e ambiguidades. Entender o poema equivale a resolver essas

25 Thomas Stearns Eliot crítico literário recebeu o Prêmio Nobel de


Literatura de 1948. W ikipédia
acesso em 3 de set, 2019

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ambiguidades, estabelecidas pela relação entre as diversas unidades


semânticas do texto, que independem do sentimento do autor, mas que podem
decorrer de sua consciência estrutural no momento da composição

John Crowe Ramsom, responsável pelo nome do movimento, propõe a ideia de que
todo poema deve ser abordado como se fosse um pequeno drama, uma história em que se
destacam um falante, uma estória e sua transmissão a um suposto ouvinte. Tais
componentes integram a situação ficcional de qualquer poema. Essa noção é importante,
pois, segundo ela, o poema seja lírico, satírico, épico ou dramático comporta sempre uma
pequena ficção, e como tal deve ser lido. Em especial, os poemas líricos limitam-se a
explorar o estado de espírito do falante momentos depois de ele passar por uma crise
amorosa ou existencial, como se pode observar no seguinte soneto de Camões:

Aquela triste e leda madrugada, Ela só viu as lágrimas em fio


cheia toda de mágoa e de piedade, que, de uns e de outros olhos
enquanto houver no mundo derivadas,
saudade, quero que seja sempre se acrescentaram em grande e largo
celebrada. rio.
Ela só, quando amena e Ela viu as palavras magoadas
marchetada que puderam tornar o fogo frio,
saía, dando ao mundo claridade, e dar descanso às almas condenadas.
viu apartar-se de uma outra
vontade,
que nunca poderá ver-se apartada.

A crítica tradicional só consegue ler esse soneto como registro emotivo de um dado
biográfico: partindo para o exílio na Índia, Camões despede-se de sua prima e amante, D.
Isabel, esses críticos entendem o soneto apenas como um testemunho do amor do poeta,
baseado na vida real. Como se o simples fato de se tratar de um discurso não alterasse
essencialmente sua suposta condição de registro fiel da realidade.

Pela perspectiva do new criticism, ele é a ficcionalização de uma despedida: depois


de intensa união, os amantes separam-se involuntariamente. A persona lírica sente o
súbito impulso de expressão da dor tão forte, que lhe provoca um verdadeiro delírio verbal,
em cujo clímax (tercetos) chega à perda da razão ao afirmar que suas lágrimas alagaram

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o terreno e que a intensidade do sofrimento, por comparação, tornara tênue o tormento das
almas condenadas ao inferno. Este é um exagero da expressão. A nova crítica examina a
tensão metafórica e paradoxal entre os vocábulos, assim presta atenção à personificação
da madrugada, caracterizada por intenso cromatismo, em sua viva participação no
sofrimento dos amantes.

Com tais traços formais, percebe-se a chamada textura do poema, responsável pelo
significado estético do enunciado. A personificação da madrugada explica-se, enfim, como
um correlato objetivo do estado febril do falante, que, por sua vez, se deve interpretar
como a ficcionalização de uma possível experiência do poeta inicialmente emocional e que
pela linguagem tornou- se intelectual.

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9. A ESTÉTICA DA RECEPÇÃO

“Arrenego o autor que me diz tudo, que não me deixa contribuir na


obra com a minha imaginação.”
Machado de Assis

“Ler também é criar um texto.”


Mirian Hisae Yaegash Zappone

“... no espaço literário contemporâneo não se pode


conceber uma separação entre criação e crítica. O texto só existe
na medida de sua leitura”.

Retomando os elementos da tríade envolvida na criação literária: autor, obra, e


público leitor. Destaca-se assim o papel do leitor como agente ativo no processo e
fundamental na completude do texto ao preencher os vazios deixados pelo escritor. As
reflexões têm início com o conceito de horizonte de expectativas, sendo o que se busca
no livro, o passo mais elementar da recepção, é o início da descoberta texto. De como se
faz a recepção.

Antonio Cândido não minimiza o papel de nenhum dos elementos, pois trata-se de
“um jogo permanente de relações entre os três, que forma uma tríade indissolúvel” Afinal,
de acordo com a Teoria da Estética da Recepção proposta por Hans Robert Jauss 26(1979)
o leitor é um ser dinâmico e não passivo.

Já Wolfgang Iser27 apresenta o leitor como “jogador”. Para esse autor alemão, o
texto é um tabuleiro do jogo em que o autor propõe as regras ao criá-lo, apresentando no
texto um mundo não palpável e formando um acordo com o leitor, o mundo apresentado no
texto, não como realidade, mas como se fosse realidade. Assim sendo, podemos pensar

26
Hans Robert Jauss foi um escritor e crítico literário alemão. Junto com seu colega W olfgang Iser Jauss é
um dos maiores expoentes da estética da recepção, que fundamenta suas bases na própria crítica literária
alemã. Wikipédia. Acesso em 18 de 06 de 2019
27
W olfgang Iser foi professor de Inglês e Literatura Comparada na Universidade de Constance na Alemanha.
Junto com seu colega Hans Robert Jauss, Iser é o maior expoente da Teoria da recepção, que fundamenta
suas bases na própria crítica literária alemã. W ikipédia Acesso em 18 de 06 de 2019

Teoria Crítico Literária 41


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que o leitor ao aceitar esse diálogo/ desafio, torna-se jogador e se propõe a imaginar as
formas daquela realidade e atribui significado a essas formas, interpretando-as.

A Estética da Recepção é uma corrente da Teoria Literária, surgida no final da


década de 60, na Universidade de Constança – Alemanha, onde foi exposta pela primeira
vez em 1967, por Hans Robert Jauss.

Segundo ele, a Estética da Recepção consiste numa pesquisa sobre a recepção da


literatura e seus efeitos no leitor e visa superar o Formalismo Russo e o fechamento do
Estruturalismo, que não dava conta da dimensão histórica, diacrônica da obra literária,
atrelando-se em um cientificismo exagerado, calcado no modelo linguístico saussereano. 28

A Estética da Recepção procura empreender uma análise transcendente da obra


literária, deslocando o eixo de investigação da mensagem para a recepção pelo leitor.
Não se trata mais de uma estética da produção (eixo autor-texto), ou da representação
(ênfase no imaginário), mas sim uma estética da recepção (relação do autor com a
obra dentro de um contexto dado).

Jauss propõe a análise da experiência do leitor ou da sociedade de leitores de um


tempo histórico determinado. Por esta concepção de Jauss, percebe-se a amplitude dessa
teoria, que procura abarcar a análise sociológica, histórica, psicanalítica, não só do texto
literário, como também da sua relação com o leitor, visto no conjunto da sociedade.

Wolfgang Iser, teorizando sobre a recepção da literatura pelo leitor, afirma que este,
diante dos vazios do texto, isto é, espaços abertos para a plurissiginificação29, deverá
preenchê-los com a sua própria imaginação e seu repertório cultural. Isto porque o texto

28
Ferdinand de Saussure foi um linguista e filósofo suíço, cujas elaborações teóricas propiciaram o
d e s e n v o l v i m e n t o d a l i n g u í s t i c a e n q u a n t o c i ê n c i a a u t ô n o m a . S e u p e n s a m e n t o e xe r c e u g r a n d e i n f l u ê n c i a
sobre o campo da teoria da literatura e dos estudos culturais. Wikipédia
29
As palavras não apresentam um sentido único. Dependend o da forma como são utilizadas ou da situação
e m q u e s ã o e m p r e g a d a s , p o d e m a s s u m i r s e n t i d o s d i f e r e n t e s . E m p r e g a d a s e m d e t e r m i n a d o s c o n t e xt o s , e l a s
ganham sentidos novos, figurados, carregados de valores afetivos ou sociais. Quando a palavra é utilizada
no seu sentido comum, o que aparece no dicionário, dizemos que foi empregada denotativamente. Quando,
porém, é utilizada com sentido diferente daquele que lhe é comum, dizemos que foi empregada
conotativamente.

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literário não é constituído somente de linhas, mas também das entrelinhas, dos interditos,
das suas lacunas e, sobretudo, do ato de ler.

“O leitor, em seu importante papel, imagina hipóteses, decifra, analisa, cria vínculos
entre uma obra e outra (...) o autor dá pista ao leitor para participe ao lado dele, como um
elemento a mais do romance, descobrindo novas perspectivas e recriando a história que
lhe foi apresentada. Esta liberdade criadora que se oferece ao leitor, tarefa de decifração e
integração, dá-lhe a sensação de não se afogar passivamente no mundo da literatura e sim
permanecer lúcido de si e de sua capacidade de interpretar.

A produtividade do texto literário é a sua capacidade de produzir sentidos múltiplos


e renováveis, que mudam de leitura a leitura. Por isso é que temos a certeza de que ler um
livro depois de passados 20 anos, perceberemos diferentes o livro ou o poema. O que foi
escrito, permaneceu igual, nós - leitores - é que mudamos. Ler não seria, então, aplicar
modelos prévios, mas criar formas únicas, que são formas virtuais do texto ativadas pela
imaginação e conhecimentos prévios do leitor. Noutras palavras, o leitor funciona como o
coautor do texto.

Deste modo, os teóricos da Estética da Recepção criam a possibilidade de um “leitor


ideal”, que preencheria os vazios do texto com uma leitura interpretativa.

Lucie Dallenbac oferece um esquema do funcionamento da Estética da Recepção,


na atualidade, em que se observa a relação recíproca de quatro elementos, não mais em
três.
1) Sujeito e processo de produção;
Texto;
2) Sujeito e processo de recepção e
3) Contexto histórico e inconsciente.

Para Dallenbach, a principal tarefa da Estética da Recepção é articular todas essas


instâncias com o sujeito de recepção, que, no caso de literatura, é o leitor.

Alerta-se para o equívoco de se imaginar a existência de uma única leitura “boa” ou


“correta” do texto. O interesse da Estética da Recepção é compreender a diferença das
diversas exegeses de um texto. Afinal, a figura do “leitor ideal “é um problema a ser

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resolvido. Isto, porque esperar por um “leitor ideal” seria igualar todos os leitores de
uma sociedade ao mesmo “gosto” e a mesma “cultura literária”, o que constitui
uma concepção elitista da arte a ser repudiada.

Valoriza-se na Estética da Recepção a teoria de grande amplitude, que analisa as


obras literárias envolvendo todos os elementos do processo da comunicação, com ênfase
no receptor; ela garante autonomia ao texto literário de organizar seus próprios significados,
a partir da ênfase na construção da leitura pelo receptor.

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