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METODOLOGIA DE ENSINO DA LÍNGUA

PORTUGUESA
Paula Denari

GUIA DA
DISCIPLINA
2019
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância

METODOLOGIA DE ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

Objetivo:
Desenvolver saberes e fazeres pertinentes à docência da Língua Portuguesa para
as séries iniciais. Discutir o ensino de Língua Materna. Refletir sobre as falhas da gramática
normativa e sua inconsistência teórica; propor soluções mais coerentes para o ensino de
Língua Materna. Apresentar as Teorias de aquisição da linguagem. Refletir sobre o
desenvolvimento da linguagem na criança: fonológico, lexical, sintático e pragmático.
Analisar as múltiplas linguagens como recursos didáticos: linguagem não verbal, jogos,
brinquedos, atividades lúdicas, teatro, coro falado e jornal falado. Observar criticamente os
Parâmetros Curriculares Nacionais e a Língua Portuguesa.

Introdução:
Discutir Conteúdos e Métodos de Língua Portuguesa é mais do que pensar como a
criança apreende uma língua, mas como a criança se comunica nos primeiros meses de
vida, já que estamos falando em língua materna. Esta é uma reflexão abordada por
inúmeros teóricos até os dias de hoje. Além disso, se o aluno já chega ao ambiente escolar
provido de uma linguagem adquira no âmbito social, qual seria, então, o papel da escola?
Que “língua” é essa que ele aprende na sala de aula tão diferente daquela produzida pelos
falantes com os quais convive? É esse o objetivo da nossa disciplina refletir sobre esses
aspectos tão controversos a respeito do ensino da Língua Portuguesa. Para isso, dividimos
nossa disciplina em nove temas:

1. Aquisição e Desenvolvimento da Linguagem


2. Conceituando Língua e Linguagem (tipos de linguagem)
3. Norma e Gramática – As contribuições da Linguística
4. As variantes linguísticas, o certo e o errado
5. O texto na produção de sentido
6. PCN: o que determinam os Parâmetros
7. O que ensinar na escola?
8. As múltiplas linguagens como recursos didáticos: linguagem não verbal, jogos,
brinquedos, atividades lúdicas.
9. Possibilidade de avaliação da linguagem: leitura e escrita.

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1. AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

“A aquisição da linguagem é, provavelmente, o mais impressionante


empreendimento que o ser humano realiza durante a infância”
(Sim-Sim, Duarte & Ferraz, 1997 p. 44).

1.1. Aquisição e Desenvolvimento da Linguagem

O processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem é apesar de rápido, muito


complexo. A criança, por meio das interações sociais, adquire e desenvolve a sua língua
materna. Para este processo, ela percorre um caminho individual, delineado pela interação
com os outros.

Os estudos acerca da aquisição da linguagem buscam desvendar como uma


criança adquire a linguagem desde os primeiros momentos em que emite sons para
se comunicar, porém ainda há muito a ser pesquisado, já que este é um campo complexo
ao confluir para diferentes especificidades: biológicas, psicológicas, sociais e linguísticas.

As pesquisas iniciais sobre aquisição da linguagem começaram a ser realizadas em


1876. Elas tinham como objetivo observar o surgimento e o desenvolvimento da linguagem
nas crianças, para isso, baseavam-se em registros elaborados por linguistas da fala
espontânea dos próprios filhos. Nesses diários, registrava-se tudo o que as crianças faziam
com relação à linguagem. Como os pesquisadores não sabiam ainda ao certo o que
estavam procurando, a pesquisa tinha um caráter meramente descritivo.

Entre 1926 e 1957, cresceram as pesquisas sobre aquisição da linguagem, já que a


abordagem do corpus mudou e os estudos passaram a ser baseados na observação
sistemática de vários sujeitos, objetivando descrever o que é o comportamento comum em
aquisição da linguagem. No entanto, a observação do coletivo foi valorizada em detrimento
do individual e perdiam-se dados importantes.

Na década de 60 a 80, os estudos de Chomsky causaram uma revolução, já que


para ele a capacidade de falar é inata ao ser humano [detalharemos a frente essa
concepção]. O linguista começou a estudar as crianças em grupos reduzidos. Foi a época
em que surgiram muitos bancos de dados com falas de crianças em fase de aquisição
gravados em áudio ou vídeo. Esse material era transcrito, para depois ser estudado.

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1.2. Os teóricos em aquisição da linguagem

 Burrhus Frederic SKINNER: A palavra chave da teoria de Skinner é


comportamento (visão teórica behaviorista). Ele e seus seguidores assumiam
que a aprendizagem de uma língua ocorre pela exposição ao meio e em
decorrência da imitação e do reforço. Para ele, o ser humano aprende por
condicionamento, assim como qualquer outro animal. Skinner sustenta que o
aprendizado da linguagem não era, em princípio, diferente do aprendizado de
quaisquer outros comportamentos humanos. No entanto, o que seus críticos vão
questionar é: se uma criança adquire uma língua por imitação, como se explicaria
o fato de formar frases ou palavras que nunca ouviu? Skinner tinha uma posição
ambientalista, totalmente contrária a Chomsky. Em sala de aula, por exemplo, a
repetição mecânica deveria ser incentivada, pois esta levaria à memorização e
assim ao aprendizado. Assim como, os comportamentos são obtidos punindo o
comportamento não desejado e reforçado ou incentivado o comportamento
desejado com um estímulo, repetido até que ele se torne automático, (como
fazemos com nossos animais de estimação!)

Resumindo, na sala de aula, a repetição mecânica deve ser incentivada, pois


esta leva à memorização e assim ao aprendizado. O ensino é obtido quando o que
precisa ser ensinado pode ser colocado sob condições de controle e sob
comportamentos observáveis. Dessa forma, segundo Skinner, a aprendizagem
concentra-se na aquisição de novos comportamentos. De acordo com a teoria, os
alunos recebem passivamente o conhecimento do professor. Cabe a ele criar ou
modificar comportamentos para que o aluno faça aquilo que deseja.

 A partir do final da década de 50, os estudos de Noam CHOMSKY no campo da


sintaxe impulsionam os trabalhos em aquisição da linguagem, com base na
posição assumida de que a linguagem é inata em condições normais. Para o
pesquisador, a linguagem é uma dotação genética do ser humano. Segundo a
teoria inatista, o ser humano vem "equipado" com uma Gramática Universal e
parâmetros que deverão ser marcados ou fixados. Como se o cérebro tivesse
várias partes, muitas gramáticas “desativadas”. A partir do momento em que o
falante nascesse no Brasil e ouvisse nosso idioma, por exemplo, certas
estruturas características do Português Brasileiro seriam ativadas, gerando a

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gramática de sua língua nativa. A criança nasce pré-programada para adquirir a


linguagem e é capaz de, a partir da exposição à fala, construir suas hipóteses
sobre a língua a que está imersa.

 A visão cognitivista construtivista, de Jean PIAGET1, entende a aquisição da


linguagem como dependente do desenvolvimento da inteligência da criança.
Piaget ressalta que o indivíduo aprende do individual para o coletivo, assim, é
fundamental a relação do sujeito com ambiente. De acordo com a sua teoria, a
aquisição e o desenvolvimento da linguagem são processos oriundos do
desenvolvimento do raciocínio na criança e ocorre na função simbólica. O sujeito
constrói estruturas na experiência com o mundo físico, ao interagir e ao reagir
biologicamente com ele.

 Lev VYGOTSKY considera os fatores sociais, comunicativos e culturais para a


aquisição da linguagem (visão interacionista social). Segundo ele, a interação
social e a troca comunicativa são pré-requisitos básicos para a aquisição da
linguagem. Além disso, o pensamento e a fala têm origens diferentes, não sendo
a fala uma simples continuação do pensamento. Para ele, é na interação
existente entre o meio e a criança que se dão os processos de aquisição da
linguagem.

 Nos últimos anos, as pesquisas na área conexionista (McClelland e Rumelhart,


1986) surgiram com o objetivo de descobrir como se dá, no cérebro/mente, a
aquisição da linguagem. O conexionismo propõe que a aquisição tem como base
a formação de unidades neuroniais de pensamento. Dessa forma, adquirir
conhecimento ou adquirir uma língua implica o estabelecimento de novas
conexões neuroniais.

1.3. Desenvolvimento da Linguagem

Como dito, se a criança viver em condições normais, o estímulo linguístico dado a ela
pela comunidade em que se encontra inserida, vai levá-la a adquirir a linguagem. Já o

1
Você, provavelmente, já estudou a teoria de Piaget e Vygotsky em outras disciplinas, já que eles
são importantes teóricos da Educação. Por este motivo, não iremos nos prolongar em desenvolver seus
estudos. Importa-nos aqui suas relações com a aquisição da linguagem.

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desenvolvimento da linguagem corresponde às alterações quantitativas e qualitativas que


ocorrem durante o conhecimento da língua pela criança. Isso ocorre entre o seu nascimento
e a entrada no 1.º ciclo de escolaridade. O conhecimento que a criança possui da língua
antes do 1.º ciclo escolar, caracteriza-se por ser:

 Intuitivo;
 Subconsciente;
 Assistemático;
 Socialmente marcado.

O desenvolvimento da linguagem divide-se em duas fases, sendo elas o período pré-


linguístico e o período linguístico. O período pré-linguístico corresponde geralmente ao
primeiro ano de vida da criança e durante este período a criança inicia as vocalizações
(choro, riso, palreio e lalação) e desenvolve as capacidades de discriminação (permitem
diferenciar os sons da fala). No período linguístico, inicia-se a pronúncia das primeiras
palavras pela criança.

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http://selmamcarvalho.blogspot.com.br/2014/03/desenvolvimento-da-linguagem-da-crianca.html

De acordo com Aimard (1986), as diversas componentes da língua (função, forma e


significado) são apreendidas ao mesmo tempo, logo, é importante os educadores e
professores conhecerem os diversos domínios linguísticos que são adquiridos pelas
crianças, os quais estão intimamente interligados. São eles: fonológico, lexical e semântico,
morfossintático e discursivo-pragmático.

 Desenvolvimento fonológico: para que a criança comece a falar, necessita de


passar por um processo progressivo de aquisição dos sons da fala, designado
por desenvolvimento fonológico, o qual integra a capacidade para distinguir sons
e para produzir todos os sons da língua materna.

 Desenvolvimento lexical e semântico: processo que se prolonga ao longo de


toda a vida do sujeito, corresponde à aquisição do vocabulário.

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 Desenvolvimento morfossintático: tão importantes como as palavras são as


regras que permitem a sua organização em frases, assim, as crianças
compreendem a organizam das palavras na sentença.

 Desenvolvimento discursivo-pragmático: capacidade de conhecer as regras


reguladoras do uso dessa língua em contexto social, pois só assim conseguirá
expressar o que pretende e interagir socialmente.

Com o desenvolvimento da criança, suas conversações tornam-se cada vez mais


sofisticadas. A escola é, portanto, primordial para que as crianças de meios socialmente
mais desfavorecidos adquiram regras pragmáticas que lhes permitam no futuro adequar a
sua comunicação a diversas situações.

Assista ao Vídeo da Universidade Técnológica Federal do Paraná sobre a teoria de


Noam Chomsky: [https://www.youtube.com/watch?v=8D4dcO8J6hc]
Acesso – 22/02/2018.

O desenvolvimento da linguagem é ainda mais impressionante quando


consideramos a natureza do que é aprendido. Pode parecer que as crianças
precisem apenas lembrar-se do que ouviram e repeti-lo em algum momento
posterior. Mas, como mostrou Chomsky há tempos atrás, se essa fosse a
essência da aprendizagem da linguagem não seríamos comunicadores bem-
sucedidos. A comunicação verbal requer produtividade, isto é, a capacidade
de criar um número infinito de enunciados que nunca ouvimos antes. Essa
inesgotável capacidade de inovar exige que alguns aspectos do conhecimento
linguístico sejam abstratos. Em última instância, as “regras” de combinação de
palavras não podem ser regras para determinadas palavras, e sim regras para
classes de palavras, tais como substantivos, verbos ou preposições. Desde que
disponha desses esquemas abstratos, o falante pode preencher os “espaços”
de uma frase com as palavras que melhor traduzam a mensagem do momento.
FONTE: Enciclopédia Criança

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2. CONCEITUANDO LÍNGUA E LINGUAGEM (TIPOS DE LINGUAGEM)

2.1. A diferença entre língua e linguagem

A comunicação humana ocorre de diferentes formas, seja por sinais, códigos


linguísticos, escrita ou por forma oral. Utilizamos da nossa língua, linguagem ou fala para
passarmos informação, contudo às vezes nos confundimos ao tentar entender a diferença
e os conceitos, por isso é importante estudá-los para que possamos entender como cada
um funciona e contribui para a nossa comunicação diária.

A língua é um conjunto organizado de elementos (sons e gestos) que possibilitam a


comunicação. Ela surge em sociedade, e todos os grupos humanos desenvolvem sistemas
com esse fim. As línguas podem se manifestar de forma oral ou gestual, como a Língua
Brasileira de Sinais (Libras).

Linguagem é a capacidade dos seres humanos para produzir, desenvolver e


compreender a língua e outras manifestações, como a música e a dança. É a expressão do
pensamento, sendo que a língua é uma forma de linguagem, como também a linguagem
corporal, música, pintura, símbolos. Por outro lado, linguagem não é um tipo de língua. Seu
conceito é muito mais amplo. A expressão oral, por exemplo, é considerada uma das formas
mais importantes de comunicação humana.

De acordo com Perini (2010), chamamos “língua” um sistema programado em nosso


cérebro que estabelece uma relação entre imagens mentais que formam nossa
compreensão do mundo e um código que as representa. “Os seres humanos utilizam um
grande número de tais sistemas (“línguas”), que diferem em muitos aspectos e também se
assemelham em muitos outros.”. Para ele, a língua é complexa e inata.

O que chamamos uma “língua” é, assim, uma das realizações


históricas da capacidade humana para a linguagem. E cada língua é
profundamente enraizada na cultura que serve – por exemplo, não creio que
em tibetano ou em amárico haja expressões exatamente paralelas a pisar na
bola ou mãe de santo. Já houve (não sei se ainda há) quem sustentasse que
a língua que uma pessoa fala condiciona sua maneira de ver o mundo (a
chamada “hipótese de Sapir-Whorf”). Suspeito que há um grão de verdade
nessa hipótese, mas do modo como é geralmente enunciada ela exagera a
importância da língua nos nossos processos cognitivos. (PERINE, 2010, p.
03)

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Já para Saussure (1969), a língua é um sistema de signos, a parte social da


linguagem, exterior ao indivíduo: não pode ser modificada pelo falante e obedece às leis do
contrato social estabelecido.

2.2. Tipos de linguagem

Se já entendemos a linguagem como capacidade que possuímos de expressar


nossos pensamentos, ideias e sentimentos, podemos perceber que ela está relacionada ao
processo comunicativo. Se há comunicação, algum tipo de linguagem foi utilizada.

Sinais, símbolos, sons e gestos são alguns exemplos de linguagem do nosso dia a
dia. Por exemplo, ao nos depararmos com uma placa como esta, qualquer indivíduo, em
plena habilidade cognitiva, consegue decodificá-la.

As diversas linguagens podem ser agrupadas em:


 Linguagem verbal: aquela que se utiliza de palavras escritas ou faladas no
processo comunicativo.

 Linguagem não verbal: é aquela que utiliza outros métodos de comunicação, que
não são as palavras. Dentre elas, estão a linguagem de sinais, as placas e sinais
de trânsito, a linguagem corporal, uma figura, a expressão facial, um gesto, etc.

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(ENEM, 2013)

 Linguagem mista: é o uso simultâneo da linguagem verbal e da linguagem não


verbal, usando palavras escritas e figuras ao mesmo tempo. As histórias em
quadrinhos, as charges e os outdoors são um exemplo deste tipo de linguagem.

(GLAUCO)

Quando usamos o termo TIPOS DE LINGUAGEM podemos nos referir a


categorizações diferentes. Na aula, os tipos de linguagem trabalhados foram a
diferença entre o verbal e o não verbal. No entanto, há linguagem FORMAL e
INFORMAL, linguagem CONOTATIVA e DENOTATIVA, entre outros. Por isso,
quando for estudar materiais extras, verifique corretamente o conteúdo.

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3. NORMA E GRAMÁTICA – AS CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA

Quando vamos produzir um texto para um vestibular ou concurso público, muitas


vezes nos deparamos com expressões como NORMA CULTA ou NORMA PADRÃO. Tais
termos são utilizados como sinônimos quando, na verdade, tem sentidos bem diferentes.

De acordo com Faraco (2008), “norma culta se tornou moeda corrente para, em
primeiro lugar, resolver a maldição que caiu sobre a palavra gramática.”. Essa maldição a
que Faraco refere-se é a crítica que se iniciou na década de 60 às fragilidades conceituais
da gramática e ao crescimento dos estudos linguísticos no país. Tal crítica saiu dos muros
da academia e chegou às escolas, assim, o ensino do português mais voltado ao estudo
das regras e nomenclaturas, começou a ser questionado, ou seja, passou a ser
politicamente incorreto o ensino da gramática.

O problema é que este discurso de fato não atingiu a prática pedagógica e o termo
gramática ficou para sempre rotulado, sendo seu significado depreciado. Para substituí-lo
criou-se o termo norma culta, este soava menos permeado de regras, porém era atribuído
aos mesmos conteúdos.

Como brinca Faraco (2008), quem seria a Sra. Dona Norma Culta que proíbe, exige,
condena? Difícil personificá-la em alguém tão rancoroso. O resultado é que se desenvolveu
uma situação em que a imprecisão de sentido mistura norma culta com norma gramatical.

No entanto, a palavra “norma” entre suas inúmeras acepções pode ser entendida
como aquilo que é normal, comum ou normativo. Dessa forma, um olhar atento sobre as
produções dos falantes mostra que estamos inseridos em um universo linguístico bastante
heterogêneo, cada um com sua organização própria, sua norma.

Dentre essas normas, qual seria A CULTA? De acordo com Stella Maris Bortoni-
Ricardo (2005), o melhor instrumento para identificar os falares dos brasileiros é distribuir
as inúmeras variedades em três grupos: rural-urbano, oralidade-letramento e monitoração
estilística.

Adotando o modelo dos três continua, podemos caracterizar estas


variedades como aquelas que se distribuem no entrecruzamento do polo urbano (no
eixo-rural urbano) com o polo do letramento (no eixo oralidade-letramento). No eixo

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da monitoração estilística, essas variedades conhecem, como todas as demais,


diferentes estilos, desde os menos até os mais monitorados. (FARACO, 2008, p.
44)

Encontramos essa variedade nos meios de comunicação de massa, muito por uma
imposição econômica e social. Vamos discutir mais sobre essa variante nas próximas aulas.

Neste momento, é importante que se entenda que a chamada norma culta se


identifica, portanto, com a linguagem urbana comum, aquela produzida por falantes cultos.
Esses falantes seriam, de acordo com o projeto NURC (Norma Linguística Urbana Culta),
os falantes urbanos, com escolaridade superior completa e em situações monitoras (falas
não espontâneas.). Ou seja, a produzida por uma parcela muito pequena da população: a
elite altamente letrada. Cabe-nos aqui uma reflexão: Determinar como “correto” o falar das
classes econômicas dominantes não é uma forma de opressão? Ao falarmos sobre
variação linguística, vamos retomar esse questionamento.

Essa tal norma culta, para os falantes, seria melhor que as demais e se confunde
com a própria língua. O que não se percebe é que qualquer língua é heterogênea.

Já norma padrão caracteriza-se, como o nome diz, a uma padronização. Essa


padronização nos remete à história. Desde a criação da primeira gramática por Antonio
Nebrija, em 1492, buscou-se estabelecer, por imposições normativas, um padrão de língua
capaz de atenuar a diversidade linguística, principalmente nos países colonizados. Ou seja,
criou-se uma norma padrão.

Aqui no Brasil, não se optou pela norma culta (comum aos falantes brasileiros), a
elite letrada conservadora do século XIX queria fixar como padrão o modelo lusitano. Para
eles, era preciso viver em um país branco e europeu. Para isso, combatiam-se os
fenômenos linguísticos identificados como “português de preto”, entendido como
degeneração da língua. (FARACO, 2009). O objetivo não era criar um Estado unificado,
mas combater o português popular, produzido nas ruas, um português misturado à língua
indígena e africana.

O resultado é que o brasileiro nunca aceitou essa padronização na fala. A sonoridade


brasileira não se encaixava ao excesso de lusitanismo e, até hoje, frases como “entregar-
lhe-ei os óculos”, são somente encontradas nos livros de literatura romântica.

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Resumindo, enquanto a norma culta é a expressão de um determinado segmento da


sociedade, ou seja, parte da língua viva e, por este motivo é descritiva; a norma padrão é
abstrata, serve de referência para uniformização da língua, é, pois, prescritiva.

A partir do Modernismo e da resistência de alguns gramáticos, no final do século XX,


houve uma flexibilização. Produziu-se a norma gramatical, um meio termo entre a norma
padrão e a norma culta.

É importante você, professor, conhecer essa história da nossa gramática e entender


que muitas vezes questões linguísticas são imposições econômicas e preconceituosas.

A normatização gramatical da língua portuguesa começou no século XVI,


quando ocorreu o Renascimento em Portugal. Desde os primórdios até então,
o português era utilizado livremente e os falantes tinham muita liberdade na
escrita. Em 1536, o padre Fernão de Oliveira publica a primeira gramática da
língua portuguesa, a "Gramática da Lingoagem Portugueza". No Brasil,
segundo o prof. Antônio Martins de Araújo (UFRJ), a primeira gramática
brasileira da língua portuguesa é o Compêndio da Grammatica Portugueza, do
padre Antônio da Costa Duarte, cuja edição é de 1829.

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4. AS VARIANTES LINGUÍSTICAS, O CERTO E O ERRADO

Antigamente
(Carlos Drummond de Andrade)
"Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e
muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os
janotas, mesmo sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas
ficavam longos meses debaixo do balaio."

Antes de começarmos a refletir sobre o ensino do certo e errado na Língua


Portuguesa é importante compreender que a Linguística, ciência que primeiro se ocupou
em verificar a língua em uso, foi institucionalizada em 1962 nas academias.

E foi a partir daí que se começou a atribuir aos linguistas o papel de formuladores de
uma nova política para o ensino do português. O problema é que para eles, mais importante
do que a correção é a situação comunicativa. Não é incomum serem acusados de aceitarem
de tudo na língua. O que não é verdade. Para um linguista, não adianta corrigir o equívoco,
mas avaliar o cenário em que tal equívoco ocorre. Afinal, só é possível falar em certo e
errado se observarmos a língua sob um único prisma: a norma culta.

Para alguns falantes é tão absoluto que esta é a única forma válida que são capazes
de afirmar que o brasileiro não sabe falar o português!!!! Para eles, as normas estão acima
do uso. Essa visão purista não admite a adequação linguística, somente a regra. O que
para a linguística é um absurdo.

Como se supõe que para os linguistas “tudo vale na língua”, supõe-se também que
eles são contrários ao ensino das variedades ditas cultas.
Não há, em seus textos, nenhuma afirmação nesse sentido. Ainda assim, são
acusados de esquerditas de meia-pataca porque (supostamente) idealizam tudo o
que é popular e preconizam que os ignorantes continuem a sê-lo, cf. revista Veja de
07/11/01, p. 112
(FARACO, 2009, p. 168)

No entanto, o que os linguistas almejam é que os alunos tenham acesso à


modalidade culta da língua, mas não menosprezem as formas populares ou inúmeras
variantes existentes. Afinal, toda língua possui variações, sendo que a maioria ocorre no
tempo (variação histórica) e no espaço (variação regional).

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Há três fenômenos relacionados às variações linguísticas:

1) Em sociedades complexas coexistem variedades linguísticas usadas por


diferentes grupos sociais, culturais e linguísticos. Essas diferenças tendem a
serem maiores na língua falada que na língua escrita;

2) Pessoas que fazem parte de um mesmo grupo social expressam-se de forma


diferente de acordo com a situação.

3) Há falares de grupos específicos, como os jargões profissionais usados por


médicos, policiais, profissionais de informática entre outros. Eles possuem um
léxico característico. Já os jovens, grupos marginalizados e

Apesar de reconhecer todas essas variantes, estamos muito atrasados na


construção de uma pedagogia da variação linguística. No ambiente escolar, não sabemos
como proceder. A variação linguística é trabalhada como um conteúdo estanque no 6º do
Ensino Fundamental e no 1º ano do Ensino Médio. Parece que, assim, atende-se aos
Parâmetros Curriculares, os quais já abordam essa temática.

Outro problema são os livros didáticos que apresentam as variantes de forma quase
anedótica. Ao citarem o português rural, muitos trazem uma tirinha de Chico Bento, um
personagem estereotipado que não reflete o real falar rural. A variante acaba sendo vista
como algo só existente por determinada parcela da população rural.

O aluno não percebe a variação como parte do Português Brasileiro e não vê o


potencial estilístico e retórico delas. Pior não se vê como um falante multiestilístico, produtor
de falares diversos, todos eles igualmente aceitáveis.

Quantas vezes você já ouviu questionamentos sobre lugares do Brasil em se fala


mais “corretamente” o português? Se entendemos a pluralidade da nossa língua, essa
pergunta passa a ser absurda, pois todas as variações fazem parte da mesma língua.

Novamente, voltamos às questões econômicas. Quando pressupomos que o


Sudeste é o “detentor do verdadeiro português”, baseamo-nos em um critério econômico,
já que os meios de comunicação de massa produziam essencialmente o falar dessa região.

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Há algum tempo, era inimaginável um apresentador de telejornal com sotaque nordestino.


Via-se nesse sotaque a representação de algo menor, pobre, ruim. A variação do Nordeste
sofreu um estigma muito forte.

É papel da escola garantir não somente o acesso às variedades cultas da língua,


mas garantir ao aluno a ampliação do seu letramento. Essa deveria ser a meta do ensino
da língua materna, ou melhor, do ensino de maneira global. Já que a competência leitora é
fundamental em todas as disciplinas. De que adiante falarmos em um mundo globalizado
se ainda repetimos em sala de aula os mesmos textos literários? Se ainda excluímos
cordéis, rap, cultura quilombola? Sobre essa questão, falaremos nas próximas aulas.

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5. O TEXTO NA PRODUÇÃO DE SENTIDO

Por que escrevo? Você já se perguntou sobre a importância do texto na vida em


sociedade, por que produzimos textos?

Antes de tudo, é preciso compreender o conceito de texto. Este já foi concebido como
unidade linguística superior à frase e, no campo da pragmática, expressão do pensamento.
Também há conceitos relacionados ao aspecto comunicativo. Assim, o texto passa a ser
visto como resultado de nossa atividade de interação com o outro e, portanto,
compreende processos mentais conscientes e criativos.

Para que o texto seja processado, envolvemos três grandes sistemas: o linguístico,
o enciclopédico e o interacional. (HINEMANN & VIEHWEGER, 1991). Pelo linguístico,
compreendemos o sistema gramatical e lexical. O enciclopédico, refere-se ao
conhecimento de mundo dos interlocutores e o interacional sobre o processo de
comunicação. Ou seja, produzir um texto é muito mais do que trabalhar palavras, mas
articular pensamentos e compreender pessoas.

Por esta razão, um dos aspectos mais intrigantes e, ao mesmo tempo, fascinantes,
no estudo da neuropsicologia, é como ocorreu o processo de adaptação que culminou no
acervo, guarda e reprodução do conhecimento historicamente acumulado, através das
linguagens oral e escrita. (BOTELHO,2001). Afinal, se os textos são expressões de ideias,
pensamentos, também é por meio deles que disseminamos saberes e culturas.

Quando falamos em texto, instantaneamente refletimos sobre hábito leitor. Afinal,


não há produção textual, seja ela oral ou escrita, sem um interlocutor. Por outro lado, é
preciso que se entenda que, segundo Marcuschi (2003), “a produção textual não é uma
simples atividade de codificação e a leitura não é um processo de mera decodificação”.

Tanto que por muitos anos questionou-se de quem seria a responsabilidade por um
processo não bem-sucedido na leitura de um texto: do autor, do texto ou do leitor. Diferentes
correntes da hermenêutica já se confrontaram e as mais contemporâneas têm sacrificado
o leitor.

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Assim, uma interação textual tem maiores chances de ser efetiva se o leitor for
proficiente.

E por que estamos trabalhando tais questões em nossa aula? Porque para nós, em
uma sociedade em que a língua ocorre por textos, não podemos imaginar que o ensino
ocorra de outra forma.

Só faz sentido o aluno aprender o adjetivo, por exemplo, quando compreender as


diferenças, as qualidades, quando conseguir ler o mundo e descrevê-lo com suas minúcias.

No entanto, apesar de terem surgido inúmeras propostas de ensino centrado no


texto, muitas delas ficam na teoria sem alcançar a prática pedagógica. Para os docentes,
essas teorias não dão conta das necessidades dos alunos, o resultado é que o professor
prefere continuar com o ensino tradicional, com isso, quem “perde” é o aluno que continua
a achar as aulas de língua uma sucessão de regras.

Mesmo quando os textos são utilizados em sala de aula, o foco são os exercícios de
interpretação. Algumas vezes são utilizados como pretextos para o ensino gramatical, mas
não de uma língua em uso. Novamente sentenças são pinçadas para um estudo
determinado. O texto é visto como um grupo de frases reunidas e não como um todo único.

As atividades que utilizam textos em aula não incentivam o prazer pela escrita e nem
pela leitura. No entanto, é necessário trabalhar com essa prática de maneira natural em
sala, o aluno precisa se acostumar com o exercício da leitura e da escrita, pois, dessa
forma, torna-se um sujeito atuante na sociedade, exprimindo sua opinião e exercitando sua
capacidade discursiva de acordo com a situação que lhe é proposta, pois cada texto exige
uma linguagem diferente.

Escrever nem sempre é uma tarefa fácil, enfrentar o papel em branco assusta e ela
se torna ainda mais complexa com a falta de prática, por esta razão, cabe ao ambiente
escolar trabalhar o texto de forma desafiadora, mas prazerosa. E inserir a gramática neste
contexto textual, compreendendo o todo do qual faz parte.

Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa 18


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Se a leitura não é decodificação de palavras, assim como escrita não é reprodução


desses códigos, as duas devem ser construídas juntas, para que o aluno possa apreendê-
las respeitando as muitas etapas deste processo.

Para desenvolver a competência linguística, ou a “tal da gramática”, o aluno deve


ser apresentado à língua em diversas situações, é preciso entender que o estudo da nossa
língua vai muito além de normas gramaticais. Para isso, é necessário trabalhar com textos
para que o aluno chegue à compreensão do uso da língua.

Durante esse trabalho é necessário que o professor compreenda que o ensino da


língua portuguesa deve ser voltado tanto para a comunicação entre as pessoas quanto para
o estudo dos elementos linguísticos envolvidos na constituição do texto, mas, para que isso
aconteça, o professor deve incentivar produções que alcancem essa comunicação.
Segundo Dionísio (2010),

A linguagem só é compreendida se tivermos acesso aos seus elementos


constitutivos: participantes, lugar, tempo, propósito comunicativo (conversar,
explicar, responder, elogiar, dizer verdades ou mentiras, agradar, criticar, etc.) e às
diferentes semiologias que entram em jogo na sua produção.
(DIONISIO, 2010, p. 181)

Para ela, o aluno desenvolve melhor sua produção se compreender esses


elementos, assim entende que sua atividade é interativa, e que, mais importante do
escrever "certo", deve ser escrever algo compreensível para seu leitor e, nesse momento,
entram as normas.

Saber gramática não é o suficiente para uma atuação verbal eficaz. De fato, um dos
maiores equívocos consiste em se acreditar que o conhecimento da gramática é
suficiente para se conseguir ler e escrever com sucesso os mais diferentes gêneros
de texto, conforme as exigências da escrita formal e socialmente prestigiada.
(ANTUNES, 2007, p.53)

Mesmo nas séries iniciais, o ensino deve ter por foco os sentidos que o texto
apresenta e que devem servir para estabelecer comunicação entre os interlocutores.
Devemos compreender que a melhor forma de sairmos do grande abismo do ensino da
língua materna é trabalhar diretamente com a língua em uso, ou seja, através de textos.
Quando ele torna-se objeto de estudo, o aluno entende os mecanismos que norteiam sua
língua.

Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa 19


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No entanto, esse trabalho por meio de textos exige prática, escrita, leitura e reescrita.
Por outro lado, faz com que o aluno escreva e leia de forma sempre mais sofisticada, ou
seja, que ele alcance a norma culta de sua língua.

Leia a uma interessante reportagem publicada na Revista Nova Escola sobre


“O ensino da língua e a metodologia”. Além de discutir a importância do texto
no ensino, ele subsidia nossas próximas aulas. Disponível em:
https://novaescola.org.br/conteudo/303/o-que-ensinar-em-lingua-
portuguesa acesso em 22/02/2018.

Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa 20


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6. PCN: O QUE DETERMINAM OS PARÂMETROS

Como veremos na próxima aula, desde o início da década de 80, o ensino de Língua
Portuguesa na escola tem sido um dos principais focos no que se refere a melhoraria da
qualidade da educação do país. Essa situação acentua-se no fim da primeira série e na
quinta série, em que o índice de repetência é maior. No primeiro, por dificuldade em
alfabetizar; no segundo, por não conseguir garantir o uso eficaz da linguagem.

Tal cenário aponta para a necessidade da reestruturação do ensino de Língua


Portuguesa, com o objetivo de encontrar formas de garantir, de fato, a aprendizagem da
leitura e da escrita. Os Parâmetros Curriculares Nacionais — PCN — vêm apresentar
propostas de trabalho que valorizam a participação crítica do aluno diante da sua língua e
que mostram as variedades e pluralidade de uso inerentes a qualquer idioma.

Os PCN são referências para os Ensinos Fundamental e Médio de todo o país. O


objetivo dos PCN é garantir a todas as crianças e jovens brasileiros, mesmo em locais com
condições socioeconômicas desfavoráveis, o direito de usufruir de conhecimentos
necessários para o exercício da cidadania. Não possuem caráter de obrigatoriedade e,
portanto, pressupõe-se que serão adaptados às peculiaridades locais.

Os PCN de Língua Portuguesa para o ensino fundamental dividem-se em duas


partes. Na primeira há a apresentação da área de língua portuguesa, em que se discutem
questões sobre a natureza da linguagem, o ensino dessa disciplina (objetivos e conteúdo)
e a relação texto oral-escrito com a gramática. Na segunda, aparecem os objetivos e
conteúdos específicos no terceiro e no quarto ciclos, divididos em prática de escuta de
textos orais / leitura de textos escritos, prática de produção de textos orais e escritos e
prática de análise linguística.

Na primeira parte, a língua portuguesa é apresentada como uma área em mudança,


saindo de uma época de para um questionamento de regras e comportamentos linguísticos.
No que se costuma chamar de “ensino descontextualizado de metalinguagem” (p. 18), o
texto é usado (quando o é) como pretexto para retirar exemplos de “bom uso” da língua,
descontextualizados e fora da realidade do aluno, mostrando uma “teoria gramatical
inconsistente” (id.). Já em uma perspectiva mais crítica de ensino de língua, apresenta-se
a leitura e a produção de textos como a base para a formação do aluno, mostrando que a

Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa 21


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língua não é homogênea, mas um somatório de possibilidades condicionadas pelo uso e


pela situação discursiva. Assim, o texto é visto como unidade de ensino e a diversidade de
gêneros deve ser privilegiada na escola. “Toda educação comprometida com o exercício
da cidadania precisa criar condições para que o aluno possa desenvolver sua competência
discursiva” (p. 23).

Os textos produzidos pelos alunos, de acordo com os PCN, devem ser materiais de
apoio para os professores, uma vez que poderiam ser analisadas e usadas em sala para
mostrar aos alunos que eles são produtores de textos e que a gramática não é algo tão
abstrato.

Na segunda parte, ressalta-se domínio da expressão oral e escritas em situações de


uso público da linguagem, levando em conta a situação de produção social e material do
texto (lugar social do locutor em relação ao(s) destinatário(s); destinatário(s) e seu lugar
social; finalidade ou intenção do autor; tempo e lugar material da produção e do suporte) e
selecionar, a partir disso, os gêneros adequados para a produção do texto, operando sobre
as dimensões pragmática, semântica e gramatical (p. 49). Um aspecto importante presente
no documento é que não se pode mais empregar somente o nível mais formal de fala para
todas as situações. A escola precisa se livrar da ideia – enfatiza o documento – de que a
fala “correta” é a que se aproxima da escrita.

A prática de produção de textos orais e escritos e a prática de análise linguística


formariam um tripé em cima do qual sustenta-se o ensino de língua portuguesa,
funcionando como um bloco na formação dos alunos. Uma das críticas que são feitas aos
PCN refere-se à necessidade de professores atualizados para que as propostas sejam
aplicadas em sala de aula. O professor na prática em sala de aula não consegue aplicar o
que pregam os Parâmetros. Novamente, velhas práticas se perpetuam nas salas e aula.

Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa 22


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7. O QUE ENSINAR NA ESCOLA?

Não basta saber ler que 'Eva viu a uva'. É preciso compreender qual a posição
que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem
lucra com esse trabalho.
Paulo Freire

Um pouco de história - Até os anos 1970, o processo de aprendizagem da Língua


Portuguesa ocorria em dois estágios: o primeiro ia até a criança ser alfabetizada,
aprendendo o sistema de escrita; o seguinte, após esse conhecimento básico adquirido,
quando seria convidada a produzir textos, perceber as normas gramaticais e ler produções
clássicas.

Por muitos anos, acreditou-se que a linguagem era expressão do pensamento, logo,
ler e escrever bem eram uma consequência do pensar. Assim, à escola, restava a
discussão sobre as características normativas da língua.

Nos primeiros anos de estudo da língua portuguesa, o aluno deveria aprender a


escrever. Para isso, havia dois métodos de alfabetização: os sintéticos e os analíticos. No
sintético, apresentavam-se pequenas partes das palavras, como as letras e as sílabas,
para, então, formar sentenças. No analítico, o contrário, partia-se de frases e palavras,
decompostas em sílabas ou letras. Na escrita, os alunos deveriam reproduzir modelos de
textos e esmerar-se no desenho perfeito das letras.

Para identificar uma leitura de qualidade, o estudante tinha que reproduzir o que o
autor “quis dizer”, sem ir além em possíveis sentidos. Quando os alunos dominavam a
primeira etapa de aprendizagem, estavam aptos para a seguinte.

Uma transformação nos conceitos mudou as práticas pedagógicas durante os anos


70. A linguagem deixou de ser entendida como a expressão do pensamento para ser vista
como um instrumento de comunicação. Conceitos como interlocutor e mensagem
começaram a ser difundidos, além do ensino dos gêneros de textos. Apesar disso, seguia-
se um padrão preestabelecido, e qualquer anormalidade seria um ruído.
Já no final do século XIX, Mikhail Bakhtin apresentou a tese que vigora até hoje, de
que a linguagem é um enunciado discursivo. A relação interpessoal, o contexto de produção
dos textos, as diferentes situações de comunicação, os gêneros, a interpretação e a
intenção de quem o produz passaram a ser peças-chave.

Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa 23


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A linguagem não era mais entendida como uma representação da realidade, mas o
resultado das intenções do falante e o impacto produzido no receptor. Em consequência
disso, nas salas de aula, o aluno passou a ser visto como sujeito ativo e atuante. Tais ideais
nos lembram das concepções de aprendizagem socioconstrutivistas de Piaget, que
consideram o conhecimento como sendo elaborado pelo sujeito, e não só transmitido pelo
professor.

Na década de 80, o ensino passa a ser considerado como um processo contínuo e


não como uma sucessão de etapas. Para que a aprendizagem ocorra, o aluno precisa ser
desafiado em conteúdos com dificuldades progressivas. Desse modo, desenvolve
competências e habilidades diferentes ao longo dos anos. No Ensino Fundamental, por
exemplo, as situações didáticas centralizam-se na leitura e produção de textos orais e
escritos, mesmo quando o aluno ainda não compreende o sistema. A reflexão sobre o
sistema de sua língua é apenas uma parte desse aprendizado. Nesta época, Emilia Ferreiro
e Ana Teberosky apresentaram resultados de suas pesquisas sobre a alfabetização,
mostrando que o aluno constrói hipóteses sobre a escrita e também aprende ao reorganizar
os dados que têm em sua mente

Da teoria à realidade atual – Apesar dos inúmeros avanços nas teorias


pedagógicas, ainda hoje, questionamos a qualidade do ensino da língua materna nas
escolas. Mais do que isso, questionamos as diretrizes seguidas pela grande maioria das
instituições de ensino, norteadas pelos livros didáticos que engessam o ensino e
segmentam a língua em “partes”. “Hoje é dia de estudar o substantivo! ”, para isso
conceitua-se, “o substantivo dá nome aos seres”. E neste momento já começa o problema:
o que é um ser? Como explicar ao aluno de cinco anos, o que é “ser” se nem a Filosofia
deu conta de conturbada designação.

O ensino calcado na memorização e categorização de determinados elementos


linguísticos, ou seja, no aspecto normativo ignora a competência linguística já adquirida
pelo aluno antes mesmo dele sentar-se nos bancos escolares e faz com que muitos
comecem a ter ojeriza da própria língua materna. Hoje, espera-se do aluno que ele seja
capaz de classificar enunciados estanques quanto à sua morfologia e sintaxe e não
centramos os estudos no que seria essencial aos meninos: sua competência escritora e
leitora.

Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa 24


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Devemos ser criteriosos com a seleção de conteúdos ministrados nesta fase inicial
do aprendizado da língua portuguesa. É necessário trabalhar com práticas de leitura e
escrita realmente pertinentes, que desenvolvam no aluno noções teóricas e saberes que o
habilite a se comunicar em qualquer nível de linguagem, inclusive e principalmente o nível
culto.

O ensino de português deve compreender um progressivo aprofundamento das


habilidades recém-adquiridas de leitura e escrita, através de leituras selecionadas. Assim,
espera-se, ampliar a habilidade de leitura, ou seja, a decodificação do texto escrito, assim
como a “leitura do mundo” e prepará-los para serem agentes na sociedade.

O que vemos, ao contrário, é que a escola ignora o que deveria ser a sua função
primordial: formar cidadãos críticos, atuando com isso, na promoção da cultura,
socializando-a nas suas diferentes faces. Instrumentalizando educando-os para refletirem
sobre suas realidades. Paulo Freire considera que o docente não deve se limitar ao
ensinamento dos conteúdos, mas, sobretudo, ensinar a pensar, pois “pensar é não
estarmos demasiado certos de nossas certezas”. (FREIRE, 1996, p. 28).

As professoras primárias têm em suas mãos alunos recém-alfabetizados, ávidos


para descobrir e “ler” o mundo em todas as suas faces. Para tanto, devemos instigar sua
curiosidade com diferentes tipos de leitura: jornais, clássicos, quadrinhos, fotografias, obras
de arte. E, a partir daí, instrumentalizar a escrita, sempre associada à prática leitora.

Para o aluno ler, produzir textos e ter a oralidade desenvolvida, assim como possuir
as capacidades sugeridas pelos PCN, é imprescindível que o trabalho com a Língua
Portuguesa no ensino fundamental ofereça um processo de ensino e aprendizagem mais
sistematizado, consciente e aprofundado a partir de atividades reflexivas, dinâmicas,
interativas e motivadoras. O trabalho com gêneros do cotidiano é um caminho, já que insere
o aluno como ser social: telefonema, carta, bilhete, reportagem, bula de remédio, aula
expositiva, receita culinária, lista de compras, horóscopo, piada, mensagem de celular,
dentre outros. Os pequenos têm habilidades para se apropriar de muitos gêneros.

Resta ao professor, antes de preencher semanários e “dar conta do livro didático”,


conhecer os meninos que estão sentados a sua frente. Mostrar a eles as possibilidades
mágicas e infinitas da leitura. Situá-los como participantes desse mundo por meio da escrita

Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa 25


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autônoma e criativa, desde os gêneros mais adequados a suas idades, até o reconto de
histórias clássicas. Fazer deles leitores e escritores da nossa língua.

Há uma frase que diz “O homem que não lê bons livros não tem nenhuma
vantagem sobre o homem que não sabe ler.” (Mark Twain), você já pensou em
quantos livros leu este mês? Se gaguejou na resposta repense sua prática
pedagógica. Como criará hábito leitor em seus alunos se não tem esta prática. É
inconcebível um professor que não seja leitor. Ler é cidadania. Comece agora
mesmo. Não é preciso apropriar-se dos clássicos da humanidade, leia por prazer,
leia para aprender, leia para se informar. Para ajudá-lo nesta caminhada, assista
ao vídeo Nova Escola - Emilia Ferreiro - Leitura e escrita na Educação Infantil.
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=0YY7D5p97w4 acesso
22/02/2018.

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8. AS MÚLTIPLAS LINGUAGENS COMO RECURSOS DIDÁTICOS:


LINGUAGEM NÃO VERBAL, JOGOS, BRINQUEDOS, ATIVIDADES
LÚDICAS.

Um, dois, feijão com arroz,


Três, quatro, feijão no prato,
Cinco, seis, feijão inglês,
Sete, oito, comer biscoitos,
Nove, dez, comer pastéis.

A atividade lúdica, representada por jogos e brincadeiras, pode desenvolver o


aprendizado da criança dentro da sala de aula: o lúdico se apresenta como uma ferramenta
de ensino eficiente para o desempenho e desenvolvimento integral dos alunos. O próprio
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998) garante que a criança tenha
acesso às múltiplas linguagens de acordo com suas necessidades sociais. Logo, o brincar
deve fazer parte do cotidiano escolar e, principalmente, inserido nas práticas pedagógicas.

Os jogos e as brincadeiras estão presentes em todas as fases da vida dos seres


humanos. É possível imaginar nossa vida sem o lúdico? Como seria triste, não? O lúdico
acrescenta um ingrediente indispensável no relacionamento entre as pessoas: a
criatividade.

O jogo é reconhecido como meio de fornecer à criança um ambiente agradável,


motivador e planejado de aprendizagem, pois trabalha o desempenho dentro e fora da sala
de aula. O jogo na escola apresenta benefício a toda criança, já que na atividade lúdica, o
que importa não é apenas o produto da atividade que dela resulta, mas a própria ação,
momentos de fantasia que são transformados em realidade, momentos de percepção, de
conhecimentos, de conflitos e descobertas.

O jogo permite também o surgimento da afetividade cujo território é o dos


sentimentos. Uma relação educativa que pressupõe o conhecimento de sentimentos
próprios e alheios que requerem do educador uma atenção mais profunda e um interesse
em querer conhecer mais e conviver com o aluno; o envolvimento afetivo, como também o
cognitivo de todo o processo de criatividade que envolve o sujeito-ser-criança (ALMEIDA,
2006).
É por todos estes motivos que a ludicidade é uma necessidade do ser humano em
qualquer idade e não pode ser vista apenas como diversão, mas como um aprendizado.
Nas atividades lúdicas encontramos diferentes linguagens.

Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa 27


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Como relacionar, então, essas múltiplas linguagens ao ensino da língua materna?


Se, como Barcellos (2007) acreditamos que cabe a nós levar o aluno a ler nas entrelinhas,
a integrar o conteúdo e os fatos sociais, a perceber em um texto que as linguagens
assumem funções e a aproximar os conhecimentos sistematizados dos já internalizados
pelos aprendizes, logo, a presença de linguagens diferentes em sala de aula é fator
primordial para esse aprendizado de fato ocorra. Para ele, a linguagem verbal foi a única
modalidade explorada pela escola ao longo do tempo e, a partir das tecnologias, os
aspectos não-verbal e paraverbal devem compor um quadro mais abrangente do texto
como “elemento básico com que devemos trabalhar no processo de construção do
conhecimento (...)” (BARCELLOS, 2007, p. 2).

Para Vygotsky, a escrita começa com os gestos, é o signo visual inicial que contém
a escritura da criança. Para ele, “ os gestos são a escrita no ar, e os signos escritos são,
frequentemente, simples gestos que foram fixados”.(VYGOTSKY, 1988, p. 142). Os
rabiscos que as crianças costumam fazer relacionam-se mais a gestos do que a desenhos,
pois “Quando ela tem de desenhar o ato de pular, sua mão começa a fazer os movimentos
indicados do pular; o que acaba aparecendo no papel” (id). Com a tecnologia, por que não
brincar com palavras? Não mostrar o pular realmente pulando!

Vygotsky afirma ainda que os jogos unem gestos e linguagem escrita. É através dos
objetos que a criança consegue estabelecer símbolos e assim chegar aos signos, os
pequenos precisam dessa associação. “O mais importante é a utilização de alguns objetos
como brinquedos e a possibilidade de executar, com eles, um gesto representativo. ”
(VYGOTSKY, 1998, p. 143). Para uma criança qualquer objeto pode ser usado para brincar,
lápis viram super-heróis e lençol, uma cabana. O papel do professor é o passo seguinte:

A criança precisa fazer uma descoberta básica – a de que se pode


desenhar, além de coisas também fala. Foi essa descoberta, e somente ela, que
levou a humanidade ao brilhante método da escrita por letras e frases; a mesma
descoberta conduz as crianças à escrita literal. Do ponto de vista pedagógico, essa
transição deve ser propiciada pelo deslocamento da atividade da criança do
desenhar coisas para o desenhar a fala. (Vygotsky, 1998, p. 153)

O desenvolvimento da linguagem escrita, segundo Vygotsky (1998) se dá pelo


deslocamento do desenho de coisas, para o desenho de palavras. Na verdade, o segredo
do ensino da linguagem escrita é preparar para organizar adequadamente essa transição
de maneira natural.

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Unindo-se a Vygotsky, temos as pesquisas no ramo Linguística e da Pedagogia, que


colocam em pauta o uso da pluralidade de registros da linguagem como ferramentas
didáticas junto com o brincar, para apoiar o fazer docente. Cartuns, Charges, Cinema,
Cordéis, Histórias em Quadrinhos, Jogos, Jornais, Redes Sociais, Teatro, Tirinhas etc.
Essas são apenas algumas linguagens, que podem (e devem) subsidiar o trabalho docente.
Quando falamos de múltiplas linguagens, queremos ainda enfatizar o cinema, a televisão,
os jornais, as revistas, os livros, o teatro, as histórias infantis, pois são linguagens que
servem de apoio ao processo ensino/aprendizagem. Você sabe quais as músicas preferidas
de seus alunos? Qual o repertório cinematográfico que trazem de casa?

Cabe ao professor, preparar aulas que incluam esses recursos como auxiliares
significativos ao seu ofício. A brincadeira, a arte e a literatura, mediadas pelo corpo que se
move, que comunica o que não é dito com palavras, também são linguagens diferenciadas
que a criança usa para internalizar o mundo a que ela pertence e exteriorizar a sua
percepção da realidade. São formas muito singulares de experimentação, de vivências, de
sensações e de apropriação da cultura que também permitem o contato com as emoções,
o estreitamento das relações sociais e das negociações e o partilhar da vida em grupo
(PLETSCH, 2005, p. 3).

O trabalho pedagógico envolvendo múltiplas linguagens, no âmbito da Educação


Infantil, traz consigo possibilidades riquíssimas de temáticas a serem abordadas nas rotinas
educacionais, articulando os conteúdos dos componentes curriculares e abordagens
ancoradas na ludicidade.

Percebemos, portanto, que o lúdico nas séries iniciais é fundamental para o processo
ensino aprendizagem; a utilização de jogos na sala de aula desperta o interesse e aguça a
criatividade do aluno. No entanto, infelizmente, os professores ainda fazem pouco uso
desse recurso em suas aulas, por não acreditarem que o mesmo auxilia no processo e na
facilitação da aprendizagem de maneira significativa ou por seguirem um modelo de ensino
que não acredita que a criança deva brincar na escola, mas ser sufocador por tarefas
enfadonhas e repetitivas.

Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa 29


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Na internet encontramos muito material que nos ajudam a preparar aulas mais
lúdicas. A Revista Nova Escola, por exemplo, desenvolveu uma série de
reportagens sobre brincadeiras regionais. Você pode conhecer as peculiaridades
do nosso país e ter excelente material pedagógico.
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=rpw_FnrI3RQ acesso
22/02/2018.

Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa 30


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9. POSSIBILIDADE DE AVALIAÇÃO DA LINGUAGEM: LEITURA E


ESCRITA.
.
Como já vimos, a aquisição da língua materna é natural aos seres humanos e
acontece de forma rápida, espontânea e natural, inconscientemente. Assim, qualquer
criança sem problemas neurológicos graves, aprende a usar uma língua, basta estar
exposta aos dados de sua comunidade linguística.

Depois dessas discussões e reflexões sobre aprendizagem da língua materna.


Cabe-nos agora refletir: Como avaliar aprendizagens em leitura e escrita nas séries iniciais?
Se vemos aprendizagem como processo, como aferir, mensurar, avaliar o conhecimento
adquirido pelo meu aluno?

Antes de tudo é preciso entender que o professor de língua materna, segundo Duarte
(1998), deve possuir o domínio da língua padrão, fluência de leitura, nível adequado de
maestria na expressão escrita e no conhecimento explícito. Ou seja, nada justifica um
professor, seja de que série for, que não tenha PLENO CONHECIMENTO da sua língua
materna. E não adianta elencar inúmeras desculpas para os desvios cometidos. É nossa
responsabilidade buscar o conhecimento contínuo.

O autor destaca, ainda, a necessidade de formação científico-pedagógica que lhe


possibilite identificar, por meio dos critérios de diagnóstico relevantes, o nível de
desenvolvimento atingido pelos alunos em cada uma das competências escolarizadas para
intervir educativamente de modo a promover seu crescimento linguístico harmonioso e
pleno. Logo, o conhecimento do professor não é de mero falante, mas de um cientista da
linguagem que é capaz de refletir sobre as variantes produzidas por seus alunos.

Isto posto, e imaginando o professor com essas competências, voltamos ao nosso


questionamento, como avaliar o conhecimento adquirido pelo aluno? Encontramos aí um
grande paradoxo, já que mesmo as escolas com métodos construtivistas ainda possuem
um sistema de avaliação muito tradicional. São provas que envolvem saberes linguísticos
desligados das práticas sociais de leitura e escrita.

Uma das primeiras reflexões que temos é como avaliar leitura e escrita nos diferentes
estágios da criança se muitas vezes o professor não tem acesso ao material produzido pelo

Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa 31


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aluno nas séries anteriores? E, pior, se as atividades propostas não têm qualquer elo?
Novamente, se minha concepção de aprendizagem é de processo, é preciso ter em mente
que o início não é exatamente no momento em que os pequenos nos são apresentados. E
o final também não é o último dia do ano letivo. Essas crianças vão continuar uma
caminhada escolar e é preciso dar instrumentos aos outros profissionais para ela progredir,
respeitando os seus conhecimentos. Para isso, é fundamental que as atividades de
avaliação respeitem o estágio em que essa criança se encontra, mas tenham uma lógica
pedagógica em todos os anos, uma linearidade. Um exemplo é que para verificar como o
aluno avança em suas práticas de escrita e leitura, não é de muita utilidade uma situação
em que ele escreva ou leia palavras no primeiro ano, orações no segundo e textos no
terceiro. O que nos interessa é ver como leem e escrevem palavras e textos ao longo de
todo o ciclo, e nossa intenção é estabelecer certos padrões que nos permitam fixar
expectativas específicas de conquista para cada ano.

Para que os sistemas de avaliação sejam coerentes com o ensino como processo,
ela precisa ser planejada com critério e envolver todo o corpo docente. Estabelecer as
atividades que serão avaliadas, identificar os objetivos dessas atividades e as expectativas.

Deve-se partir do nível inicial de cada criança e não se fixar expectativas mínimas
de conquista por ano, mas isso acontece por acréscimo. Consideramos que, se não houver
nenhuma questão adversa, nenhuma criança pode nem deve terminar o ano como
começou, por isso, esperamos que todas as crianças terminem o primeiro ano com uma
escrita que se relaciona de maneira sistemática com a sonoridade (silábica), que todas
terminem o segundo com escrita alfabética e que o terceiro ano seja destinado a explorar
questões ortográficas. Por outro lado, se a criança já começa o primeiro ano com domínio
da sonoridade, qual será minha intervenção? Nenhuma? Ele não aprenderá nada? Não
podemos esquecer qual o meu papel como professor: promover o crescimento linguístico
desse aluno. Ele nunca poderá ficar estanque.

Da mesma forma, o processo de aprendizagem da leitura estará sujeito a ritmos e


características diferentes. Portanto, trata-se de um processo que começa em um momento
distinto para cada um e que não termina jamais, mesmo que existam, no sistema
educacional, metas com relação à leitura para os diversos momentos.

Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa 32


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Alliende e Condemarín (1987) explicam que a leitura compreende etapas que não
devem ser confundidas com a totalidade do processo. A primeira é a decodificação,
capacidade de decifrar o código de uma mensagem e captar seu significado. Em seguida,
temos a compreensão, capacidade de entender a mensagem. Por isso, não basta entender
o código, quando a criança já concebe o sistema de escrita como alfabético e já aprendeu
as regras mais básicas de correspondência letra-som, ela ainda tem muito o que aprender.
Aprender a ler significa dominar progressivamente textos cada vez mais complexos,
captando seu significado.

Carraher (1985) analisou os erros de ortografia cometidos em ditado e redações por


crianças brasileiras de 2º à 5º ano. Aproximadamente 90% dos erros puderam ser
classificados em sete categorias. Elas indicam que a maioria dos erros não é aleatória.
Foram obtidas as seguintes classes de erros:

 Transcrição da fala: ‘istrela’;


 Por supercorreção: ‘ágoa’;
 Por desconsiderar as regras contextuais: ‘rrolha’;
 Por ausência de nasalização: ‘oça’;
 Ligados à origem da palavra: ‘imitasão’;
 Por troca de letras: ‘blástico’;
 Nas sílabas de estrutura complexa: ‘coelio’.

Esses resultados, segundo a autora, nos mostra que é preciso ensinar a ortografia
tendo em mente que a criança adquire um sistema de escrita e não aprende simplesmente
a escrever as palavras que copia na escola. O professor precisa considerar que os erros
de transcrição da fala serão maiores de acordo com a divergência entre a variedade
linguística usada pela criança e a língua padrão ideal.

Como a língua escrita só será apresentada à criança pela leitura, o melhor plano
para o desenvolvimento de uma boa ortografia não é a correção exagerada, nem a cópia
sem compreensão, mas a leitura.

Assim, depois de uma avaliação, qual o procedimento? Novamente vem a questão


pedagógica. A avaliação deve ter sempre um objetivo, ao perceber que este não foi

Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa 33


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atingido, qual a sua intervenção como professor? Principalmente no que se refere à


aquisição de leitura e escrita, a partir do instante em que eu percebo que o meu aluno não
avança, quais as medidas? Claramente, cada escola possui suas orientações, algumas
possuem reforço, outras contam com orientador, pede-se a intervenção dos pais, entre
outras. O importante é que como professor, cabe a você apontar que há um problema e
buscar apoio da equipe se a solução não for possível na sala de aula. Afinal, não podemos
nos esquecer de que as dificuldades de aprendizagem na escrita podem estar associadas,
ainda, a problemas emocionais. É importante tentar compreender qual o problema para
pensar em uma intervenção.

Resumindo, em um universo educacional ideal, todo professor deveria conhecer seu


aluno na totalidade, ter para cada um deles expectativas diferentes de aprendizado de
leitura e escrita. Desenvolver suas habilidades de acordo com as aptidões e fazê-los seres
competentes com relação a sua língua materna.

Suzana Herculano-Houzel é neurocientista reconhecida pelos seus estudos sobre


a mente humana. Neste vídeo, ela discorre sobre a leitura e a cultura no
desenvolvimento cerebral. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?feature=share&v=dLWiwD_YhUM&app
=desktop Acesso 22/02/2018.

Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa 34


Universidade Santa Cecília - Educação a Distância

AIMARD, P. (1986). A Linguagem da Criança. Brasil: Artes médicas.

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Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa 35

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