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PSICOLINGUÍSTICA

Aline Azeredo Bizello


Aquisição e
desenvolvimento da
linguagem: reconhecimento
de propriedades de uma
língua e comunicação
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar diferentes teorias linguísticas sobre a aquisição da linguagem.


 Relacionar a aquisição e o desenvolvimento da linguagem ao desen-
volvimento cognitivo.
 Descrever as fases de desenvolvimento da gramática.

Introdução
Você já acompanhou o desenvolvimento de uma criança? Notou que, aos
poucos, ela começa a falar e a compreender o que os adultos dizem? Mas
como ocorre esse processo de aquisição da linguagem? Desde os anos
1950, diferentes teorias estudam esse fenômeno e tentam explicá-lo: do
behaviorismo à psicolinguística. Esta estuda a aquisição e o desenvol-
vimento da linguagem analisando o funcionamento desses processos.
Por exemplo: há pesquisas sobre as habilidades que estão disponíveis
no aparato perceptual e cognitivo, e outras sobre o percurso do desen-
volvimento linguístico. De modo geral, esses estudos se fundamentam
em teorias relacionadas ao processamento linguístico.
Neste capítulo, você vai estudar diferentes teorias linguísticas sobre a
aquisição da linguagem. Você também vai ver qual é a relação da aquisição
e do desenvolvimento da linguagem com o desenvolvimento cognitivo.
Além disso, vai conhecer as fases de desenvolvimento da gramática.
2 Aquisição e desenvolvimento da linguagem: reconhecimento de propriedades de uma língua...

Teorias linguísticas para a aquisição


da linguagem
A linguagem permite que os indivíduos se comuniquem e interajam. Portanto,
quando a criança adquire suas primeiras palavras, passa a ser vista de fato
como um membro da sociedade. Esse fenômeno, ao mesmo tempo em que é
tratado com naturalidade, provoca muita curiosidade e muitos questionamen-
tos. Afinal, como a criança adquire espontaneamente a língua falada ao seu
redor? Como ela consegue desenvolver a linguagem sem instruções formais?
Algumas correntes teóricas se interessaram em investigar essas questões e
contribuem para a reflexão sobre a aquisição da linguagem. A seguir, você
vai conhecer cada uma delas.
O behaviorismo surgiu na metade do século XX e se desenvolveu na área
da psicologia. Seu principal representante foi Skinner. Essa corrente teórica
ficou conhecida pelos experimentos de estímulo e resposta, mas Skinner
analisou ainda os comportamentos que não estavam relacionados a um estí-
mulo e constatou que os indivíduos também agem sobre o meio, isto é, não
são apenas resultado dele. Assim, o estudioso relacionou a aprendizagem aos
estímulos gerados na interação. Isto é, para o behaviorismo, as pessoas não
nascem com algo pronto que lhes permite aprender; os indivíduos aprendem
na interação. Nesse sentido, a aquisição da linguagem seria uma consequência
do ambiente e do comportamento do aprendiz, como ocorria com qualquer
processo de aprendizagem. Skinner “[...] defendeu que a criança imitaria o
adulto, e a língua seria simplesmente um comportamento verbal, respostas
aprendidas a partir de estímulos e reforço (positivo ou negativo) recebidos
[...]” (NAME, 2015, p. 72).
Chomsky (1986), com a teoria gerativista, opõe-se a esse pensamento
e destaca a especificidade do processo de aquisição da linguagem. Para o
estudioso, há uma constituição genética que garante aos indivíduos uma
capacidade inata de adquirir e desenvolver a linguagem. Assim, o paradigma
gerativista de aquisição da linguagem considera que os seres humanos têm
uma capacidade inata chamada de Gramática Universal (GU): um conjunto
de restrições linguísticas capaz de determinar as formas com que a língua
em questão pode se manifestar. A GU seria, assim, um guia que orienta a
aquisição da língua quando a criança interage no seu ambiente linguístico.
Essa seria a justificativa para a rapidez com que uma criança adquire um
sistema tão complexo.
Aquisição e desenvolvimento da linguagem: reconhecimento de propriedades de uma língua... 3

Chomsky (1986) defende a capacidade linguística inata da espécie humana e explica o


“problema de Platão” ou “o argumento da pobreza de estímulo”: a criança adquire algo
que não está explícito nos estímulos linguísticos que ouve. Por exemplo: ela aprende
a entonação e as combinações sem reproduzi-los imediatamente.

Essa capacidade inata não se desenvolve sem a inserção da criança em uma


comunidade linguística que promove o amadurecimento e o desenvolvimento
da linguagem. Essa comunidade linguística produz sons e reforça as palavras,
enquanto as não palavras (um conjunto de letras que não formam uma palavra
reconhecida na língua em questão) não recebem esse reforço. Dessa maneira,
as sentenças vão se formando e os objetos e significados vão se associando.
Isso significa que, para os gerativistas, há um processo interno na aquisição
de linguagem, mas os fatores externos são essenciais para a determinação do
comportamento. Portanto, todas as respostas verbais que se enunciam podem
ser condicionadas, e isso diferencia os seres humanos de outros animais. Os
gerativistas distinguem três fenômenos importantes na aquisição da linguagem:

 estímulo antecedente (uma ação do passado se repete, como estímulo,


quando um mesmo evento ocorre);
 resposta/resposta operante (ocorre quando não há um estímulo evidente);
 reforço e condicionamento (é o estímulo que reforça a ação que está
sendo feita).

Outra teoria que se preocupou com a aquisição da linguagem foi a epis-


temologia genética, de 1959. Jean Piaget foi o principal estudioso dessa
vertente. Ele defendia que a criança constrói ativamente a linguagem. Para ele,
a capacidade inata da criança se refere ao instinto de aprender e compreender
o mundo, ou seja, de resolver desafios. A linguagem seria um desses desafios
e teria ligação com os aspectos sociais e intelectuais da criança.
Na proposta interacionista estruturalista, em que os estudos de Vygotsky
são aproveitados, o adulto tem um papel de destaque, pois é ele quem dá
significado aos balbucios da criança e legitima seu status de linguagem. Para
Lemos (1982), a criança, na interação com o adulto, é capturada pela linguagem
predominante, isto é, a linguagem do adulto.
4 Aquisição e desenvolvimento da linguagem: reconhecimento de propriedades de uma língua...

Por sua vez, a abordagem conexionista propõe que a aquisição da


linguagem se dá por meio de informações processadas pelas redes neurais.
Para essa perspectiva, não há conhecimento inato; a aprendizagem da lín-
gua ocorre por meio de mudanças determinadas por vivências, estímulos
e experiências pelas quais a criança passa. Veja o que afirmam Wiethan
et al (2012, p. 984):

A teoria conexionista é baseada no pressuposto de que o processamento cog-


nitivo ocorre de forma semelhante à interconexão dos neurônios no cérebro,
que por sua vez modelam fenômenos comportamentais ou mentais por meio
da técnica de simulação computacional, as chamadas redes neuronais, ou
redes conexionistas, que nada mais são do que uma técnica de modelagem
computacional baseada em uma analogia a neurônios.

Atualmente, evidencia-se a contribuição de cada teoria para as investigações


acerca da aquisição da linguagem. Entretanto, a psicolinguística tem se desta-
cado na comunidade científica. Ela estuda como a criança vai paulatinamente
identificando as propriedades da língua, criando novas palavras e frases e
aplicando, em novos contextos, o conhecimento que adquiriu — a ponto de,
por volta dos 6 anos, usar a língua de forma semelhante ao modo como um
adulto a usa. Nas palavras de Name (2015, p. 72):

Se entendemos Psicolinguística como o estudo dos processos cognitivos


envolvidos na aquisição e no uso de uma língua pelas pessoas, a aquisição da
linguagem, na perspectiva psicolinguística, é concebida como um processo
em que habilidades perceptuais e cognitivas desenvolvidas em seus primeiros
anos de vida vão permitir à criança reconhecer/identificar as propriedades da
língua de sua comunidade e perceber o modo como ela é usada em situações
de interação linguística.

Atualmente, há muitas pesquisas que visam a identificar o período em


que a aquisição de uma língua se inicia, ou quais elementos a criança tem
de adquirir para que a aquisição da linguagem comece, ou ainda qual é o
papel da prosódia, da fonologia e da sintaxe nesse processo. Além disso,
as pesquisas buscam identificar de que maneiras a criança adquire essa
linguagem, ou seja, por meio de que habilidades ou percurso de desenvol-
vimento linguístico.
Aquisição e desenvolvimento da linguagem: reconhecimento de propriedades de uma língua... 5

O desencadeamento (boostrapping) da sintaxe é um exemplo de estudo psicolinguístico


em aquisição da linguagem. Para essa abordagem, o bebê percebe, analisa e representa
o sinal acústico da fala dos adultos desde seus primeiros dias. O processamento sintático
ocorre quando a criança começa a relacionar palavras, morfemas e outros elementos
da língua que se apresentam em sequência.

Portanto, tanto a aquisição da linguagem quanto o desempenho linguístico


da criança (na produção e na compreensão da linguagem) dependerão de seu
conhecimento linguístico. Isso significa que o uso de estratégias cognitivas é
um tema crucial para a psicolinguística. De modo geral, as teorias linguísticas
que fundamentam os estudos sobre aquisição da linguagem na perspectiva psi-
colinguística são os modelos de processamento cognitivo. Assim, evidencia-se
a necessidade de investigar as relações entre desenvolvimento da linguagem
e desenvolvimento cognitivo, assunto da próxima seção.

Desenvolvimento da linguagem
e desenvolvimento cognitivo
O ser humano é uma espécie social que interage e se comunica. Mas a comu-
nicação associa-se a diversos fatores que a tornam complexa. A linguagem
verbal é apenas uma das formas de comunicação e é a última a se desenvolver,
tamanha a complexidade do processo. Assim, nos estágios de aquisição da
linguagem, é importante considerar a influência dos aspectos cognitivos. Zorzi
(1987, p. 116) afirma o seguinte:

A construção do conhecimento, considerando-se aí também a aquisição da


linguagem, resulta de um processo de interação do sujeito com o meio social e
físico, com o mundo das pessoas e das coisas. É através das trocas entre sujeito
e meio que a inteligência se estrutura, se organiza. Por outro lado, na medida
em que a inteligência assim se constitui, abre a possibilidade de novas intera-
ções, mais ricas e mais complexas que as anteriores e assim sucessivamente.
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Diferentes teóricos têm discutido a função da linguagem no desenvolvi-


mento cognitivo. De forma geral, todos partem da ideia de que existe uma
capacidade inata. Uma das principais propostas cognitivistas é a de Piaget.
Para o teórico, a linguagem faz parte de uma organização cognitiva mais geral,
que vai além do fato linguístico. Ele a considera um elemento com função
semiótica, pois a linguagem permite que o indivíduo evoque verbalmente e
de forma representativa objetos e acontecimentos ausentes.
Piaget defende que a evolução da inteligência sensório-motora pré-verbal
é condição para o surgimento do simbolismo. Para tanto, a criança experi-
menta ativamente os esquemas produzidos por ela, isto é, a criança elabora
continuamente novas estruturas. Assim, ela interage e compreende o meio e
constrói a linguagem, evidenciando que esse processo é um reflexo de suas
capacidades cognitivas.

O estágio sensório-motor é o primeiro da teoria da evolução da inteligência de Piaget.


O autor considera que, nesse período, a criança tem uma inteligência prática, sem
representações. O segundo estágio é denominado pré-operatório e se caracteriza
pela elaboração da relação de causalidade e das simbolizações.

Na proposta interacionista piagetiana, a linguagem se manifesta apenas


quando a criança tem cerca de 2 anos de idade. Afinal, é nessa fase que o
indivíduo desenvolve a função simbólica e consegue representar mentalmente
seus esquemas de ação. Assim, a criança consegue imitar, jogar e desenhar,
até, finalmente, desenvolver a linguagem. Nesse período, ela revela uma inte-
ligência prática cuja base está na ação e nos movimentos. Assim, os reflexos,
já organizados hereditariamente, ou seja, pelo ambiente, são consolidados.
De acordo com Zorzi (1987, p. 117),

A criança começa a dar mostras de ser capaz de combinar esquemas de tal


modo que alguns sirvam de meios e outros de objetivos finais de sua ação.
Ocorre uma diferenciação entre meios e fins: tendo estabelecido um objetivo,
a criança procura os intermediários adequados para alcançá-lo.
Aquisição e desenvolvimento da linguagem: reconhecimento de propriedades de uma língua... 7

O processo de aquisição depende da elaboração gradual das operações mentais


responsáveis pela evolução da inteligência. As relações interpessoais são elementos
fundamentais para a concretização desse processo, pois todos os conflitos que
surgem nas interações podem ser assimilados e, dessa forma, podem contribuir
com a descentralização do pensamento (ZORZI, 1987). As habilidades mentais
são uma construção gradativa e ocorrem à medida que o sujeito se adapta ao
ambiente. Para Piaget, é essa interação com o ambiente que as crianças herdam.
O estudioso entendia o pensamento como uma ação internalizada viabi-
lizada por dois mecanismos: a assimilação, responsável pela incorporação
de objetos como meios de conhecimento, e a acomodação, responsável pela
transformação da estrutura anterior para a incorporação do objeto assimilado.
Dias (2010, p. 120) alerta:

[...] interagir pressupõe, da perspectiva do sujeito, poder assimilar o objeto às


suas estruturas, demanda que o sujeito tenha um esquema pelo qual o elemento
exterior possa ser incorporado no mesmo. Não é uma interação qualquer que
proporcionará o desequilíbrio e a acomodação, mas uma interação sujeito-
-objeto, a qual possui sentido para aquele sujeito. Consequentemente, pode-se
considerar este um processo individual.

Isso significa que, quando a criança interage com o mundo, consegue


apreender a realidade e desenvolver esquemas mentais que constituirão a sua
inteligência. O desenvolvimento cognitivo ocorre por períodos que servem de
níveis de construção de inteligência. Os quatro estágios são: sensório-motor,
pré-operatório, operatório concreto e operatório formal.
O estágio sensório-motor ocorre até os 2 anos de idade, quando o conhe-
cimento está ligado às ações e às percepções. A capacidade de representação
inicia o segundo estágio, o pré-operatório. Nele, a criança elabora relações de
causalidade, e o pensamento é estático: não há integração de pensamentos. É
nessa fase também que aparece a linguagem, pois os esquemas evoluem das ações
para os esquemas mentais. No terceiro estágio, operatório concreto, ocorre o
início das operações mentais, com atendimento a mais de um aspecto. Na fase
do pensamento operatório formal, surgem o planejamento e a imaginação.
De qualquer forma, os dois primeiros estágios é que têm relação mais
estreita com a aquisição da linguagem. Para Piaget, o desenvolvimento lin-
guístico depende do desenvolvimento da inteligência, pois o desenvolvimento
cognitivo é que possibilitará o nascimento do simbolismo. O brincar simbólico
está diretamente ligado ao desenvolvimento sensório-motor. Nesse sentido,
pode-se afirmar que há uma pré-linguagem.
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Zorzi (1987) afirma que esse brincar simbólico se desenvolve quando há


outros personagens, ou seja, quando há uma descentralização do simbolismo
em relação à ação própria. Entretanto, o último nível de desenvolvimento
ocorre quando há uma representação independente, ou seja, quando a criança
passa a usar substitutos simbólicos correspondentes a palavras, objetos, etc. O
desligamento do contexto evidencia a consolidação da formação do símbolo,
pois é sinal de que a criança não se prende ao que vê. “Pode-se dizer que a
linguagem e o brinquedo desenvolvem-se ao mesmo tempo e influenciam-se
reciprocamente [...]” (DIAS, 2010, p. 114). O estabelecimento da representação
depende do uso pela criança de símbolos ou da linguagem para evocar situações.
Como você pode notar, a teoria piagetiana reflete investigações sobre a
aquisição da linguagem. Os estudos iniciais de Piaget já relacionavam os diá-
logos ao desenvolvimento cognitivo das crianças. Aliás, os conceitos ligados
à linguagem socializada também revelam essa estreita relação.
Essas relações podem ser estabelecidas justamente pela importância da
linguagem para o desenvolvimento da aprendizagem. Por exemplo, para que a
leitura e a escrita se estabeleçam, a língua oral é necessária. Isso significa que
o contexto social interfere no desenvolvimento da linguagem. Aliás, todas as
atividades desenvolvidas pelo indivíduo em seu contexto cultural interferem
nas suas habilidades cognitivas e na sua forma de estruturar o pensamento.
O papel da linguagem, nessa situação, é o de determinar como a criança
vai aprender a pensar, já que os adultos transmitem à criança as formas de
pensamento por meio de palavras, da linguagem oral. Veja o que afirmam
Mousinho et al. (2008, documento on-line):

A comunicação humana pode ser diferenciada da comunicação das outras


espécies animais de três maneiras diferentes. A primeira e a mais importante
é a possibilidade de simbolizar. Os símbolos linguísticos são convenções so-
ciais de significados, nos quais cada indivíduo compartilha sua atenção com
o outro, direcionando a sua atenção ou seu estado mental (pensamento) para
alguma coisa no mundo que os cerca. A segunda diferença é que a comuni-
cação humana linguística é gramatical. Os seres humanos usam os símbolos
linguísticos associados em estruturas padronizadas. A terceira é que, ao
contrário das outras espécies animais, os seres humanos não têm um único
sistema de comunicação utilizado por todos os membros da espécie. Portan-
to, diferentes grupos de humanos convencionaram, no decorrer da história,
sistemas mútuos de comunicação. Isso significa que a criança, diferente das
outras espécies animais, deve aprender as convenções comunicativas usadas
por aqueles a sua volta, pela sociedade da qual faz parte.
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Portanto, a aquisição da linguagem depende tanto de fatores neuroló-


gicos e biológicos quanto de aspectos sociais. Nesse sentido, a criança só
conseguirá adquirir a linguagem e desenvolvê-la se as estruturas cerebrais
estiverem adequadas e se tiver oportunidades de interação social desde que
foi concebida. Essa constatação é importante, pois simboliza a compreensão
das investigações atuais sobre aquisição da linguagem: a questão não é se
o indivíduo aprende a linguagem ou nasce com ela, e sim como a interação
entre os fatores biológicos e os sociais interfere na qualidade da aquisição e
do desenvolvimento da linguagem.
Mousinho et al. (2008, documento on-line) destacam dois aspectos que
revelam a ligação estreita entre cognição e comunicação:

Linguagem e cognição: pensamos bastante por meio da linguagem depois que


desenvolvemos esta habilidade. A memória, a atenção e a percepção podem
ter ganhos qualitativos com ela. Por exemplo, memorizamos melhor quando
fazemos associações de ideias. Ela também ajuda na regulação do comporta-
mento. Na infância, podemos observar o desenvolvimento da linguagem como
apoio à cognição a partir dos dois anos, em média, principalmente por meio
da forma como a criança brinca. Linguagem e comunicação: temos a inten-
ção comunicativa, e podemos nos comunicar de diversas formas diferentes,
através de gestos, do olhar, de desenhos, da fala, entre outros. A estruturação
da linguagem nos permite lançar mão de recursos cada vez mais sofisticados,
a fim de aprimorar nossas possibilidades de comunicação.

Em suma, os cognitivistas afirmam que a linguagem humana está subordi-


nada a elementos cognitivos mais fundamentais e que ela é apenas um desses
elementos. A aquisição da linguagem, portanto, tem relação direta com a
interação entre a linguagem e as estruturas cognitivas. Os estudos de diferentes
aspectos do desenvolvimento da linguagem contribuem com as investigações
sobre a relação entre linguagem e cérebro. Esse é o caso das pesquisas sobre
as fases do desenvolvimento da gramática, tema da seção seguinte.

Fases de desenvolvimento da gramática


É comum associar a palavra “gramática” às regras que determinam o uso
considerado correto da língua escrita e falada. Contudo, a gramática também
é a organização e o funcionamento de uma língua. Aliás, a gramática se
refere, de fato, às regras que determinam o uso da língua, porém a diferença
está entre a organização mental desse conjunto, que rege a língua e nenhum
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falante nativo erra (ninguém falaria “quadro daquele gostei” em vez de “gostei
daquele quadro”), e a gramática enquanto instrumento linguístico, que é um
compilado material, normativo ou descritivo, dessas regras. Nos dois casos,
os aspectos referentes à sintaxe, à morfologia, à fonologia e à semântica, por
exemplo, são elementos a se investigar quando se pesquisa a gramática. Nesse
sentido, as fases do desenvolvimento da gramática relacionam-se também a
esses mesmos aspectos. A seguir, você vai ver como cada parte da gramática
se desenvolve nos usuários da língua.
Atualmente, há um consenso de que é preciso refletir sobre a fala para
analisar a aprendizagem da leitura e da escrita em sistemas alfabéticos. Dessa
forma, o conhecimento metalinguístico deve ser objeto de investigação dos
pesquisadores. A criança adquire consciência metalinguística quando con-
segue, nas palavras de Barrera e Maluf (2003, p. 492),

[...] segmentar e manipular a fala em suas diversas unidades (palavras, sílabas,


fonemas); separar as palavras de seus referentes (ou seja, estabelecer diferen-
ças entre significados e significantes); perceber semelhanças sonoras entre
palavras; julgar a coerência semântica e sintática de enunciados.

Evidencia-se que a competência linguística de utilizar a linguagem com


função comunicativa ocorre naturalmente. Para tanto, estão disponíveis para
essa criança as regras gramaticais internalizadas e seu desempenho linguístico
espontâneo. De forma geral, esse processo ocorre dos 9 meses aos 6 anos de
idade. Inicialmente, o bebê passa a ter capacidade intuitiva e, entre 18 e 29
meses, começa a perceber que a linguagem está ligada ao contexto em que é
aplicada. Por volta dos 4 anos, o falante consegue fazer correções e reformu-
lações e, aos 6 anos, já tem a consciência linguística que lhe permite refletir
sobre as regras da gramática da sua língua e realizar explicações sobre isso,
ou seja, consegue utilizar a metalinguagem.

A metalinguagem “[...] consiste num tipo de linguagem que se refere diretamente à


própria linguagem usada na comunicação. O dicionário é um exemplo de metalin-
guagem, pois tem o propósito de descrever e falar sobre os códigos que compõem
a linguagem em si [...]” (SIGNIFICADOS, 2019, documento on-line).
Aquisição e desenvolvimento da linguagem: reconhecimento de propriedades de uma língua... 11

A metalinguística implica uma atenção consciente aos aspectos formais


da linguagem (níveis fonológico, morfológico e sintático), e não apenas ao
seu conteúdo (nível semântico). O nível fonológico refere-se à consciência de
que as palavras são constituídas por uma variedade de sons e que podem ser
divididas em unidades menores, os fonemas. A linguagem oral, portanto, tem
relação direta com a consciência fonológica, pois a criança que a desenvolve
consegue organizar os segmentos sonoros de diferentes formas: identificando-
-os, combinando-os, etc. Contudo, para que esse desenvolvimento se efetive,
outros aspectos são mobilizados. Por exemplo: as experiências linguísticas,
o desenvolvimento cognitivo e as características específicas de cada criança.
De forma geral, no primeiro mês de vida, o bebê já passa por uma evolução
da consciência fonológica e consegue distinguir sons com base no fonema. Aos 2
anos e meio, é possível que a criança consiga detectar problemas nos enunciados
que ela e os demais produzem. Contudo, a distinção efetiva dos sons ocorre de
forma mais concreta aos 3 anos de idade. A partir daí, a sensibilidade para regras
fonológicas aumenta e a criança pode começar a reconhecer rimas e aliterações.
Alguns estudos revelam que o desenvolvimento da consciência fonológica se
associa ao processo de alfabetização. Segundo Barrera e Maluf (2003, p. 492),

[...] a habilidade de análise segmental ao nível fonêmico continua sendo decisiva


no domínio da escrita alfabética, uma vez que a aprendizagem desta supõe o
domínio de regras de associação entre grafemas e fonemas, sendo necessário,
portanto, isolar estes últimos para poder representá-los através das letras.

Outro aspecto fundamental para o desenvolvimento da gramática é a consci-


ência lexical. Ela se refere à capacidade do indivíduo de segmentar a linguagem
em palavras, independentemente da função que elas adquirem (substantivos,
adjetivos, verbos, conjunções, preposições, artigos). Vale ressaltar, porém, que
a criança produz menos palavras do que entende, ou seja, seu léxico passivo é
mais vasto do que o seu léxico expressivo. O desenvolvimento desse processo
relaciona-se não só às novas palavras, mas também ao estabelecimento de
uma ligação entre elas. Aliás, apenas por volta dos 7 anos de idade é que o
falante será capaz de estabelecer os critérios de segmentação da linguagem.

[...] as crianças pequenas não utilizam critérios morfológicos convencionais


de segmentação da linguagem, tendendo a dividir a oração em unidades
semânticas ou sintáticas, destacando os substantivos ou separando a oração
em sujeito e predicado, por exemplo. Posteriormente, tornam-se capazes de
identificar outras palavras, como adjetivos e verbos, mas tendem a ignorar
preposições e conjunções (BARRERA; MALUF, 2003, p. 493).
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De forma geral, entre os 9 e os 12 meses, o bebê produz palavras isoladas,


usa monossílabos ou repete sílabas. Por volta de 1 ano e meio, a criança, nas
suas interações frequentes com os adultos, produz em média 50 palavras e
é capaz de compreender aproximadamente uma centena delas. Nessa fase, a
criança é capaz de inventar palavras e pode conseguir usar de 2 a 3 palavras
por frase. Aos 2 anos, o vocabulário já é bem maior: comporta cerca de 500
palavras, e as frases também apresentam mais palavras. Algumas crianças usam
preposições e pronomes. Além disso, a criança entra na fase da diferenciação:
todos os objetos da mesma espécie recebem nomes. Perto dos 3 anos, o falante
entra no período pré-operacional de Piaget: o mundo é visto pela criança
apenas por meio de sua perspectiva; ela desconhece outros pontos de vista.
Com 3 anos, a criança já constrói frases de forma estruturada, com algu-
mas regras gramaticais, mas ainda com algumas incorreções. Aos 4 anos, de
acordo com as ideias de Piaget, inicia-se o pensamento intuitivo. Assim,
surgem frases afirmativas, negativas e interrogativas, e as respostas vêm por
intuição. Além disso, algumas conjunções e advérbios começam a aparecer com
mais frequência. Dos 5 aos 7 anos, o desenvolvimento vocabular na criança
desenvolve-se a partir do seu desenvolvimento intelectual.
A consciência sintática tem relação com a reflexão e a manipulação mental
da estrutura de sentenças. Dessa forma, a sintaxe é a responsável pela cons-
trução de combinações que geram mensagens. Essas construções dependem
de regras e convenções que permitem a organização entre as palavras. Assim,
o falante consegue produzir enunciados que fazem sentido.
A psicolinguística tem revelado que a linguagem escrita depende da percepção
do usuário da língua quanto às relações entre o conhecimento linguístico e o conhe-
cimento de mundo. Ou seja, o leitor e o escritor eficientes são aqueles que conseguem
articular a estrutura gramatical das frases com suas experiências pessoais. Isso
significa que é preciso utilizar pistas semânticas e sintáticas fornecidas pelo texto.
Como ocorre o desenvolvimento da consciência sintática? Antes de com-
pletar 1 ano e meio, o bebê usa palavras que correspondem a uma oração cujo
significado depende do contexto. Depois dos 18 meses é que surgem estruturas
com um substantivo e uma palavra funcional. O uso de adjetivos, possessivos e
outras subclasses funcionais é aplicado pela criança apenas depois dos 2 anos de
idade. A aquisição da sintaxe básica ocorre por volta dos 4 ou 5 anos. A partir
disso, o sujeito passa a desenvolver o raciocínio sobre os enunciados e a controlar
as regras da gramática. Inclusive, consegue corrigir o que julga incorreto.
A importância da consciência sintática traduz-se nas questões referentes
à leitura. Veja o que afirmam Barrera e Maluf (2003, p. 494):
Aquisição e desenvolvimento da linguagem: reconhecimento de propriedades de uma língua... 13

No que se refere mais especificamente à influência da consciência sintática


sobre as habilidades de compreensão em leitura, pode-se dizer que há evi-
dências indicando que os maus leitores apresentam um desempenho inferior
aos bons leitores na monitoração da compreensão do texto.

Portanto, se há estudos que relacionam algumas dessas habilidades meta-


linguísticas iniciais com o desempenho posterior em leitura e escrita, é papel
do professor buscar um facilitador para essa aprendizagem. Para tanto, ele
deve considerar as fases de desenvolvimento da gramática e potencializar as
predisposições das crianças à linguagem.

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14 Aquisição e desenvolvimento da linguagem: reconhecimento de propriedades de uma língua...

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