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Pedagogia da Alfabetização: da oralidade à escrita

No livro “Pedagogia da Alfabetização: da oralidade à escrita”[1], Eglê


Pontes Franchi procura descrever os mecanismos da relação pedagógica
desenvolvida entre alfabetizador e alfabetizandos e refletir sobre eles, a fim
de explicá-los e sistematizá-los. A autora acrescenta que tomando sua obra
como prática social e interativa, trata-se de um trabalho pedagógico e
metodológico, contudo, não pretende criar uma nova forma de estudar a
alfabetização.

Segundo Franchi, pretende mostrar um trabalho pedagógico de alfabetização


que seja próximo do processo natural do desenvolvimento psicológico da
criança. A formação dos conhecimentos é abordada como “construção”
social e coletiva, considerando os usos sociais da linguagem. A autora coloca
como pressuposto básico a alfabetização vinculada sempre a processos
significativos e interativos. Com isso, Franchi optou por uma proposta que
envolvesse a alfabetização na oralidade das crianças, através do diálogo, da
discussão e da contradição.

Todo o trabalho de Franchi tem como base a pesquisa que realizou em uma
classe de pré-primário, em uma escola estadual de 1º e 2º graus, com início
em novembro de 1984. Eglê Pontes Franchi, professora, deu início a sua
pesquisa aproximando-se da turma de crianças que assumiria no próximo
ano. O motivo da aproximação era deixar as crianças à vontade em sua
presença para que pudesse analisar a linguagem oral e “natural” das crianças
e interagir com elas. Em um momento que chamou de “brincadeiras de
círculo”, Franchi interagia com as crianças e gravava as conversas entre elas.
Essas conversas eram posteriormente transcrevidas e analisadas.
A autora partiu do pressuposto de que as crianças já possuem um “saber”
extremamente complexo da língua e dos variados recursos de expressão que
ela contém, recursos esses que as crianças utilizam na expressão e
comunicação oral. Durante as brincadeiras de círculo, Franchi observou que
a fala das crianças era espontânea, mas quando percebiam a presença do
gravador a fala das crianças mudava de formato. Com o tempo as crianças
de acostumaram à presença constante do gravador e da pesquisadora. Tendo
a autora ganhado a confiança da turma, pode participar das “rodinhas”, sendo
que as crianças sugeriam as brincadeiras e Franchi ajudava com a
organização de alguns aspectos.

Franchi destacou sua pesquisa em três fases: a primeira fase correspondeu à


produção oral de textos pelas crianças, tendo a professora/pesquisadora
como escriba; a segunda fase compreendeu a reconstrução dos textos pelas
crianças com a orientação da professora; e na terceira fase as crianças passam
a produzir seus próprios textos. Ao longo do livro, a autora cita três etapas
para a aquisição da linguagem elaboradas por Miriam Lemle: 1) Hipótese de
casamento monogâmico entre sons e letras; 2) As crianças substituem as
generalizações da primeira etapa por sinais de insegurança e inquietação; 3)
Estabelecem que haja certas regularidades contextuais entre fala e escrita.

Para as brincadeiras de círculo Franchi passou a levar diversos objetos, como


brinquedos, roupas, fantasias, etc. As brincadeiras aconteciam como que em
uma dramatização e as crianças utilizavam esses e outros objetos para
compor seus personagens. A autora pode perceber que quando as crianças
criavam um personagem, adaptavam sua fala ao personagem, assim
distinguiam seu modo de falar de outros. Em diversos momentos relatados
no livro a crianças demonstraram ter consciência da variação linguística e da
aproximação ou distancia da língua padrão.

Durante uma das visitas a turma, a autora propôs uma brincadeira de


adivinhação por meio da mímica. Dividiu as crianças em grupo e cada um
deveria fazer gestos para que o outro adivinhasse o que queriam dizer. As
interpretações eram muito limitadas aos gestos feitos e as crianças não
conseguiam decifrar a mensagem completa. A pós esta experiência Franchi,
em conversas com a turma, chegou à conclusão que a comunicação pela
mímica, pelo ritmo, pela música ou por outras expressões corporais não é tão
satisfatória quanto por meio das expressões verbais, ressaltando assim a
importância da oralidade.
Ao longo dos encontros Franchi foi estabelecendo ligações entre fala e
escrita, propondo brincadeiras que necessitavam da escrita e/ou da leitura,
mas sempre de forma significativa e interessante para a turma. No segundo
capitulo do livro, a autora procura ressaltar a concepção que as crianças
fazem da escrita. Perguntando as crianças sobre esse tema, a autora descreve
que a maioria das crianças atribui maior valor a leitura. Este valor está
diretamente ligado a concepção dos pais sobre a importância de ler e escrever
que, naquele momento, ainda não é realidade para a criança. A minoria das
crianças apontou na leitura uma função prática, no caso, a de ler revistas e
cartazes.

A pesquisa teve inicio no mês de novembro de 1984 e perdurou durante o


ano seguinte, em que Franchi atuou como professora da turma. Ao longo do
ano a autora/professora trabalhou a oralidade e a escrita sempre ligadas e por
meio de atividades significativas (como dito anteriormente) como jogos e
brincadeiras. Dessa forma, no decorrer do ano, a autora concluiu as três fases
que destacou em sua pesquisa, que foram detalhadas e refletidas no livro,
mas não aprofundadas neste texto.

Uma atividade interessante surgiu por iniciativa das crianças: os bilhetinhos.


Franchi percebeu que as crianças se comunicavam durante as aulas por meio
de bilhetes e, ao invés de inibir tal acontecimento, incentivou o uso dos
bilhetes. Franchi passou a recolher esses bilhetes ao fim das aulas e a ler em
voz alta para a turma. Com isso as crianças passaram a pedir ajuda para
construir seus bilhetes. Perguntavam como era escrita uma palavra e a
professora colocava no quadro para que copiassem. As crianças se
preocupavam que a mensagem fosse compreendida.

Concluindo sua obra, Franchi destaca as principais reflexões vindas de sua


pesquisa sobre a alfabetização da oralidade à escrita. Aponta que a linguagem
deve ser concebida como uma atividade construtiva, histórica e social por
meio da interação que, por sua vez vai construir significado e representações.
Para a autora o aprendizado da escrita deve ser significativo e
contextualizado, e essa contextualização se dá através da oralidade,
respeitando a realidade linguística e dialetal da criança.

A autora ainda destaca que enquanto nas atividades orais se matem e


desenvolve a criatividade verbal da criança, cabe ao professor/alfabetizador
instrumentá-la nos aspectos técnicos da escrita, com base em pressupostos
lingüísticos, cognitivos e psicológicos, respeitando uma hierarquia de
dificuldades. Considerando essas características, a autora conclui que:
“semeada no discurso oral, a escrita progride e desabrocha na produção
efetiva de pequenos textos” (Franchi, 1988).

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