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Além do amor

UM GUIA PARA FAMILIARES DE PACIENTES


EM CUIDADOS PALIATIVOS

por
Luciane Schütte
RETROSPECTIVA - Tornar-se um peso para os seus
familiares
- Perder a autonomia e liberdade

O convite para - Passar por dificuldades financeiras


- Perder a identidade e autoestima
- Abalar seu propósito de vida e

tornar-se um esperança
- Confrontar sua finitude, assim como
frustrações por questões mal resolvidas

cuidador - Perder a habilidade de trabalhar


- Impacto na sexualidade, intimidade e
imagem do corpo
- Dificuldade no acesso a planos de
Venho de uma família, como toda família, onde os
saúde e apoio governamental
relacionamentos nem sempre foram fáceis e muitas vezes - Perda de controle sobre sua vida e
intensos. Onde o amor, o julgamento e a mágoa se misturam. suas emoções; dentre outras.
Acredito que muitos conhecem esse lugar. Quando nos
tornamos cuidadores de nossos familiares nesse contexto, O QUE APRENDI?
nasce a oportunidade de nos elevarmos para além das
inquietudes e diferenças de olhar. Meus pais já se foram após longos
processos de adoecimento e morte.
Todas essas preocupações estavam
presentes no processo deles de
envelhecimento, muito antes do
adoecimento.

Não há como descrever quão


desmoralizante esse processo pode
chegar a ser, nem tampouco quão
impactante é a necessidade de ajuste do
próprio ambiente físico.

Independentemente da idade, o adoecimento


pode levar a uma mudança radical de espaço
geográfico conhecido.

OPORTUNIDADE

Chamo de oportunidade porque Podemos ser cuidadores de um


apesar da imensa dor que pode
surgir nessa lida do cuidador, há
filho com limitações, de uma tia
idosa, um irmão adoecido, um
PRIMEIRO
também aí uma infinita cônjuge acidentado. Podemos APRENDIZADO –
possibilidade de aprendizados, cuidar de um vizinho ou do melhor
curas emocionais e de perdão. amigo. Pouco importa o contexto: Não importa o que
Da minha experiência pessoal
o ato de cuidar nos colocará diante
de desafios e dores semelhantes.
você sentiria no
sendo cuidadora de meus pais, lugar de quem você
surgiu um chamado para ajudar O que o paciente experiencia, por
cuidadores que, como eu, se viram sua vez, vai além da dor física e cuida. O que
lançados num desafio diário sem
terem sido preparados para tal.
cobre campos de sofrimento que
trazem algumas preocupações
importa é o que é
relevantes: importante para
ele(a).
04
VULNERABILIDADE

O convite a ser cuidado


Nesse contexto extremo, caminhar, defecar, urinar, alimentar-se, e outros atos que consideramos
triviais, são comprometidos e a dependência de cuidados se torna indispensável. O corpo, antes
sagrado e intocado, passa a ser tocado e limpo por terceiros. Fraldas descartáveis e cadeiras de
rodas tornam-se símbolos de um novo tempo e parte do dia a dia.

Atos simples como tomar banho, sentar-se num vaso sanitário ou subir algum degrau na casa
requer alavancas, protetores e condutores, levando a reformas ou mesmo mudanças de
residência, acrescentando então a perda de referência e, no limite, da própria identidade.

Nas palavras de Elisabeth Kubler


Ross, pioneira no tratamento
humanizado de pacientes
terminais, “morrer com dignidade
significa que eu tenha permissão
para morrer com meu caráter, com
minha personalidade”. Significa
ainda, a meu ver, viver com essa
dignidade a despeito das
circunstâncias.

Hoje me dou conta, ao lembrar do


que vivi com meus pais, que, no
início do processo de perda de
funcionalidades deles, passamos
todos por um processo de luto. E,
como todo luto, tanto eles, quanto
eu, vivenciamos a negação, a raiva,
a depressão e a barganha, até
chegarmos finalmente à aceitação.

Aceitação do envelhecer, do
adoecer e do morrer.

COMO MANTER A
DIGNIDADE ?
SEGUNDO
Dignidade começa pela aceitação Não posso mensurar o tamanho da APRENDIZADO: O
de que a morte não tem hora certa dor envolvida - o enorme
para acontecer e pode tomar sentimento de desamparo e sofrimento não é
aqueles que amamos não apenas desconhecimento dessa condição
apenas do paciente.
na velhice, mas a qualquer de cuidar. Aliás, da própria
momento. resistência a ocupar essa função Adoecimento e
de cuidado que, em algum
Me dei conta que não se trata do momento, aceitamos. Pois tudo morte é uma
adoecimento de um parente, seja que resiste, persiste. Ao soltarmos
experiência
na velhice ou não. Todo um nossa resistência a ocupar esse
sistema familiar é profundamente espaço, tudo flui melhor. sistêmica e não
04
afetado. Evoluímos nessa trajetória todos
apenas pessoal.
juntos, cada qual a seu modo.
DOR

Cuidando ao
redor de traumas

COMPAIXÃO

Meus pais se divorciaram conosco Compaixão por nós mesmos e Em nenhum desses lugares
ainda jovens, no início da fase nossas limitações como estaremos em equilíbrio. O
adulta. Momentos que me cuidadores. Compaixão radical por cuidador em equilíbrio ocupa um
marcaram nessa triste história de quem é cuidado por nós, pois, com lugar fora desse triângulo
muita frequência, o cuidado requer dramático. Ao transcender essa
discórdias alteraram minha relação
acolher momentos nos quais o que dinâmica, ele ocupa o lugar de
com ambos. Quando fui convocada
recebemos em troca são acompanhante compassivo, como
pelas circunstâncias a ser
agressões, julgamentos e o não espero fique claro no correr desse
cuidadora, havia entre nós um
texto.
longo histórico de mágoas mútuas. reconhecimento.
Para mim, cuidar seria apenas
Esse algo maior está bem
possível a partir do amor e esse Por melhor que sejam nossos
representado nas “ordens do
estigma me abalou profundamente esforços, não raro testemunhamos
amor”(1). Nessa ordem, os pais são
a princípio. no recipiente de cuidado o
“grandes” e os filhos “pequenos”.
acentuar de comportamentos
Irmãos são “iguais”. Cônjuges são
autodestrutivos ou punitivos que
No ideário do mundo eu via o “iguais”. Mesmo que filhos cuidem
colaboram para destacar nossas
amor como requisito e não me de pais, podem fazer isto desde o
diferenças e não para mitigá-las.
sentia convocada pelo amor, mas lugar de filhos. Até pequenos
Nesse espaço, a compaixão é detalhes alteram essa percepção
pelo reconhecimento. Então assim
libertadora pois nos coloca além como, por exemplo, colocar-se na
foi que iniciei minha jornada de
das estratégias trágicas daqueles altura dos olhos daqueles de quem
cuidados, movida pelo
que recebem nosso cuidado. Nos você cuida ao conversar,
reconhecimento. Reconhecia que a
coloca em contato com nossa reassegurando que essas posições
despeito da desarmonia familiar e
humanidade. Assim foi comigo, hierárquicas da ancestralidade não
dos vários estragos que causamos
assim é com muitos de nós que se alteram em sua fala, no seu
uns aos outros, ainda assim
cuidam. corpo e em suas declarações. Se
éramos família e esse valor foi meu
ele ou ela estiverem deitados, puxe
condutor.
Enquanto essa consciência uma cadeira e converse com eles
transcendente não se instala, nos ao seu lado ou mesmo abaixo de
Entendi, com o passar dos anos de
vemos de forma recorrente ou no sua linha de visão. O corpo fala.
cuidados, que o que surge de
papel de vilões, ou de vítimas ou
qualquer contexto emocional, por (1) Para saber mais, indico o livro
de heróis.
mais leve ou doloroso que seja, é “As Ordens do Amor” de Bert
uma profunda compaixão. Hellinger
04
FRONTEIRAS

Os limites do
cuidado
Podemos depender funcionalmente sem depender
internamente. Não devemos desocupar nosso lugar no
TERCEIRO
sistema familiar ao cuidar. Filhos serão sempre filhos. Pais APRENDIZADO -
serão sempre pais. Todos somos indivíduos independentes por
natureza colaborando mutuamente. Cuidar não é um
balcão de trocas.
Há que se prestar muita atenção para dinâmicas
comportamentais onde ganhos secundários reforçam a Cuidar é uma
codependência nociva entre quem cuida e quem é cuidado.
entrega ao outro
Por exemplo, um idoso que se sentia só, pode sentir um ganho
ao ter a presença constante do filho ao seu lado. Este é um em nome de algo
ganho secundário do cuidado em si. Ao curar, pode resistir
inconscientemente a declarar-se bem por conta do risco de
maior.
perder a presença do filho.

STRESS CRÔNICO
COLETIVO

Por conta disso, pausas são No geral, para alguém estar certo
fundamentais. Busque significa que o outro está errado.
distanciamentos periódicos para Em contextos de stress crônico,
ganhar perspectiva sobre isto, essa separação tende a ser QUARTO
coloque alguém em seu lugar. Um acentuada dificultando a
único dia ou dois de conciliação e a escuta empática APRENDIZADO -
entre todas as partes – de quem
distanciamento já podem abrir um
cuida e de quem recebe o cuidado.
Ganhos secundários
novo olhar para todos os
envolvidos. são uma armadilha
Na comunicação não violenta,

Devido às inúmeras incertezas,


conforme definida por Marshall tanto para quem
Rosenberg(2), nossa atenção deve
aqueles que recebem nosso
estar sobre as necessidades cuida, quanto para
cuidado e nós mesmos estamos
em “modo de defesa” e, portanto,
humanas por trás dessa diferença
de visões e, através da empatia,
quem é cuidado. É
atacamos, fugimos ou paralisamos.
buscar caminhos de solução e de necessário abrir
linguagem que não acentuem a
Em boa parte dos casos, esses
separação. Basicamente evitando conversas claras
mecanismos corroboram para
colocar o outro na culpa, na
instalar um estado de “stress vergonha ou no medo. Um espaço sobre necessidades
crônico”, não apenas no paciente,
mas na família, minando as
de conversas que não tomam a
diferença de visões sobre um tema
e pedidos para
relações com a ausência de diálogo como um problema, mas como um evitar estratégias
ou comunicação violenta. lugar para se encontrar o que
move cada um a enxergar as coisas trágicas neste
A violência na comunicação está da forma que se apresentam.
associada a separação que
contexto.
usualmente fazemos do que é (2) Para saber mais, indico o livro
certo ou errado. “Comunicação não violenta” de
04 Marshall Rosenberg
LINGUAGEM

Comunicação não violenta


Sendo o paciente vulnerável e o cuidador em certa medida também, há que se considerar com muita
atenção os momentos em que a linguagem pode acentuar o sofrimento já presente, tornando o
cuidar e o ser cuidado algo ainda mais desafiador do que já é em essência. Sem mediação ou
conhecimento básico de novas formas de se relacionar, o que se forma é um ciclo vicioso de
linguagem violenta e stress.

Essa dinâmica se estabelece com


frequência entre os próprios
familiares responsáveis legalmente
ou não pelos cuidados. Haverá
alguns que na ausência de vínculos
emocionais com o parente
preferem se ausentar ou na
impossibilidade disso se tornam os
“vilões”, sem paciência e sem
atenção adequada. São vistos com
ressentimento pelos demais
familiares, resultando não raro em
rompimentos de relações.

Outros se considerarão vítimas,


seja por conta do peso da função
assumida, seja por terem vivido
experiências dolorosas com esse
parente no passado e, ainda assim,
se verem obrigados a cuidar de seu
“algoz”.

A vitimização é muito frequente e próprio, apresentando uma grande


pode estar escondida sob o véu da dificuldade de delegar e distribuir
recompensa pelo “sacrifício”. Esse os cuidados com outros parentes
sacrifício, recompensado por sob igual responsabilidade.
elogios e reconhecimento social
sobre a benevolência do cuidador, Esse sistema familiar assim QUINTO
podem durar um bom tempo, mas impactado, sem a consciência
não se sustentam tampouco. dessas três figuras e sem uma
APRENDIZADO:
linguagem que foque no equilíbrio A comunicação não
Finalmente, temos ainda a figura entre as necessidades
do herói, também encontrado com fundamentais de todos os violenta é a base de
muita frequência. Aquele que envolvidos, acaba deixando
renuncia a tudo para cuidar do mágoas emocionais indeléveis.
um cuidado
parente, cuidado esse que pode Quando não, adentram demandas saudável e efetivo
seguir por anos ou toda uma vida. judiciais de toda ordem em
disputas sobre abandono, para todos os
O herói se anula, sente-se interdição e muitas outras mais.
frustrado por não ser reconhecido
envolvidos.
e não mede as consequências, com A mediação por facilitadores de
frequência se endividando no diálogos como eu podem poupar a
processo e achando que nenhuma família de muito sofrimento e
04
outra ajuda se iguala a dele mitigar a dinâmica do triângulo.
Ser cuidadora deles não me tornava
responsável por suas escolhas, que se
VISÃO mantiveram livres até o fim, algumas
das quais gerando danos que
administro até os dias atuais.

Envelhecimento Conquanto sejam feitas em consciência


e lucidez, não nos cabe decidir por eles.
O que nos cabe é lidar internamente
com o que nos atinge.
Situações de stress crônico estão ao redor também do cuidado
a idosos, mesmo que estes não sejam portadores de doenças
Não posso dizer que foi fácil e que não
graves. Nesse contexto, o convite é sempre ao aprendizado da
me vi várias vezes tentada a ocupar o
compaixão em seu nível mais profundo e a certeza de que lugar de “salvadora de suas almas”. Esse
quanto antes se iniciem os cuidados em todas as dimensões do lugar, contudo, não faz bem a ninguém.
envelhecimento (físico, psicossocial e espiritual), maior a Caminhar ao lado deles assistindo a
chance de prolongamento da vida e de manutenção de um perda crescente de suas habilidades
estilo de vida saudável. Menor o ônus depois. Não espere a físicas e funcionais me colocou diante
cobrança da conta e mova-se enquanto há tempo! da perspectiva de meu próprio
envelhecimento e morte.

O QUE APRENDI?

Aprendi que quanto mais a autonomia


for garantida, melhor. Até em pequenos
esforços, como escovar os dentes,
garantimos a dignidade. Cuide daquilo
que realmente apresenta algum risco de
acidentes e solte as pequenas coisas em
prol da dignidade.

A cada sala de espera de uma consulta,


nas visitas no meio da noite às
emergências, nas inumeráveis recusas,
iras e indignações que surgem quando a
CUIDADOS PALIATIVOS dignidade é negada ao paciente... só aí
NA VELHICE nos damos conta que nosso papel de
cuidadores não se resume a amparar,
Velhice não é doença, mas como Logo, muitas conversas de dar amor ou simplesmente sermos
processo pode ser encarada como conscientização e não de
compassivos.
um campo para o olhar holístico imposição e manipulação surgem e
dos cuidados paliativos e abordar vamos falar disso no correr desse
os campos da saúde física, mental, texto. SEXTO
emocional, social e espiritual do
QUAL A BASE DO CUIDADO?
APRENDIZADO -
idoso.
Somos apenas
Um idoso com cuidados nessas Talvez a compaixão fosse o
dimensões, mesmo quando suficiente, pensava eu, mas me dei humanos
conta que além dessa consciência
adoecido, tende a ter uma maior
que vai surgindo aos poucos, era acompanhando
resiliência global e, portanto,
manter sua autonomia por mais necessário apoiar meus pais a
outros seres
tempo. manterem-se em todo o percurso
de envelhecimento e adoecimento humanos. Não
com sua dignidade preservada.
Ainda assim, essa é uma escolha
existe o cuidador
do idoso e por maior seja a
dedicação do cuidador, nada se perfeito. Existe o
0 4 para além do que ele ou ela
move
escolherem para si. cuidador possível.
REDENÇÃO

A oferta a partir
da ferida

EMOÇÕES

Circulei nessa jornada por todos os Já formada como coach para a área baseadas nas prioridades de
sentimentos possíveis – amor, médica, acreditei que poderia fazer minha mãe me acalmavam e
raiva, desamparo, impotência, melhor por minha mãe. O que davam algum alento.

indignação, cansaço, desespero – melhorou essencialmente foi


minha consciência relacionada à Dados os objetivos presentes,
até que em algum momento
obstinação terapêutica que leva foram traçados os cuidados para
integrei todos eles e os acolhi
familiares cuidadores a permitir sustentar momentos importantes
como “minhas reações normais a
como, por exemplo, a participação
uma situação anormal”. Quando que a medicina atue sem
dela no casamento da neta
aceitei meu carrossel de emoções, questionar os fins.
(intensificando tratamento de um
me libertei e me perdoei. quadro hemorrágico estomacal),
Com isto, tive a oportunidade de
sua liberdade ao escolher morar
Ao final do longo processo de fim conduzir conversas com médicos e
sozinha (amparada por cuidadores
de vida de meu pai, já havia me com minha mãe para promover
profissionais), dentre outras
interessado pela área de Saúde, uma linha de cuidado que
decisões de vida que o cuidado
considerasse sua qualidade de vida
onde atuo até os dias atuais. paliativo acolhe e sustenta através
e não apenas o tratamento de cura
Inicialmente me formei pelo de muitas conversas “médico-
em si. Ela partiu em sedação
Medical Coaching Institute de equipe-paciente-familiar”.
paliativa, sem sofrimento algum,
Israel, onde contei com o apoio e
num quarto de hospital, o que
orientação da professora Shiri Ben-
Arzi (@shiribenarzi).
considerei um grande avanço em SÉTIMO
meu preparo no ato de cuidar.
APRENDIZADO - A
Através de seus ensinamentos,
desenvolvi habilidades para
Durante esse processo, tive a sorte
clareza me trouxe
de sermos acompanhados por
promover em pacientes sua
resiliência e capacidade de se
uma médica paliativista muito paz em meio a
especial, a Dra Clarissa Fonseca
adequar às circunstâncias, dentre
(@cettro_oncologia), que tinha por tempestade.
outras competências
excepcionalmente poderosas
hábito explicar e compartilhar cada
passo de suas decisões.
Construir planos de
nesse acompanhamento. Muitos
aprendizados, contudo, me
cuidados baseados
Com esse acompanhamento,
chegaram tarde demais. Meu pai já reparei o quanto conversas sobre nas prioridades do
havia partido quando finalizei as possibilidades de tratamentos,
meus estudos. discussões abertas sobre os
paciente é um farol
dilemas que apareciam e decisões em águas
04
turbulentas.
PERSPECTIVA

A saúde do cuidador
Foi aí que decidi ir a fundo nesse conhecimento dos cuidados paliativos. Desde o lugar de alguém
que viveu o pior e o melhor da dinâmica do cuidado, busquei tornar-me uma conselheira capaz de
dar suporte aos muitos diálogos importantes que cercam esse momento de vida em praticamente
todas as famílias. A não ser que tenhamos uma morte abrupta, todos vamos passar por um processo
lento de adoecimento e morte. Nesse contexto, o diálogo é fundamental.

Por conta disso, me especializei em


Cuidados Paliativos pela
Universidade do Colorado nos EUA.
Além disso, passei a estudar os
princípios da Comunicação Não-
Violenta (CNV) e da mediação
familiar cotidianamente em
maravilhosas formações no
Instituto CNV Brasil
(@institutocnvbrasil) e ao redor do
mundo.

O olhar de todos se volta ao


parente adoecido e nós relegamos
a segundo plano a saúde de quem
cuida. Demorei a entender que,
como cuidadores, sofremos com
frequência a mesma “dor total”
daqueles que cuidamos. Uma dor
que nos toca em todas as
dimensões:

Física – Descuidei de minha saúde, discussões intermináveis com a


engordei, deixei de lado exercícios família que me distanciaram de
físicos e passei a ter dores crônicas tudo e todos.
que seguem comigo até hoje.
Distúrbios que surgiram enquanto
me recuperava dos traumas
Espiritual – Nesse processo fui
obrigada a olhar o sentido de
OITAVO
secundários ao acompanhar tanto minha própria vida, meus valores e APRENDIZADO -
sofrimento. prioridades, confrontar as
expectativas do mundo sobre mim Descobri que a
Psíquica – Tive de lidar com todos e os limites de minha ação como
os meus próprios traumas do filha, tudo isso levando a um
compaixão é peça
passado, com minhas inabilidades doloroso e necessário processo de fundamental, mas
em relação a dar limites e minha amadurecimento.
autoestima vivendo dias em que também descobri
mal conseguia sair da cama e Incluo também toda a dor em
outros nos quais o pânico me torno da gestão material de
que só o amor não
paralisava. recursos e responsabilidades
basta.
legais envolvidas, trazendo um
Social – A sensação de impotência sofrimento adicional de ordem
e de ver-se refém de uma situação prática para toda a família.
me trouxeram tristeza e Cuidadores também sofrem da
04
isolamento profundos, seguidos de “dor total”.
EQUANIMIDADE

Equilíbrio no cuidar
Apesar de tanto sofrimento ao nosso redor e em nós, nos furtamos a pedir ajuda, tanto pacientes
quanto familiares. Há no ato de ser cuidado e de cuidar o risco de muitas distorções de poder que
surgem de algumas crenças limitantes.

Apenas uma consciência humanitária permite que cuidador e recipiente de cuidado se sintam em
equilíbrio. Há ganhos secundários tanto numa posição quanto na outra.

Nessas distorções, quem cuida é


grande e quem é cuidado é
pequeno.

Muito filhos que foram “expulsos”


voltam para cuidar e serem
finalmente “incluídos”, sentindo-se
importante e resgatando o
eventual desprezo anterior
manifestado pelo recipiente de seu
cuidado. Um parente de
personalidade forte sob cuidados,
por sua vez, pode sentir-se amado
e protegido pela primeira vez. Há
inúmeros exemplos de situações
nas quais a doença abre
oportunidade para incluir quem se
sentia de alguma forma excluído.

Ganhos secundários devem ser


olhados atentamente!

GANHOS SECUNDÁRIOS
NONO
Basta serem vistos para serem - “Não posso falhar”
ressignificados. Quando não - “Não posso contar com
APRENDIZADO -
reconhecidos, seguem causando ninguém” Para sermos bons
danos. Ao final do dia, o - “Não posso demonstrar
importante é reconhecer relações
fraqueza”
cuidadores,
de carência onde a dinâmica do
cuidado supre uma necessidade, precisamos levar
Essas crenças, muito comuns,
por exemplo de presença, que agem em conjunto para levar oxigênio primeiro a
poderia ser suprida de forma mais pacientes e cuidadores a um
saudável. isolamento crescente. Para o nós mesmos. O
As distorções de poder não são
familiar cuidador em específico,
como a metáfora do avião em
autocuidado não é
apenas externas, mas internas queda, ao invés de colocar o um luxo, mas uma
também. oxigênio primeiro em nós
mesmos, colocamos em nosso ação mandatória
Há falas que me chegam com
frequência tanto de quem cuida,
parente e sucumbimos ao lado
dele sem pedir ajuda.
para um cuidar
0 4 de quem é cuidado:
quanto
eficiente.
ABRANGÊNCIA

Competências de
um familiar
cuidador
Concluí que cuidar pode ser feito a O percurso de cuidados, por sua Uma linha de acompanhamento
partir de um valor importante, vez, pode se prolongar por toda bastante presente nesse contexto
como foi o valor da família para uma vida, por exemplo, a partir do de adoecimento prolongado e
mim, mas não se resume a isso. apoio a procedimentos que deteriorante do estado de saúde é
Um cuidador, seja familiar, um passam a fazer parte da rotina do aquela de pacientes em “cuidados
membro da comunidade ou amigo paciente (como o caso de um paliativos” ou elegíveis a
próximo irá necessitar de algumas paciente idoso com diabetes tipo 2, tratamentos que visem
competências para além do amor e osteoporose, artrite reumática ou essencialmente a qualidade de
da compaixão. Necessitará hipertensão) ou podem se tornar vida e não necessariamente a cura
quando ela não é possível.
encontrar um lugar interno de bastante complexos, a depender
independência e centramento para do quadro clínico.
Seja qual for o caso, há cuidadores
focar no que realmente importa –
que mesmo podendo contratar
o bem-estar de quem ele cuida. Um parente com uma limitação
profissionais não abrem mão dos
motora pode requerer cuidados
cuidados de banho e higiene. Com
Dentre essas competências, dou rotineiros e seguir com autonomia
frequência estão identificados com
destaque para ao menos três e controle de sua própria vida e de
a imagem do herói. Outras, trata-
segmentos: seu autocuidado no correr dos dias
se de preservar a intimidade de
sem que essa condição represente
seus bem-amados ou por falta de
Competências uma ameaça à vida. Trata-se nesse
recursos. Esses necessitarão de
Conversacionais – capacidade caso, de um “cuidado de competências técnicas também.
para interagir com equipes de manutenção”.
saúde, com o próprio paciente
e os demais familiares de No entanto, há condições de saúde
forma a gerar cooperação, que representam uma ameaça à DÉCIMO
soluções e equilíbrio vida e que seguem se agravando
APRENDIZADO -
Competências por períodos que podem se
Organizacionais – para apoiar estender também por longos Diante de
na definição e execução dos meses ou anos. Essas exigirão mais
planos de cuidados e, quando do que a maestria em
adoecimentos graves,
necessário, nas questões procedimentos de rotina, com uso psíquicos ou físicos,
financeiras e materiais que de medicações adequadas para
acaso surjam problemas crônicos. Essas cabe um novo olhar.
Competências Operacionais – situações cobrarão desses É preciso estar aberto
para apoiar nas tarefas do dia a familiares cuidadores uma
dia e nas decisões relativas a sequência de tomadas de decisão a aprender novas
cada ponto do percurso de e providências que podem ser
cuidados altamente estressantes.
competências e a
delegar.
04
FOCO

Cuidados
paliativos

A abordagem de cuidados Embora recente, há equipes Patologias como essas respondem


paliativos pode estar presente em pioneiras em todo o mundo a um acompanhamento
pacientes com: olhando condições em multidisciplinar de forma bem
neuropsiquiatria como elegíveis a mais efetiva.
cuidados paliativos. (3)
Câncer e eventual quadro de Isto posto, embora adaptado,
metástase Isto se deve a vários motivos, acredito numa tendência crescente
Doenças degenerativas dentre eles a constatação de casos dessa abordagem neste contexto.
crônicas como artrite grave, incuráveis e que vão requerer Adaptado porque embora em
dentre outras acompanhamento até a morte cuidados paliativos se preconize o
Quadros clínicos graves como agravados pelos estigmas sociais e apoio ao paciente em suas
doenças congênitas incuráveis, pela dificuldade da área médica escolhas, é fato que em alguns
traumatismos cranianos ou em identificar o melhor espaço de casos como aqueles em que o
suicídio se configure como
comas irreversíveis, cuidado.
ameaçador da vida, haja a
Pacientes em transplante de
intervenção involuntária, ou seja,
órgãos Um paciente com transtorno
sem anuência do paciente.
Doenças degenerativas psiquiátrico e câncer, por exemplo,
neurológicas como Parkinson, pode ser encaminhado pela
Ainda assim, equipes preparadas
Alzheimer, Esclerose Lateral Psiquiatria ao atendimento
constroem em conjunto um
Amiotrófica (ELA) e Esclerose oncológico e pela Oncologia para a
processo que garanta a melhor
Múltipla (EM) Psiquiatria, quando na verdade um
autonomia possível desses
Doenças infecto contagiosas acompanhamento conjunto seria o
pacientes, cuidando inclusive para
como AIDS e, mais mais apropriado. Na prática, o
que suas vontades em relação aos
recentemente, a COVID em silêncio se instala pela dificuldade cuidados de uma doença presente
estágio avançado, com de manejo em situações que como o câncer, sejam da melhor
agravamento das possíveis engatilhem reações psíquicas forma consideradas e promovendo
sequelas levando a um agravamento do a participação dos familiares em
Doenças que levam à falência quadro global de saúde, onde todo o processo.
dos órgãos como doenças poderia haver cooperação.
renais crônicas, cardiopatias Para isso, assim como existem
graves, pneumopatias, Outro aspecto, envolve o risco a Diretivas Antecipadas de Vontade
hepatopatias, dentre outras. vida apresentado em transtornos como o Plano de Parto, existem as
que envolvem a ideação suicida Diretivas Psiquiátricas onde o
como no transtorno bipolar, ou paciente pontua os cuidados que
Incluo nessa lista os transtornos ameaçadores da vida como a está aberto a receber no caso de
psiquiátricos, com ou sem anorexia. uma crise mental. Este tema será
comorbidades associadas, ligados objeto de outro estudo que
ou não a contextos de (3) Vide podcast “Morte e Loucura” publicarei em breve.
dependência química. no instagram @finitudepodcast
sobre projeto de cuidados
paliativos em psiquiatria no
Hospital das Clínicas de São Paulo.
POLÊMICA

Conceito e preconceito
É nesse contexto que surge a área na qual atuo como conselheira e facilitadora de diálogos - os
cuidados paliativos. Trata-se de uma área de atuação da medicina voltada, como o próprio nome
diz, a paliar, ou seja, amenizar o sofrimento em todos os campos do sofrer – físico, espiritual e
psicossocial - descritos pela fundadora do movimento hospice de centros de acolhimento a pacientes
terminais, Cicely Saunders, como dimensões da “dor total”.

Cuidados paliativos é sinônimo


de morte eminente?
Muitos pensam que cuidados
paliativos excluem o tratamento
voltado à cura. Em verdade,
tratamentos visando a cura podem
correr em paralelo a esse tipo de
cuidado. A função dos cuidados
paliativos é essencialmente a de
trazer conforto ao paciente,
reduzindo o incômodo dos
principais sintomas físicos e
atenuando os aspectos
emocionais, sociais e espirituais
que porventura estejam
impactando seu bem-estar.

Cabe ao médico que acompanha o Coaches médicos, terapeutas, Quando sequer o termo é conhecido,
paciente com essas características psicólogos e assistentes sociais cabe a quem apoia esses pacientes e
comunicar se ele é elegível a esses deveriam, a meu ver, também ter seus familiares apenas indicar que o
cuidados ou não. Cabe à família e uma noção básica sobre esse assunto seja conversado com o
ao paciente, tendo noção dessa cuidado e seus impactos na vida médico responsável.
abordagem, inquirirem aos do paciente e dos familiares.
médicos sobre sua condição de A partir dessas conversas, esses
pacientes, com apoio de seus
elegibilidade a esse tipo de Vejo a importância disso em meu
familiares, podem optar por um
cuidado. próprio trabalho. Mais de uma vez
cuidado mais apropriado a seu caso.
os familiares que apoiei souberam
Infelizmente, mesmo a classe da possibilidade de opção por
Infelizmente, muitos médicos, no
médica não necessariamente cuidados paliativos através de
meu julgamento, têm receio de
domina o uso do termo e não raro conversas comigo. O termo era
chegar ao ponto de recomendar essa
me deparei em meu trabalho com novo e desconhecido para eles
abordagem que, para muitos,
médicos que entendiam o cuidado antes disso.
significa realmente que desistiram.
paliativo como aplicável “apenas
Para nós que trabalhamos na área,
quando não há mais nada a se Isso se deve em parte a incipiência
contudo, onde alguns percebem
fazer”. do modelo em muitas regiões do cuidados paliativos como fim,
mundo. De outro lado, por conta percebemos como começo de um
dos interesses econômicos, acaba tempo de cuidados humanizados,
A questão é que sendo mais presente e conhecido
em países desenvolvidos e em
holísticos e voltados a manter a
dignidade e qualidade de vida com
há sempre algo desenvolvimento, geralmente
associado a clínicas de oncologia e
suporte integrado não apenas ao
paciente, mas também aos
a se fazer! alguns poucos hospices, quando
na verdade deveria estar presente
familiares. Esses cuidados podem se
estender por anos a depender de
como uma linha de protocolo de cada caso.
04 cuidado em todas as instituições.
FUNCIONAMENTO

O ser total
Preconiza-se em cuidados paliativos que o paciente seja acompanhado por uma equipe multidisciplinar
formada não apenas por médicos, mas também por assistentes sociais, enfermeiros, fisioterapeutas,
psicólogos, capelães, terapeutas ocupacionais, terapeutas integrativos e nutricionistas, dentre outros.
Esses profissionais tratarão em conjunto as seguintes dimensões:

Física: para manejo de


sintomas que gerem
desconforto, como dor,
dispneia, insônia, constipação,
falta de ar, náuseas e vômito,
dentre outros
Psicológica: para identificação
e tratamento de casos de
O pior estigma
depressão e transtornos de
ansiedade e de pânico, é de que
cuidados
amenizando o sofrimento
emocional
Social: olhando não apenas o
paciente em si, mas sua rede paliativos são
de apoio e familiar, buscando
encontrar soluções de suporte “deixar o
aos cuidados adequadas à
demanda específica de cada paciente para
paciente
Espiritual: identificando e morrer”
proporcionando, quando
demandado, o auxílio religioso
aderente às crenças do
paciente e provendo orientação
no campo existencial quando
demandado

Atrevo-me inserir uma dimensão, ambulatorial e até mesmo nas hemodiálise, alimentação parenteral, dentre outras,
que considero crucial e que vai casas das pessoas, com o apoio de sempre podem ser uma opção do paciente mesmo
além do contexto puramente equipes de homecare em cuidados paliativos. Mas, com frequência,
social citado por Saunders. Eu a especializadas. pacientes sob esses cuidados optam por não
denomino "relacional”, associada adotar essas medidas e permitir que o processo de
a violência na comunicação em Há muita pouca compreensão ao morte se desenvolva naturalmente e sem dor, com
todos os níveis que orbitam a área redor do mundo sobre o tema e, a amenização necessária e suficiente de eventuais
sintomas que gerem desconforto.
de Saúde na relação equipe não raro, ele é entendido como
médica-paciente-familiar, eutanásia, que é a morte induzida.
Ao redor do mundo, estão presentes como padrão
incluindo toda sorte de abuso de Na verdade, em cuidados
de conduta na maior parte dos hospitais as
poder, autoridade e manipulação paliativos adotam-se os princípios
medidas baseadas nos princípios da distanásia cujo
presentes em grande medida. da ortotanásia, que encara a
foco é prolongar a vida fazendo uso para isto de
morte como um processo natural
todos os recursos, relegando o conforto e
Esses cuidados nessas dimensões que idealmente, mas não
qualidade de vida do paciente a um segundo plano.
são encontrados com mais necessariamente, deve seguir sem
frequência em hospitais dedicados medidas intrusivas e amparado
Muitos seguem dentro da distanásia por simples
a oncologia. O ideal seria que por uma equipe multidisciplinar. desconhecimento de que haveria alternativas. Por
estivesse presente em hospitais conta disso, paliativistas em todo o planeta têm se
gerais, no atendimento Medidas invasivas como preocupado em educar e informar sobre as
intubação, eletrochoque, escolhas possíveis.
04
Quando conduzido a contento, cuidados
NOVO OLHAR
paliativos contam com conselheiros
como eu que podem ter diversas

Esperança
formações de base (assistentes sociais,
psicólogos, enfermeiros etc.), com
especialização na aplicação de técnicas
conversacionais e instrumentos que
ajudam o paciente e seus familiares a Um caso que gosto de contar remonta a um exemplo dado em
definirem suas prioridades, a cuidar de meu curso de especialização em cuidados paliativos. Tratava-
sua narrativa quanto a doença, a se de uma senhora que sonhava ver o neto nascer, mas estava
valorizar memórias, a lidar com o em sua terceira recidiva de câncer e sua filha grávida de três
adoecimento e a morte desde um lugar
meses na ocasião. Apesar de sofrer com os efeitos da
de compaixão e não de combate. Sim,
quimioterapia e reconhecer que essa não lhe traria a cura,
de compaixão pois com isso evitamos a
escolheu se submeter a mais sessões, entrou em remissão e
percepção do adoecimento e da morte
como um fracasso, a perda de uma com isto conseguiu ver o neto nascer.
“guerra”, ao invés de um processo
natural da vida.

O QUE FAZEM OS
CONSELHEIROS?

São os conselheiros em cuidados


paliativos que promovem o desenho
pela equipe de saúde de planos de
cuidados coerentes com a perspectiva
única de cada paciente e de seus
familiares cuidadores, de forma a
ampliar a aderência aos cuidados
possíveis dentro de um contexto social,
financeiro e emocional presente. Para Viveu bem por um ano após a daí a importância de conversas
isso, exercem uma função preciosa de quimioterapia até que houve uma restauradoras que o ajudem a ter
facilitação de diálogos entre família, quarta recidiva e, dessa vez, ela optou clareza sobre o que realmente
paciente e equipe médica, sendo os por seguir em cuidados paliativos sem importa.
condutores desses encontros na tratamento quimioterápico,
aproveitando ao máximo o convívio Gosto de pensar que trocamos
tomada de decisões importantes.
com os seus familiares e apenas com grandes esperanças por “pequenas e
medicações específicas para alívio dos constantes esperanças possíveis”.
sintomas. Faleceu alguns meses Todos queremos uma cura milagrosa,
Não temos escolha depois. A linha de tratamento pode e um paliativista treinado respeita
profundamente essa perspectiva.
diante de um mudar em função dos seus objetivos a
cada momento do percurso de Abrimos espaço para as grandes
adoecimento, mas cuidados. esperanças e ajudamos a cultivar
aquelas pequenas grandes coisas do
temos escolha Há quem pense como desistência dia a dia de um paciente, como
manter a mobilidade, um almoço em
como lidamos com alguém que faz escolhas como a dessa
senhora. Eu gosto de pensar que se família, uma ida ao jardim. Essa

ele. E isto vale trata tão somente de bom senso, de coleção de pequenas esperanças
priorizar o que realmente importa e trazem uma nova perspectiva e
para o paciente e encarar o fim como algo natural. A confortam também.

para aqueles que vida é preciosa, todos concordam, mas


o que importa na vida é algo muito Na verdade, está longe de ser um ato

cuidam dele pessoal e pode mudar de pessoa para de abandono. Em cuidados paliativos
há uma preocupação constante em
pessoa. Cuidados distintos podem
também. fazer parte de momentos distintos,
honrar a história do paciente e dar voz
a ele e a sua família.
tudo depende das prioridades e
propósitos do paciente,
PANORAMA

Contexto
Mundial
Nem todos os países estão A verdade é que devemos O familiar que cuida a partir dessa
avançados nesse setor dos nova consciência tem como principal
nos ater aos princípios e
cuidados paliativos e, ainda que função perguntar e cuidar para que
não estejam, há um movimento
atuar com o que cada as decisões do paciente (ou de si
crescente de consciência que tem região oferece! mesmo, quando este for seu
levado familiares a adotar esses procurador médico), estejam
princípios, mesmo não havendo Não havendo a estrutura de um realmente embasadas nos princípios
uma equipe de cuidados paliativos hospice, para casos mais paliativos, que são, essencialmente:

atuante em seu local. Cabe ao avançados, clínica especializada ou


departamento específico nos - Controlar e promover o alívio de
paciente, quando no exercício de
hospitais da região, familiares sintomas, em especial a dor
suas funções de comunicação,
podem ainda assim proporcionar o - Não acelerar nem adiar a morte
eleger qual abordagem seguir.
- Oferecer suporte que permita ao
Cabe ao familiar buscar as que chamo “um sistema orientado
paciente ser tão ativo quanto
condições para tal ou representar a cuidados paliativos”.
possível até o fim
seus desejos já sabidos nessas
- Ser amparado por uma equipe
ocasiões. Sobre isso falaremos um Ter o acompanhamento de um
multiprofissional
pouco mais adiante. médico paliativista é, sim,
- Iniciar o mais precocemente
fundamental! Segundo suas
possível, mesmo em paralelo a
Os componentes de equipes orientações, os familiares podem
tratamentos de cura
também variam de local a local no encontrar em seu local de moradia
- Garantir uma maior qualidade de
mundo. Nos Estados Unidos, por profissionais que componham essa
vida
exemplo, a figura do conselheiro é visão holística de assistência, ou
- Apoiar os familiares em todo o
exercida em especial pelo contar com um sistema de saúde processo, antes e depois da morte
assistente social em parceria com que opere em conjunto para - Integrar os aspectos psicológicos e
o psicólogo da equipe. Trata-se de reduzir a dor total de seus espirituais na abordagem de
um trabalho social para garantir parentes, aquela que os toca em cuidados.
que o paciente receba os melhores todas as dimensões e não apenas
cuidados possíveis. No Brasil, onde na física. Pacientes em cuidados paliativos
moro atualmente, essa ainda é tendem a viver mais e com menos
uma figura pouco presente. Hoje em dia, serviços de homecare desconforto geral. Está se
especializados já oferecem essa estabelecendo bem aos poucos uma
Nos Estados Unidos e no Brasil, a modalidade de atendimento, nova cultura, incluindo a cultura no
medicina integrativa é por vezes incluindo aplicação de opióides que se refere a morte, abrindo
incorporada como parte dos intravenosos e disponibilidade de espaço para escolhas de morrer em
cuidados paliativos, no geral com aparelhos antes restritos ao casa quando, até pouco tempo, o
terapias que visam a redução da espaço hospitalar. padrão na maior parte do mundo
dor, do stress, ansiedade e seria seguir para a UTI de um
hospital.
depressão. Na Índia, por sua vez, a Há de se questionar
medicina integrativa está mais sempre o propósito de Lá o processo da morte é vivido
intensivamente utilizada,
cada medida, em prol da longe de suas pessoas próximas e a
abrangendo um leque vasto de
terapias integrativas bem aceitas qualidade de vida. vida é mantida a qualquer custo
diante da vasta tecnologia hoje
em seu contexto cultural.
disponível.
FIM DE VIDA

A morte amiga
Novas profissões estão emergindo como as de “doula da morte”, que também tenho a honra de
exercer, embora sejamos poucos os formados nessa área em meu país. A maioria de nós
certificou-se pela escola Amortser (@amortser_contato), que trouxe um olhar sistêmico
fundamental nesse contexto. A morte, embora uma experiência pessoal, impacta diretamente a
todos ao redor, incluindo a própria equipe médica.

Cabe a esses profissionais zelar


pela memória. Enquanto a
medicina tradicional olha o
indivíduo como um fenômeno
biológico, olhamos os aspectos
biográficos e trazemos dignidade a
um ser afetivo com uma história
única. Além disso, cabe às doulas
da morte educar sobre o morrer e
promover conversas e documentos
sobre as vontades e diretivas do
paciente, que tocam os cuidados
antes e após sua partida.

Além disso, cuidamos dos aspectos


burocráticos quando necessário,
esclarecendo dúvidas e
promovendo rituais dentro das
crenças e espiritualidade de cada
família, mediando eventuais
conflitos entre familiares sobre as
providências cabíveis e zelando
pelo cuidado ao corpo.

O RIO E O MAR

Gosto de imaginar que os Estando às margens do rio, é O PAPEL DA DOULA


cuidadores que acompanho estão capaz de reconhecer de um
fazendo uma jornada através de
DA MORTE é
lado as condições clínicas de
um rio rumo ao mar. seu parente tais quais se caminhar lado a
apresentam. De outro, ter as
Eles navegam essas águas lado a
conversas possíveis incluindo
lado nesse rio, ora
lado com seus parentes. Em algum
momento as águas doces se
as mais difíceis com todos os com o paciente,
envolvidos.
dissolvem na água salgada do ora com o familiar,
infinito.
Quando cuidador e paciente garantindo que
Até este dia chegar, o familiar aceitam a morte como algo
cuidador terá uma escolha. Andar natural, o rio flui. Quando
cheguem em
pelas margens sempre com uma resistem, muitas corredeiras segurança ao mar
bóia a mão para amparar seu ente nos aguardam.
querido, ou mergulhar nas águas
do0medo
4 e se afogar junto.
NOVOS TEMPOS

O cuidador na
atualidade

Essa nova consciência de cuidados A pergunta fundamental que Os familiares da atualidade estão
traz ao familiar uma série de surge a partir dessa nova na transição de um sistema
dilemas e decisões que resultam consciência é: “para quê?” centrado no saber científico para
num impacto significativo em sua um sistema centrado no paciente.
própria condição de stress. Em Outras perguntas importantes E, nesse lugar, a escolha de
última instância, cabe ao cuidador derivam desse questionamento tratamentos, procedimentos e
familiar buscar alinhar as decisões principal: exames deve ser compartilhada.
ao desejo de seu parente levando Isso traz, de um lado, a
a múltiplas negociações com Qual o resultado esperado desses oportunidade maravilhosa de
todos, tanto direto quanto exames? envolvimento do paciente em seu
indiretamente envolvidos. Esse A que decisões esses resultados próprio processo de cura ou no
stress assim gerado está presente podem levar? manejo de seus sintomas e, de
Quais os efeitos colaterais desses outro, um aumento do stress
em todo cuidador, mas apresenta
tratamentos? associado à participação na
um aumento significativo naqueles
Qual a chance de eles tomada de decisões que antes não
que acompanham pacientes com
apresentarem um resultado de fazia parte, por assim dizer, do que
doenças graves ou terminais.
cura? se esperava de um familiar
Em que esses tratamentos cuidador.
Com frequência, delegam-se as
impactam a qualidade de vida?
decisões ao médico e sua equipe.
Qual o prognóstico com e sem Em verdade, não existe um padrão
Hoje, com a informação cada vez
tratamento? universal de relacionamento
mais ao alcance e com a extensão
Quais alternativas não- médico-paciente e ele pode variar
do conceito de sustentabilidade muito conforme a cultura e o nível
farmacológicas indicadas?
para todos os setores da vida, social e econômico do paciente e
incluindo a saúde humana, o sua família. A dura verdade, ao
O cuidador deve ser, sobretudo, um
familiar que cuida não deveria ser menos em países
questionador.
apenas um observador passivo, subdesenvolvidos ou em
mas um participante ativo de um desenvolvimento, é que quanto
No passado, uma ordem médica era
processo paliativo. Quando o maior o nível socioeconômico,
simplesmente obedecida ou não, a
parente não está envolvido, caberá maior a possibilidade de o
partir do entendimento de que ele, o
ao cuidador interferir pelo seu cuidador encontrar um ambiente
médico, sabia de tudo e o paciente
bem como veremos a seguir. propício a uma participação ativa
de nada. Hoje vemos surgir uma
nas decisões de tratamentos e
abordagem ainda incipiente, mas
Com uma posição ativa, uma nova exames. Por conta disso, no ano de
crescente, de participação do
pergunta se coloca ao familiar e ela 2021, fundou-se um movimento
paciente e familiar junto ao médico e
pode levar a muitas respostas e ao mundial “cuidados paliativos para
à equipe. Isso é uma mudança boa,
manejo de muitas conversas todos”, de equanimidade de acesso
mas novos desafios surgem a partir
difíceis no correr de seu cuidar. a cuidados paliativos com foco em
daí.
reduzir essas e outras diferenças.

04
COMPORTAMENTO

Redução stress do cuidador


Coloque-se na posição de um familiar que começa acompanhando um parente em sofrimento
respiratório. Ele está em sua casa amparado por um serviço de homecare. Em algum momento,
mesmo com ventilação em sua própria residência, a dificuldade de respirar se agrava e o cuidador
começa a ouvir ruídos que o fazem pensar que seu parente está em sofrimento, mesmo que sedado.
Isto pode ser desesperador!

Seria essa preocupação


minimizada se esse parente
soubesse que em fim de
vida esses ruídos são uma
manifestação natural do
processo de morte? Seria
menos impactante se
soubesse que o simples
manejo na posição da
cabeça e pescoço podem
soltar a língua e reduzir
essa manifestação?

Uma pesquisa realizada em 2016 que o desconhecimento é sim um Como vimos, um cuidador é muito
nos Estados Unidos atuou sobre fator gerador de sofrimento. (4) mais que presença e amor.
familiares cuidadores que se Assume responsabilidades
ocupavam não apenas dos Existem, claro, desafios para operacionais, organizacionais e
cuidados em casa, mas do implementar esse apoio em larga conversacionais para além do ato
transporte e alimentação dos escala, mas ele olha para um de cuidar fisicamente. Este, por
pacientes, além de outros cuidados problema crucial. A saúde e o bem- sua vez, pode ser delegado a um
como levar a consultas médicas ou estar dos cuidadores principais serviço de homecare, o que ainda
dar medicamentos. Participaram interessam sim à Saúde num nível assim não exime o cuidador
294 famílias de pacientes com mais global. Só nos Estados principal de toda a gestão, muitas
câncer em estado IV nas regiões do Unidos, 21,3% da população é vezes até financeira, dos cuidados.
pâncreas, pulmões, cérebro, cuidadora de algum parente. A
ovários, hematológico e cabeça e pesquisa de 2020 da National Esse contexto é, portanto,
pescoço, distribuídas em 8 centros Alliance for Caregiving mapeou um impactante a uma parcela
oncológicos. perfil notadamente feminino e de significativa da população que, não
cuidadores seniores, acima dos 49 raro, trabalha e tem outras
Exercitaram com essas famílias anos, como predominante. No obrigações além do cuidado,
uma abordagem de suporte Brasil não é muito diferente. Trata- gerando um quadro dominante de
diferenciada. Durante três se de uma contribuição ao sistema exaustão e estresse nesse grupo,
semanas, tiveram uma sessão via de saúde fundamental pois os sempre relegado a segundo plano
telefone de uma hora cada, cuidadores exercem uma média de pelo sistema tradicional de saúde.
simplesmente para educar e tirar 6 a 8 horas de cuidados ou mais,
dúvidas sobre os cuidados, o podendo ir além quando em fase
câncer de seus parentes e outras final de vida. Não é possível
questões operacionais. O resultado
foi uma queda significativa no nível bem cuidar do
de depressão e estresse desses
familiares, reforçando a tese de
(4)Para saber mais visite:
outro se
https://ascopost.com/News/43891
04 descuidando de si
CONHECIMENTO

O saber que liberta


Com frequência, familiares Somadas a um contexto de dor Vou citar apenas um exemplo à luz
renunciam a suas próprias vidas e total (espiritual, física e de uma escolha fundamental que
se desfazem de seu patrimônio psicossocial), elas trazem deve ser feita, idealmente, pelo
para garantir os recursos elementos que têm adoecido próprio paciente quando consciente,
necessários para cuidar. Quando cuidadores ao redor do mundo a por seu procurador médico quando
aqueles que cuidam não tem um nível assustador. ele está inapto a se manifestar, pela
recursos, passam a viver também consulta a suas “diretivas
na dependência desses proventos, As estatísticas apontam que antecipadas de vontade” ou
como é o caso de filhos que largam cuidadores têm 63% mais chance simplesmente baseado no que esse
seus empregos para cuidar de pais de falecer antes daqueles que paciente trouxe enquanto consciente
aposentados na dependência cuidam do que pessoas do mesmo como encarava a morte e os
dessa aposentadoria para tal. Um grupo etário deles que não são tratamentos.

intrincado quadro de cuidadores(5). Em termos gerais, o


índice de morte antes do Os sintomas manifestos e áreas de
codependências se estabelece
recipiente de um cuidador sênior, atenção em cuidados paliativos
nessas condições. A morte, nesses
chega a 12,6% com quadros podem ser específicos ao quadro
casos, representa dois lutos – pelo
associados ao estresse(6). clínico, mas no geral abrangem as
parente e pelas condições de vida
Portanto, minimizar o sofrimento seguintes áreas:
presentes enquanto este era vivo.
dos cuidadores é fundamental
Perde-se o chão.
para a manutenção de uma - Dispneia
possibilidade de menor custo e - Fadiga e astenia
Qual o peso dessa carga? - Anorexia e caquexia
maiores ganhos em qualidade de
vida para todos os envolvidos. - Náusea, vomito e constipação
O maior peso, a meu ver, é o da - Nutrição e hidratação
Infelizmente, isto tem sido
ignorância. Em hospitais como o - Manejo da dor
colocado em segundo plano a nível
Birmingham Medical Center, os - Impactos cognitivos, demência e
mundial.
familiares de pacientes em delírio
processo ativo de morte recebem - Ansiedade, depressão e pânico
Como o conhecimento pode
um folheto denominado
“Preparando-se para a morte de
ajudar? Além disso, temos o contexto social e
seu bem-amado”, que descreve o espiritual, presentes com fatores
Cuidadores (e apoiadores de geradores de sofrimento:
processo numa linguagem
cuidadores) não são obrigados a se
acessível e compassiva. Reportou-
especializar em cuidados - Menor independência e autonomia
se um resultado extraordinário na
paliativos, conhecer todos os - Perda de sentido de conexão e
reação dos familiares à morte de
detalhes técnicos que são pertencimento
seus parentes com essa simples
complexos e de domínio das - Dúvidas quanto sentido de vida
medida.
equipes médicas. Porém, ao - Questões financeiras e jurídicas
menos, devem ter uma noção - Problemas de relacionamento com
Esse instrumento faz a diferença
básica para poder ajudar a a rede de apoio, dentre outros.
pois, como comprovado por
identificar os possíveis dilemas a
pesquisas, parte desse estresse de
enfrentar. Este guia para familiares Quando há um conselheiro presente
quem cuida, e claro, do próprio
visa dar essa noção. na equipe ou apoiando os familiares,
paciente, se deve ao
(5) Para saber mais: cada questão que busca uma decisão
enfrentamento de situações que
https://www.clearcareonline.com/b médica é considerada à luz desses
podem ser totalmente
log/family-caregiving/the-deathly- fatores pois estão todos interligados.
desconhecidas.
dangers-of-family-caregiving/ Mover cada uma dessas peças, por
(6) assim dizer, altera esse delicado jogo
https://www.scielo.br/j/jbpsiq/a/tc de xadrez onde cada movimento
CYphXB6hdTYLwHX67FyqL/? reconfigura o todo.
format=pdf&lang=en
CONHECIMENTO

O saber que liberta


Para exemplificar, suponha o caso resguardando os valores e os cuidados do paciente - que valoriza o
em que temos um paciente que ao paciente, colaborando para que as convívio com a família durante
medidas adotadas sejam realmente as refeições,
prima por seus valores familiares.
factíveis e não custem, inclusive, o
Ele tem profundo reconhecimento do familiar - que necessita de
equilíbrio do familiar cuidador. Mas nem
e gratidão pelo cuidado de sua apoio com os cuidados diários
sempre há uma figura como essa e
esposa, tentando demonstrar isso no preparo das refeições e
caberá ao familiar intermediar inúmeras
sempre que possível. Sua nutrição, tratativas.
da equipe médica - que
em algum momento, poderá se privilegia a aderência ao plano
tornar cada vez mais difícil e o Seguindo nosso exemplo, imagine nutricional possível nessas
dilema se estabelece quando dentro dessa questão alimentar um condições.
formas alternativas de nutrição são paciente que queira preservar os
oferecidas. momentos com sua família e sua Dessas conversas podem surgir
esposa. Esses ocorrem sobretudo soluções criativas que levam a
na hora das refeições principais. A contemporizar as demandas com
Idealmente, poder-se-ia espaçar a
foco no conforto e saúde do
oferta de alimentos com lanches questão alimentar, contudo, tem
paciente, sem descuidar das
em pequenas porções com impedido esse convívio social. Em
possibilidades reais do cuidador de
alimentos de fácil ingestão como conjunto, optaram por seguir com a
arcar com o que está sendo
iogurtes e batidas de frutas, coisas alimentação possível via oral
demandado.
que o paciente goste e tenha evitando infecções oportunistas por
facilidade de ingerir. Ou ir outros métodos artificiais.
Podem chegar a um acordo, por
caminhando em direção a uma Alimentações em menores períodos
exemplo, de utilizar produtos
alimentação inserida podem impactar a esposa, que
prontos de supermercado e ao
artificialmente até, no limite, uma cuida do paciente, aumentando a
menos uma refeição ao dia ao lado
alimentação parenteral. Atrás carga de tarefas devido à
dos parentes. Essa dinâmica é
dessas decisões, há inúmeras alimentação constante e em
idealmente aprendida por todos os
opções e incertezas já que toda menores porções, além da maior
envolvidos e esses diálogos
invasão por meios artificiais trás frequência de idas às compras.
seguem de forma construtiva a
também aumento da cada novo desafio do percurso de
probabilidade de infecções. Idealmente, é nessas horas que a
cuidados.
facilitação de um conselheiro
contribui para olhar as
O que fazer? Esse papel do conselheiro
necessidades do paciente, do
familiar e da equipe médica, cada é exercido de forma
Familiares frustrados se sentirão
qual com sua prioridade. Através de neutra, com foco na
rejeitados ao ver seu parente não
conversas individuais e em grupo, dignidade e bem-estar do
aceitar os seus pratos favoritos
cabe a ele facilitar o surgimento de
preparados com muito carinho. paciente.
soluções que contribuam
Pacientes se sentirão compelidos a
diretamente para o atendimento
forçar-se a comer para não No mundo ideal, deveria haver um
dessas necessidades em conjunto e conselheiro disponível para cada
desapontar seus familiares
com foco na manutenção da paciente. Contudo, essa não é a
cuidadores. Profissionais de saúde
dignidade do paciente até seu realidade na maior parte dos
manejarão os sintomas, náuseas,
momento final. países. Na ausência desses
vômitos e outros associados ao ato
profissionais, com formação e
de comer.
De conversas assim, surgem no prática nessa área, cabe ao familiar
geral três pontos de vista distintos e que cuida assumir parte dessa
Se houver um conselheiro na
nem sempre convergente. Se função de garantia do melhor
equipe de cuidados, este pode
utilizando no nosso exemplo, cuidado.
exercer um papel fundamental, vemos demandas:
colaborando para um
entendimento entre as partes,
MANEJO DE SINTOMAS

Dispneia
Cuidadores ativos, com suporte e orientação adequada, podem conduzir as conversas de cuidado e
não simplesmente aderir aos tratamentos propostos sem que esses sejam factíveis e de fato
desejados pelo paciente.

Essa postura ativa de


inquirir, dialogar e
buscar soluções
compatíveis com os
desejos de seus parentes
ameniza a eventual
ausência de conselheiros
- embora não os
substitua em toda a sua
abrangência e preparo.

Para tal, será necessário ao Da minha vivência pessoal e a) Uso de oxigênio ou um simples
familiar cuidador que se informe profissional acompanhando ventilador – pacientes sentem
das várias alternativas, pontos pacientes em cuidados paliativos, alívio com a simples ventilação no
positivos e negativos de novos vejo alguns pontos de decisão quarto direcionada ao rosto;
tratamentos e exames na medida quanto à execução dos cuidados na
que o quadro evolua. Obviamente, dimensão física que são com b) Cuidados com o estilo de vida e
o próprio paciente poderia exercer frequência a maior fonte de stress fisioterapia, com vistas ao
esse papel, mas nos quadros mais para todos. São eles: fortalecimento muscular quando
avançados, no geral, não há possível;
energia nem tampouco habilidade 1) Dispneia – Este é um sintoma
cognitiva para tal. particularmente angustiante e que c) Buscar se afastar dos gatilhos
leva a visitas frequentes às que levam a asma e procurar
A partir de minha experiência emergências. Cada deslocamento do reabilitação pulmonar sempre que
apoiando famílias nesse contexto, paciente é, para familiares e o possível;
me dou conta que não é um próprio paciente, fonte de stress e
paciente que adoece, na verdade é preocupação. A falta de ar pode ser d) Dar atenção especial a
todo o sistema. Esse sistema fruto da falta de condicionamento alimentação na posição deitada
envolve familiares, amigos, sua físico, fumo ou outras condições devido aos riscos de brônquio
comunidade, equipe médica e associadas ao estilo de vida. Quando aspiração com agravamento do
terapeutas, dentre outros. Cuidar em pacientes graves pode estar quadro respiratório
das relações é fundamental e, na associada a doenças pulmonares ou Dar preferência a permanecer
ausência de um conselheiro, cardíacas, dentre outras. Se sentado ao invés de deitado,
caberá ao cuidador principal associada a dores no peito, náusea dentre outras medidas.
promover a comunicação e gerir a ou desmaio, pode configurar um
execução dos acordos na medida quadro mais grave. Em processos de
de suas competências e fim de vida ela pode estar presente Manejo de sintomas
facilidades. também. Algumas alternativas não
medicamentosas para lidar com e qualidade de vida
Essa pressão sobre o esses sintomas incluem, mas não
exaurem todas as possibilidades,
andam de mãos
cuidador despreparado pode
ser avassaladora. como: dadas
04
2) Fadiga e astenia – Pacientes MANEJO DE
acometidos por doenças graves
podem se ver cansados facilmente e SINTOMAS
ter uma dificuldade maior para
recuperar a energia depois disso.
Com isto, tendem a se movimentar
cada vez menos, gerando um ciclo Astenia e
Caquexia
vicioso de perda de tônus muscular
e cansaço crescente.
Astenia, por sua vez, diz respeito ao
cansaço crônico sentido por esses
As doenças tem vários sintomas invisíveis. O cansaço constante
pacientes. Isso deixa-lhes com a
e o emagrecimento tornam visível o estado do paciente e isso
impressão de uma fadiga sem fim e
nem sempre é facilmente encarado pelo familiar que cuida..
sem recuperação possível.
Definimos a fadiga como um estado
subjetivo no qual a pessoa se sente
cada vez mais sem capacidade para
esforços físicos ou cognitivos.
Terapeutas ocupacionais são
valiosos nessas questões em
especial. Se a identidade de uma
pessoa está fortemente baseada no
que ela faz, a fadiga pode trazer
uma crise existencial que
idealmente deverá ser
acompanhada por um psicólogo ou
profissional competente como coach
médico, capelão, assistente social,
enfermeiros ou mesmo o próprio 3) Anorexia e caquexia – Anorexia, No entanto, a perda de apetite é uma
médico. Pequenas providências dentro do contexto de saúde física, é reação natural do organismo na
comumente entendida por perda de preservação de energia vital, em
podem também amenizar esse
apetite e, quando associado a um especial nos momentos finais de vida.
quadro como: distúrbio psíquico, pode levar o
indivíduo a não reconhecer sua Dificilmente é possível reverter essa
a) Caminhadas curtas ao redor da própria imagem e seguir na busca de perda de peso em casos terminais.
casa ou jardim emagrecimento.

b) Manter-se o máximo de tempo Discorremos sobre esse ponto nos itens


Pacientes em estado avançado (em anteriores indicando possíveis
possível fora da cama, mesmo que especial de câncer) sentem essa falta conversas e alternativas nessa ocasião.
sentado, contribui para o tônus de apetite, mas ela surge dentro de
muscular um quadro conhecido como caquexia, Vale a pena ressaltar que nem todo
c) Sempre perguntar ao paciente com perda de pelo menos 10% do profissional está preparado para lidar
peso, seguido de redução de com esse quadro, então cabe ao
sobre que uso ele dará para sua
atividades e de curtos períodos familiar assegurar que profissionais
energia, mesmo que ela seja
acordados. aptos estejam acompanhando seu
pequena.
parente. Esses profissionais não apenas
d) Pergunte que coisas não Como já apresentamos antes, esse é respeitarão o momento no qual a falta
prioritárias podem ser deixadas de um aspecto que gera muita angústia de apetite está presente, como
lado em prol da conservação de aos familiares que assistem eventualmente indicarão a ausência de
impotentes a essa mudança, alimentação e hidratação em processo
energia. Ajude a priorizar em função
agravando a sensação de que o ativo de morte, acompanhado da
do que realmente importa na visão paciente está em sofrimento. retirada de medicações quando essas
do paciente. não fazem mais sentido.
MANEJO DE 5) Náusea, vômito e constipação
Náusea e vômito são comuns em
SINTOMAS
pacientes com doenças avançadas,
em especial câncer. Em alguns

Dor
casos, podem estar associadas a
interações medicamentosas ou
excesso de medicação. Noutros, à
reação a tratamentos como
O alívio da dor é certamente uma área de extrema prioridade
quimioterapia e radioterapia, ou,
em cuidados paliativos. Políticas públicas, falta de formação
ainda, por simples indisposição,
de profissionais e preconceitos no uso de opióides impactam
dificuldade digestiva ou como
diretamente seu uso.
resultado de sua patologia. Uma
equipe médica deverá avaliar todas
essas causas prováveis, e outras
mais, antes de decidir por
tratamentos farmacológicos e não
farmacológicos.
Como a ansiedade pode ser um dos
fatores para esse quadro, há de se
avaliar também o estado emocional
predominante e procurar dar o apoio
necessário. Em linhas gerais, é algo que
pode ser minimizado pela escolha
4) Manejo da dor – Esse é de de que opióides viciam e devem ser
correta da melhor solução, caso a caso.
certeza o principal foco em evitados a todo o custo. O que essa
Cabe ao cuidador buscar os melhores
cuidados paliativos – amenizar a crença não considera é em que
profissionais nessa área, já que existem
dor. A dor é considerada uma circunstâncias esse risco deve ser
dezenas de alternativas, cada qual
corrido. Logo, passa a se tornar parte
percepção subjetiva e muito focando em diferentes aspectos desse
do protocolo, em alguns locais,
cuidado deve se tomar ao julgar a desconforto. Desde o uso de
simplesmente evitar o uso de morfina,
dor do paciente. O correto nesses bloqueadores de serotonina até um
por exemplo, sem ao menos
casos é utilizar uma escala de dor e considerar o nível de dor relatado pelo refrigerante à base de gengibre podem
pedir ao paciente para comunicar a paciente. contribuir para a redução do mal-estar.
sua dor sendo entre 0 (nenhuma) e Porém, vale citar, ainda que tenha
10 (insuportável). O profissional preparado será capaz orientações desse tipo, ouça primeiro a
de definir para cada nível de dor o tipo equipe médica antes de adotar medidas
Ele pode também ser entrevistado pelos de medicamentos ou medicamentos por conta própria.
instrumentos corretos para que se veja mais aderentes, podendo compor o
Esse quadro pode ser agravado pela
claramente o tipo de dor (visceral, tratamento com analgésicos, não
constipação, muito comum também,
neuropática ou somática), assim como opióides, opióides, corticoides e anti-
não apenas por questões alimentares
suas características específicas inflamatórios.
em si, quando há ausência de fibras,
(presença com e sem gatilhos,
É fundamental que o cuidador
mas também pela redução do nível de
constância e amplitude durante o dia e
a noite, etc). acompanhe esse processo e as motilidade intestinal, pela proporção de
reações do paciente no correr do líquido nas fezes e lubrificação do trato
Em cima dessas informações, um tempo, incluindo tontura, náusea, intestinal. Mudanças alimentares,
profissional preparado poderá prover a fraqueza e outras mais, reportando medicamentos laxantes, exercícios e até
medicação necessária. isso ao médico responsável. Atenção a posição ao defecar podem auxiliar no
Infelizmente, em países como o Brasil, aos batimentos cardíacos, que são no tratamento da constipação. O chá de
há poucos profissionais preparados geral alterados por esse tipo de sene também pode ser usado nesses
para tal. medicação, e outros efeitos colaterais, casos, mas novamente, segundo as
como a constipação. Reavaliações da
prescrições médicas cabíveis. Caso não
O resultado é a sub-medicação, levando dor devem ser feitas periodicamente e
se defeque em 48 horas, uso de
muitas vezes à morte com dores que a eventual retirada de algum desses
supositórios e manobras que favoreçam
poderiam ser tratadas. medicamentos deve ser acompanhada
a motilidade das fezes pode ser
Além do uso errôneo de doses mal com cuidado pelo especialista.
utilizado.
dimensionadas, ainda há uma crença
SAÚDE MENTAL

Visão integrativa
Qualquer quadro de deficiência mental, demência ou delírio compromete sobretudo a capacidade de
autoconsciência e comunicação do paciente. Isto impacta diretamente o tratamento dos sintomas,
em especial a dor.

Ocorre que o cuidador atento pode observar mudanças no paciente que um profissional de saúde
talvez não reconheça de passagem. Mesmo uma simples contração do rosto pode ser um sinal, por
exemplo, de uma experiência de dor, assim como gemidos ou mesmo um olhar apreensivo.

Quadros de demência podem ser Nesse contexto da saúde mental,


altamente impactantes para o cabe avaliar alternativas
familiar cuidador que, em alguma complementares a intervenção
medida, não reconhece seu puramente farmacológica. Hoje em
parente, que pode oscilar entre dia há que se considerar em
comportamentos de apatia ou cuidados paliativos cada vez mais o
agressividade a depender de cada papel da medicina integrativa.
caso.
As terapias integrativas são pouco
Essa interação é de certeza uma sustentadas por estudos
das mais desafiantes. Novamente, científicos, mas são
é importante ao cuidador acolher a
testemunhadas pelos pacientes
ideia de uma nova realidade e da
como efetivas em boa parte dos
presença em seu familiar de
casos.
alguma centelha que evoque sua Destaque para as mais usuais como:
essência enquanto ser humano.
Em verdade, caberá ao cuidador
Yogaterapia
procurar uma alternativa que
Quiropraxia
apresente melhores resultados,
Novamente a compaixão chega Meditação
em especial no tratamento da dor
como o único lugar possível para Massagem terapêutica
e do stress, e que sejam do agrado Acupuntura
lidar com situações como essa. A
do paciente. É realmente algo Auriculoterapia
demência não é uma doença, mas
muito pessoal. Reiki
um quadro geral que afeta a
capacidade de raciocínio, memória Taichi
Com o crescimento da indústria Hipnose
e formação de pensamentos. Ao se
farmacêutica, um dos impactos a Aromaterapia
agravar, pode comprometer as
pacientes em tratamento Impostação das mãos, dentre outras.
habilidades como andar, a
prolongado de doenças graves é o
percepção visual e a resolução de
uso intensivo de medicamentos e Essa última, com o uso das mãos em toques
problemas.
paliar com soluções não- sutis, foi minha grande aliada em especial no
farmacológicas torna-se uma peça caso do atendimento a pacientes terminais. O
Várias alternativas podem ser
fundamental. Mais de 70% dos livro “Mãos de Luz’ de Barbara Brennan trouxe
utilizadas e cabe ao cuidador
pacientes relatam que preferem uma nova perspectiva nesse setor. No Brasil, a
buscar o apoio de uma equipe
uma solução natural fugindo aos formação nessa área acontece pelo Ateliê de
multidisciplinar nesses casos.
efeitos colaterais da alopatia e, Luz (@ateliedeluz) e nela aprendemos a alterar
Delírios podem ocorrer
ainda, promovendo o bem-estar, o fluxo de energia com impacto direto na
esporadicamente e também
diminuição da depressão, saúde física e mental. Por diversas vezes vi o
resultam em momentos
ansiedade e pânico. nível de oxigênio, batimentos e pressão se
desafiadores do paciente, em alterarem positivamente em pacientes em UTI
especial na proximidade da morte sob meus cuidados. Nossas mãos são também
como apresentaremos mais um caminho de diálogo.
adiante.
04
NARRATIVAS

O impacto das
narrativas no
cuidado
o caos segue e dificilmente as coisas se
Tão importante quanto estar a par dos possíveis sintomas e
tornam claras e conversadas, a não ser
dilemas de cuidados, é cuidar das narrativas que, como com a intervenção de um profissional
cuidador, nos fazemos sobre o que se passa, tal qual sua neutro para promoção do diálogo
influência sobre a narrativa dos próprios pacientes. Este é um necessário.

ponto importante de atenção! Boa parte do meu trabalho está


3) Narrativa da busca – Nessa
em abrir espaço para que essas narrativas se revelem e
narrativa encontra-se uma nova
possam ser eventualmente ressignificadas. maneira de contar a história, buscando
como seguir em frente com a doença e
não apesar dela. Assim é permitido
estar bem a despeito das
circunstâncias, colher aprendizados e
rever crenças como, por exemplo, a
crença de que morrer é um fracasso e
não um evento natural da vida. Nessa
narrativa há espaço para lidar com as
incertezas do percurso.

No geral, encontro meus clientes


apresentando mais de uma narrativa.
Em verdade oscilando entre elas sob o
impacto das circunstâncias. Com apoio
e diálogo, as narrativas tendem a
permanecer com o tempo num espaço
As narrativas, segundo Arthur sentimentos de raiva e até de busca, de trazer significado e seguir
Frank em seu livro “The Wounded depressão. Quando exauridos, há em frente, acolhendo a realidade como
Storyteller", podem ser agrupadas chance de entrarem em negação, ela é.
em três grandes grupos e apegando-se ao retorno de um
representam as maneiras mais estado de saúde que não mais é Planos de cuidados são mais bem
comuns com as quais pacientes e possível estar. desenhados quando encontro uma
parentes lidam com situações de família preponderantemente na
adoecimento ou em caso de 2) Narrativa do caos – Bastante narrativa de busca. Por conta disso, no
acidentes: frequente, a narrativa do caos geral inicio meu trabalho colhendo as
surge por conta dos silêncios e das narrativas. Elas são fundamentais no
1) Narrativa restaurativa – Aqui conversas não havidas. Nesse percurso de cuidados.
se esperam dias melhores e dias contexto, equipe médica, parentes
piores. A melhora é uma e paciente entregam fragmentos O familiar consciente do peso das
possibilidade, mas não uma de seus pontos de vista gerando narrativas na amenização do
certeza. Essa narrativa permite aos um campo de muito estresse e sofrimento poderá se dar conta desse
envolvidos lidar com oscilações por desentendimentos. Entendem que processo e procurar apoio para a
um bom tempo. No entanto, pode o caos será extinto quando a construção de novas narrativas que
chegar um momento de frustração saúde for restaurada. Na permitam seguir nesse percurso com
quando, diante de um quadro impossibilidade dessa restauração, cada vez mais leveza e aceitação.
irrecuperável, se instalam
04
DIMENSÕES

Espiritualidade
Não apenas a narrativa tem impacto no sofrimento psicossocial e espiritual, mas também o
modelo espiritual do paciente e do familiar cuidador. Quando há a presença de profissionais de
capelania laica, essas conversas têm lugar, quando não, cabe ao próprio cuidador se atentar
para essa perspectiva e seus impactos nos cuidados. Nesse lugar nos tornamos curiosos em
relação ao que é sagrado. Espiritualidade não é sinônimo de religiosidade.

Vejo, nas famílias que apoio, o


peso da espiritualidade em suas
decisões e considero esse um
aspecto relevante, em especial
quando diferentes membros da
família e o paciente discordam
em fundamentos espirituais com
impacto direto nas decisões
médicas. Quando em cuidados
paliativos, essas visões são
consideradas atentamente em
relação ao plano de cuidados.

As categorias a seguir representam os no geral, a doença como o defeito na instituições, eximindo o paciente de
modelos espirituais mais presentes e seus máquina do corpo que precisa ser sua responsabilidade pessoal sobre
respectivos impactos nas decisões de saúde: consertada. Alguns não se sentem sua própria cura.
responsáveis por sua condição de saúde e
4) Modelo Vibracional – Aqui o
1) Modelo Moral – Nesse modelo acredita- deixam aos médicos e equipe a
paciente entende que sua doença
se que a doença traz um ensinamento, responsabilidade de modificar a situação.
surgiu de algum desbalanceamento,
constrói o caráter, purifica o espírito ou Esse modelo separa o cuidado ao corpo do
bloqueio ou enfraquecimento do
simplesmente nos eleva a um nível superior cuidado psicossocial e espiritual. Cuidados
fluxo de energia. Consideram que
de consciência. paliativos são uma exceção nessa área,
somos mais do que o corpo. Esse
Um paciente que segue esse modelo procura enxergando o indivíduo como um todo. O
modelo surge em diferentes crenças
apoio na medicina, mas acredita que no impacto desse modelo na adesão a
e não apenas orientais. Para esses,
limite é a espiritualidade que define ou não tratamentos tem a ver com a postura do
a cura trata-se de um processo de
sua cura. Pode sentir-se envergonhado por paciente, que no geral minimiza a
restauração dos níveis e fluxo de
sua falta de fé, culpado ou até raivoso caso a importância de sua participação em sua
energia, favorecendo a visão
divindade não venha em seu socorro. Em própria cura.
integrada do corpo-mente-espírito.
alguns casos, como nas Testemunhas de
Com esse modelo, o paciente tende
Jeová, podem colidir com o modelo 3) Modelo Social – Esse modelo surge da
a estar mais favorável a mudanças
biomédico e científico colocando sua ideia que é normal ao corpo humano sofrer
de estilo de vida. No entanto,
doutrina ou preceitos espirituais acima das de alguma limitação. Esse movimento
tendem a sentir vergonha se não
recomendações médicas, negando, por começou nos anos 60 para garantir a
alcançam a cura a despeito de sua
exemplo, as transfusões de sangue. Por mobilidade nas cidades, como rampas para
positividade. Alguns, chegam
outro lado, mostram-se mais abertos à busca cadeiras de rodas, e se expandiu para
mesmo a rejeitar tratamentos da
de reparações e reconciliações como seu aqueles que sofrem toda e qualquer
medicina tradicional.
passado através do perdão e do diálogo, limitação ou doença com ameaça da vida.
apresentando uma capacidade ampliada de Surge aí todo um cuidado para não sofrer Há que se abrir diálogos de acolhimento
encontrar conforto espiritual. estigmas e ver, pelo contrário, os quadros neste lugar e novamente entender que é
de adoecimento grave como algo a ser o modelo do paciente, você concorde ou
2) Modelo Biomédico Científico – O cuidado acolhido e amparado pela sociedade e não, que deverá prevalecer. Isso começa
em pequenos gestos. Até na música,
em saúde na atualidade está fortemente comunidade. No entanto, ele não é útil
mantra, canto ou oração que se coloca
baseado em evidências científicas e o quando a partir desse modelo se culpa
para ouvir no quarto.
paciente que se atém a esse modelo entende, outras pessoas, governos e

04
MORTE

Acordos
Quando todos os recursos se São questões dolorosas, mas que, providências. Aqui recomenda-se o
esgotam, as conversas de fim de se conversadas em vida, poupam o registro em cartório, evitando
vida se tornam fundamentais. familiar de uma série de decisões judicialização de algo que não
delicadas e discussões familiares precisa ser judicializado, já que é
Não menos importante, está nosso que se seguem durante e após a garantido pelo Conselho Federal
preparo para a morte do parente morte do parente. No melhor dos de Medicina.
que cuidamos. Aliás, o preparo não mundos, além da conversa, pode-
é apenas do cuidador, mas do se documentar os tratamentos aos Mais do que preencher modelos
paciente também. A morte é um quais está aberto a receber num respaldados em seu país de
tabu e o sistema de saúde atual “testamento vital”. residência, é importante que esses
literalmente a esconde, sendo os documentos reflitam os valores,
protocolos padrões levar o Ainda em tempo, caberá também crenças e prioridades do paciente.
ao paciente apontar e discutir a Para isso, um profissional
paciente a uma UTI onde no geral a
indicação de alguém conhecido preparado saberá encaminhar uma
morte é vivida como um fenômeno
(que não seja da equipe médica entrevista com esse fim – clarear
individual e solitário.
nem tenha interesses materiais as diretivas em função de todas as
conflitantes) para representá-lo possibilidades.
Como doula da morte, acredito na
caso não esteja em condição de se
importância da presença de
comunicar através de um Essa entrevista pode ser
familiares durante os processos de
“mandato duradouro”. Trata-se de encaminhada pelo conselheiro em
morte ativa de seus entes
uma procuração médica cuidados paliativos, por uma doula
queridos. Acredito no poder de
orientando sobre da morte ou mesmo por um
geração de campo favorável ao advogado com formação nesse
responsabilidades e diretivas para
bem morrer nessas condições de segmento. Não havendo um
esse procurador representar o
acolhimento. Idealmente, a profissional com esse perfil,
paciente quando este não tem
escolha, como sempre, deve ser do existem inúmeros modelos a
condições cognitivas ou de
paciente. disposição na Internet. Priorize
expressão de suas vontades. Vale
aqueles com respaldo judicial local.
ressaltar que idealmente deverá
Quando perguntei a meu pai como
ser alguém com equilíbrio e
ele gostaria de ser acompanhado, Importante incluir nas diretivas o
distanciamento emocional, que
ele contou que gostaria de morrer atestado psiquiátrico quando o
aceite tal responsabilidade e tenha
como os cachorros das fazendas paciente está numa condição
disponibilidade para esse apoio.
que se afastam da casa para avançada que seja entendida como
morrer sós sob uma árvore. Não impactante em sua habilidade de
Fragilidade não resulta em
queria a presença de ninguém da definir com lucidez suas diretivas,
família e assim foi. Já minha mãe
ausência de vontade. ou ainda, por alguma condição de
preferiu estar num hospital sob demência. Por conta disso,
amparo de uma equipe médica, “Testamento Vital” e “Mandato recomenda-se realmente cuidar
Duradouro” estão no quadro de dessa documentação com
mesmo optando por não adotar
uma categoria denominada antecedência. A anuência em
nenhuma medida de ressuscitação
“diretivas antecipadas de vontade”, documento desse psiquiatra na
ou invasiva. Lá estive todos os dias
garantida pela resolução 1995 de avaliação positiva da capacidade
até sua passagem.
2012 do Conselho Federal de psíquica é fundamental.
Medicina no Brasil e mundo afora.
Há que se abrir conversas que,
Embora as diretivas antecipadas Vale ressaltar que, mesmo que
embora difíceis, são muito
sejam pouco conhecidas, trata-se documentado, a prioridade está
importantes para honrar a vontade
de documentos fundamentais para em ouvir o paciente quando este
de quem parte. Como gostaria que
fazer valer a vontade de um está em condições de se expressar.
fosse? Em hospital ou em casa?
paciente sobre seu tratamento e Ideias se alteram quando
Sedado ou não? Com ou sem
momentos finais, incluindo confrontadas com a realidade dos
tentativas de ressuscitação?
cuidados com o corpo após sua tratamentos e exames e o que for
Cremado ou enterrado depois?
partida, velório e demais dito no momento presente
sobrepõe qualquer vontade escrita
MORTE

Preparação
Além desses relatos e conversas, de morte quando esses estão abertos em profundo sono. São escolhas
para que esse momento seja vivido a conversar a respeito. Em linhas do paciente.
gerais, vejo que aqueles que se
com mais leveza, é necessário a
tornaram interessados em saber como
meu ver entender ao menos um Mesmo um paciente que não mais
se passa a morte atravessaram esses
pouco sobre o processo de morrer se comunica sinaliza que está com
espaços com mais serenidade.
em si. Ele pode ser assustador não dor. Ele pode apresentar sudorese,
apenas pelo que presenciamos, aumento do batimento cardíaco,
Nos estágios finais, a pessoa que
mas também porque nos coloca tensão no corpo, rigidez nas
está morrendo ficará mais
frente a frente com a nossa articulações, contorções ou
introspectiva. Dê espaço para que
própria finitude. A não ser que espasmos. Enfim, ao assistir
isso ocorra e evite muitas visitas.
vejamos a morte realmente como alguma inquietude dessa ordem,
Suas atividades se reduzirão
um processo natural no ciclo da solicite avaliação médica e
gradualmente e a alimentação não
medicação adequada.
vida, não teremos condições de será demandada por eles. Pode
acompanhar esse precioso haver interrupção parcial ou total
Medicações podem causar uma
momento no qual nossa presença da produção de urina. Não
lentidão na respiração, mas isso
é tudo que aquele de quem sentirão fome, nem sede. Esse é
não causa desconforto ao
cuidamos precisa. O medo da um mecanismo natural do
paciente. Alguns podem
morte tem impacto direto nessa organismo para que a morte seja
apresentar no fim de vida ruídos
decisão do cuidador de estar mais confortável. Há, no geral,
conhecidos como sororoca ou
presente ou não. perda total de apetite e sonolência
ronco da morte. Novamente, como
constante. Apenas sua presença, explicado anteriormente, não há o
Para morrer é preciso um toque suave e o silêncio já que temer e simples
encerrar as questões abertas serão reconfortantes. procedimentos posturais podem
e esse é um lugar de alterar esse quadro.
O medo pode estar presente,
redenção.
nem por isto ele é o A respiração irregular também
O foco deve estar no tempo e o condutor. pode estar presente a depender
que fazemos dele. Sendo em das condições clínicas. Isto
A maior angústia para pacientes e dependerá do nível de fraqueza do
muitos casos escasso, há que se
familiares é que a morte venha paciente, da progressão de sua
olhar para o que faz sentido para
cercada de dor. De fato, dor e doença, infecções, imobilidade e
aquele que acompanhamos e para
ansiedade podem acompanhar os outros inúmeros fatores.
o que pode ser feito mesmo
dentro de circunstâncias últimos momentos, porém há
limitadoras. Sendo a morte inúmeras alternativas para aliviar
anunciada, usufruir a vida e os esse sofrimento.
prazeres até o limite das
possibilidades. Não negue a seu Com o uso de opióides prescritos
bem-amado um gole naquela taça nos mais diversos formatos –
de vinho para matar as saudades injeções, aplicados diretamente na
de uma viagem importante. veia, oralmente, por supositório ou
Pequenas transgressões são adesivos – busca-se tratar esse
permitidas em prol de nosso maior sintoma de imediato. Ainda assim,
bem – a vida! há pacientes que recusam a
sedação e preferem passar por
Converso com os familiares que esse processo com dor. Outros
escolhem a sedação paliativa que,
acompanho para explicar-lhes a
além de reduzir a dor, os colocam
fenomenologia do processo ativo
MORTE

Processo
Acredita-se que a audição é o último sentido a se desligar. Não perca a oportunidade de dizer o
que surge em seu coração. Não tema chorar. Sua voz alcança aquele que está de partida e pode
trazer conforto. Tocar, por sua vez, pode ou não ser reconfortante. Observe a reação de seu
parente ao toque e se julgar pacificador, use o toque para dizer de seu apreço.

Em algum momento, inicia-se o


processo ativo de morte. Quando a
morte se aproxima observamos:

Mudanças na respiração
Longas pausas entre a
entrada e saída de ar
Cor azulada nos lábios,
extremidades e pernas
Resfriamento do corpo
Inquietude, confusão mental
e conversas com pessoas
invisíveis
Espasmos musculares
Perda do controle do
intestino e da bexiga
Baixo pulso, muitas vezes Ao finalizar o processo de morte,
inaudível lhe convido a simplesmente estar
ao lado do corpo. Seu ente A morte é como um
querido está partindo e esse não é
Não necessariamente é uma cena
um processo imediato. Não há
nascimento
pacífica. Por vezes o paciente é
acometido de delírios e pode providência a se tomar que exija
movimentos imediatos, então se Com ou sem a presença de um
apresentar movimentos bruscos
permita estar em “câmera lenta”. profissional da área, o familiar
que representem risco. Nessas
Viva esse momento. Ele pode ser cuidador pode optar por ritualizar a
ocasiões, se internado, poderá ser
fundamental para o preparação do corpo. Utiliza-se
amarrado ao leito e sedado.
estabelecimento de um luto ramos de lavanda, alecrim, sais de
Ocorre que esses delírios podem
reparador depois. banho e cristais em banhos ao corpo
trazer poderosos conteúdos
que podem ser uma oportunidade
emocionais sanadores. De alguma
Sua presença é seu maior importante para o familiar honrar a
forma, o subconsciente necessita
história de seu ente querido. Uma
integrar situações importantes presente
mecha de cabelo pode ser retirada e
nesses momentos de forma que
posteriormente colocada em âmbar.
haja a paz suficiente para a Caso sinta que essa experiência
Todo ritual traz sacralidade a esse
passagem. Minimize as medidas possa ir além de suas
momento. Veja o que ressoa em
intrusivas sempre que possível possibilidades, não se julgue por
você.
nessa hora. isto. Busque ajuda de outros
familiares ou amigos que possam
Durante a pandemia, devido a
Mesmo após a declaração do óbito sustentar esse espaço e,
pessoas que morreram por COVID,
por um médico que esteja eventualmente, busque o apoio de
outras possibilidades de rito se
um profissional preparado para
presente, podem ocorrer abriram. Velórios virtuais e plantio
esse fim como uma doula da
espasmos, ruídos e a liberação de das árvores favoritas foram algumas
morte que cuide, mesmo antes da
fluidos pela boca, nariz e demais das saídas encontradas. O
morte em si, do resgate de
orifícios. São movimentos normais importante é que o rito tenha lugar,
memórias e das conversas com
devido a todo o processo de seja lá qual for seu formato.
familiares e parentes. Elas
relaxamento que se segue.
preparam e conduzem esse
momento tão especial.
04
DICAS

O tripé do cuidado
Com tudo aqui apresentado, resumo nas seguintes “dicas de ouro” o que tenho a dizer aos familiares
passando por essa situação desafiadora do cuidar:

Conhecimento é
componente
fundamental
para ampliar seu
poder de decisão
consciente, com
menos stress e
mais harmonia
entre todos.

1 – AJUDA - Peça ajuda sempre! 2 – RESPEITO - Respeite os desejos 3 – DIÁLOGO - Questione, pergunte,
Sua vulnerabilidade é força pois expressos ou subentendidos busque entender as alternativas e
permite que surjam espaços de daqueles que você cuida mesmo apoie quem você cuida a entender e
reabastecimento de energia vital que esses sejam diferentes dos decidir sempre que possível for.
para seguir em frente. Você é um seus, independente da idade deles, Busque estar com profissionais de
humano cuidando de outro e mesmo que estes sofram de saúde que valorizam o diálogo. Não
humano. Sua rede de apoio pode alguma condição psiquiátrica. Você tema o diálogo, mesmo que
ser encontrada não apenas na pode seguir honrando sua essência conflituoso, com o paciente e outros
família, mas em associações, até o fim. A manutenção da familiares. O silêncio é sempre pior.
comunidade, amigos e junto a dignidade é altamente restauradora Não imponha suas vontades próprias,
profissionais especializados nesse e os interesses do paciente estão negocie. Não postergue as conversas
suporte como medical coachs, em primeiro lugar. Jamais manipule! difíceis sobre tratamentos e morte.
conselheiros e facilitadores de A fragilidade de seu recipiente de Documente o resultado desses
diálogo especializados na área cuidado não justifica invalidar o diálogos sempre que for possível,
médica. Busque apoio a você poder deste de decisão. Minimize os priorizando as diretivas antecipadas
próprio e a seu familiar. Ainda que riscos sempre que possível e, se não de vontade.
pesem questões financeiras, isso encontrar respaldo, procure pessoas
não precisa ser justificativa para com influência ou neutras que Montar sua rede de apoio, manter o
não procurar ajuda. Existem possam colaborar com as conversas respeito ao paciente e diálogo em
muitos projetos sociais de apoio a difíceis. Você não é o salvador de todos os níveis são, a meu ver, o tripé
pacientes e familiares em todo o seu parente, você é o apoiador. de sustentação de uma experiência de
mundo. Inúmeras associações cuidado vencedora. Para tal, estude e
voltadas a problemas de saúde Respeito também consigo mesmo, busque saber mais sobre a condição
específicos oferecem suporte buscando sempre um equilíbrio clínica de seu parente e sobre os
gratuito de ordem emocional, legal entre suas necessidades essenciais e documentos legais que corroboram
e de orientação prática. Se esse for daquele a quem você cuida. para sua tranquilidade na execução
seu caso, pesquise e encontre o Respeito e autocuidado. O oxigênio das vontades dele em vida e após sua
que melhor lhes atender. primeiro em você. morte.

04
Presos em nossos medos e desejos, não POSTURA
enxergamos as possibilidades que
surgem no aqui e agora. Confie, pois, no

Paz e entrega
poder do hoje. Essa simples atitude
interna muda tudo, até que em algum
momento o sofrimento se transforma
em aprendizado, liberdade e propósito.
Acredite, podemos estar no olho do furacão e com o
Olhe para o outro e olhe para si. Hora sentimento de que o mundo está desabando sobre nossas
ele, hora você. É preciso se reabastecer. cabeças, mas, ao estarmos íntegros com nossos valores e
Separar o que é seu do que é do outro. coerentes em nossas ações, os resultados serão sempre
Dance com essa realidade incerta. melhores. Há quem diga que há uma estranha serenidade no
Cuidar de alguém não é sinônimo de olho do furacão, enquanto o mundo rodopia ao redor do
esquecer de si mesmo.
centro. Seja o centro desse furacão e espere a tempestade
passar para saber o que vem depois.
Curta essa valsa do cuidado com
flexibilidade e esteja atento aos convites
e ofertas escondidas sob o manto da
dor. Convites para estabelecer novas
prioridades em sua própria vida, oferta
de muitos aprendizados. Com o tempo,
mesmo com os pés cansados de tantos
rodopios no salão, restam as boas
memórias desse estranho baile. O baile
da vida e seus ciclos sem fim.
Para mim, não haverá humanização deixando ao outro a responsabilidade
CUIDAR É UM ESPAÇO DE CURA em saúde enquanto não olharmos a de cuidar de sua participação nessa
PARA TODOS! humanização da saúde englobando os dinâmica. Soltamos e seguimos em
sistemas familiares nos quais o frente.
É chegado o momento de migrar de um paciente está inserido. A boa notícia é
modelo onde o cuidador é um que, embora incipiente, esse é um Meu maior aprendizado nessa longa
“tarefeiro” para um modelo onde o movimento já em andamento ao redor jornada foi de me esvaziar. Não
cuidador é um “apoiador ativo” de um do mundo. macular com meus julgamentos
paciente digno, pleno de recursos e aqueles que cuido ou que acompanho
íntegro. Que você seja simplesmente o Dos percursos que acompanhei e de em seus percursos de cuidado. E de
cuidador que lhe é possível ser! minha própria experiência pessoal, estar aberta a me surpreender mesmo
guardo uma lição aprendida. Da diante dos piores quadros de dor
compaixão nasce o amor, o perdão e total.
A empatia é uma capacidade
as reparações possíveis. Nesse lugar,
inerente ao ser humano. No limite, como cuidadores,
assisto emocionada a curas sistêmicas
Compaixão é simplesmente que contribuem diretamente para o precisamos apenas estar presentes na
empatia em ação. Não é algo que bem-estar do paciente e de todos os situação. Essa presença inteira,
você conquista, é algo que você envolvidos. curiosa e receptiva abre margem para
o inesperado. Neste lugar, pode surgir
simplesmente permite acontecer
Por outro lado, não há cura das o bom humor inusitado, a positividade
a partir de seus recursos internos
relações com o perdão que coloca a antes impossível e as ideias
e de suas possibilidades. extraordinárias. Afinal, enquanto há
vítima grande e o detrator pequeno.
vida, podemos manter nosso olhar
Ao invés de “eu te perdoo”, troque por
sobre a vida possível, mesmo diante
Assistir um pôr do “eu sinto muito”. Ao perdoar, somos
grandes perdoando o pequeno. Ao
de limitações. Ao olharmos apenas a

sol ao lado do sentirmos muito, apenas lamentamos


doença e a morte, as possibilidades se
reduzem.
o que ocorreu. Somos iguais
parente que você independente do que ocorreu.
Basta ao familiar que cuida confiar na
cuida pode ser seu Nesse lugar, assumimos nossa
vida e seus ciclos e fluir com o rio até
o mar.
maior presente. responsabilidade em lidar com aquilo
que nos pertence e nos atinge,
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Luciane Schütte

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