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A DOAÇÃO DE SI

Ao longo destas formaçõ es que estamos recebendo sobre maturidade humana


temos visto que o homem maduro é aquele que chegou à medida da estatura da
plenitude de Cristo, ou seja, que chegou a amar, pensar, agir como Jesus. Em outras
palavras, o homem maduro é o homem santo, é aquele que correspondeu à graça de
Deus de tal forma que se assemelhou em tudo muito mais a Jesus Cristo do que a Adã o e
Eva. Isso nã o significa que é um ser impecá vel e isento de contrariedades e sofrimentos,
mas o seu diferencial está em como é capaz de lidar com as situaçõ es, inclusive com as
suas quedas.
Vimos algumas características da personalidade madura. Vamos nos recordar
delas:
1. É pessoa capaz de construir relacionamentos sadios, sem
dependências, vivendo o saudá vel processo de transiçã o da situaçã o de ser “filho”
para ser “pai”, “mã e”, tomando suas pró prias decisõ es e lidando com as
consequências destas;
2. Vive de convicçõ es firmes e duradouras, e nã o pelo ritmo das
emoçõ es e das flutuaçõ es de humor;
3. Assimila suas experiências passadas, refletindo sobre elas e
tornando-as uma memó ria viva, uma histó ria saudá vel da qual aprende liçõ es
valiosas que lhe possibilitam nã o reproduzir comportamentos que foram
equivocados;
4. Possui autodomínio, tomando suas decisõ es a partir da vontade, e
nã o da imaginaçã o desordenada, de condicionamentos do seu passado ou da
espontaneidade de seu temperamento.
Hoje veremos uma quinta característica: o desejo de FAZER DA VIDA UMA
DOAÇÃO PARA OS OUTROS, vencendo a autorreferencialidade e o narcisismo.

Todos podemos perceber a diferença que existe entre um jovem inexperiente e


um adulto já provado pela vida: preso a si mesmo, naquilo que realiza o jovem está em
busca do modo como brilhar, como garantir a si mesmo aplausos e atençã o das pessoas
que estã o ao seu redor, mesmo que seja através do serviço que lhes oferece. É um
inseguro, que busca afirmaçã o na opiniã o dos demais, e que vê o mundo ao seu redor
através das lentes defeituosas do “para mim”: “O que representa isto para mim?”, “Que
valor tem esta pessoa, este acontecimento para mim?”, “Este emprego, esta relaçã o de
amizade, pode ser ú til para mim?” Atitude de criança (ou do adulto ameninado).
Já o adulto (o verdadeiramente adulto, nã o apenas aquele que tem idade para ser
chamado assim), desprendido das opiniõ es alheias, procura principalmente o bem dos
outros. Nã o é pró prio das pessoas adultas quererem ser amadas e cuidadas como as
crianças precisam ser por seus pais. O adulto deve e precisa cuidar dos outros. E fazer
isto sem reclamar, com alegria, pois é aqui que está a sua salvaçã o. Na fase adulta é
onde podemos viver o processo de autodoaçã o de forma mais genuína, onde mais
podemos nos entregar ao Outro e aos outros.
O imaturo, talvez sem se perceber, serve-se e explora os outros: eles têm a
obrigaçã o de lhe ceder o primeiro lugar e o melhor; eles devem lhe prestar serviços;
eles têm que respeitar os seus direitos. Tudo o que fazem pelos outros lhes parece
muito, mas tudo o que lhe fazem sempre parece muito pouco. Tem uma balança
corrompida, com duas medidas destoantes: uma grande para receber e uma pequena
para dar.

As plantas e as frutas que nã o estã o maduras mantem certa rigidez, dureza. Um


girassol, por exemplo, quando está verde, viçoso, apresenta-se ereto, bonito, “altivo”;
mas, à medida que amadurece, inclina-se sempre mais, e isto porque suas sementes
estã o cheias de ó leo – que é o que realmente tem valor neles – e pesam. Pois bem, a
maturidade é o que dá peso, dá valor a uma personalidade. E esse peso, essa plenitude,
mede-se em grande parte pela capacidade de dar-se aos outros. As pessoas mais felizes
sã o as mais generosas, e isto porque descobriram que a felicidade nã o é um fim em si
mesmo, mas o efeito colateral de uma vida que busca um sentido fora de si mesma. O
centro de seus interesses passou do “eu” para os “outros”.
Santa Teresa de Calcutá é conhecida em todo o mundo por suas virtudes
heroicas. Conta-se que certa vez cuidava gentilmente das feridas de um leproso, sendo
observada por um turista americano. Este fez entã o um comentá rio: “eu não faria isso
ainda que me pagassem um milhão de dólares”. Santa Teresa ouviu esse comentá rio e
respondeu: “O senhor não daria banho num leproso nem por um milhão de dólares? Eu
também não. Só por amor se pode dar banho num leproso”. Eis a diferença da vida de
quem vive com generosidade, para cumprir uma missã o, e quem vive voltado para si
mesmo. Nã o fazia porque o outro lhe podia pagar, ou mesmo com o desejo de receber
uma recompensa da parte de Deus, mas fazia por amor, sem perguntar o que lhe
podiam oferecer em troca.
A pessoa imatura pergunta-se sempre: “O que os outros podem me dar para me
fazer feliz?” O homem maduro (e aquele que quer atingir a maturidade), por sua vez,
pergunta: “O que tenho que fazer para que o outro seja feliz? Que resposta a minha vida
pode ser para os apelos, para as necessidades da vida do outro?”
O homem maduro não vive a interrogar a vida, ele se deixa interrogar por
ela. A família lhe chama, e ele responde. As exigências da boa convivência na sociedade
lhe chamam, e ele responde. Deus o chama, e ele responde. É isso que significa ser
responsá vel, ter capacidade de responder aos apelos de Deus e dos outros. Ter a
capacidade de ocupar o seu lugar na Criaçã o e responder ao que a vida lhe chama. O
homem imaturo é um parasita, mas a pessoa madura sente os apelos da
responsabilidade.

Quando desejamos medir o grau de maturidade de alguém podemos usar um


critério muito certeiro: se ela sabe ou nã o assumir os próprios erros. “As pessoas
responsáveis assumem as consequências das suas decisões livres e dos seus erros. Este é o
significado básico do responder pelo que se faz. Essas pessoas não mentem a si mesmas,
não transferem as eventuais culpas para os outros e não se consideram vítimas.
Compreendem a relação que há entre a negligência e os prejuízos que dela resultam: um
cirurgião desleixado pode deixar o paciente paralítico, um motorista descuidado pode
matar os seus passageiros, um pai negligente pode destruir moralmente os seus filhos”
(James Stentson).
O imaturo, por sua vez, dissimula, finge, tenta enganar os outros quando, na
verdade, está enganando a si mesmo. Nã o admite a possibilidade de estar equivocado.
Nã o busca desculpar-se, mas justificar-se, e isto lhe impede de crescer. É muita
ingenuidade acreditar que as pró prias açõ es – só por serem suas açõ es – estã o sempre
corretas.

Outro critério da maturidade é o sentido de compromisso. Nã o se pode viver de


sensaçõ es e sentimentos passageiros. Imagine uma mã e que se recusa a levantar de
madrugada para alimentar o seu bebê porque “não sente vontade”. Nã o é esta uma
atitude de um adulto responsá vel e compromissado com o bem, inclusive o bem
custoso, mas necessá rio.
É necessá rio que nos comprometamos com os outros. Nenhuma vida cresce e
amadurece se inclinada sobre si mesma, como se a pessoa pudesse se resolver só
consigo mesma. “Os jovens pensam que permanecerão livres se não assumirem nenhum
compromisso, mas na verdade apenas conseguem negar assim a sua liberdade. Pois é
apenas quando assumimos um compromisso que descobrimos que somos livres e pomos
em ação a liberdade” (Tony Anatrella).
Precisamos assumir o compromisso com a verdade objetiva, que deve ser buscada
e vivida acima de tudo, sem nos refugiarmos nesta “tolerâ ncia” desonerada de que
todas as religiõ es, crenças e opiniõ es sã o vá lidas, mesmo quando sabem que nã o
correspondem a verdade. Assumir o compromisso com o bem objetivo, de fazer oque a
nossa consciência, a nossa razã o, nos indicam como o bom, extirpando da vida o que é
mau, mesmo que a sociedade, embriagada pelo erro, diga que tal e tal açã o nã o é mais
pecado.
É inadmissível que descumpramos as nossas obrigaçõ es para com as nossas
famílias, os nossos trabalhos, a nossa Comunidade, para com Deus, porque nã o
sentimos vontade, ou porque nos sacrifica, porque é exigente. Se queremos amadurecer,
precisamos cumprir o dever de cada momento, ainda que custe, ainda que seja
desagradá vel. Mas, nó s realmente sabemos onde devemos estar em cada momento?
Nossa vida é rota ordenada, de quem sabe onde quer chegar, ou é uma série de
improvisos que revelam descompromisso e irresponsabilidade e conduzem ao erro
(que poderia ser evitado com um pouco mais de empenho e atençã o).

Quanto mais a personalidade do homem se desenvolve, mas ele é alguém que


reconhece o seu lugar no mundo e na sociedade. Reconhece que o bem comum nã o é
construído por uma outra personalidade pú blica em particular, mas por cada pessoa
que faz parte da comunidade humana. Que cada parte é responsá vel pelo todo. E o que
lhe interessa é colaborar em benefício de todos, sem se importa de esta colaboraçã o
parece grande ou pequena. A isso chama-se solidariedade, esta capacidade do homem
maduro de saber colocar o bem comum acima de seu bem particular.
Sã o Josemaria Escrivá , santo dos nossos tempos, homem que atingiu a plenitude
da maturidade de Cristo, dizia sempre: “Somo elos da mesma corrente”. Imagem muito
interessante. Nó s pensamos desta forma? Que se o nosso “elo” partir, quebrar, a
corrente inteira partirá , sofrerá ? Tomamos esta atitude responsá vel, compromissada
com relaçã o ao todo?
Santa Teresa de Calcutá dizia: “não podemos fazer grandes coisas, só podemos
fazer pequenas coisas com grande amor”. Isto é bem verdade. Nã o poderemos com as
nossas boas intençõ es resolver os problemas do mundo inteiro. Mas podemos, na
doaçã o e até mesmo no sacrifício das nossas vidas, solucionar as necessidades de
pessoas concretas: nã o podemos exterminar a fome do mundo, mas certamente
podemos diminuir a daquele que bate na nossa porta pedindo ajuda, oferecendo, além
do alimento, um pouco da nossa atençã o.
“O sacrifício pelos outros é uma clara manifestação de solidariedade, e os
momentos sacrificados da nossa vida – as situações difíceis – são como um teste para a
nossa maturidade. A maturidade prova-se nas tribulações, que nos servem sem dúvida,
para amadurecer, mas também para revelar a maturidade. A dor, as carências e as
dificuldades são grandes catalisadores: a maturidade dilata-se na carência como as
pupilas se dilatam na noite.
O mais alto nível de maturidade humana encontra o seu ápice naquele momento
supremo da Cruz em que Cristo tornou realidade essas suas palavras: Ninguém tem amor
maior do que aquele que dá a vida por seus amigos (Jo 15,13)” (Rafael Llano Cifuentes).
“Quem quiser salvar a vida perdê-la-á, mas quem perder a vida por amor de mim,
salvá-la-á” (Mc 8,35). A procura de si mesmo tem como fim encontrar a solidã o e a
tristeza, enquanto a perda de si pró prio, a doaçã o da vida aos outros, conduz à
realizaçã o pessoal.

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