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Maria Tereza de Lima

FELICIDADE, PROPÓSITO E PERDÃO... UM


ENCONTRO PROFUNDO CONSIGO MESMO

Vol. 2 da trilogia: Autoconhecimento

CASA DO NOVO AUTOR


EDITORA
MARIA TEREZA DE LIMA

FELICIDADE, PROPÓSITO E PERDÃO... UM


ENCONTRO PROFUNDO CONSIGO MESMO

Vol. 2 da trilogia: Autoconhecimento

CASA DO NOVO AUTOR


EDITORA

2
Contracapa

Ficha Catalográfica

Lima, Maria Tereza de.

Felicidade, propósito e perdão... um encontro


profundo consigo mesmo
São Paulo: Editora Casa do Novo Autor, 2024.

1. Autoconhecimento 2. Autoestima 3.
Autoconfiança 4. Comportamento
5.Desenvolvimento pessoal

Autoria: Maria Tereza de Lima

Título Original: Felicidade, propósito e perdão...


um encontro profundo consigo mesmo

Reservam-se os direitos desta edição à: Maria


Tereza de Lima

São Paulo, 2024.

Participaram desta publicação:

3
Capa: Rodrigo Sytos

Revisão: Maria Tereza de Lima

Diagramação: Art Line.

Produção: Maria Tereza de Lima

1. Ed. – São Paulo: Casa do Novo Autor, Editora


2024.
São Paulo – SP – República Federativa do Brasil

Impresso no Brasil

4
Dedicatória

Dedico este livro a você, leitor, e todos que estão


buscando se conhecer e se aproximar da sua
essência, viver o que são, interagir de maneira mais
autêntica e solidária, se tornar melhor, não que as
outras pessoas, mas melhor que ontem e a cada dia.
Oferecer mais de suas capacidades ao mundo;
aprender e compreender melhor a respeito de si e,
consequentemente, do outro; conquistar uma vida
mais saudável, harmoniosa e feliz. Todos que estão
dispostos a participar desde extraordinário processo
que os leva a grandes e surpreendentes descobertas
de quem somos, o qual, tem um início sem fim, é
contínuo e faz parte da nossa jornada, da existência
humana. Conhecer-se é o maior investimento que
podemos fazer na vida. É para mim e para você,
posso assegurar que está ao alcance de todos. Um
investimento que oferece uma única garantia: a de
não retrocedermos ao que éramos anteriormente.

5
Agradecimento

Agradeço, em primeiro lugar, ao nosso


Criador, por continuar firme em meu propósito, pois,
sem Ele, nada disso seria possível. Ao fortalecimento
da minha saúde, fé, determinação e
comprometimento para lidar e superar os desafios da
jornada. As lições para o meu aprendizado e
crescimento. Sua infinita bondade, misericórdia e
amor; todas as pessoas que me influenciam positiva
ou negativamente, todas as experiências positivas e
ruins, tudo isso contribui para o meu crescimento.
Para prosseguir com o meu propósito, na
concretização das minhas metas e sonhos.

Aos meus pais, Francisco de Lima e Alzira


Pinto, e toda a minha Ancestralidade pelo amor e
respeito que me proporcionaram a vida; carregar a
força deles que me sustenta; terem me amado e feito
o melhor por mim, para me tornar quem sou hoje.
Muito obrigada por tudo ter sido como foi.

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Prefácio
(Aguardando)

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Sumário
Dedicatória
O Ego e sua importância.......................................................07
Intuição, Razão e Educação..................................................27

Egocentrismo e Autoconhecimento....................................57

Narcisismo..............................................................................79

Processo de Individuação e Autoconhecimento..............100


Como se conectar ao seu propósito de vida.....................120
Breve relato de acolhimento de dor e conexão com o propósito
de vida....................................................................................147

Gratidão, como desenvolver?................................................192

Vitimismo, como sair dessa posição.................................211


Perdão, por onde começar?..................................................231

Uma breve história de perdão..............................................257

Ansiedade e Autoconhecimento...........................................259

Referências Bibliográficas..................................................285

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O Ego e sua importância

“Corta e arruma seu cabelo, mas quase sempre se


esquece de cortar e arrumar o ego.”
— Albert Einstein

Segundo a teoria psicanalítica criada por


Freud, a estrutura psíquica é formada por três
elementos: Id, Ego e Superego. Esses elementos
operam em conjunto e nos auxiliam a compreender o
funcionamento da mente, bem como a moldar a
nossa identidade e comportamento. São eles quem
coordena e determina o comportamento humano,
levando em conta os aspectos processados nas
mentes consciente e inconsciente.
O Ego é o centro da consciência inferior, a
parte que representa tudo o que acontece e se
desenvolve em nossa mente. Ele nos permite acessar
os nossos pensamentos, sentimentos, ideias,
percepções sensoriais e lembranças. Essas funções
estimulam as nossas atividades diárias e nos
permitem interagir com as pessoas e o ambiente em

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que estamos inseridos. Concedendo-nos a
capacidade de compreender e analisar o que é certo e
errado em relação às nossas escolhas e vontades, por
meio da expressão do livre-arbítrio.
O Id é a parte mais primitiva e instintiva do
ser humano, formada por pulsões e desejos que nos
levam a agir de forma impulsiva, sem pensar ou
planejar, guiados pelo princípio do prazer. Em
outras palavras, buscamos por respostas e satisfações
imediatas, a todo custo, e descartamos tudo o que
não nos traga satisfação. Ele não suporta ser
decepcionado, nem mesmo compreende o que
significa vergonha ou inibição. O Ide contém os
desejos inconscientes, eventos do passado que, de
alguma forma, influenciam as nossas ações, mas não
temos uma compreensão clara do que isso significa.
O Super-Ego, também conhecido como Super-
Eu, é uma representação da autoridade externa e das
normas sociais que nos impõem a civilização e a
ética; tem influência na imagem que criamos de nós
mesmos, bem como nos nossos desejos e vontades.
Apesar de ser a parte mais superficial da
mente, o ego é o responsável pela verificação e
aceitação da realidade. O que nos torna capazes de

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ter uma maior percepção e compreensão da vida,
refletir a respeito da realidade que nos cerca, como
também interferir nela. O Ego equilibra os desejos do
Id - o nosso lado instintivo e inconsciente, que
compreende as nossas memórias, percepções,
pensamentos e tudo o que esteja em desacordo, e do
Superego - a nossa realidade e consciência ética.
Guiado pelo princípio da realidade, o ego visa evitar
o perigo, trazendo o indivíduo para o aqui e o agora,
e para o comportamento civilizado. É considerado
um regulador, uma vez que atende às necessidades
do id, sem violar as exigências do Superego, ou seja,
as condições objetivas da realidade.
Dessa forma, compreendemos que o Ego é
responsável pelo controle e satisfação dos desejos do
Id e do Superego. Ao compreendermos o
funcionamento desses três elementos da mente,
podemos controlar a direção do Ego, ou seja, a
maneira como respondemos, agimos ou reagimos
aos eventos que afetam a nossa vida e como isso se
manifesta na nossa mente. A busca pelo equilíbrio
entre esses três elementos, Id, Ego e Superego, nos
ajuda a ter uma existência mais harmoniosa e feliz,
bem como a crescermos.

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Quando não controlamos o Ego, ele procura
satisfazer as suas paixões criadas pelo Id -
inconsciente, que não tem nenhuma ligação com o
Superego, ou seja, com os princípios éticos, morais e
sociais. Um exemplo disso é o mandamento moral,
considerado um dos pecados capitais, que diz: "Não
cobiçar as coisas alheias", isso não o preocupa, mas
ele demonstra o desejo porque teme ser punido e
deseja ser amado. O desejo de punição e a
gratificação fazem com que o Ego se submeta a fazer
coisas que não são conhecidas. Se permitirmos, ele
correrá atrás das paixões, dos desejos e de tudo o que
lhe traga prazer.
Há uma ressalva em relação ao modo de
"controlar" o Ego e ter uma melhor compreensão do
conceito: o Ego é ardiloso e apresenta diversas
armadilhas que não percebemos. Ele nos impõe
peças, especialmente, quando pensamos que o
controlamos. Em Mateus, capítulo 3-5, ele nos
alerta: ‚Por que vedes um argueiro no olho do vosso
irmão, vós que não vedes uma trave no vosso olho?‛
É essencial que façamos uma reflexão aprofundada,
pois muitas vezes, julgamos sem piedade,
apontamos os defeitos dos outros e ignoramos os

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nossos. O apóstolo não apenas nos adverte, mas
também nos ensina técnicas simples e eficazes que
favorecem o nosso crescimento pessoal e espiritual,
nos capítulos 26-41: ‚Vigiai e orai, para que não
entreis em tentação; o espírito, na verdade, está
pronto, mas a carne é fraca.‛ Dessa forma, devemos
manter uma vigilância constante dos nossos
pensamentos, especialmente aqueles recorrentes.
Podemos nos tornar o agente 007, o nosso próprio
detetive. Às vezes, pensamos ter total controle do
nosso Ego (a mente), mas na verdade, nos
deparamos com armadilhas ardilosas. Albert
Einstein nos alerta com a seguinte reflexão: "Corta e
arruma o cabelo, mas, quase sempre, se esquece de
cortar e arrumar o ego." É importante estarmos
atentos para que Ego não nos cegue. Ao atingirmos
determinados níveis na jornada do
autoconhecimento, não devemos nos acomodar nem
nos considerarmos superiores aos outros, uma vez
que o processo não tem fim e é inesgotável. É
imprescindível romper com as crenças
autossabotadoras e revisá-las com frequência, a fim
de evitar a estagnação e/ou a sensação de
superioridade em relação às outras pessoas.

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Assim, o Ego é a mente consciente que nos
permite articular e expressar nossas ideias. É possível
adquirir uma compreensão mais aprofundada do
funcionamento mental, refletir sobre nossas ações,
intervir e transformá-las, compreender o mundo em
que vivemos e expandir nossa percepção em relação
a eventos e quem verdadeiramente somos. A mente
consciente nos auxilia não somente a lidar com os
desafios, realizar cálculos matemáticos e lógicos,
negociar ou vender algo, mas acima de tudo, nos
ajuda a ter uma vida mais harmoniosa e feliz.
Aprendemos a ser e a nos aceitarmos como somos,
mantendo a conexão e a interação com o mundo.
Sem o ego, não teríamos a capacidade de pensar,
refletir a respeito de fatos e coisas e viver de maneira
harmônica e integrada, tanto psicológica, quanto
física e espiritualmente.
Numa perspectiva filosófica, o Ego é tão
importante quanto o espírito, uma vez que nos
aproximamos da essência humana, a nossa
identidade mais profunda. Para a maioria de nós
permanece inconsciente, uma vez que faz parte do
nosso Id. Embora inconsciente, a essência humana
interfere nas nossas ações e interações, se esforçando

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para conquistar o nosso lugar no mundo e
demonstrar o nosso melhor. No entanto, muitas
vezes, vivemos em um ritmo acelerado, no "piloto
automático", e não percebemos isso e nos afastamos
dela cada vez mais. Não a percebemos, não ouvimos,
nem temos a consciência de que essa voz é parte do
nosso ser. Desse modo, o Ego é crucial para o
equilíbrio psicológico e espiritual, sustentado por
uma autoestima positiva, que nos impulsiona e
estimula ao crescimento pessoal e à expansão da
consciência. Quando um Ego é estruturado e
fortalecido pela internalização de princípios éticos e
morais (Superego), a existência se torna menos
conflituosa. É possível viver de maneira mais leve,
de maneira mais simples e sem complexidades.
Sempre que o Ego sofre um trauma
psicológico, como uma experiência dolorosa ou de
sofrimento emocional, surge o desequilíbrio
psicológico. Ele assume a responsabilidade pela
situação, o que, inconscientemente, dificulta o nosso
crescimento. Quando o Ego está fora do controle, é
difícil distinguir o desejo da realidade, ou seja,
diferenciar o que desejamos do que pode ser
realizado. Como consequência desse desequilíbrio,

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desenvolvemos ou exibimos de maneira excessiva
comportamentos egocêntricos, como prepotência,
orgulho e egoísmo. Nós nos consideramos perfeitos e
superiores a todos os outros, o que nos leva a ter
uma visão equivocada e negativa da realidade e das
pessoas. Com o Ego à frente, precisamos apresentar
às pessoas uma imagem agradável e ilusória de como
gostaríamos de ser, e não como verdadeiramente
somos. Usamos máscaras para nos comunicar com as
pessoas, o que nos afasta ainda mais da essência
humana. Apesar de estarmos protegidos por uma
máscara, necessitamos do apoio, aprovação e
reconhecimento das pessoas, pois queremos ter
controle a respeito das circunstâncias e das pessoas, a
fim de demonstrarmos nossa falsa superioridade e
autoconfiança. Assim, escondemos os sentimentos de
insegurança, inferioridade, falta de autoestima e
confiança, que permanecem ocultos em nosso ser. A
falta de humildade torna a compreensão a respeito
de nós mesmos ainda mais desafiadora. Como
podemos nos conhecer sem ter humildade e escutar a
opinião dos outros em relação a algo que não
conhecemos? Sócrates foi um exemplo notável de
humildade ao afirmar que, "só sei que nada sei".

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Devemos nos posicionar como aprendizes diante das
pessoas, tendo em vista a complexidade da mente e
da existência. Não temos o conhecimento completo
de algo ou de alguém, mas apenas uma parte dele. A
abertura e a humildade em relação ao conhecimento
proporcionam uma grande variedade de
oportunidades e possibilidades de aprendizado,
porém, se formos arrogantes, não alcançaremos o
conhecimento necessário. Levando em conta que o
conhecimento apresentado com arrogância não tem
aplicação prática. A humildade é uma virtude
essencial para o autoconhecimento.
Em situações em que o Ego não é amaciado,
elogiado ou validado pelo outro, muitas pessoas se
sentem frustradas e têm que lidar com emoções
fortes, como a raiva, o medo e a timidez, o que
resulta em grande sofrimento. É o momento em que
a máscara cai, revelando a ilusão de autoconfiança e
segurança forjada. Dessa maneira, percebemos que
não somos o que imaginamos ser. Assim, para
manter o controle da situação, o Ego necessita da
aprovação das pessoas para reforçar a imagem
equivocada de si mesmo.

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Em outras palavras, o Eu é a imagem
distorcida que criamos de nós mesmos. Apesar de
não ser verdadeira, sua influência é relevante para a
existência, pois é no Ego que se formam as falsas
crenças a respeito de nós mesmos, as habilidades e as
competências. A identificação do Ego é possível por
meio das crenças equivocadas que criamos em
relação a nós mesmos. Os sentimentos estão ligados
ao Ego, como a raiva por alguém querido, o ciúme, a
necessidade de reconhecimento, entre outras reações.
Em geral, esses sentimentos são percebidos de
maneira superficial. Não temos uma compreensão
mais aprofundada da razão que nos leva a reagir de
uma maneira ou de outra, da mensagem que nos é
transmitida pelas emoções e sentimentos que nos
movem; não compreendemos a origem do impulso
que nos conduz à culpa. Dessa forma, sofremos as
consequências do Ego, que usa a estratégia de
representar, mascarar a realidade e manter o
controle.
As crenças que aprendemos e construímos
desde a infância, e fortalecemos ao longo da vida,
demonstram o grau de estima que temos por nós
mesmos, seja ela elevada ou baixa. Quando temos

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dúvidas a respeito da nossa capacidade para
executar uma tarefa ou acreditamos que somos a
pessoa mais capacitada para isso, o Ego se encarrega
de conduzir as duas situações, além de ser
influenciado e prejudicado por elas. É indispensável
ter uma compreensão mais aprofundada do
funcionamento do pensamento e das emoções para
evitar que o Ego assuma o controle das situações. É
crucial analisarmos o que está por trás das emoções e
identificarmos as informações benéficas que elas têm
a nos comunicar; desconstruirmos as equivocadas
crenças que criamos em relação a nós mesmos.
Procurarmos desenvolver e/ou fortalecer o amor, o
autocuidado, a autoestima, a autoconfiança, o
autoconhecimento e a aceitação verdadeira de quem
somos. Dessa forma, não somente impediremos que
ele determine e assuma o controle das nossas ações,
interações e relações, como também dificulte o nosso
crescimento.
A conexão com o propósito de vida é uma
maneira de não nos deixarmos levar pelo Ego. A
existência com um propósito é como ter um guia que
nos orienta a não nos perder em eventos que nos
afastam do caminho mais acertado e nos auxilia a

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fazer escolhas que nos levem ao objetivo almejado.
Podemos realizar tarefas que nos atraem e que
requerem esforço, dedicação, comprometimento e
criação de uma nova rotina. Ao mantermos o foco no
propósito e evitarmos as críticas externas, é possível
controlarmos os impulsos do Ego de revidar
qualquer tipo de crítica, uma vez que, o que o outro
pensa a respeito de nós é um problema dele, que tem
o direito de expressar o que deseja, e temos a opção
de não nos envolvermos e permanecermos
concentrados no nosso objetivo. A arrogância e a
vaidade são alguns dos traços mais prejudiciais à
saúde mental, que não nos levam a lugar
nenhum. Permitir que elas assumam o controle da
nossa vida nos deixa paralisados, cegos e incapazes
de refletir a respeito das nossas ações. Limitamos a
nossa capacidade de crescimento e evolução. Ao
percebermos que estamos agindo com orgulho, é
importante analisar o que está por trás desse
sentimento, olhar sem medo, acolher e aceitar num
primeiro momento, para não nos submetermos às
imperfeições do nosso Ego.
A atuação do Ego, na maioria das vezes, torna
as falas de muitas pessoas distorcidas e fantasiosas.

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A comunicação revela mais a respeito de si mesmas
do que a respeito do tema em questão, como é
perceptível em diversas plataformas de ensino online
e nas redes sociais, atualmente. É um movimento
semelhante ao dos veículos de comunicação de
massa, que, procuram abordar temas que, a maioria
dos telespectadores, se identifica, mas não o que
verdadeiramente importa para uma vida mais
harmônica em sociedade. Isso leva as pessoas a se
distraírem e se alienarem de si mesmas, entre outras
consequências. É gratificante compartilharmos
experiências e histórias, tanto para aqueles que as
contam quanto para aqueles que as ouvem, desde
que não estejam relacionadas às nossas posses,
desejos pessoais ou à ostentação de traços de
personalidade. A atuação do Ego, na maioria das
vezes, transmite mais fantasias e devaneios do que a
realidade, com o objetivo principal de aparecer,
formar seguidores e se fazer presente a qualquer
custo. Ao nos conhecermos melhor, voltamos para
nós mesmos, desenvolvemos vida interna. Sendo
assim, quando nos aproximamos do outro, temos
muito a compartilhar e acrescentar. É possível nos
dedicarmos à troca de experiências enriquecedoras

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com o grupo, caso contrário, desperdiçaremos tempo
discutindo personalidades, posses e
superficialidades. Discutirmos a respeito da nossa
personalidade é relevante, uma vez que não
precisamos provar nada a ninguém em relação a nós
mesmos. Devemos compartilhar os nossos feitos,
especialmente aqueles que podem ser úteis para o
crescimento das pessoas, caso contrário, permanecer
em silêncio é o melhor que podemos fazer.
Compartilhar o conhecimento de maneira que
possa contribuir para o bem-estar de outras pessoas é
uma atitude que nos liberta do egoísmo do Ego e
impede que ele permaneça no controle. A maneira
como pensamos, dual e racional, disto ou aquilo,
ignorando a diversidade que existe em nós e em
todas as coisas, nos afasta da nossa verdadeira
essência. Isso nos impede de captar a intuição, a voz
do coração, que nos revela os nossos sentimentos
mais profundos e verdadeiros.
É importante ter em mente que, muitas vezes,
as solicitações de aceitação, sejam em um grupo ou
em outros ambientes, são motivadas pelo nosso ego.
A necessidade de pertencer é uma característica
inerente à natureza humana, uma vez que somos

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seres sociais. Todos nós desejamos nos sentir parte
de algo, desde que não precisemos esconder a nossa
verdadeira identidade, querer ser melhores que os
outros ou achar que somos inferiores para sermos
felizes. É necessário nos aproximarmos da nossa
essência e expressarmos o que somos. Essa é uma
característica inerente a todos os seres humanos. Não
podemos permitir que o perfeccionismo, a culpa e o
desejo de estarmos sempre certos façam parte do
nosso ser. Ao longo da existência, podemos
desfrutar das coisas mais simples, admirar a beleza e
harmonia da Natureza, nos dedicarmos à arte, às
atividades que despertam o nosso interesse, aos
cuidados pessoais, ao autorrespeito e ao autoamor.
Expandir a consciência a respeito de nós mesmos,
nos conectarmos com a nossa essência e ouvir a voz
do coração. Não podemos permitir que o Ego nos
iluda, seja perverso e nos apresente a nossa pior face.
A natureza humana é boa, portanto, devemos nos
manter próximos dela.
O Ego pode ser comparado a uma criança
mimada e birrenta, tendo seus desejos atendidos com
frequência. Apesar de sermos adultos, não
abandonamos o padrão de comportamento que

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adquirimos na infância. Ao nos submetermos a ele,
nos tornamos seus escravos. Ele é o responsável por
justificar nossos sofrimentos, nos deixar
desorientados, vulneráveis, perder o foco e a direção
dos objetivos, das relações interpessoais e da vida na
totalidade. Ficamos em estado de inércia, não
crescemos e não realizamos as mudanças necessárias.
Muitas vezes, enfrentamos dificuldades por qualquer
motivo, não aceitamos a realidade como ela é, mas
sim da maneira que nos convém. Gostaríamos que
alguém resolvesse os nossos problemas. Passamos
um tempo considerável pensando e realizando ações
que demonstram nossa frustração e insatisfação com
eventos que não atendem às nossas expectativas. Isso
se deve, na maioria das vezes, não termos
conhecimento do nosso funcionamento e/ou não nos
comprometermos a modificar o que nos desagrada.
No entanto, levamos um período significativo para
tentar modificar as outras pessoas, lamentando e
chorando pelos eventos anteriores. Sendo assim,
perdemos a motivação e a vontade de viver, o que
resulta em um desequilíbrio nos nossos
pensamentos, desejos, sentimentos, percepção, ação e
compreensão dos acontecimentos. Quando estamos

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em estado de desequilíbrio emocional, perdemos a
referência ao nosso verdadeiro eu. Não é possível
permanecermos no aqui e no agora, nos projetamos
para o futuro ou para o passado. É comum
alimentarmos pensamentos irrelevantes em relação
ao modo como as coisas deveriam ser, em vez de
refletirmos a respeito delas com precisão. Ao nos
desestruturarmos emocionalmente, é possível
experimentar sofrimento e perda de sentido na
existência. Sentimos uma tristeza acompanhada de
uma sensação de vazio que nos deixa angustiados,
desanimados e frustrados, uma vez que nos
afastamos do Eu Maior, da paz interior e da essência
humana.
Sendo assim, por meio do autoconhecimento,
é possível compreender quem somos, o que estamos
fazendo aqui e o nosso propósito de vida, expressar
os nossos talentos e equilibrar a dualidade existente
no universo, nas coisas e em nós, os nossos aspectos
positivos e negativos. E, sobretudo, aproximar o eu
inferior - o ego - do Eu Superior, da nossa essência
espiritual, para nos conectarmos ao todo. Um modo
de lidar com as questões da existência de maneira
mais leve, viver de maneira mais harmoniosa e feliz.

25
Dessa forma, ao identificarmos as nossas
imperfeições, devemos, primeiramente, acolhê-las e
aceitá-las, numa transição do inconsciente para o
consciente. A aceitação nos dá a oportunidade de
reconhecer um defeito, muitas vezes inconsciente, e
aperfeiçoar as nossas qualidades, elevando-as em
relação ao defeito identificado. Essa mudança é o que
mantém o processo de cura por meio do
autoconhecimento. A aceitação resulta na
transformação e equilíbrio.
Dessa forma, ao nos conhecermos, temos que
lidar com as imperfeições inerentes à existência
humana, bem como com as qualidades, a dualidade
que existe em nós, no universo e em todas as coisas
que se encontram nele. Cabe a nós reconhecê-las e
harmonizá-las, talvez o maior desafio desta
existência. Um movimento que nos ajuda a despertar
e a ampliar a percepção do nosso comportamento,
nos libertando das armadilhas do ego; visando
alcançar o crescimento e a evolução, nos
aproximando da essência humana, para cumprirmos
nossa função como seres humanos. Dando sentido à
vida, por meio de um propósito, isto é, praticando
os nossos talentos, realizando o que sabemos fazer

26
de melhor, para nós, para os outros e para o Planeta.
Ao contrário dos outros animais, temos a liberdade e
a autonomia para escolher, pensar e transformar,
construindo a pessoa que desejamos ser e o caminho
a seguir. Conscientes dos nossos pensamentos,
sentimentos, ações e suas consequências, boas ou
más, sem nos submetermos às ilusões e aos caprichos
do Ego. Tendo em mente quem somos, e o que
estamos fazendo aqui. Viver a vida de maneira
significativa, harmônica e mais feliz.
Sri Mooji, líder espiritual jamaicano, de acordo
com a sua percepção e contribuição para o
autoconhecimento, compartilha conosco um de seus
textos a respeito das, ‚Armadilhas do Ego‛,
evidenciando o julgamento, a superioridade e a
condenação: ‚Se você acha que é mais ‛espiritual‛
fazer Yoga, se tornar vegano, comprar só comidas
orgânicas, cristais, praticar reiki, meditar, usar
roupas ‚hippies‛, visitar templos e ler livros a
respeito de iluminação espiritual, mas julgar
qualquer pessoa que não faça isso, então você está
preso em uma armadilha do ego‛. Segundo o líder
jamaicano, quando nos sentimos superiores, isso é o
principal indicador de que estamos presos à

27
armadilha do ego. O Ego se apropria de uma ideia
nobre, como jogar tênis, e depois a distorce para o
seu objetivo, o de parecer-se superior aos outros,
menosprezando os que não seguem o seu "caminho
espiritual certo".

28
Intuição, Razão e Educação

‚Nenhuma circunstância exterior substitui a


experiência interna. E é só à luz dos acontecimentos
internos que entendo a mim mesmo. São eles que
constituem a singularidade de minha vida.‛
— C.G. Jung

‚Tudo o que chega, chega sempre por alguma


razão‛. - Fernando Pessoa

‚O coração tem razões que a própria razão


desconhece‛. - Blaise Pascal

‚Educação não transforma o mundo... Educação


muda as pessoas e as pessoas transformam o
mundo‛. - Paulo Freire

‚Se a educação sozinha não transforma a sociedade,


sem ela tampouco a sociedade muda‛. - Paulo Freire

29
Enquanto o Ego é centro da consciência
inferior, a parte da mente onde ocorrem nossos
pensamentos, sentimentos, ideias, percepções
sensoriais, lembranças, entre outros elementos que
podemos acessar. O Eu Superior é a dimensão que
transcende o Ego, que possui conhecimento e
compreensão a respeito de tudo o que acontece. É a
sabedoria maior, a essência divina que habita o nosso
ser.
Segundo o Dicionário Online De Português, a
palavra intuição é derivada do latim intueri, que
significa considerar, ver interiormente ou
contemplar; ter um conhecimento claro, direto e
imediato da verdade sem a necessidade de raciocínio
ou pressentimento.
Todos nós somos intuitivos. Apesar de muitas
pessoas não terem conhecimento, acesso ou interesse,
a intuição é a nossa voz natural, sem a interferência
ou a ajuda da razão. A voz que vem do coração, da
alma, do Eu Superior. A voz interna nos dá
conselhos intuitivos, como, por exemplo, ao
dormirmos com um problema difícil de ser resolvido
ou ao acordarmos, nos surge à mente uma ideia, uma
palavra, a lembrança de alguém, ouvimos conversas

30
que nos levam a um insight, entre outros. Ou seja,
imaginamos ou intuímos possíveis soluções para o
problema em questão. Um guia interno que sabe o
que é melhor para a nossa vida e, muitas vezes, o
que devemos evitar. Todos nós podemos ouvir a voz
do coração, pois ela faz parte da essência humana.
Ela nos indica o caminho mais acertado para o
crescimento e evolução.
Já tivemos a oportunidade de ouvir e seguir
conselhos de outras pessoas, o que,
consequentemente, nos levou a cometer erros. E
dissemos: ‚Por que não segui a minha intuição?!‛.
Ao estabelecermos uma conexão com o nosso Eu
Superior, que é repleto de amor e sabedoria,
encontramos as respostas que buscamos, aquelas que
atendem ao nosso propósito e às nossas necessidades
de crescimento e evolução. Não é do lado de fora,
como também no outro, que as encontramos, mas do
lado de dentro, em nós mesmos. É um benefício que
nos aproxima da perfeição, do refinamento, da
autenticidade, da sabedoria, nos tornando mais
sensíveis e intuitivos. Jung, o criador da Psicologia
Analítica, afirmou: ‚Cada um de nós tem a sabedoria
e o conhecimento que necessita em seu próprio

31
interior‛. Sendo assim, à medida que aprendemos a
ouvir a intuição, a voz do coração, desenvolvemos a
habilidade de captar nossos sentimentos, prestar
atenção nas mensagens que eles nos enviam, nos
sentirmos mais relaxados e livres, compreendendo os
anseios da alma. Ou seja, aprendemos a identificar as
nossas verdadeiras e essenciais necessidades, nos
conectando ao nosso Eu Superior. Passamos a
caminhar em sintonia com a vida, isto é, começamos
a intuir, perceber o momento oportuno e adequado
para tomarmos decisões. Seguimos em frente,
confiantes e determinados em nossas ações e
escolhas. Nós nos tornamos senhores de nós
mesmos, conscientes de quem somos e ouvindo a
voz do nosso coração. Nós nos sentimos seguros e
agimos com confiança, não porque alguém tenha nos
falado, apoiado ou determinado, mas porque somos
os únicos seres capazes de refletir e escolher de
maneira autônoma. Somente o nosso Eu Superior é
capaz de nos auxiliar de maneira mais apropriada
quando nos conectamos a ele.
Portanto, ouvir a voz do coração é
compreender a essência do nosso ser. É ter um guia
interno que nos conduz à harmonia e ao bem-estar

32
interior. Se tivermos dúvidas quanto ao impacto de
algo ou alguém na nossa vida, devemos levar a
emoção do momento para o peito e para o coração, e,
sentir o nosso Eu Superior, pois isso nos ajudará a
lidar com a questão. Somente ele é capaz de fornecer
a resposta que nos auxiliará na nossa busca. De
maneira simbólica, no coração, não há dúvidas, é o
que sentimos e o que somos, é a nossa verdade. Já na
mente consciente, não, existe a dúvida, uma vez que
Descartes, em sua frase, "Penso logo existo",
questiona, apresenta dúvidas a respeito da sua
própria existência. Segundo ele, para provar que
existimos no mundo, precisamos pensar antes de
sentir para termos certeza de quem somos. Ou seja, a
razão se sobrepõe às emoções, aos sentimentos e à
intuição. Um modelo de pensamento dual-
racionalista, classificatório, reducionista,
descontextualizado e excludente, que prioriza a
razão em detrimento da dimensão da vida diária,
desprezando nossos sentimentos, emoções, intuições
e sensações. Nosso Sistema Educacional está
estruturado de acordo com esse modelo de
pensamento, assim como a nossa maneira de pensar
e agir, de enxergar o mundo e a nós mesmos.

33
Descartes, filósofo e matemático, criador desse
modelo de pensamento, apresenta a dúvida
metódica como o ponto de partida, o único caminho
para atingir o conhecimento. A ênfase é dada apenas
à dimensão racional, deixando de lado os fenômenos
da subjetividade, como a emoção, o sentimento, a
intuição e a sensibilidade, que são considerados uma
fonte de erros. Dessa forma, surge a nossa tendência
mecanicista de pensar e agir, a maneira como
enxergamos o mundo e a nossa própria existência.
Nossa mente analisa, reconhece e interpreta os dados
sensoriais, determinando, assim, a resposta
"adequada". Ou seja, é isso ou aquilo, o certo ou
errado, ignorando a diversidade de maneiras de
vida, as possibilidades existentes no universo e em
todas as coisas nele existentes, sobretudo em nós,
seres humanos. É possível perceber que o mundo
tende à pluralidade e não ao binário, ou seja, as
possibilidades existentes entre uma polaridade e
outra. Descartes utilizou o princípio da dúvida
metódica para encontrar o princípio seguro do
conhecimento. Apesar da dúvida, o filósofo tinha a
certeza de sua existência, uma vez que, de acordo
com ele, quando se duvida de algo, se pensa. Isso

34
resulta na máxima: "se penso, logo eu existo". Dessa
maneira, surge a fragmentação das ciências, que se
originou com base nos princípios cartesianos. Assim
como a fragmentação humana, que surge de uma
cultura condicionada e "míope", que não incentiva o
diálogo entre as diversas áreas do saber; que não
considera a realidade, o indivíduo é ignorado e
separado da sua observação, da sua realidade e do
contexto em que está inserido. Sendo assim, o
indivíduo tem um olhar fragmentado, uma visão
descontextualizada do conhecimento, e
consequentemente, da vida e do mundo. A dimensão
da vida, do dia a dia, da intuição, do sentimento, da
emoção, da corporeidade, é negligenciada,
permanecendo oculta, sem espaço para a expressão,
o que resulta na predominância do racionalismo
puro e duro na maneira de pensar, raciocinar, sentir
e organizar-se. Esta maneira de pensar apresenta
uma grande inversão de valores, uma degradação
que nos distancia cada vez mais do propósito maior
que é a evolução do ser e a integração com a
natureza e o universo.
Como somos seres racionais, uma qualidade
inerente a todos os seres humanos, que nos permite

35
pensar e usar a razão, o que nos diferencia dos
animais "irracionais", poderíamos construir uma
sociedade mais equilibrada, solidária, com menos
injustiças e mendicâncias, na qual pudessem usufruir
de seus direitos constitucionais mínimos, previstos
no Artigo 6º do Capítulo II dos Direitos Sociais da
Constituição, são direitos sociais a educação, a saúde,
a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados. No entanto, isso é desrespeitado. Isso
evidência que a razão de alguns governantes não tem
sido usada para o bem-estar social, para o bem-viver
em sociedade, sem exploração e exclusão. Há um
desequilíbrio e uma desarmonia entre as polaridades
(forças opostas que se complementam mas, não se
sobrepõem, já que ambas têm a mesma importância),
assim como tudo o que existe em nós, na sociedade e
no planeta, desde a riqueza de poucos em detrimento
da pobreza de muitos, até as catástrofes climáticas
que estão ocorrendo na Natureza. No entanto, ao
contrário do que parece, a sociedade incentiva a
desigualdade, a desarmonia, a competição, o
desamor, a ignorância, a analfabetismo, a

36
criminalidade, a violência, a prostituição, o egoísmo,
a ambição por conquistas materiais desnecessárias, o
consumo excessivo e a pobreza. Onde poucos têm
muito e muitos têm tão pouco para sobreviver. A
cultura predominante é o fator econômico, o poder e
o lucro, o ter, e não o ser, o fator humano é ignorado,
a vida não tem a menor importância, cada indivíduo
vale pelo que têm.
Fazemos uso de um pensamento dual-
racionalista que fragmenta, reduz, classifica e exclui.
Não há espaço para a subjetividade, seja na escola,
na universidade, no trabalho, nos grupos sociais, etc.
É uma camisa de força, onde todos tendem a se
mostrar bem, mesmo sem estarem. A cultura do
poder e do lucro é predominante, o que resulta em
um consumo excessivo, onde a vida não tem a menor
importância e sentido. A lógica dual-racionalista
predominante é a de que o ter se sobrepõe ao ser. Ter
poder e dinheiro é mais importante do que ser
virtuoso e solidário, ter valores e conhecimento. A
maioria de nós é definida pelo montante na conta
bancária, e pelas ostentações aos olhos daqueles que
se baseiam nas aparências, e não no conteúdo.
Conforme Erich Fromm apresenta na sua obra ‚Ter

37
ou Ser?‛ A finalidade da sociedade de consumo é
eliminar a subjetividade humana em prol da
padronização dos consumidores e do fortalecimento
da produção de bens de consumo.
O modelo cartesiano contribuiu
significativamente para a história e progresso
tecnológico global, no início do século XVIII, durante
a revolução industrial. No entanto, no que diz
respeito ao crescimento humano, não é possível
afirmar o mesmo, uma vez que estamos em um
processo de retrocesso. Esse modelo de pensamento
dual-racional, reducionista, classificatória e
excludente, teve consequências desastrosas. Muitos
problemas enfrentados atualmente na sociedade e no
mundo são consequências desse modelo de
pensamento.
De maneira prática, duvidar é importante.
Podemos questionar nossos conceitos e valores, o
que nos faz rever nossas crenças, muitas vezes, falsas
e limitadas, a respeito de nós mesmos, dos outros e
da vida. Assim como os discursos propagados pelos
meios de comunicação, em geral, visam nos manter
alienados. A dúvida nos motiva a procurar o que
está por trás do que vemos, mas não conseguimos

38
perceber ou assimilar de imediato. Segundo Sócrates,
as certezas são barreiras que nos mantém presos às
nossas crenças e convicções, impedindo que
admitamos nossa ignorância e continuemos em
busca do conhecimento. De expandirmos a
percepção de nós mesmos e do mundo.
No processo de aprendizagem escolar, a
informação e o conhecimento transmitidos ou
mediados contemplam o intelecto de maneira geral.
Desenvolvemos a capacidade de raciocínio lógico,
aprendemos a respeito dos conceitos das coisas e do
mundo, as regras da matemática, linguagem,
química, física, etc., mas não temos consciência de
nós mesmos, do funcionamento do cérebro, dos
mecanismos das emoções e sentimentos, da
relevância do outro para o nosso crescimento e da
vida. Sendo assim, os saberes estão voltados para o
lado externo de todas as coisas, para a
superficialidade, sem profundidade. A educação
escolar e superior é voltada para a formação de
competidores, para a capacitação de indivíduos para
servir o Sistema, o mercado de trabalho, para a
disputa de vagas de emprego e melhores salários.
Em parte, esses conhecimentos e a formação

39
profissional são relevantes, uma vez que é por meio
do trabalho que conseguimos obter o sustento
material, contribuindo para a manutenção material
da nossa existência. É importante aprender a lidar
com as ferramentas tecnológicas, que estão sempre
em evolução, mas, os fatores morais e humanos estão
cada vez mais defasados e em retrocesso. Mas, isso
não é tudo. Como seres sociais, vivemos em
sociedade, não temos uma educação comprometida
com a formação de seres humanos para poderem
integrar uma sociedade com harmonia, bem-estar
social, mais igualdade e menos injustiças. Não temos
uma educação para nos informar e instruir a respeito
do contexto sociocultural, político, econômico e
tecnológico (mídias) que encontramos estruturados,
antes de nascer. Como somos afetados por eles, como
os afetamos e como podemos afetá-los de maneira
significativa. Compreender as mensagens
subliminares utilizadas pela mídia, que nos induzem
ao consumo em excesso e à alienação de nós mesmos
e do mundo.
É importante salientar que, para assegurar
uma educação de qualidade, durante as reuniões que
ocorrem no decurso de dias e meses, com as

40
autoridades competentes, é imprescindível a
participação de líderes comunitários, de pequenos e
grandes empresários, a representatividade de pais e
mães, profissionais da educação, estudantes e
universitários, dentre outros. A responsabilidade é
de todo. É imprescindível estarmos unidos e
comprometidos para decidirmos juntos, a educação
necessária à população e ao bem-estar social, de
modo que todos sejam beneficiados, com um ensino
crítico e reflexivo, ou seja, instruídos e esclarecidos, a
fim de expandir a consciência de si mesmos e do
contexto sociocultural, econômico, político e
tecnológico em que estão inseridos. Desse modo, os
estudantes terão uma educação e uma formação
humana para se integrarem a uma sociedade
harmônica, solidária, com mais igualdade e menos
injustiças. Uma sociedade em que o foco principal
seja o ser humano, a vida, e não o fator econômico, o
ter. Para tal, o Sistema de Ensino deve ser
reestruturado, iniciando pela problematização da
formação dos profissionais da educação. A
desqualificação e a desvalorização profissional dos
educadores resultam na má formação de cidadãos
comprometidos com o bem-estar social. Desde os

41
anos setenta, ela tem sido "sucateada" devido à
evasão da classe média para as instituições de ensino
privado e à falta de exigência de qualidade no
ensino. Isso não significa que as escolas privadas
oferecem uma formação humana voltada à
integração de uma sociedade sem explorados e
desamparados. As duas têm um ponto em comum:
uma formação para o mercado de trabalho, a
competição e "vencer na vida". A raiz das questões
educacionais não se limita à qualificação profissional
e melhor salário do professor. O professor é apenas
um "bode expiatório" usado para justificar uma
educação sem qualidade e sem sentido para a
existência humana. Há diversos fatores envolvidos,
mas o principal deles é a falta de vontade e interesse
político. Diante disso, nos cabem alguns
questionamentos: A manutenção da população
desinformada e sem instrução é um fator de ganho e
poder para quem? Quem é a minoria que se beneficia
da ignorância da maioria, dos explorados e
desamparados? Quais são as minorias que decidem e
têm a maior fatia do bolo? Quem são os poucos que
tem muito para que muitos tenham tão pouco? Você

42
já pensou nisso antes? Se não tiver pensado, vale a
pena fazer uma pausa. Há que pensarmos nisso!
Dessa forma, percebemos a relevância da
razão e da dúvida na nossa vida. No entanto, se nos
concentrarmos apenas na razão, não conseguiremos
superar a dualidade entre a razão e a emoção, do
certo ou do errado. Apesar de serem potencialidades
distintas, elas não se contrapõem, mas se
complementam. Tanto a razão quanto a intuição têm
sua importância, e uma não precisa se sobrepor à
outra. Se, não considerarmos nossa subjetividade, a
experiência adquirida por meio dos sentimentos, e
priorizarmos a razão, a argumentação supostamente
fundamentada em dados concretos, deixaremos
escapar a compreensão do que há de mais profundo
em nós mesmos. Deixaremos de usar um dos nossos
recursos mais valiosos, a intuição. Impediremos que
ela flua.
Com base na minha experiência como
educadora em sala de aula, pude constatar que, ao
mediar o conhecimento, de acordo com os saberes e
eventuais acontecimentos apresentados pelos
educandos, a maioria das decisões é baseada na
intuição. Apesar de existir uma metodologia e um

43
objetivo que norteiam o trabalho do educador, a
intuição é o que prevalece. Embora possa parecer
inacreditável para alguns, os resultados sempre estão
alinhados com a fundamentação filosófica e teórica
da abordagem do profissional. Apesar do elevado
nível de preparo que um professor possui, assim
como qualquer outro profissional, não temos
respostas imediatas para todos os eventos e decisões,
especialmente quando lidamos com vidas,
expectativas e sentimentos. O objetivo é alcançado,
mas, nem sempre conforme o planejado, uma vez
que lidamos com vidas e não com números. De
acordo com Paulo Freire, não há educação neutra, ou
seja, ao entrar na sala de aula, o professor não deixa
suas crenças, valores, cultura e filosofia de lado, é
fato. Com base no conhecimento teórico e guiado
pela intuição, na prática profissional, temos a
oportunidade de desenvolver habilidades e
competências que não imaginamos ter. Ao
priorizarmos a razão em detrimento dos
sentimentos, não ouvimos a intuição, não a deixamos
fluir. Quando estamos em busca de crescimento, bem
como de contribuir para o bem-estar de outros, os
resultados tendem a ser favoráveis.

44
Durante a nossa rotina diária, sofremos
influências externas que nos impedem de seguir as
orientações do coração, além de nos afastarem, cada
vez mais, da nossa essência humana. Os meios de
comunicação, como a televisão e as mídias sociais,
são utilizados para nos distrair com seus apelos ao
consumo excessivo e tudo o que nos distraia da
realidade, de nós mesmos e de nossa verdadeira
identidade, a espiritual. Em geral, somos inundados
por informações que, na sua maioria, não
acrescentam nada, apenas nos afastam de nós
mesmos. Simbolicamente, é como se fossemos um
armário velho, onde guardamos os objetos que não
servem mais, coisas sem utilidades que ganhamos e
acumulamos. O nosso Eu-Superior, a essência, a
fonte divina que habita o nosso ser, está sendo
sufocado pelo excesso de lixo que acumulamos,
impedindo sua expressão.
Daí a importância de expandirmos a
consciência de nós mesmos e nos aproximarmos da
nossa essência humana. Começarmos a perceber as
nossas verdadeiras necessidades; entrarmos em
contato com os nossos recursos internos e a ouvir a
voz do nosso coração. Gradativamente, mudamos a

45
frequência dos nossos pensamentos e,
consequentemente, as nossas ações também sofrem
alterações. Podemos mudar a nossa maneira de
pensar, agir e reagir diante de eventos externos.
Passamos a procurar por respostas para nossas
inquietações e angústias dentro de nós mesmos, e
não fora. Nós nos tornamos mais ponderados,
eliminando informações que não contribuem para o
nosso crescimento e evolução.

Como nos aproximar da nossa natureza


humana?

Vale ressalvar que, a utilização da expressão,


‘nos afastamos da nossa essência ou natureza
humana’, no decorrer desta escrita, não traz em si, a
pretensão de termos alcançado o conhecimento
supremo da divindade que existe em cada um de
nós. Essa afirmação seria uma grande arrogância e
falta de sensatez, além de uma total falta de
humildade para perceber que não conhecemos
muito, ou quase nada, da sabedoria e mistérios que
existem no universo em relação à existência. Partindo
do princípio de que somos apenas um grão de areia

46
em uma grande magnitude que pouco ou quase nada
conhecemos, ainda há muito a conhecer. Sócrates, o
filósofo, tinha consciência disso, tendo sido
considerado o homem mais sábio da Grécia antiga,
ao consultar o oráculo de Delfos. E, com humildade,
disse: "Só sei que nada sei". Para muitos, diante de
sua sabedoria, a frase foi interpretada como uma
ironia. No entanto, ele estava sendo sincero ao
afirmar o tamanho da sua ignorância diante da
imensidão, dos mistérios a serem descobertos, tanto
dentro dele quanto no universo. A frase ‚Conheça-te
a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses‛,
inscrita na entrada do santuário de Delfos, na Grécia
antiga, e foi amplamente difundida no mundo, por
Sócrates, em 470-399 a.C., evidencia a nossa
ignorância e pequenez perante o universo.
Atualmente, os astrofísicos apresentam a informação
de que ele é imenso, composto por bilhões de
galáxias e sistemas planetários maiores que a Terra;
de que o sol é uma estrela pequena, entre bilhões de
outras estrelas. Ao afirmar que, ‚só sei que nada sei‛,
na sua sabedoria, ele tinha a consciência e a
humildade de reconhecer o tamanho da sua
ignorância da grandeza e mistérios do universo, da

47
existência de vida noutros planetas. Conhecimentos
que poucos de nós temos, estamos buscando agora.
Diante deste fato, quem somos nós para afirmar que
nos afastamos da nossa essência, da nossa fagulha
divina? Quem somos nós para explicar a divindade
que existe no universo, em todas as coisas que
existem nele, sobretudo em nós mesmos? Não temos
palavras para explicar a divindade, que não é
explicada pela razão. Contudo, podemos sentir,
ouvir e intuir a divindade dentro de nós mesmos, no
universo, na natureza, nas pessoas, nos animais e nas
coisas. Em nossas ações que envolvem solidariedade,
justiça, compaixão, humildade e paciência, entre
outras. No nosso propósito, no exercício dos nossos
dons e talentos em atividades que beneficiem a nós,
aos outros e ao mundo. Uma maneira de
expandirmos consciência a respeito da divindade
que habita em nós. Podemos fazer uma analogia com
o armário velho, cheio de objetos sem utilidade que
acumulamos e não percebemos que a nossa essência
está escondida sob esse lixo, impedindo sua
expressão.
Uma das primeiras ações para nos
aproximarmos da nossa essência, é esvaziarmos a

48
mente. Ou seja, é possível silenciar a mente, por meio
da prática de meditação simples, acessível a todos.
Todos os dias, marcamos um encontro com nós
mesmos, por dez, vinte ou trinta minutos, conforme
o tempo que cada um tem. Como fazemos com
nossos amigos, marcamos encontros para conversar,
discutir a respeito de qualquer assunto,
conversarmos sobre a vida e/ou simplesmente para
nos distrairmos. Podemos marcar um encontro
conosco todos os dias, com hora
marcada. Começamos com um bate-papo, e, aos
poucos, vamos silenciando a mente. Uma técnica
simples que resulta em resultados significativos, pois
aos poucos, nos aproximamos da nossa essência
humana. Dessa forma, começamos a ouvir a voz do
coração e nos aproximarmos da fagulha divina que
habita o nosso ser.
Conhecer a si mesmo implica ir além do
conhecimento e funcionamento do cérebro,
reconhecer nossos pontos fortes e fracos, o padrão
mental de comportamento em que estamos vibrando,
reconhecer nossos defeitos e as nossas partes que
ainda não foram educadas, muitas vezes
inconscientes. Embora não seja tudo, já é um bom

49
começo, uma vez que o conhecimento é uma jornada
infinita que pode durar toda a vida, pois não há um
único momento em que não temos o que aprender a
respeito de nós mesmos. A frase "Conheça-te a ti
mesmo e terá conhecimento do universo e dos
deuses", ficou conhecida por Sócrates, o antigo
filósofo grego, que, por meio de sua técnica, fazia
com que os seus interlocutores se voltassem para si
mesmos, para obterem respostas para suas perguntas
relacionadas às dores da existência, da vida e do
universo. Ou seja, o desejo de responder às quatro
perguntas clássicas da filosofia a respeito da
existência humana: quem sou eu, de onde venho, o
que estou fazendo aqui e para onde vou? São
questões fundamentais que nos definem, e, quando
encontramos respostas para elas, voltamos para nós
mesmos, encontrando um sentido à existência e à
vida, por meio de um propósito maior, que justifica
estarmos aqui, colocando em prática os nossos
talentos a serviço da vida, do nosso crescimento e
evolução. Cumprindo nossa função como seres
humanos, desenvolvendo e aflorando o que há de
melhor em nós, como virtudes e conhecimento.

50
Conscientes da nossa verdadeira identidade e do
nosso propósito aqui.
Este questionamento e busca, nos fazem
recordar a nossa verdadeira identidade, uma vez que
as informações se encontram em cada um de nós,
adormecidas, esperando para serem despertadas e
ativadas.
Muitos de nós, preocupados com a
sobrevivência, passamos a vida inteira sem refletir a
respeito da existência, sem nos questionarmos a
respeito de quem somos, o que viemos fazer aqui e
para onde vamos depois da morte. São perguntas
fundamentais que podem nos levar a grandes
descobertas e nos motivar a continuarmos vivos.
Contudo, a frase, ‚Conhece-te a ti
mesmo‛, tão antiga, mas atemporal, evidencia que
todos nós podemos abrir o nosso velho armário, para
remover o lixo que guardamos nele, para descobrir a
nossa alma, a essência divina que habita o nosso ser.
Ao longo desta investigação, é possível desvendar
alguns dos nossos próprios mistérios, como a
agitação das nossas emoções e sentimentos
sufocados dentro do peito; ouvir a voz do nosso
coração e identificar a fagulha divina que habita o

51
nosso ser. Enfim, trazer à tona respostas para
questões que fazem parte da existência, bem como
descobrir as riquezas que estão dentro de nós
mesmos.
Ao longo do processo de autoconhecimento,
aprendemos diversas técnicas que nos permitem
aperfeiçoar e fortalecer a autoconfiança, um dos
fatores que beneficia as nossas relações, além de
permitir ouvir a voz do coração. Além disso,
podemos confiar na nossa intuição, resgatar a criança
interna e ter fé na vida. Nos aproximarmos da
essência humana, do que somos. Quando esses
elementos são acessados e vividos com frequência,
nos conectamos ao nosso Eu Superior, à essência
humana, à nossa verdadeira identidade, a espiritual.
Ou seja, temos consciência de quem somos e
aceitamos o que somos. Deixamos de sermos vítimas,
não responsabilizamos ninguém pelas nossas
frustrações e insucessos, mas assumimos a
responsabilidade pela nossa vida, pelas
consequências das nossas escolhas e ações, sejam elas
boas ou más. Não permitimos que o passado, as
situações de conflito e as pessoas interfiram nas
nossas emoções e sentimentos, no nosso

52
comportamento. Isso depende apenas de nós, de
como lidamos com os eventos externos.
Segundo a filósofa Lúcia Helena Galvão, não
nascemos de um acidente genético. A genética não é
caos, é cosmos. A nossa origem não é acidental, mas
sim fruto de um propósito para a existência. Ou seja,
o nosso nascimento não ocorreu por acaso. Temos
uma missão, uma razão para estarmos aqui nesta
existência e contribuir para o mundo. Por mais
simples que seja, todos nós temos uma contribuição a
acrescentar valor à vida de outras pessoas. Ao longo
da vida, durante a jornada, cada um descobre o seu
propósito. Contudo, existe um ideal que é comum a
todos: o de nos conhecermos e nos tornarmos o que
somos. Em outras palavras, procurarmos realizar o
que é próprio do ser humano, desenvolver valores,
virtudes e sabedoria. Uma prática que fazia parte da
educação dos antigos gregos, que buscava se
aproximar do ideal de plenitude da condição
humana, desenvolvendo valores, virtudes e
sabedoria. A educação como um processo que se
estendia por toda a existência, que buscava o
conhecimento e o aperfeiçoamento constante de si
mesmo. Dessa forma, os antigos gregos se

53
conectavam com a essência humana, se conheciam e
vivenciavam a sua verdadeira identidade, a
espiritual. Eles caminhavam em direção ao
crescimento e à evolução. Conscientes de si mesmos
e do seu propósito como seres humanos. Tornando a
existência um caminho a ser percorrido em busca de
conhecimento, crescimento e desenvolvimento de
virtudes e valores. Conscientes de que é possível se
tornar mais humano, pessoas melhores para si
mesmas e para o mundo, positivamente. Daí um
modelo inspirado na máxima, ‚conhece-te a ti
mesmo‛, que pode ser resgatado, não somente na
educação, mas como um propósito de vida, o de nos
tornarmos melhores.
Ao nascer, recebemos um nome de batismo,
uma filiação, uma nacionalidade, uma tonalidade de
pele, olhos, cabelos, uma altura, um número de
registro e uma identificação que nos diferenciam, uns
dos outros no mundo. Como a nossa trajetória de
vida, o que gostamos de fazer, a nossa família, o
ambiente, os nossos valores e crenças, o que
gostamos ou não, o nosso modo de pensar, agir,
dentre outras características singulares, que definem
o nosso modo de ser, se manifestam desde os

54
primeiros meses de vida e nos acompanham por
toda a existência. Essas características que nos
constituem são chamadas de identidade e
personalidade. A personalidade é a qualidade da
pessoa, o que a caracteriza e diferencia das demais.
Um indivíduo com particularidades próprias em
relação a algo ou alguém, a característica
fundamental que o identifica e o aproxima do
psiquismo. O nosso ego, a mente inferior, que
começa a ser formada desde o nascimento, é
influenciada pelo contexto histórico, familiar,
sociocultural, político, econômico e tecnológico que
estamos inseridos. Todos nós somos influenciados
por esses elementos, afetando a nossa forma de
pensar, sentir e agir, ou seja, a nossa percepção do
mundo e de nós mesmos. A nossa personalidade é
influenciada, assim como também é influenciadora,
uma vez que tudo o que criamos como crenças na
convivência social tem um impacto, seja na
convivência social ou nos papéis que
desempenhamos, como o profissional, o cônjuge, o
pai, o filho, o amigo, entre outros. Dessa forma, a
formação de nós mesmos, ou seja, do ser que
construímos ao longo da existência, foi

55
fundamentada em uma base que já encontramos ao
nascer. Mas, a questão é: esse ser é realmente nós
mesmos?
Em Autoconhecimento, um Mergulho em busca de
Si Mesmo: por onde começar? Vol. I, Maria Tereza,
afirma que, a sociedade de consumo promove a
coisificação humana, em que, o indivíduo é reduzido
a uma mercadoria qualquer. O ser humano tem o seu
valor medido pelas suas posses e aparências, ou seja,
tudo aquilo que é ostentado e que causa boa
impressão, enquanto os valores morais e éticos, a
humanidade, as habilidades e competências são
negligenciados. De acordo com Erich Fromm em sua
obra Ter ou Ser? A sociedade de consumo tem como
objetivo eliminar a subjetividade humana em prol da
padronização de consumidores e do fortalecimento
da produção. Diante dessas considerações, surge
uma questão: simbolicamente, as características que
definem a identidade e a personalidade que
apresentamos ao mundo, e que a maioria de nós
acredita ser essa descrição, seriam um invólucro? A
persona, a máscara que ‚guarda‛ o Eu-Superior, a
essência humana, a nossa verdadeira identidade, que

56
nos conecta ao criador, à fagulha divina que nos une
ao universo e a tudo o que nele existe?
Precisamos questionar tudo o que
encontramos pronto, ao nascer, o contexto histórico,
familiar, sociocultural, político, econômico e
tecnológico, o conhecimento que construímos, as
nossas crenças, valores e pontos de vista, isto é, nossa
maneira de ver o mundo e a nós mesmos. Para
termos uma melhor compreensão de quem somos, e
quem queremos ser, e nos aproximarmos da nossa
essência humana, do Eu-Superior, vivenciamos a
nossa verdadeira identidade, o que verdadeiramente
somos.
A busca pelo autoconhecimento requer a
compreensão do contexto em que estamos inseridos,
da sociedade que formamos, influenciamos e somos
influenciados, para a construção e transformação de
nós mesmos. É importante rever os nossos pontos de
vista, crenças e valores com frequência, tendo clareza
e discernimento nos pensamentos, pois eles
antecedem as nossas escolhas e ações, dando sentido
às coisas do mundo interno e externo, e criando a
nossa realidade. Isso nos ajuda a ter mais clareza de
quem somos e quem desejamos ser, a fazer nossas

57
escolhas e mudanças de maneira mais eficiente, o
que nos leva a repensar o que já foi pensado, e a
refletir a respeito de nós mesmos. É uma alternativa
à ideia da sociedade de consumo que procura nos
transformar em máquinas programadas que
consomem e executam sem questionamento. Há que
pensarmos nisso!

Egocentrismo e
Autoconhecimento

“Nenhum século professou o egoísmo de uma


forma tão franca e tão crua como o nosso.”
— George Sand

“Prezo aqueles que me repreendem porque me


instruem, ao contrário daqueles que me bajulam,
porque me corrompem”.
-Santo Agostinho

58
“Fale com as pessoas a respeito delas mesmas e elas
ouvirão por muitas horas”.
- Benjamin Disraeli

Segundo o Dicionário Online de Português,


egocentrismo é uma característica, condição ou
natureza de egocêntrico. Aquele que é egoísta, que
fala mais de si mesmo do que de qualquer outra
coisa. De origem grega: egôn + kêntron siginifica eu
no centro. Dessa forma, o Egocentrismo descreve a
condição ou estado de espírito do indivíduo
egocêntrico. Característica da personalidade humana
que prioriza a si mesma, seus desejos, pensamentos,
necessidades e interesses, ignorando as necessidades
dos outros em relação às suas. O indivíduo
egocêntrico não demonstra empatia, nem procura
compreender o ponto de vista do outro, uma vez que
está sempre ocupado consigo mesmo, com seu "eu" e

59
seus próprios interesses. Não demonstra amor pelo
outro e por si mesmo, não estabelece vínculos
afetivos, não enxerga o próximo e a si próprio com
compaixão, e não reconhece a importância do outro
na sua vida. Isto demonstra a sua falta de
maturidade, o que dificulta a construção de
relacionamentos sólidos e a criação de laços afetivos
na interação com as pessoas. E, além disso, não aceita
pontos de vista diferentes dos seus. Sendo assim,
todo indivíduo egocêntrico é egoísta, só consegue
focar em seu próprio bem-estar, sempre buscando
estar em primeiro lugar em tudo na vida.
Tomemos como exemplo uma criança teimosa
e minada, que pensa ser o centro do universo e o
mundo gira em torno dela, uma vez que ainda não
tem consciência de que vive em sociedade e não está
sozinha no mundo. Essa é a postura típica de uma
pessoa egocêntrica, que deseja ter tudo conforme a
sua vontade.
De acordo com George Sand, ‚Nenhum século
professou o egoísmo de uma forma tão franca e tão
crua como o nosso.‛ Na sociedade materialista em
que vivemos, a tendência predominante é a busca
pelo poder e pelo lucro, um traço cultural que se

60
concentra no ter e não no ser. Os empresários e
cidadãos comuns procuram se dar bem a qualquer
custo, ou seja, fazem qualquer coisa em prol de si
mesmos, para ter mais dinheiro e poder, status social
e se manterem em primeiro lugar. Relativizando a
moral e ética coletivas para justificar suas ações
imorais e antiéticas, dissimuladamente, como algo
benéfico para si mesmo. Em outras palavras, usar as
pessoas sem o menor pudor, para obter o que deseja.
Uma cultura antiga, atemporal e com uma nova
roupagem, que sugere que você pode fazer qualquer
coisa para se ‚dar bem‛, ou seja, para ter poder e
lucro. Em uma sociedade em que o poder e o lucro
são considerados valores centrais, e não o ser
humano, onde o ter se sobrepõe ao ser, muitos de
nós somos influenciados por esses falsos valores de
um grupo minoritário que procura manter a maioria
de nós, afastada dos nossos valores verdadeiros e
ignorante da nossa verdadeira identidade. A
sociedade procura nos enquadrar em valores falsos,
do modo ter e não ser, propagados pela mídia. A
linguagem da mídia é bastante sutil e atua no nosso
inconsciente. Muitos de nós não percebemos e
assimilamos esses valores de maneira espontânea,

61
como se fossem nossos. Você já pensou a respeito
disso? Quais são os seus valores? Foram pensados
por você? Você tem consciência de quem é? Você é
definido pela sua profissão? Você é definido por sua
conta bancária? Você é o seu automóvel. Você é a sua
casa? Qual é a sua verdadeira identidade? Se ainda
não pensou nisso, sugiro que pare a leitura por
alguns minutos. Há que pensarmos nisso!
Os meios de comunicação, a serviço da
manutenção do Sistema, propagam o ter como um
modelo de vida significativo, assim como a escola,
desde a infância, e se estende para a vida adulta na
educação superior. Nas escolas, é perceptível que a
cultura do ter contribui não somente para a formação
para o mercado de trabalho, mas também para a
competição e o egoísmo. Para a formação de crianças
e adolescentes cada vez mais egoístas, sem valores
verdadeiros, sem consciência de quem são, bem
como do meio sociocultural, econômico, político e
tecnológico em que estão inseridos. E que, ao mesmo
tempo, em que são influenciadas por ele, também
influenciam. Se constroem e se transformam na
interação com os outros. O egocentrismo também é
perceptível nas redes sociais e nas plataformas de

62
ensino, onde tudo vale por alguns minutos de
exposição e de curtidas, ainda que as histórias sejam
criações do próprio ego, e o cenário apresentado seja
mentiroso.
Dessa forma, é crucial a expansão da
consciência em relação a nós mesmos e à sociedade
do ter e não ser, que formamos. Além da relevância
de uma educação voltada para o autoconhecimento e
para a vida. Um modelo de educação para toda a
vida, com a busca pelo conhecimento e o
desenvolvimento de virtudes e valores, de acordo
com a obra "Paideia: a formação do homem grego",
de W. Jaeger. Como um resgate de valores que se
perderam ao longo do tempo. A reflexão como uma
condição humana, uma prática diária, a dúvida para
prosseguirmos na busca pelo conhecimento,
percebermos o que está por trás dos eventos, daquilo
que nos é apresentado.

Algumas semelhanças e diferenças entre o


egocentrismo e o narcisismo

63
O egocentrismo e o narcisismo são conceitos
distintos que possuem pontos em comum. A
adoração que cada um demonstra por si mesmo é a
mesma. Os indivíduos que apresentam as
características egocêntricas e narcísicas são aqueles
que não estão dispostos a amar. Uma característica
decorrente da educação recebida na infância, que,
muitas vezes, é permissiva e sem limites, o que afeta
negativamente o desenvolvimento de laços afetivos,
de amor e de empatia, mas também se desenvolve ao
longo da existência. Isto é, a capacidade de sentir
compaixão e solidariedade, ou seja, de se colocar no
lugar do outro. Procurar compreender a perspectiva
dos outros. É importante salientar que o universo
está em constante mutação e, como somos parte dele,
estamos sujeitos a mudanças constantemente. Nem
todos fazemos o nosso melhor, e, para isso, as mídias
publicitárias ajudam a criar valores consumistas que
levam ao individualismo e ao egoísmo, mantendo
uma sociedade desigual, competitiva, anti-solidária e
desumana.
O egocentrismo é apenas um conceito que
descreve o comportamento egocêntrico, mas não é
um distúrbio ou patologia. O narcisismo é uma

64
maneira mais intensa e patológica de egocentrismo.
É um transtorno de personalidade que se caracteriza
pelo padrão de grandeza, necessidade de admiração
e ausência de empatia, de acordo com o DSM-V –
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais. O indivíduo narcisista tem um senso
inflado de autoimportância, costuma se referir a si
mesmo de maneira exagerada, com frequência. Tudo
o que diz respeito a ele é maior, melhor e mais
importante do que qualquer outra pessoa. Sua
opinião é considerada uma verdade absoluta, uma
vez que se sente mais informado em relação a
qualquer assunto em discussão. Tende a ser
exclusivista e excêntrico, possuir objetos que
ninguém tem, exceto ele. Acaba gastando o que tem
e o que não tem para se sobressair diante dos outros.
Gosta de se exibir e se destacar, constantemente.
Não quer dizer que ame a si mesmo integralmente,
como é, mas sim apenas o seu ego, ou seja, a máscara
que criou para se sobressair às outras pessoas.
O egocêntrico e o narcisista são pessoas que
estabelecem relações baseadas em trocas, ou seja, nos
seus próprios interesses. Quando fazem ou
promovem algo para alguém, esperam uma

65
contrapartida, uma vez que desconhecem o
sentimento e o significado de generosidade. Além
disso, ao realizar algo, disfarçam com intenções boas,
mas isso é apenas um simulacro, ou seja, uma
representação falsa de uma pessoa boa.
Provavelmente foram "arranhadas" no seu ego, no
seu modo individualista e absoluto de pensar e
opinar a respeito das situações que lhes são
convenientes.
O narcisista tende a ser contraditório em
relação a tudo o que o desagrada, pois procura se
vingar a qualquer custo, deixando transparecer uma
aparente bondade para disfarçar a maldade
escondida atrás da máscara. A perversidade oculta
praticada contra as pessoas, a violência psicológica,
que as machuca profundamente e deixa marcas que
precisam ser tratadas.
Há uma grande variedade de pessoas que
apresentam características de egocêntrico e narcísico,
espalhados por todos os lugares. Muitos de nós já
tivemos contato ou convivemos com essas pessoas.
Os indivíduos que sofrem de transtorno narcisista,
embora possuam grande egoísmo, falta de empatia e
um sentimento de superioridade exagerado, o que

66
nos causa desconforto e repulsa, na maioria das
vezes, são considerados egocêntricos. Isso é
frequente, uma vez que as características do
transtorno de personalidade narcisista são difíceis de
serem identificadas, especialmente quando
estabelecemos conexões virtuais. Não devemos
atribuir rótulos às pessoas. Em muitos casos,
necessitamos da ajuda de um psicólogo para
compreender o comportamento de uma pessoa.
Ao nos relacionarmos com alguém com
características egocêntricas ou narcísicas, sofremos
ao alimentar a expectativa de um dia sermos
reconhecidos ou amados por ela. Isso ocorre em
qualquer tipo de relacionamento em que criamos
expectativas e/ou nos submetemos a viver de sobras
e migalhas afetivas. Assim, se torna ainda mais
desafiador identificar comportamentos e
características que não estão no DSM-V – Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.
Apesar de o DSM apresentar uma série de
características, é importante analisarmos mais a
fundo e, às vezes, procurarmos ajuda de um
psicólogo para aperfeiçoarmos a nossa compreensão
do comportamento.

67
Uma coisa é identificarmos que a pessoa
apresenta características egocêntricas ou narcísicas.
Outra questão é compreendermos o que está por trás
das expectativas que criamos em relação ao outro.
Porque nos colocamos em um patamar inferior e de
submissão, mas não ao lado, valorizando e
validando as atitudes mesquinhas e/ou agressivas do
outro; e nos submetendo às suas necessidades,
aceitando as suas faltas e migalhas afetivas. No que
diz respeito ao indivíduo narcisista, não se limitam
às sobras afetivas, mas também à violência
psicológica ou física. Quando isso ocorre, é sinal de
que algo não está bem conosco, especialmente
quando o outro nos causa desconforto, dor e
sofrimento, mas ainda assim permanecemos ao seu
lado. Lamentavelmente, a maioria de nós não
consegue identificar e nomear os sentimentos que
surgem das nossas reações a eventos externos, ou
seja, do nosso comportamento. A maioria de nós é
analfabeta emocional, não nos conhecemos e
vivemos como estrangeiros em nossa própria
existência. Para modificarmos o nosso
comportamento, precisamos ter conhecimento,
compreender o funcionamento do cérebro,

68
precisamos nos voltar para nós mesmos para nos
conhecermos. Se não for possível nos conhecer de
maneira autônoma, precisamos recorrer à ajuda de
um amigo ou de um profissional da saúde mental.
Para nos ajudar a compreender o que está
acontecendo conosco, o que está por trás do nosso
comportamento e que não estamos conseguindo
enxergar. Podemos, com a ajuda de um profissional,
iniciar um processo de autoconhecimento, com
comprometimento e dedicação, para chegarmos às
raízes das nossas dores e encontrar respostas para as
questões que nos angustiam.
Em geral, quando temos baixa autoestima e
autoamor, tendemos a sofrer em qualquer tipo de
relacionamento, uma vez que estamos vulneráveis e
sujeitos a comparações com outras pessoas, e não
com nós mesmos. E, sobretudo, quando nos
relacionamos com pessoas que apresentam
características egocêntricas ou transtorno de
personalidade narcísica, pois a falta de autoestima e
amor-próprio é tudo o que os narcísicos e os
egocêntricos procuram, nos outros, sempre. Pessoas
com baixa autoestima, sem autoamor, autorrespeito e
autoconfiança estão suscetíveis aos narcisistas e aos

69
egocêntricos, assim como o hospedeiro está para o
parasita. O carrapato, por exemplo, é o parasita de
alguns animais, como a capivara, o cachorro e outros.
De acordo com a biologia, todos os organismos que
habitam um ecossistema interagem entre si. Algumas
relações beneficiam todos os envolvidos, enquanto
outras beneficiam apenas um dos envolvidos. Sendo
assim, é possível dizer que, ao se relacionar com um
egocêntrico ou narcísico, é uma dessas relações que
não promove benefícios para todos os envolvidos,
apenas um é beneficiado. O egocêntrico e o narcísico
nutrem seu ego, sua imagem ilusória, seus desejos,
por meio da falta de autoestima, autoamor e
autorrespeito pelo outro. Ou seja, o parasita retira o
seu alimento do corpo do outro, ou seja, do
hospedeiro.
Segundo a PNL – Programação
Neurolinguística, por meio do pensamento, tomamos
decisões e agimos, atribuímos significado às coisas
do mundo exterior, fazemos escolhas mais acertadas
e criamos nossa realidade. Dessa forma, tudo o que
pensamos e sentimos tem consequências na nossa
vida e no mundo. Sendo assim, vale salientar que
tanto os parasitas quanto os hospedeiros se adaptam

70
um ao outro. O parasita necessita se alimentar,
portanto, age de maneira a manter o hospedeiro
vivo, caso contrário, ele morrerá. Em suma, as
pessoas com características egocêntricas e transtorno
de personalidade narcísica, necessitam de alguém ao
seu lado para receber elogios, serem reconhecidas,
aplaudidas, terem o ego amaciado, terem seus
discursos ouvidos, entre outros benefícios. Enquanto
isso, o hospedeiro, o indivíduo que sofre com a falta
de autoestima e amor-próprio, tem um traço em
comum com o parasita, o narcisista ou o egocêntrico,
a ilusão. Em outras palavras, o hospedeiro
permanece na relação, apesar da dor e do sofrimento,
pois acredita que pode mudar o parasita. A pessoa,
por não ter amor-próprio, autoestima e respeito,
pensa que, um dia, poderá ser amada pelo outro,
nesse caso, o narcisista ou o egocêntrico.
As pessoas com transtorno de personalidade
narcísica empregam frequentemente a tática da
promessa como uma forma de evitar serem
abandonadas. Elas percebem os desejos das pessoas
sob a sua influência e, ilusoriamente, prometem
presentear e fazer acontecer, a fim de mantê-las ao

71
seu lado, submetidas ao seu jogo manipulador e
perverso.
Neste tipo de relação, não há um
envolvimento afetivo, amor ou empatia. Não há a
troca ou a construção de sentimentos, emoções,
sensações, enfim, qualquer tipo de ressonância
afetiva ou sensibilidade de afeto. Um par de ouvidos
para escutar as nossas fragilidades, angústias ou
lamúrias, um ombro amigo para recostarmos a
cabeça nos momentos em que precisamos nos
mostrar mais fortes para amparar o outro.
Os indivíduos com transtorno de
personalidade narcísica se apresentam ao outro
procurando impressionar com suas falas e discursos
pré-elaborados, pois precisam ser aceitos. Eles
procuram se autoafirmar, criar uma imagem
marcante, a fim de demonstrar que são superiores às
outras pessoas. Dessa forma, expressam, por meio de
suas ações e opiniões, a imagem de pessoas objetivas,
decididas e conscientes do que desejam. Buscando,
dessa maneira, esconder seus complexos de
inferioridade e insegurança, e, ao mesmo tempo,
eleger alguém para ocupar a posição de

72
inferioridade, ou seja, alguém para lhe servir de
plateia, em todos os momentos.
Finalizar uma relação com pessoas com
transtorno de personalidade narcísica é bastante
desafiador, requer muita coragem e determinação,
rede de apoio e acompanhamento psicológico. A dor
e o sofrimento, resultantes do jogo manipulador,
impiedoso e perverso praticado pelo narcisista, são
extremamente prejudiciais à saúde mental e física,
deixando marcas profundas. Os narcisistas não
admitem ser abandonados. Por meio do seu jogo
persuasivo e perverso, suas promessas ilusórias, eles
fazem de tudo para manter a vítima sob sua
manipulação. Quando eles não se sentem
valorizados, elogiados, correspondidos em sua
vaidade, descartam o outro como um trapo velho,
um objeto que não tem mais utilidade e o
descartamos no lixo. Uma das características do
utilitarismo é semelhante e naturalizada ao que
ocorre atualmente na nossa sociedade de consumo,
na maioria dos relacionamentos. Além de
descartarem o outro como um objeto sem utilidade,
elas estimulam a culpa e criam uma situação em que
o outro se sinta totalmente responsável pelo fracasso

73
da relação ou evento, uma vez que foram
abandonados e não terão seus desejos atendidos.
São pessoas que fazem um jogo perverso e
dissimulado, pois nem sempre é possível perceber,
logo no início, a maldade que está por trás. No
fundo, elas estão apenas exalando o seu veneno, a
raiva contra a outra pessoa, por não mais ter
admiração e reconhecimento pela sua fantasiosa e
ilusória superioridade. Em situações inesperadas,
elas usam o telefone de maneira bastante discreta
para manter a plateia atenta. Ligam com uma única
finalidade, a de exibirem os seus glamoures, viagens
a lugares exóticos e badalados que visitaram. As
mais recentes e modernas aquisições, os convites
"importantes" e todos os fatores que as fazem se
sentirem superiores às outras pessoas. Para isso, elas
precisam de alguém que se sinta menos, não tenha
amor-próprio, autoestima e autorrespeito, a fim de
ter a certeza de que serão ouvidas, e que seu ego será
acariciado e validado. Após expelirem todo o seu
glamour ilusório, dissimuladamente, afirmam estar
ocupadas e sem tempo para continuar a conversa, ou
seja, o discurso megalomaníaco. Mesmo que o seu
interlocutor tente argumentar, ele nunca será ouvido,

74
já que não há qualquer sentimento de empatia por
parte de alguém que vive em seu próprio umbigo
constantemente.

A importância de nos conhecermos

O conhecimento sobre nós mesmos nos


permite ampliar a consciência, enxergar, identificar e
compreender diversas características que estão
presentes no nosso comportamento e no nosso
padrão mental vibratório, o que explica o motivo
pelo qual atraímos, com frequência, um determinado
perfil de pessoas para a nossa vida; a necessidade de
esperar algo do outro que, muitas vezes, não tem
para nos oferecer. Uma relação para se manter
equilibrada e saudável requer 50% de participação
dos envolvidos e interessados. Aprendemos a
distinguir entre o que é nosso e o que é do outro,
começamos a separar, a deixar o outro ir, sem nos
sentirmos culpados. Percebemos que todo
sofrimento se consolida quando criamos expectativas
em relação ao outro. Quando esperamos o amor do
outro, estamos em falta com nós mesmos.
Aprendemos, gradativamente, a ler as mensagens

75
que nos são transmitidas pelos nossos sentimentos e
emoções, e também a nomeá-las; que toda dor que
experimentamos não é em vão, pois é por meio dela
que nos tornamos mais sensíveis, confiantes na vida
e mais cautelosos. Ou seja, as nossas fragilidades
vem a tona, para serem superadas; que é por meio da
aceitação e do acolhimento da dor que crescemos;
que as pessoas não chegam à nossa vida por acaso,
há sempre um motivo, uma razão qualquer. Enfim,
percebemos a relevância do autoconhecimento, o
quanto podemos ampliar a nossa percepção de nós
mesmos e do mundo, e, sobretudo, que não podemos
mudar o mundo, mas podemos mudar a nós
mesmos. Mahatma Gandhi sabia muito bem disso ao
dizer que, "Seja a mudança que você quer ver no
mundo". Quando mudamos, crescemos, nos
tornamos uma pessoa melhor que ontem, mais
solidários e humanos. O planeta e todos os outros
também ganham, pois estamos interligados.
Segundo Jung, o outro é o nosso espelho. Em
outras palavras, o outro é o portador das
características que ignoramos ou não aceitamos em
nós mesmos, a nossa sombra, ou seja, os nossos
defeitos. Sendo assim, não importa se gostamos ou

76
não do que nos pertence, mas se repudiamos,
procuramos esconder e projetar no outro, consciente
ou inconscientemente, estamos retardando o nosso
processo de crescimento. O outro é o nosso mestre,
alguém que surge na nossa vida para nos ensinar
algo que necessitamos para o nosso crescimento e
evolução.
Dessa forma, é crucial estarmos atentos ao
nosso comportamento, observarmos mais.
Compreender as causas dos nossos infortúnios e
frustrações; o motivo pelo qual atraímos pessoas com
determinadas características, como egocêntricas ou
narcísicas, como outras; manter uma relação sem
ressonância afetiva ou trocas; nos submetermos às
sobras e migalhas afetivas; continuar ao lado de
alguém que nos causa dor e sofrimento. Podemos
também analisar como a nossa autoestima está se
precisa ser fortalecida ou desenvolvida, assim como
o nosso amor-próprio, o autorrespeito, a
autoconfiança, enfim, uma análise necessária,
profunda e detalhada de todos esses importantes
elementos que compõem a nossa estrutura psíquica e
nos permitem viver de maneira mais equilibrada e
feliz. Simbolicamente, as características das pessoas

77
que nos incomodam e nos afetam estão relacionadas
ao que temos de excesso ou falta, pois tudo o que
pensamos e sentimos, cria e interfere na nossa
realidade, conforme as nossas escolhas, ações e
reações.
Em geral, quando paramos para analisar ou
rever o nosso comportamento, nas nossas relações,
diante de determinadas situações, deparamos com a
nossa sombra ou as nossas faltas. Dessa forma, surge
a raiva, a culpa, o arrependimento e a autocrítica,
muitas vezes acompanhada de autopunição. Porém,
não devemos nos autopunir, permitir que o juiz
severo que temos dentro de nós se apresente.
Podemos lidar com nossas raivas e dores sem medo,
acolhendo-as, assim como os nossos erros, para
identificar o ponto crucial, a origem do que nos
causa dor. Descobrirmos e compreendermos o
motivo de demandarmos nosso tempo ao lado de
alguém que nos causa sofrimento. Caso essa
identificação não for possível de maneira
independente, podemos solicitar a ajuda de amigos
ou de uma terapia, para prosseguirmos de maneira
mais equilibrada e suave, com mais clareza do que
desejamos para a nossa vida. As pessoas que

78
desejamos ter ao nosso lado para compartilhar
momentos juntos, sejam eles bons ou ruins. Para isso,
devemos ter clareza e objetividade em relação ao que
buscamos no outro, estabelecendo critérios. São
critérios simples e invisíveis, como o respeito,
consideração, solidariedade e companheirismo, entre
outros. Em outras palavras, são valores estabelecidos
e pensados por nós mesmos, e não valores sugeridos
de forma subliminar pela publicidade e pela cultura
do ter, que são predominantes na nossa sociedade.
Uma sociedade que tem como foco principal a
economia, o poder e o lucro, em detrimento do ser
humano, seus conhecimentos, virtudes e sabedoria.
Nela, cada um, vale pelo que tem, como sua conta
bancária, casa, carro, entre outros bens materiais, e
não pelos seus valores, como, solidariedade,
autonomia, responsabilidade, humanidade, etc., que
são ignorados.

79
Narcisismo

“Quando nossos olhos não nos enxergam


perdemos a noção de quem realmente somos.”
— Osman Freitas

“Falar muito de si mesmo pode ser também um


modo de se esconder.”
— Friedrich Wilhelm Nietzsche

80
O conceito de narcisismo tem sua origem no
personagem do mito grego que representa a vaidade,
Narciso, um jovem rapaz que, ao contemplar a sua
imagem de perto no espelho de um lago, cai na água
e morre afogado. Sendo assim, o termo narcisismo
passou a ser usado popularmente para descrever as
pessoas com uma imagem exagerada de si mesmas;
amor-próprio além do comum.
O termo "narcisismo" foi introduzido no
campo da Psiquiatria no final do século XIX. No ano
de 1899, o alemão Paul Nacke usou o termo para
descrever perversões sexuais. Ele o usou para
descrever uma maneira de sexualidade, um estado
de amor de uma pessoa por si mesma, centrado no
corpo. Em 1914, o conceito foi introduzido na teoria
psicanalítica por Sigmund Freud em sua obra sobre o
narcisismo. E, classificado como Transtorno de
Personalidade Narcisista pela Associação Americana
de Psiquiatria, em seu Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), em
1980.

81
Conforme os estudos de Freud, o narcisismo
não se limita ao amor excessivo de uma pessoa pela
imagem de si mesma, como tampouco a uma
patologia. Para ele, o narcisismo é uma estrutura,
uma fase natural do desenvolvimento humano, a
base fundamental para a formação da nossa
identidade. Essa fase tem início nas primeiras
experiências da infância, quando o indivíduo tem
contato com o mundo, o bebê e a mãe. Dessa forma,
surge a afirmação de que todos nós somos narcisistas
e egocêntricos.
Essa afirmação, de certa forma, minimiza a
psicopatologia, do transtorno de personalidade
narcisista. A perversidade praticada por indivíduos
que se enquadram nesse tipo de transtorno, que
usam a manipulação e a violência psíquica, e, às
vezes, também física, para intimidar, desvalorizar e
incutir sentimentos de culpa nas suas vítimas, em
prol do fortalecimento do seu poder, da criação do
seu eu megalomaníaco. Dessa forma, o narcisismo
apresenta características que todos nós temos. Até
certo ponto, não podemos generalizar e usar esse
termo para descrever um indivíduo com uma
imagem exagerada de si mesmo, um amor-próprio

82
além do normal, pois, se o fizermos, "banalizaremos
o mal", o jogo perverso, a manipulação, a violência
psicológica e, às vezes, física, praticada pelos
indivíduos que apresentam esse tipo de transtorno.
A partir de 1960 e 1970 para frente, estudos
comprovam que o conceito de narcisismo tem sido
aprofundado com observações e descobertas a
respeito do que está por trás desse comportamento
que, por meio de ações e práticas perversas,
inaceitáveis e desumanas, se alimenta da fragilidade
de outras pessoas. Como exemplo de naturalização
da maldade, destacamos eventos de extrema
perversidade praticados por líderes de Estado, que
marcaram a história. Perversidade esta apoiada por
milhões de cidadãos, que os colocaram no poder, à
frente dos interesses nacionais.
O ano de 1960 foi caracterizado por diversos
movimentos que buscavam mudanças, como o
hippie (contracultura), as revoltas estudantis por
mais liberdade; os direitos civis, liderado por Martin
Luther King; as discussões sobre os relatos de crimes
ocorridos durante a guerra, o nazismo e o fascismo,
dentre outros. Diante desse cenário social e político,
um fenômeno mundial se destacava, a efervescência

83
da maldade, a "banalização do mal". A pesquisa
científica tinha como principal objetivo compreender
as consequências desse evento. A filósofa e jornalista
alemã Hannah Arendt utilizou o termo "A
banalização do mal" em seus estudos de1963, que se
deram em decorrência do Nazismo de Adolf Hitler,
no qual as pessoas eram condenadas à morte ou
envenenadas por serem consideradas inferiores. Ela
evidencia que, durante o julgamento, os líderes do
nazismo, ao serem questionados, simplesmente
diziam que estavam cumprindo as ordens do seu
superior, Adolf Hitler, a quem tinham total lealdade
e respeito pela hierarquia. Enquanto o psicólogo
social Milgram, embasado pelo seu experimento,
procurou observar e questionar até que ponto uma
pessoa pode obedecer a uma autoridade para fazer
algo que não concorda, considera inaceitável e
desumano, o que contraria os seus valores. Ele
procurava compreender as implicações que estavam
por trás desse comportamento. O seu experimento
utilizava a punição como método de ensino, ou seja,
uma pessoa desempenhava o papel de professor e
outra de estudante. O professor fazia perguntas ao
aluno, que, ao responder à questão, recebia um

84
choque de intensidade baixa, aplicado por ele
mesmo. Quanto maior o número de erros, maior a
intensidade do choque. O experimento foi realizado
com atores, e não pessoas comuns, pois Milgram
tinha como objetivo avaliar se as pessoas que
aceitavam aplicar choques nas outras continuariam
participando do teste, mesmo ouvindo os gritos de
dor das pessoas que participaram da experiência.
Além do seu experimento, havia também o de Philip
Zimbardo no presídio de Standford, que tratava de
questões parecidas.
A questão central da época era: como
indivíduos podiam apoiar democraticamente líderes
fascistas como Mussoline, na Itália, e Hitler, na
Alemanha? As consequências que causaram a
segunda guerra mundial entre 1920 e 1930.
Nessa mesma década, o Brasil passava de uma
sociedade rural para urbana; o suicídio de Vargas; o
governo de Juscelino; os movimentos pela educação
pública, liderados por Anísio Teixeira, Florestan
Fernandes e Fernando Henrique Cardoso. Em 1961,
houve a primeira tentativa de golpe do Estado; a
campanha pela legalidade promovida por Leonel
Brizola; e, em 1966, o golpe militar - a ditadura -, que

85
trouxe consigo a prática da perversidade e a
"banalização do mal".
O termo "banalização do mal", usado por
Hannah Arendt, Milgram e Zimbardo, se refere às
pessoas que cumpriram ordens criminosas ou
perversas com a consciência tranquila. Ou seja,
procuraram se eximir de sua responsabilidade,
especialmente os algozes que levaram milhões de
judeus à morte, alegando que estavam cumprindo
ordens de seus superiores. Em maior ou menor
escala, o mesmo ocorreu no Brasil com a ditadura,
onde milhares de pessoas foram torturadas e mortas,
além de exiladas, por pensarem de maneira diferente
da ‚ordem‛ vigente, ou seja, se importarem com
uma sociedade democrática, mais justa e igualitária.
O mesmo tipo de maldade ocorreu na Grécia em 399
a.C., com o filósofo Sócrates, que morreu por
envenenamento. Ele lutou por uma sociedade mais
justa e igualitária, incentivando as pessoas ao
autoconhecimento, à sabedoria e à prática do bem, a
refletir a respeito de si mesmas e encontrar as
verdades e respostas para suas inquietações
existenciais, no interior de si mesmas. Sócrates foi
condenado à morte por incentivar as pessoas a se

86
voltarem para si mesmas em busca de conhecimento,
a se confrontarem com a sua ignorância, em relação a
si mesmas. É lamentável que nem sempre o ato de
filosofar e refletir, seja visto como benéfico,
sobretudo, em uma sociedade cujo objetivo é manter
o poder e o lucro, visando ao ter e não ao ser,
incentivando o consumo excessivo. Como exemplo,
no Brasil, o presidente eleito para a Presidência da
República, no período de 2019-2022, desde a sua
posse, por meio da comunicação e atitudes,
influenciou de forma significativa o inconsciente
coletivo, trazendo à tona a prática do racismo,
homofobia, o aumento da estatística do feminicídio,
o anseio pela ditadura, o uso de armas, dentre outras
práticas, consciente ou inconscientemente. Esse líder
foi eleito pela maioria da população brasileira e teve
o apoio de milhões de pessoas, como negros, pobres,
nordestinos, homossexuais, minorias que não se dão
conta do preconceito, do racismo institucionalizado e
estrutural, da violência, e o reproduzem. Isso faz
com que as pessoas ajam de maneira comum,
naturalizando a discriminação e exclusão de negros,
gays, nordestinos, pessoas com deficiência física e
mental e mulheres de terem autonomia em relação

87
ao seu corpo e desejos. Isso reforça o machismo, o
racismo estrutural, a violência e o descaso com as
minorias. A perpetuação de comportamentos e
práticas prejudiciais que se repetem ao longo da
história humana.
A perversidade não é apenas praticada pelos
líderes, chefes de Estado, mas também por muitas
pessoas que ocupam posições privilegiadas, de status
e poder, que estão à frente das relações verticais
entre o superior e o subordinado, onde um dá as
ordens e o outro obedece passivamente. Não
podemos generalizar, porque todas as regras têm
suas exceções.
Esse tipo de perversidade também está
presente, nos relacionamentos narcisistas, como nas
relações entre casais, amigos, pais e filhos, patrão e
subordinado, professor e aluno, policial e infrator,
etc. Em qualquer tipo de relacionamento pode haver
um narcisista envolvido. O narcisismo é
caracterizado por suprir suas necessidades com a
emoção de qualquer um que esteja próximo, seja um
filho, marido ou esposa, um amigo, funcionário,
aluno, etc. Pessoas com transtorno de personalidade
narcísica estão em todos os lugares possíveis.

88
Retomando o conceito de narcisismo
apresentado por Freud, para compreendermos
melhor essa afirmação, ele dividiu o conceito de
narcisismo em duas partes distintas: o narcisismo
primário e o narcisismo secundário. A fase de
desenvolvimento do autoerotismo é o momento em
que a fonte de satisfação da libido (energia mental)
está voltada para o corpo do indivíduo, ou seja, a
descoberta e o encontro de prazer a partir de si
mesmo. É o período em que o recém-nascido está em
um estado de indiferenciação entre ele e o mundo,
ou seja, ele, sua mãe e tudo o mais ao seu redor são
apenas uma extensão do seu corpo. Tudo começa e
termina no bebê, ele mama, chupa o dedo, faz cocô,
todos os prazeres estão concentrados no seu corpo.
Numa perspectiva integral de desenvolvimento
humano, podemos dizer que, desde que nascemos
experimentamos o mundo de forma totalmente
integrada, não diferenciamos o nosso dedo do peito
da nossa mãe e do cobertor. De acordo com as teorias
da psicanálise, nesta fase, o outro ainda não está
presente em nossa vida. Psicologicamente, ainda não
formamos um ego capaz de estabelecer relações com
os outros e nos diferenciarmos do mundo. Dessa

89
forma, encontramos satisfação e prazer em nós
mesmos, e não na interação com as pessoas.
Na indiferenciação, o ego é submetido e
confundido com o id (a realidade interna). Essa
experiência leva o bebê a experimentar
psiquicamente que os objetos para satisfazer seus
desejos foram criados por ele mesmo. Seria fantasiar
e acreditar que nasceu na condição de "bebê-
majestade", que o mundo gira em torno dele;
alimentar a ilusão de "onipotência", pois, ao chorar e
receber, imediatamente, os primeiros carinhos para
se tranquilizar, ou ter a primeira mamada para saciar
a fome, enfim, seus desejos sempre serão realizados.
É importante ter alguém por perto para suprir
as necessidades básicas do bebê, atendendo aos
sinais de choro, soluço, bocejo e excreção de fezes e
urina. Ou seja, suprir todas as suas necessidades
básicas não é um problema, pelo contrário, é
necessário, pois é graças a esses cuidados que ele
sobrevive. Ao contrário dos outros animais,
nascemos extremamente vulneráveis, necessitando
do olhar de outros humanos, dos cuidados e do amor
dos adultos para manter a nossa sobrevivência. É
uma fase de dependência total. Sendo assim, o

90
narcisismo primário é indispensável. Precisamos
dele, pois é um investimento necessário para a
manutenção da vida, algo natural do
desenvolvimento humano.
Já o Narcisismo Secundário é a fase em que o
indivíduo sai da satisfação autoerótica para se
relacionar com o mundo de maneira diferente, isto é,
o bebê direciona parte de sua libido - energia
pulsional, na interação com os outros, a fim de obter
alguma satisfação e prazer. Algo que não lhe é dado,
mas construído por meio da relação com a outra
pessoa. Portanto, para consolidar essa mudança, é
imprescindível que ele deixe de lado sua zona de
conforto, sua inércia mental, e comece a pensar e
investir um pouco de sua libido (energia) na
interação com as pessoas. Nesse período, o bebê já
consegue diferenciar o seu corpo em relação ao
mundo; consegue identificar que existe alguém que
atende às suas necessidades, que não é mais ele, mas
outra pessoa. Dessa forma, uma parte dessa libido
permanece no ego, enquanto a outra, investida na
relação com o outro, quando o bebê começa a
perceber a existência das pessoas, também retorna
para ele. Um vínculo é criado e uma relação começa

91
a surgir. A descoberta de que não é mais o único a
satisfazer suas necessidades e prazeres o deixa
inseguro, pois o outro pode ou não atender às suas
necessidades. Sendo assim, o bebê começa a lidar
com as incertezas e as frustrações, pois ao recordar
que existe alguém que o acolhe, não precisa chorar
quando a fralda não for trocada imediatamente, por
exemplo. Com o tempo, ele percebe que não é o
centro das atenções, o mundo não gira ao seu redor,
ele não é a única pessoa que a mãe ama, pois existem
outras situações ao seu redor que roubam a cena do
seu narcisismo primário, exigindo-o reconhecer que
existe uma realidade externa, independente de sua
vontade.
Segundo Winnicott em sua obra "A Família e o
Desenvolvimento Individual", o período de
desenvolvimento infantil entre o nascimento e os
primeiros seis meses de vida é caracterizado por uma
fase de "dependência total". A migração do
narcisismo primário para o secundário ocorre entre o
terceiro e o quarto meses de vida. A passagem é
crucial para a mudança do autoerotismo onipotente
em direção ao mundo e ao outro; do individualismo
para a aceitação das diferenças. O indivíduo percebe

92
que a "majestade bebê" que tinha todos os seus
desejos realizados existiu apenas na sua mente, que
se relacionar com o mundo é um desafio constante,
pois em algum momento, chorará por não ter suas
necessidades atendidas de imediato; as coisas não
são como ele gostaria, mas como se apresentam; o
mundo não pode ser reduzido ao seu universo
particular, ao seu próprio mundo.

Quando o narcisismo se torna patológico?

De acordo com o Manual Diagnóstico e


Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), o
transtorno de personalidade narcisista é um
distúrbio que se caracteriza pelo padrão de
grandeza, necessidade de admiração e ausência de
empatia. Ou seja, o indivíduo reluta em reconhecer
ou se identificar com os sentimentos e necessidades,
respeitar o ponto de vista das pessoas. Acredita ser
"especial" e único, e que só pode ser compreendido
ou associado a pessoas especiais, ou com uma
elevada condição. É propenso a acreditar que atingiu
o grau máximo de perfeição em tudo o que faz.

93
A personalidade narcisista é caracterizada
pela necessidade constante de aprovação e
admiração. A arrogância e a superioridade são os
sentimentos predominantes. Pessoas narcisistas são
sensíveis às críticas, e temem a rejeição. Elas se
sentem donas da verdade e acreditam que estão
sempre certas. As suas ações são sempre marcadas
pela vaidade e orgulho. Se preocupam demais
consigo mesmas e com o que as pessoas pensam a
respeito delas. Procurem ser amadas, admiradas e
validadas com frequência.
Todo narcisista é invejoso, mas acredita que os
outros o invejam; sempre se compara aos outros, se
declara mais belo e superior às pessoas, e, quando se
sente ameaçado na sua pretensa superioridade, não
mede esforços para prejudicar aqueles que julgam
ser o seu rival. Por se considerar mais belo e superior
às outras pessoas, acredita ter mais privilégios e
direitos que os outros. Segundo a sua vaidade,
fascínio e admiração exagerada de si mesmo, e da
sua própria imagem, acredita que ela é a mais bela e
maravilhosa, apesar de não ser.
A pessoa com transtorno de personalidade
narcísica se torna uma escrava de si mesma, devido à

94
necessidade de ser a número um. Usa roupas de
grifes e exóticas, carros extravagantes e tudo que
possa ser diferente dos outros, com o único objetivo
de chamar à atenção das pessoas. A sua pretensa
superioridade e a sua vaidade exagerada são fatores
que a impedem de desfrutar de paz.
Frequentemente, precisa provar para si mesma e
para os outros que é a mais bela, charmosa,
simpática e a melhor em tudo. No entanto, o
narcisista sofre com isso, pois o desejo de ser sempre
o número um é insaciável. Além da necessidade de
aprovação e admiração por parte dos outros, existe
um grande complexo de inferioridade, rejeição e, em
alguns casos, insegurança. A rejeição faz com que a
pessoa de personalidade narcísica se agarre com
todas as suas forças àquilo que pensa e acredita ser
para causar uma boa impressão nas pessoas que
estão ao seu redor.

Quais são as causas, e o problema com o


Narcisismo?

95
O narcisismo, embora não seja um conceito
preciso, muitos profissionais da área da saúde
mental afirmam que sua causa está relacionada à
combinação de fatores genéticos hereditários e
ambientais. Conforme vimos, durante as fases de
desenvolvimento da primeira infância, as crianças,
além de serem totalmente dependentes dos pais e/ou
cuidadores, costumam ter todas as suas necessidades
atendidas imediatamente. Isso faz com que algumas
delas acreditem que são o centro da família e do
universo, que seus desejos são verdadeiras ordens, e
todas as coisas lhe pertencem, ou seja, o excesso.
Enquanto outras, a falta e/ou a criticidade excessiva.
A neurobiologia afirma que a causa está ligada à
junção do pensamento e do comportamento, que está
ligada ao temperamento e à capacidade de lidar com
as tensões.
Há pessoas que deixam de ser crianças, mas
continuam nesse padrão de ‚A Majestade bebê‛
durante a vida adulta. Durante a formação da
estrutura psíquica da criança, o desenvolvimento da
identidade, os cuidados, mimos, e supervalorização
em excesso, bem como a formação de crenças de

96
superioridade em relação aos outros, tanto por parte
dos pais, quanto por falta deles, em menor proporção
do que o necessário. São fatores que interferem
diretamente no comportamento — no modo de ser
do indivíduo, nos seus relacionamentos ao longo da
vida, de maneira positiva ou negativa. A partir dessa
prática, que se inicia na infância pelos pais ou
responsáveis pelas crianças, surge o distúrbio de
personalidade narcisista, caracterizado por
indivíduos egoístas e perversos, sem a menor
sensibilidade e empatia para com os sentimentos dos
outros. São indivíduos preocupados e voltados
apenas para os seus interesses, se colocam em
primeiro lugar em tudo, sempre.

Características que ajudam a identificar o


transtorno de personalidade narcisista

Os indivíduos que apresentam transtorno de


personalidade narcisista apresentam diversas
características. De acordo com o DSM-V, o distúrbio
de personalidade pode ser definido por pelo menos
cinco dos nove critérios a seguir: um senso

97
exagerado de autoimportância e superioridade,
acredita que seus interesses e opiniões são mais
importantes que os outros, o que o leva a crer que
pode controlar os outros; um sentimento de
exclusividade, que o faz crer que merece atenção
excessiva, e, consequentemente, só pode ser
compreendido por outras pessoas tão especiais
quanto ele. A ausência de empatia, pois não
consegue se colocar no lugar do outro, respeitar ou
compreender o ponto de vista alheio. Nada é maior
que os seus desafios e as suas dores. O foco está
voltado para as fantasias de sucesso e poder
ilimitados; apresenta comportamentos e atitudes
arrogantes e presunçosas. Inveja às pessoas, mas
acha que é invejado; busca levar vantagem nas
relações para atingir seus objetivos; usa as pessoas
como um objeto, que quando não serve mais, o
jogamos no lixo. É extremamente sensível às críticas,
quando contrariado, age com irritabilidade, raiva e
agressividade. Não tem maturidade emocional para
lidar com frustrações, perdas e erros, sempre joga
para o outro as consequências e responsabilidades
dos seus atos. Pode errar, mas faz com que o outro se
sinta culpado, porque sofre de baixa autoestima.

98
Acredita que sabe mais, e que o outro existe para
suprir suas necessidades.
Essas características se constituem quando os
indivíduos apresentam inflexibilidade, falta de
adaptação e persistência no seu comportamento.
Quando causa prejuízo funcional ou sofrimento
subjetivo significativo, se torna um problema. Ou
seja, quando esse estado natural de investimento em
si mesmo excede o normal, ele se torna doentio,
patológico, interfere e dificulta as relações do
indivíduo. São características com origem no medo
que o indivíduo tem de ter as imperfeições ou falhas
reveladas. Conforme vimos, muitos indivíduos bem
sucedidos, sobretudo aqueles que ocupam posições
de status e poder, apresentam traços de
personalidade que se aproximam do transtorno de
personalidade narcisista.
Atualmente, o termo narcisismo tem sido
empregado de maneira equivocada para descrever a
falta de diálogo e a intolerância às divergências de
opinião, o que resulta em conflitos, preconceitos e
violência. Ou seja, muitos buscam ter suas ideias
validadas, sem que o outro discorde de seus
argumentos. Caso contrário, respondem com raiva e,

99
na maioria das vezes, com uma agressão verbal. Isso
não é diferente de um ato de violência contra os
outros, um comportamento ensimesmado ou egoísta,
em que tudo gira em torno do próprio interesse,
beneficiando apenas um lado da relação. É um
comportamento autoritário e rígido, no qual o
indivíduo se apega excessivamente às suas ideias e
desejos, e, raramente, percebe ou reconhece os seus
erros. Não consegue se colocar no lugar do outro e
respeitar a opinião da outra pessoa. Essa é uma das
armadilhas do ego, e todos nós, estamos sujeitos a
cair nelas. Se, permitirmos que o ego se sobressaia à
situação, ou seja, que a imagem falsa que criamos de
nós mesmos se sobreponha às outras pessoas e aos
eventos externos. Permitir que isso ocorra é nos
mantermos nos primeiros meses de vida, no estágio
mais primitivo de ser humano. Contudo, é possível
avançar para um narcisismo secundário, onde o
outro está presente e há espaço para nos
relacionarmos uns com os outros, amarmos e sermos
amados. Afinal, somos seres sociais por natureza, e é
na interação com o outro que nos tornamos pessoas
melhores. Para isso, precisamos sair da nossa zona
de conforto e ir ao encontro do outro, fazendo o

100
movimento relacional, que é uma construção de mão
dupla. Só assim podemos nos conectar, compartilhar,
trocar, de maneira empática e solidária, inteligente e
objetiva, preservando a nossa condição humana.

Processo de Individuação e
Autoconhecimento

“Só aquilo que somos tem o poder de curar-


nos.”
— C.G. Jung

“Até você se tornar consciente, o


inconsciente irá dirigir sua vida e você vai chama-lo
de destino.”
— C.G. Jung

101
“O indivíduo não realiza o sentido da sua
vida se não conseguir colocar o seu “Eu” a serviço
de uma ordem espiritual e sobre-humana.”
— C.G. Jung

Segundo o Dicionário Online de Português,


individuação é a ação de individuar; o que
diferenciou uma pessoa de outra. Dessa forma, o
conceito de individuação não está relacionado ao
individualismo, mas sim ao desenvolvimento e
crescimento, o que requer experiências e interações
com o outro.
Sob uma perspectiva filosófica, a frase
‚Conhece-te a ti mesmo‛, nos leva a refletir a
respeito de quatro perguntas básicas e profundas:
Quem somos nós? De onde viemos? O que estamos
fazendo aqui? Para onde vamos após a morte? Ao
buscarmos respostas para essas questões,
desenvolvemos a nossa identidade como seres
humanos e o sentido da nossa existência. São as

102
quatro perguntas fundamentais da filosofia que
explicam o funcionamento da vida e guardam os
mistérios sobre a verdadeira essência humana. São
questionamentos que refletem o ponto central da
filosofia de Sócrates, ‚Conhece-te a ti mesmo e
conhecerás os deuses e o universo‛, este era o
propósito maior da existência grafado na entrada do
Oráculo de Delfos e oferecido a todos.
Esses questionamentos eram feitos pelos
povos das civilizações antigas para que se tornassem
mais conscientes de si mesmos e de sua função como
seres humanos, se posicionarem melhor na
existência, se aproximarem do ideal de plenitude
humana e terem uma vida que valesse a pena. Em
algum momento, você já se fez alguma dessas
perguntas? Ou, já pensou qual o sentido da sua vida?
O que o motiva a levantar da cama todos os dias,
com disposição, para começar um novo dia? Qual o
seu proposito de vida? Se, já refletiu a respeito dessas
questões, muito bem, pois estamos em busca de uma
compreensão mais aprofundada de nós mesmos,
indo além do funcionamento do cérebro, da
identificação dos nossos pontos fortes e fracos, dos
nossos defeitos e qualidades, da equalização da

103
nossa sombra, etc., o que já é relevante e necessário,
mas podemos avançar ainda mais. Se, não respondeu
a essas perguntas, é hora de se aprofundar,
mergulhar um pouco mais em si mesmo, para ter
uma melhor compreensão de quem verdadeiramente
somos; compreender a importância de nos
aproximarmos da essência verdadeira, algo que está
dentro de nós e faz parte do nosso ser, mas, por
algum motivo, nos afastamos dela. De maneira
simples, mas profunda, de acordo com o processo de
individuação e realização humana, trazido por Jung,
o criador da Psicologia Analítica, que aprofunda esse
mergulho, em nós mesmos.
Assim, foi para Sócrates, o filósofo antigo,
assim como para Jung, pois para ambos, todos os
seres humanos têm um motivo maior para estarem
no mundo, uma missão de vida: se conhecerem para
se tornarem quem são. Para eles, o ser humano não é
um mero acaso, um acidente biológico. Todos nós
temos um motivo para estarmos vivos. Não
nascemos como uma "folha de papel em branco",
temos energias atuantes em nós, apesar de não
sabermos exatamente quem somos, e qual a nossa
verdadeira essência. Seja consciente ou

104
inconscientemente, temos essas informações
armazenadas no nosso inconsciente, as quais são
reveladas pelo nosso Self, ao serem acessadas, de
maneira objetiva ou intuitiva.
A individuação, segundo Jung, leva o
indivíduo a se tornar um ser único e indivisível,
alcançar sua singularidade mais profunda e elevada,
se tornar seu próprio Si Mesmo, ou seja, um processo
de desenvolvimento da personalidade, características
do ser único que somos, separadas da coletividade,
mas não isoladas, e sim, completas, abrangendo a
totalidade do ser. É um movimento de nos voltarmos
para nós mesmos, para descobrirmos quem somos, e
nos tornarmos o que verdadeiramente somos, o
nosso próprio Si Mesmo. O que somos está
integralizado na nossa essência, no nosso Self. É o
encontro com a essência, que sempre esteve conosco,
mas, por diversos motivos, nos afastamos dela. Tudo
o que precisamos na vida, é viver de acordo com a
nossa missão, o nosso propósito maior de estarmos
aqui. Para isso, precisamos encontrar a nós mesmos,
nos conectarmos com o nosso centro, o nosso Self.
Para uma melhor compreensão da nossa
essência e do nosso Self, retomemos a teoria

105
psicanalítica de Freud, na qual ele define o Ego - o
Eu - como o ponto central da mente consciente, a
parte da mente que representa tudo o que ocorre e se
desenvolve nela. Dessa forma, o Ego (a mente) nos
dá a capacidade de distinguir o que é ‚certo‛ ou
‚errado‛, das nossas escolhas e vontades, por meio
da manifestação do livre-arbítrio. É perceptível sua
importância e influência, tendo em vista a máxima
do filósofo Descartes, "penso logo, existo", que
reforça a ideia comum de que o Ego é o centro da
nossa totalidade, o arquétipo central da psique. No
entanto, essa ideia pode nos levar a uma perspectiva
equivocada de nós mesmos, uma vez que existe algo
maior que nos integra, a essência, o Self.
O Self é considerado o centro, o arquétipo
central da psique, uma vez que, ao mesmo tempo,
em que organiza os elementos que a compõem,
abrange e inclui todos os eventos que ocorrem. Ele é
a totalidade que habita o nosso inconsciente, e é
necessário acessá-la.
Sendo assim, a individuação, além de integrar
todos os elementos que compõem a psique,
incluindo as experiências conscientes e inconscientes,
também integra outras polaridades psíquicas, como

106
o Ego e o Self, o pessoal e o universal, Persona,
Anima ou Animus, feminino e masculino, a sombra e
outros arquétipos inconscientes. Uma vez que, são
polaridades opostas que estão interligadas e se
correlacionam, assim como cada elemento que
compõe o psiquismo, está ligado aos outros.
Sendo assim, o Ego, também conhecido como
centro da consciência, é o principal arquétipo do
inconsciente coletivo, sendo responsável pela
organização e unificação de outros arquétipos.
Enquanto o Self é o centro da personalidade, o
organizador, integrador e autorregulador, é a
representação do ser na totalidade. No processo de
expansão da consciência, que abrange a totalidade
do ser, o Ego é considerado o centro da consciência,
mas não o centro da personalidade na sua totalidade.
Muda-se o foco da consciência do Ego para o Centro
da Personalidade, o Self. Quanto maior o nível de
consciência do Ego, maior a probabilidade de
experimentarmos o que não é conhecido. A função
do Ego em relação à Sombra (nossos defeitos) é
reconhecer e integrá-la, ao invés de negá-la. Ao se
confrontar com os aspectos reprimidos da sombra, o
Ego percebe suas limitações, receios e desvantagens

107
em relação à sua interação com o inconsciente e o
mundo exterior. Isso resulta no desenvolvimento do
Self, na individuação, cujo objetivo é facilitar a
integração da consciência com o inconsciente.
Atingirmos o centro da personalidade, o Self, para
nos realizarmos em individualidade e personalidade.
Os dois mundos, o externo e o interno, formam uma
única unidade.
Segundo Jung, o processo de individuação é
um diálogo constante entre o Ego e o Self. É no
confronto do consciente com o inconsciente, no
enfrentamento como na colaboração entre ambos,
que os elementos que compõem a personalidade
amadurecem e se unem numa síntese, na realização
de um indivíduo único e inteiro. Esse movimento
constitui o processo de individuação.
Sendo assim, para que a individuação
aconteça, é necessário aproximar e harmonizar esses
dois opostos que integram a nossa psique: a
consciência (Ego) e o inconsciente (Self). Segundo
Jung, ‚só aquilo que somos realmente tem o poder
de curar-nos‛. Em outras palavras, podemos curar
algumas de nossas feridas conforme as descobertas
que fizemos a respeito de nós mesmos.

108
Atingir o Self não significa alcançar a
perfeição total, uma vez que não estaríamos mais
aqui, mas sim ter uma percepção mais ampla e
verdadeira de nós mesmos. Ter uma maior
consciência de nós mesmos é importante, mas não é
o bastante. Isso implica maior responsabilidade, pois
somos nós, apenas nós, os responsáveis pelas nossas
ações e escolhas, felicidade e infortúnios, enfim, por
tudo o que acontece na nossa vida. Nós não somos
um ‚acidente biológico‛, não estamos aqui por
acaso, temos um propósito maior, uma missão de
expressarmos o que verdadeiramente somos, e o que
viemos fazer aqui. Conforme vimos, a influência do
processo de individuação está presente na nossa
vida, ainda que seja ignorada pela consciência ou
negada. Mesmo assim, ele agirá inconscientemente
na nossa existência.
Carl Gustav Jung foi um médico psiquiatra e
psicoterapeuta, dedicado ao estudo do
desenvolvimento humano, espiritualista e
reconhecedor da natureza humana. Ele buscava, na
sua prática profissional, enxergar o indivíduo na sua
totalidade, composto por um corpo, uma mente e um
espírito. Atualmente, sob uma perspectiva integral

109
do indivíduo, chamamos isso de
biopsicossocioespiritual. Como consequência disso,
ele trabalhou inicialmente com indivíduos que
estavam na segunda metade da vida, tendo como
foco a individuação sob uma perspectiva que
ultrapassa a psicologia: o encontro com o mistério, o
insondável, a morte e a espiritualidade - a busca do
significado da vida, a "Marca de Deus" em nós, - a
"fagulha divina" que temos em nosso ser. Dessa
forma, para ele, este processo ocorreria a partir do
meio da vida, fase em que se suponha que o
indivíduo, após ter construído sua vida de relações
materiais, de maneira satisfatória, se volte mais para
o seu mundo interno, imaterial, em busca de resgatar
o que foi deixado de lado e o afastou da realização
do ego na coletividade. Ao longo das pesquisas sobre
desenvolvimento pessoal, foi estabelecida a ideia de
que o processo de individualização pode ser
compreendido como um diálogo entre o Ego e o Self,
que se manifesta de diversas maneiras em cada fase
da vida. Dessa forma, a individuação pode ser
pensada nas fases da infância, adolescência,
juventude, adulta e assim por diante.

110
Nise da Silveira, em Jung: Vida e Obra,
evidência que todo ser tende a realizar o que existe
em si, como uma semente, a crescer, e, a se
completar. Isso vale tanto para a semente do vegetal
quanto para o embrião do animal. Assim é para o ser
humano. Apesar de o desenvolvimento de suas
potencialidades ser impulsionado por forças
instintivas inconscientes, esse desenvolvimento
adquire um caráter próprio: o ser humano é capaz de
tomar consciência desse processo e influenciá-lo. Isto
quer dizer que o processo de individuação é natural
e acessível a todos. O que nos diferencia é o nosso
próprio ritmo, tempo e história. Cada um tem um
caminho a ser percorrido. Apesar de este processo
não ser conhecido por todos nós, sua influência está
sempre presente. Assim sendo, o desconhecimento
dele não impedirá sua influência. Ainda que seja
desconhecido da consciência ou negado, ainda assim,
agirá na vida do indivíduo, inconscientemente.
Dessa forma, o processo de individuação tem
início quando nos aprofundamos no nosso
conhecimento de nós mesmos e, a partir daí,
entramos em contato com o nosso inconsciente
pessoal e reconhecemos o nosso lado sombrio, ou

111
seja, tudo aquilo que negamos em nós. Os aspectos
desconhecidos e indesejados da nossa personalidade,
os padrões de comportamento, em geral,
preconceituosos e inflexíveis, que fazem parte do
nosso modo de agir e reagir, na maioria das vezes,
idealizados pela sociedade. A sombra é a força
negativa na nossa mente, mas a principal fonte de
nossa criatividade, que surge no inconsciente
coletivo. Dessa forma, para integrar o inconsciente
individual, sombra e inconsciente coletivo, é
imprescindível separar o que é consciente do que não
é, a fim de identificar, resolver ou reduzir conflitos.
Ao nos dedicarmos à busca pelo
autoconhecimento, reconhecemos o nosso lado
sombrio e retiramos as máscaras e representações
ilusórias que criamos de nós mesmos para
enfrentarmos o mundo e, sobretudo, a nós mesmos.
Daí, a individuação, o encontro com nós mesmos,
com o que verdadeiramente somos.
Reconhecer a sombra, ou seja, admitir e
acolher os aspectos inconvenientes da própria
personalidade, buscar a integração e harmonização
desses opostos, não é uma tarefa fácil ou agradável, é
doloroso e angustiante. Todo o processo de

112
crescimento e "cura" emocional requer a análise das
nossas imperfeições, como a competição excessiva,
arrogância, vaidade, egoísmo, dentre outros. Tudo o
que está relacionado ao nosso instinto primitivo
animal. Uma prática fundamental para o nosso
crescimento e evolução. Dessa forma, ao
reconhecermos e nos conscientizarmos do nosso lado
sombrio, ou seja, ao olharmos para nós e
percebermos que estamos nos enxergando, e não
outra pessoa, vamos, aos poucos, rompendo com
esses padrões de comportamento que dificultam a
individuação.
A individuação é um processo que nos
incentiva a criar condições para despertar o nosso
melhor, e, consequentemente, no outro, com
frequência. Assim sendo, é importante estarmos mais
próximos e conscientes de nossa totalidade,
mantendo nossa individualidade, o que não nos leva
a ficar isolados em uma caverna escura no alto de
uma montanha. Ao contrário, nos tornamos
completos e individuais, no coletivo, mas não
isolados. Saímos do isolamento e começamos a
conviver com outras pessoas de maneira mais
intensa, uma vez que nossa natureza humana se

113
manifesta na interação com os outros e com o meio
em que estamos inseridos. Assim, nos tornamos mais
humanos a partir da influência de outros seres
humanos. Dessa forma, o outro contribui para o
nosso crescimento, sendo uma peça indispensável
para a nossa individuação. Nós temos limitações, não
sabemos tudo, precisamos do outro para trocar,
compartilhar conhecimento, afeto e pontos de vista,
uma vez que o olhar do outro pode, de alguma
maneira, contribuir para a ampliação do nosso.
Ao nos aproximarmos da nossa essência, nos
conectarmos ao nosso propósito e vivermos
conforme o nosso Self, isso nos proporciona uma
existência mais harmoniosa, com mais alegria,
satisfação e paz, por mais simples que seja a nossa
missão. Quando temos um propósito, temos
motivação, ou seja, uma força interna que nos
impulsiona a agir, tomar decisões, termos uma vida
com sentido, uma razão maior de viver. Mesmo
diante de dificuldades, permanecemos centrados em
nós mesmos, na nossa essência (totalidade).
Mantemos o foco no nosso propósito, no que viemos
fazer aqui. Nada nos impede de seguir adiante e,
cada vez mais, somos impulsionados a prosseguir. O

114
Self é o guia interno que nos inspira, intui, orienta e
indica o caminho mais adequado.
A ampliação da consciência de nós mesmos
requer uma maior responsabilidade na vida, em
relação a tudo o que acontece. Precisamos assumir
um posicionamento mais responsável diante das
questões que surgem com a existência, buscando o
nosso lugar no mundo; nos tornando senhores de
nós mesmos, protagonistas da nossa história, sem
atribuir ao outro o que é de nossa responsabilidade,
ou seja, não assumindo a posição de vítimas.
Acolhermos e aceitarmos o que somos, atingirmos o
nosso Si Mesmo, ou seja, a nossa totalidade.
Sócrates, o filósofo grego, propagador da frase
‚conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o
universo‛, tinha plena consciência disso. No entanto,
dedicou sua vida ao conhecimento de si mesmo,
buscando descobrir e compreender os mistérios e a
complexidade de sua própria natureza, a espiritual,
que não tem nenhuma ligação com a religião. Dessa
forma, levava seus interlocutores a se voltarem para
dentro, descobrirem o que são, de maneira plena, a
conhecerem o que havia de melhor na essência deles.
A viverem de acordo com sua essência e propósito.

115
Para Jung, a experiência interior é considerada
essencial, pois, é por meio dela que podemos nos
aprofundar e aprender sobre nós mesmos, assim
como nos transformar, e crescer. Conforme sua
máxima, ‚Até você se tornar consciente, o
inconsciente irá dirigir sua vida e você vai chamá-lo
de destino‛. Ou seja, a maioria das nossas
características, como o comportamento que
herdamos dos nossos ancestrais, o que está no nosso
DNA, a educação que recebemos na infância, as
crenças que criamos, quando crianças, e outras
adquiridas ao longo da vida, estão armazenadas no
nosso inconsciente, o que nos levaria ao despertar, o
que alguns chamam de destino, enquanto outros, de
carma. Sendo assim, a busca pelo conhecimento de
nós mesmos é contínua, tem um início, mas não um
fim. É um trabalho constante, uma prática a ser
desenvolvida ao longo da existência, da nossa
jornada, pois não há um único instante em que o
nosso inconsciente deixa de emitir uma mensagem,
não há um único momento em que não temos o que
aprender com a vida, é uma aprendizagem infinita.
Dessa forma, o processo de individuação,
além de ser gradual, é profundo e envolve diversas

116
particularidades da existência, que vão muito além
do conhecimento a respeito do funcionamento do
cérebro, dos conhecimentos psicológicos e dos
padrões comportamentais. São, sem dúvida,
conhecimentos relevantes e indispensáveis em
relação à maneira como funcionamos, uma vez que,
sem autoconhecimento, não há individuação.
Primeiro, precisamos vivenciar o que somos, nossa
essência, para podermos nos tornar individuais,
seres únicos.
Sendo assim, o processo de individuação e
autoconhecimento caminham juntos, podendo ser
desenvolvidos de maneira independente ou com a
ajuda de um profissional da saúde, como um
psicólogo. O progresso no desenvolvimento e
crescimento pessoal dependerá da determinação e do
comprometimento, da intensidade da experiência
interior e do diálogo interno que estabelecemos
conosco mesmos, ao iniciarmos o processo. A
importância de nos conhecermos, de ser o que
verdadeiramente somos e de viver conforme a nossa
essência é inerente a todos nós. Apesar de todos os
caminhos levarem ao conhecimento, as descobertas
são diferentes e cada um procura fazer as suas, de

117
acordo com as suas peculiaridades, experiências e
necessidades. Não há um método único, uma
fórmula pronta. O profissional pode e deve mediar o
processo de descobertas, sinalizando uma porta e
outra para o encontro com nós mesmos, mas não
deve indicar uma fórmula pronta, pois isso não será
eficaz. Cada indivíduo tem características próprias,
como o funcionamento e a resposta a estímulos
externos em um ritmo e tempo distintos, além de ter
experiências de vida distintas, o que pode variar de
pessoa para pessoa.
Sendo assim, os profissionais da saúde, como
o psicólogo, não podem dar respostas prontas às
dores e queixas das pessoas que procuram ajuda,
mas podem ajudá-las a encontrar soluções em si
mesmas, de acordo com o momento e as suas
necessidades. Sócrates, o filósofo, por meio de
perguntas, fazia com que seus interlocutores se
voltassem para si mesmos, a fim de encontrar
respostas para as suas questões, bem como novos
pontos de vista. A troca de informações obtidas por
meio da experiência do outro pode ser benéfica, no
entanto, o conhecimento mais relevante a respeito de
nós mesmos, é adquirido ao longo da vida, seja na

118
interação, nos conflitos com os outros, ou no dia a
dia. Como seres sociais, seja consciente ou
inconsciente, influenciamos, e somos influenciados,
constantemente, pelo contexto familiar, sociocultural,
econômico, político e tecnológico em que estamos
inseridos desde o nascimento. O processo de
individuação é indispensável para todos, uma vez
que estamos nos distanciando cada vez mais de nós
mesmos. Atualmente, muitos de nós enfrentamos um
grande vazio interior, caracterizado pelo medo,
pânico, depressão, entre outras síndromes que têm
surgido. A maioria dos sintomas é causada por
diversos fatores, como, por exemplo, o fato de não
nos mantermos no presente, no aqui e no agora, pois
o pensamento sempre está voltado para o passado ou
para o futuro, deixando de viver o presente. O uso
excessivo das tecnologias, nas quais muitas de nós
demandamos de duas a três horas em conversas
virtuais, mas não temos tempo para um encontro
presencial, de olho no olho, tem prejudicado muito
as relações. São fatores que nos levam a uma vida
vazia, superficial, sem sentido e infeliz. Vivemos
como estrangeiros de nós mesmos, sem sabermos
quem somos, sem ter consciência do nosso propósito

119
e sem saber o que viemos fazer aqui. Sofremos pela
ignorância a respeito de quem somos,
desconhecemos o funcionamento da nossa mente,
nossos recursos internos, e o que temos de mais
valioso em nosso inconsciente, a nossa essência.
Sendo assim, o autoconhecimento, juntamente
com a individualização, nos ajuda a encontrar o
nosso centro, compreender o propósito da existência
e atribuir significado à nossa vida. Ao encontrarmos
o nosso centro, somos motivados para tudo o que
fazemos e caminhamos de maneira mais acertada,
pois temos um Self que nos indica o caminho mais
adequado para o nosso crescimento. Isso nos torna
indivíduos completos, ou seja, deixamos de viver no
"piloto automático", para vivermos com sentido e
com mais consciência de quem verdadeiramente
somos.
Daí a importância da busca pelo
autoconhecimento para nos situarmos melhor na
existência e no mundo. Termos o conhecimento, o
domínio e a responsabilidade de quem somos, do
nosso protagonismo e da nossa realização humana.
Segundo Sócrates, uma vida não questionada,
analisada e sem propósitos não é digna de ser vivida.

120
Este pensamento aponta para o processo de
individuação e realização humana.

Como se conectar ao seu


propósito de vida?

“O sentido da vida é encontrar o seu dom. O


propósito da vida é compartilhá-lo.”
— Pablo Picasso

“Se quiser ter uma vida plena, prenda-a a um


objetivo, não às pessoas nem às coisas.”
— Albert Einstein

“Uma vida com propósito é aquela em que eu


entendo as razões pelas quais faço o que faço e
pelas quais claramente deixo de fazer o que não
faço”.

121
- Mario Sérgio Cortella

De acordo com o Dicionário Online de


Português, propósito significa vontade de realizar ou
de alcançar alguma coisa; aquilo que se busca atingir;
objetivo; finalidade, intuito. Essa definição nos
apresenta uma pista que pode nos levar à descoberta
de respostas para uma das quatro perguntas básicas
da filosofia sobre a existência, agora em questão, o
que viemos fazer aqui? De acordo com o Dicionário
Online de Português, propósito é a vontade de fazer
ou alcançar algo; objetivo; finalidade; intuito. Esta
definição oferece uma pista que nos permitirá a
descoberta de respostas para uma das quatro
perguntas fundamentais da filosofia a respeito da
existência, que é: o que viemos fazer aqui? Entender
o conceito de propósito nos ajuda a compreender a
sua importância para a nossa existência, além de nos
possibilitar estabelecer uma conexão com o nosso

122
próprio propósito, e descobrir a verdadeira razão
para estarmos aqui.
Muitos de nós pensamos que não há um
propósito e que não nos aproximamos dele. Isso é
consequência de criarmos uma expectativa falsa,
baseada em padrões sociais que definem a existência
como: crescer, frequentar escolas, trabalhar e,
preferencialmente, ter uma profissão rentável para
adquirir e consumir bens materiais, ter uma vida
satisfatória com lazer e viagens, casar, ter filhos e
netos, vê-los frequentar a escola, casar-se, conquistar
um bom emprego, envelhecer e morrer. Conforme a
lógica, todas as coisas têm sua relevância, mas é
justamente a partir disso que surgem as expectativas
ilusórias em relação à existência e propósito.
Buscamos encontrá-lo como se estivesse relacionado
à obtenção de um emprego bem remunerado, à
escolha do parceiro perfeito, à aquisição de bens
materiais, à felicidade infinita e outras questões
semelhantes. Entretanto, essa situação não faz
sentido, visto que muitos de nós desfrutamos de
êxito na área profissional e financeira, temos um
casamento gratificante, uma família feliz, contudo,

123
ainda experimentamos um imenso vazio, como se a
vida não tivesse sentido.
Seguindo a lógica, se a existência não tem
sentido, cabe a nós lhe atribuir um significado.
Diferente dos outros animais, é possível escolher,
seja de maneira singular ou conforme o padrão social
estabelecido. Algumas pessoas, de maneira
consciente, inconsciente ou equivocada, procuram
um sentido para a existência, como uma religião, um
novo emprego com maior remuneração, um
casamento, uma troca de carro, uma mudança de
residência ou país, viagens internacionais e outras
situações semelhantes. Enquanto outras, procuram
comprar mais do que o necessário, consumir
substâncias lícitas e ilícitas, em excesso, fazer orgias,
participar de baladas, entre outros, a fim de
preencher esse vazio. Mas não encontram sentido
algum, assim como também não conseguem se
conectar com o seu propósito de vida. Apenas se
afastam cada vez mais de si mesmas, caminham sem
saber quem são e sem compreender o propósito de
estarem aqui. Sendo assim, muitos de nós adiamos a
possibilidade de suprir a nossa necessidade interna,
ou seja, a prática dos nossos talentos, a conexão com

124
o que fazemos de melhor, sem dificuldades, por
meio do nosso propósito. Muitos de nós "morrem
sem nunca ter vivido", ou seja, sem ter
compreendido a verdadeira razão de nossa
existência no mundo, sem expressar a razão de nossa
vinda ao mundo, sem cumprir o nosso
propósito. Sem transmitirmos a nossa mensagem à
humanidade.
Dessa forma, experienciamos um grande
vazio, desconectados do nosso propósito, afastados
da nossa essência, procurando no lado de fora,
buscando nos realizar com fatores materiais; usando
nossas habilidades e competências para criar uma
atividade lucrativa, suprir as necessidades do
espírito com aquisições materiais. Numa sociedade
materialista, onde o poder e o lucro são a cultura
dominante, somos estimulados a olhar para fora e
nos afastarmos da nossa essência. A fazermos o
movimento contrário, procuramos, em primeiro
lugar, ter, ao invés de ser, conhecer quem
verdadeiramente somos. Todos nós temos um
propósito, seja consciente ou inconscientemente. Ele
é o verdadeiro motivo de estarmos aqui, nos
conectarmos com nossa essência e vivenciarmos essa

125
experiência. Ou seja, conhecer o que somos, a nossa
verdade, e expressá-la ao mundo, guiados por um
propósito.
Sendo assim, o propósito pode ser definido
como o que cada um de nós tem a oferecer ao
mundo, o que dá sentido à nossa existência. Pode ser
uma palavra, uma mensagem ou um ato que possa
ter um impacto positivo na vida de outras pessoas,
contribuindo para seu crescimento, transformação e
"cura". O nosso propósito é contribuir positivamente
para a vida de todos que cruzarem o nosso caminho;
deixando uma marca, um legado de um ser humano
que esteve aqui, que não está relacionado a algo
grandioso ou extraordinário, riquezas materiais ou
quaisquer outras necessidades de aprovação.
Portanto, ter um propósito é nos colocarmos a
serviço da vida, é quando conseguimos enxergar o
outro e impactá-lo, isto é, olhar para suas
necessidades e contribuir positivamente, de alguma
maneira. Se, por exemplo, o seu sonho é contribuir
para a alfabetização de crianças e adultos, descobriu
que isso lhe dá sentido, lhe proporciona uma
sensação de realização pessoal, o que significa que
poderá realizá-lo por meio de uma escola ou ONG,

126
ou trabalhando em uma delas. Os seus talentos, são
seus dons, suas habilidades e competências, o que
você sabe fazer de melhor, aquilo que você trouxe
para compartilhar, nesse caso, alfabetizar, ensinar a
ler e escrever, que serão exercitados por meio do seu
propósito. Um propósito, um olhar voltado para o
outro, que contribui no aprendizado da leitura e da
escrita das crianças, o que pode ter um impacto
positivo na vida delas. Ou seja, o propósito é a
execução do sentido que damos à nossa existência.
Sendo assim, o propósito não se restringe a
uma atividade específica ou profissão, uma vez que
muitos de nós já trabalhamos em diferentes áreas de
atuação que não estão necessariamente relacionadas
ao nosso propósito. O trabalho é a tarefa, a missão,
por meio da qual executamos o nosso propósito. Ao
longo da minha existência, tive experiências que
estão direta ou indiretamente ligadas ao meu
propósito. Em todas elas, tive a oportunidade de
compartilhar o conhecimento visando impactar
positivamente o outro, independente de qualquer
situação, exercitando, aprimorando e multiplicando
minhas habilidades e oferecendo o meu melhor.

127
Ao longo de mais de uma década lecionando
para crianças e adolescentes da Rede Pública
Estadual, tive a oportunidade de observar com mais
atenção, aqueles que não compreendiam o motivo de
frequentar a escola e permanecer em uma sala de
aula por quatro horas semanais durante todo o ano
letivo. Embora reconheçamos a importância da
educação e da escolarização para a vida, a maioria de
nós permaneceu muito tempo na escola sem
realmente aprender a respeito de nós mesmos.
Apesar das longas horas de aula, não nos ensinaram
a respeito de quem somos, da nossa verdadeira
identidade, o motivo de estamos aqui, como nos
conectamos ao nosso propósito, nem como lidar com
nossas emoções, diferenças e divergências de
opiniões, tampouco o quanto as outras pessoas
contribuem para nosso crescimento. Entre outros
aspectos fundamentais para a vida.
Lamentavelmente, o autoconhecimento não recebe a
devida valorização na nossa educação, em uma
proporção ainda maior. Talvez, a escola possa se
transformar nesse espaço, onde todos os educandos
eventualmente encontrarão sentido. Dessa forma,
desde cedo, iniciaríamos o exercício de nossos

128
talentos, habilidades e aquilo que nascemos para
fazer, sem qualquer dificuldade. São os dons que
todos nós recebemos antes de nascer. Isso facilitaria a
conexão com o nosso propósito de vida, sem maiores
dificuldades. A prática pedagógica, como mediadora
do conhecimento, mostrou que alguns educandos
não demonstravam interesse pelos estudos, pela
variedade de conteúdos apresentados, por não
encontrarem um sentido, um significado, uma
ligação com o que nasceram para fazer, ou seja, com
seu propósito de vida. Levando em conta o contexto
sociocultural, político, econômico, tecnológico e
familiar em que estava inserido.
A criação de espaços para que as crianças
possam estabelecer conexões com seu propósito
desde cedo é extremamente importante. Isso ocorre
porque elas têm contato direto com seus talentos e
com aquilo que lhes proporciona prazer, diferente
dos adultos, que muitas vezes se deixam influenciar
pelo ponto de vista de familiares e amigos, se
afastando do que vieram realizar aqui. Nem todas as
crianças possuem habilidades em matemática, escrita
ou artes, mas mesmo assim, conseguem estabelecer
conexões com seu propósito, expressando e

129
compartilhando com os outros, o que sabem fazer
bem. É evidente que as crianças encontram algum
sentido em frequentar a escola quando são
incentivadas a se conectarem com seu propósito, com
aquilo que cada uma delas tem para realizar e
contribuir para o bem-estar das outras pessoas nesta
existência.
Com oito anos, o educando D., não havia
desenvolvido as habilidades de leitura e escrita,
conforme as hipóteses silábicas. No entanto, segundo
o patrono da educação, Paulo Freire, a leitura do
mundo precede a leitura do código escrito. Na
escola, D. era rotulado pelos colegas como alguém
que não fazia nada e atrapalhava o andamento das
aulas. Porém, ao ser incluído nas atividades em sala,
especialmente aquelas que lhe permitiam se
expressar, ele descobriu uma motivação para
participar, aprender a ler e escrever: seu talento para
o desenho. O seu propósito, ao começar a desenhar,
executar o que sabia fazer de melhor e compartilhar
com seus colegas. Seus desenhos mostravam traços
de um futuro designer gráfico, um talento que já
trazia consigo desde o nascimento.

130
Dessa forma, encontramos sentido em viver
quando nos conectamos com aquilo que viemos
realizar aqui, na execução dos nossos talentos, nos
colocando a serviço da vida e gerando impacto
positivo na vida das pessoas. Podemos ajudar as
pessoas de diversas maneiras, mas a nossa maior
contribuição é por meio da execução dos nossos
talentos, nosso propósito, aquilo que nascemos para
fazer e compartilhar. Essa é a maneira de nos
mantermos eternos por meio do outro. Partiremos,
mas deixaremos marcas, um legado, a maior
contribuição que demos ao mundo.
De modo breve, vale a pena conhecer o
trauma psicológico sofrido por um dos maiores
músicos da história, uma vez que, além de ter sido
um grande exemplo em sua arte e talento, o maior
músico, concertista e compositor da história da
humanidade, também foi um dos maiores exemplos
de homens que tiveram uma existência com
significado, cumprindo seus propósitos.
Beethoven, em certos momentos, foi tomado
pela dor e angústia da surdez repentina, que não
aparentava sinais de melhora, pelo contrário, piorava
a cada dia, chegando a pensar em suicídio antes

131
mesmo de concluir seu propósito. No entanto,
aqueles que têm uma existência guiada por um
propósito são capazes de lidar com tudo o que está
por vir. Embora a surdez se agravasse a cada dia, sua
vida tinha sentido e propósito. Apesar da ineficiência
dos tratamentos médicos (falta de tecnologias,
naquela época), ele tinha esperança, prioridades e
direção. Dessa forma, se manteve focado na criação e
execução da sua arte, na sua contribuição para a
humanidade. Ele assumiu a responsabilidade e o
compromisso de exercitar os seus talentos e
transmitir a sua mensagem ao mundo. Apesar de
sofrer com a surdez, ele tinha claro o seu propósito
de vida, o que o mantinha centrado e inteiro, na
execução da sua arte. O músico tinha um motivo
para continuar, um propósito que o mantinha vivo.
Sendo assim, não podia partir antes de compartilhá-
lo com o mundo.
Bethoven foi considerado o maior músico da
história. Nascido em 1770, em Bonn, aos onze anos,
já demonstrava suas habilidades musicais, já que
fazia parte da orquestra de Bonn e, aos treze anos, já
era organista. Aos vinte e dois anos, foi para Vienna,
a capital da música. Foi lá que conquistou a fama e o

132
sucesso como concertista e compositor. Em 1814, ele
foi reconhecido como o músico de maior prestígio.
Também ocorreu durante este ano o agravamento da
sua surdez, o que o levou a abandonar a carreira de
concertista. Apesar de não haver registros do início
de sua surdez repentina, alguns manuscritos indicam
que os primeiros sinais apareceram aos vinte e seis
anos. Aos trinta e um anos, Beethoven se afastava de
todas as suas atividades sociais devido à
impossibilidade de dizer às pessoas que era surdo.
Como músico, a surdez era um grande obstáculo e
um grande desafio. Por exemplo, ao ir ao teatro, ele
precisava se sentar próximo à orquestra para
compreender as palavras dos atores, e, em certa
medida, não conseguia ouvir os agudos dos
instrumentos e do canto. Durante a conversação com
as pessoas, ele aparentava estar distraído. Às vezes,
conseguia captar o som das vozes, mas não
conseguia compreender as palavras. Ainda jovem e
ciente de suas vastas habilidades artísticas e
musicais, apesar da ineficiência dos tratamentos
médicos, ele não esperava ficar surdo e buscava
esperanças em novos tratamentos.

133
Após sua morte, foi encontrado um
testamento entre seus escritos, o qual continha várias
linhas, incluindo: ‚Para meus amigos e para aqueles
que pensavam que eu era antissocial, distraído e
ermitão, me julgaram mal. Vocês não conheceram a
causa secreta disso tudo. Eu era atormentado de um
mal sem esperança, piorado devido a médicos
insensatos. Por anos, fui enganado com esperanças
de melhora e, no final, fui constrangido a aceitar a
realidade de uma doença incurável. Nascido com um
temperamento ardente e ativo, e, sensível às atrações
da sociedade, tive que bem cedo me isolar e
transcorrer a vida em solidão. Se às vezes tentava me
esquecer, meu ouvido me trazia de volta à realidade.
Não podia nem pedir para as pessoas: ‘Falem mais
alto, gritem, porque sou surdo!’. Como poderia
admitir uma doença na qual o sentido que para mim
mais do que para ninguém deveria ser perfeito? Tive
que viver sozinho, e, se estou com alguém, fico com
uma enorme ansiedade do medo de correr o risco de
se notar a minha condição. Provei desta humilhação
quando um aluno que estava ao meu lado ouvia o
som de uma flauta, e eu não; ouvia o canto de um
pastor, e eu nada. Quase coloquei fim à minha vida

134
algumas vezes. Foi a música que me entreteve. Me
parecia impossível abandonar este mundo antes de
criar todas as óperas que sentia imperiosa
necessidade de compor. Esta foi minha vida,
angustiosa. Quando lerem estas linhas, saberão que
aqueles, que de mim falaram, cometeram grande
injustiça. Peçam ao Dr. Schmidt para descrever
minha doença para que o mundo possa se reconciliar
comigo. Ao menos, após minha morte‛.
A história de Beethoven demonstra a
importância de se ter um propósito de vida, de viver
uma vida com sentido. Seu propósito era impactar as
pessoas com sua música. Sua capacidade de compor,
reger e tocar eram seus dons, o que ele sabia fazer de
melhor para ajudar as pessoas, compartilhar com o
mundo. Por meio da música, ele encontrou um
sentido para a vida, compreendeu o porquê de estar
aqui, tinha consciência de seu dom para ajudar as
pessoas, e não podia ignorar seus talentos. Não
podia apenas reger e compor músicas para satisfazer
seu próprio ego, mas sim compartilhar esse sentido
com a humanidade, por meio do seu propósito.
Em outras palavras, o sentido de vida é a
descoberta do que viemos fazer aqui nessa

135
existência, enquanto o propósito é a execução dos
dons que recebemos antes de nascer. Descobrimos o
sentido da vida e o executamos por meio do
propósito, compartilhando-o com as pessoas. Dessa
forma, experimentamos a verdadeira felicidade
quando colocamos em prática nosso propósito,
aquilo que fomos criados para fazer, o impacto que
causamos no mundo, a maneira como encontramos
para ajudar as pessoas e contribuir com o mundo,
executando nossos talentos. Pablo Picasso afirmava
que ‚o sentido da vida é encontrar o seu dom. O
propósito da vida é compartilhá-lo.‛ Ele não apenas
compreendeu, como também vivenciou isso,
executando seus talentos conforme o seu propósito,
compartilhando sua arte ao mundo. Da mesma
maneira que Beethoven e outros nomes que
exercitaram seus talentos de acordo com um
propósito.

Como descobrir o seu propósito de


vida?

136
Muitas pessoas têm dificuldades para se
conectar ao seu propósito de vida, pois pensam que
ele está voltado para atingir seus objetivos pessoais,
como, por exemplo, movimentar um ramo de
atividade que resulte em muito dinheiro, conquistar
bens materiais, viajar, conhecer o mundo, entre
outros objetivos. Em outras palavras, o propósito da
existência é servir a si mesmo, e não necessariamente
ao outro. Propósito de vida é algo pessoal, assim
como a nossa identidade. Cada um se conecta com o
seu. Assim sendo, não há uma frase pronta ou um
modelo que seja adequado para todos. Apesar dos
talentos serem parecidos, cada um tem o seu, é algo
único e você deve se conectar ao seu, àquele que dá
sentido à sua existência.
Dessa forma, quando nos referimos ao
propósito de vida, estamos falando de servir, nos
colocarmos a serviço da vida, do outro. Às vezes, é
possível descobrir o nosso propósito e nos
conectarmos com ele, quando estamos servindo ao
outro, de alguma maneira. Em outras palavras,
ajudamos as pessoas em suas necessidades com algo
que nos pertence, nossos talentos, seja em grande ou
pequeno grau, mas que de alguma maneira as

137
beneficie. Segundo Bert Hellinger, o criador das
Constelações Familiares, ‚servir significa estar com o
outro e para o outro, só o fato do outro saber que
estou presente já o deixa feliz‛. Assim, podemos nos
dedicar à vida, às pessoas, sem precisar fazer algo
especial. O ato de servir é benéfico tanto para quem o
pratica quanto para quem o recebe.

Dicas de como descobrir o seu


propósito de vida:

1ª. Dica: Entregar significa servir, ajudar e


compartilhar algo com outros. Compartilhamos com
as pessoas os nossos dons ou talentos que recebemos
ao nascer. Para descobrirmos os nossos talentos,
precisamos nos dedicar a algum tipo de estudo ou
conhecimento, explorar as nossas preferências, o que
fazemos com facilidade e gostamos de fazer, o que
nos deixa satisfeitos. O que nos dá sentido,
motivação para continuarmos vivos e permitir que
eles surjam, para nos conectarmos com o nosso
propósito de vida.

138
A vida é pedagógica e generosa, além de nos
ensinar constantemente. Sempre que enfrentamos
um desafio, surge alguém que nos dá a mão e nos
ajuda de alguma maneira. Seja por meio de uma
palavra que precisamos ouvir, uma escuta atenta e
acolhedora, um sorriso que encurta qualquer
distância, um abraço de conforto, uma oportunidade,
uma informação útil, um estudo, etc.
Independentemente das circunstâncias, sempre
recebemos. Você já pensou a respeito disso? Quanto
já recebeu na sua vida? Não estamos sozinhos e, na
maioria das vezes, recebemos ajuda de pessoas que
não imaginamos, inclusive de pessoas que não
conhecemos. A vida é surpreendente, quando
pensamos que estamos fazendo algo ao outro,
estamos recebendo. Há que pensarmos nisso!
O educando D. sabia muito bem o que não
gostava, como, por exemplo, prestar atenção nas
explicações em relação aos conteúdos, ficar em
silêncio para ouvir o colega, ficar sentado por muito
tempo, etc. Apesar de se sentir inibido, gostava de ir
à frente da sala, entre os seis educandos do dia, para
cantar, dançar e desenhar os pilotos nos seus carros
de corrida. Ele sabia das atividades que gostava de

139
fazer e se sentia bem ao participar, compartilhando
com os colegas aquilo que sabia fazer bem, sem
qualquer dificuldade, exercendo os seus dons. Se
sentia bem na escola e com os colegas, tinha um
motivo para estar ali. E você, quais atividades
despertam o seu interesse, proporcionam satisfação e
sensação de bem-estar? Já pensou no que você gosta
de fazer, no que lhe dá prazer e te faz sentir bem? Se
ainda não sabe, pare de ler por alguns minutos e
volte para si, pergunte e deixe vir a tona. Se, tiver
dificuldades para identificar o que lhe agrada,
pergunte a seus amigos, colegas de trabalho e outras
pessoas que convivem com você. Nada melhor do
que o outro para dizer o que fazemos bem.
Seu interesse é liderar, influenciar e/ou
contribuir para o crescimento de pequenos ou
grandes grupos, seja em uma organização não
governamental, clube filantrópico ou associação
religiosa, além de constituir uma família, educar os
filhos, acompanhar o crescimento dos netos, entre
outras atividades? Ou proporcionar prazer às
pessoas por meio do canto, tocar um instrumento,
dançar, transmitir conhecimento, ouvir com atenção,
cozinhar? Pode ser que não seja nenhum desses, mas

140
saiba que não há um propósito certo ou errado, bom
ou ruim para você, mas há um propósito de vida que
te dará motivação para continuar vivendo. É
necessário identificar o que lhe dá prazer em fazer, o
que lhe faz se sentir bem e útil no que faz ao outro, e
se conectar com isso.
Não temos que nos conectar a um único
propósito, podemos descobrir outros e nos conectar a
eles. Um propósito não precisa ser definitivo, nem
sempre o mesmo. Ele pode mudar com o passar do
tempo, e, está tudo bem, é natural descobrirmos
outros e nos conectarmos a eles, desde que
encontremos um sentido para estarmos vivos.
Podemos nos conectar a dois, três ou mais, mas
sempre tenderemos a um único. A Parábola dos
Talentos, em Mateus, capítulo 25:14-15, mostra, de
uma perspectiva mais ampla, os dons que recebemos
antes de chegarmos aqui, e não somente o talento-
dinheiro, concebido naquela época. O Senhor rico
distribui os seus talentos – sua riqueza - entre os seus
três servos. O primeiro recebe cinco, o segundo, dois
e o terceiro, apenas um, com a condição de que não
somente poderiam, mas também deveriam
multiplicar os talentos recebidos, para que pudessem

141
prestar contas depois. Tanto o primeiro quanto o
segundo servos trabalharam e multiplicaram seus
talentos, ou seja, cultivaram e colheram frutos. O
terceiro, temendo o acerto de contas, não fez nada,
apenas descansou para não arriscar perder o seu
talento e apresentá-lo da mesma maneira que o
recebeu. Qual é o aprendizado que podemos tirar
dessa lição? Todos nós somos dotados de dons antes
de chegarmos a este mundo, visto que eles são sinais
que nos indicam o que vivemos fazer nesta
existência. Pistas que nos levam à descoberta e
conexão do nosso propósito.
2ª. Dica: Acolha a sua dor. Algumas pessoas
descobrem a sua função no mundo, o seu propósito,
através da dor, enquanto outras o fazem, através do
amor, pois desde cedo, têm um sonho e o seguem até
a sua concretização. Assim como Beethoven, o piloto
de corrida, Ayrton Senna, dentre outros, poucas
pessoas tiveram a chance de descobrir os seus
talentos, o que sabiam fazer bem, e se conectarem
com eles, permitindo que se guiassem por eles. O
educando D., por sua vez, descobriu os seus talentos,
o que sabia fazer de melhor e o que fazia sentido
através da dor. Isso não significa que os dois

142
primeiros não passaram por qualquer tipo de dor,
uma vez que não há uma conexão de propósito de
vida apenas no prazer. É comum, às vezes,
pensarmos que a vida é mais fácil para os outros,
como se "a grama do vizinho fosse mais verde do
que a nossa". No entanto, independentemente da
proporção, todos nós temos nossas frustrações e
desapontamentos, e todos eles nos afetam.
Precisamos compreender que as situações que
nos causam dor são atraídas pela nossa necessidade
de crescimento, algo que se deve à sincronicidade
existente na Natureza, extremamente pedagógica e
generosa, que preza pelo nosso crescimento e
evolução. Ou seja, tudo o que nos acontece, seja bom
ou ruim, tem um motivo para ser. A cada dificuldade
que enfrentamos, surgem novas
oportunidades. Dessa forma, a dor nos proporciona o
desenvolvimento de uma das virtudes mais
importantes, a humildade, que nos ajuda a enxergar
e acolher os nossos defeitos, as nossas sombras -
competição exacerbada, arrogância, vaidade,
egoísmo, etc., tudo o que está relacionado ao nosso
instinto primitivo e animal. A relevância da dor não
é punir, mas sim olharmos para as nossas partes não

143
educadas, que devem ser acolhidas e harmonizadas,
sem julgamentos. Além disso, é importante para
reconhecermos os benefícios que recebemos da vida,
as nossas qualidades e talentos, o que fazemos de
melhor e, consequentemente, servirmos à vida e aos
outros.
Quando acolhemos a nossa dor, aprendemos
e, dessa maneira, podemos transformá-la em um
propósito. Ao aprendermos com a dor, podemos
enxergar o outro e ajudá-lo a superar a sua dor,
ampliando compreensão sobre nós mesmos, e o
nosso crescimento. Ao fazermos isso, começamos a
descobrir e estabelecer uma conexão com o nosso
propósito. Quando nos colocarmos à disposição da
vida, compreendemos o nosso propósito e nos
conectamos com ele, servindo. Isso não significa,
necessariamente, que o nosso propósito seja ajudar
os outros, seja como um profissional da saúde,
psicólogo, terapeuta, médico, etc., uma vez que
Beethoven não era isso. Ele encontrou o seu
propósito de vida na composição e regência de
músicas. Por meio de sua música, ele ajudava as
pessoas a superarem seus sofrimentos, seja por
alguns segundos, minutos ou horas. Apesar de

144
muitos não terem afinidade com o seu estilo musical,
outros estão ouvindo, tendo ideias, relaxando e
tendo momentos agradáveis consigo mesmos, nos
permitindo viajar no tempo, recordar momentos
vividos com alegria, entre outros, até o presente. Seu
propósito de vida consistia em despertar sentimentos
positivos e minimizar o sofrimento das pessoas.
Quando compreendemos que o propósito de
vida não é uma invenção ou modismo, uma frase
difundida nas redes sociais ou uma estratégia de
ganho de dinheiro, mas sim, o de evitar que outras
pessoas sofram da mesma maneira que nós, em
algum momento da vida, embora não
necessariamente pelos mesmos motivos. Dessa
forma, começamos a enxergar novos horizontes na
nossa trajetória e nos conectamos ao nosso propósito
de vida.
3ª. Dica: Pratique a gratidão. Temos uma vida
repleta de oportunidades, mas, às vezes, nos
queixamos e olhamos para o "copo vazio". Todos nós
temos motivos para nos revoltarmos com uma ou
outra situação, mas, ao analisarmos, perceberemos
que temos mais motivos para agradecer do que para
nos queixarmos. Segundo o Dicionário Online de

145
Português, o verbo "reclamar" é derivado do latim
"re + clamar", que significa "reclamar novamente"
com repetição, ou seja, "reclamar para que a vida dê
mais do mesmo". Sendo assim, seria interessante
pararmos por alguns minutos para refletirmos a
respeito desse hábito que, às vezes, é criado de forma
inconsciente e está presente no nosso
comportamento, como um "piloto automático", sem
que notemos. Um hábito prejudicial à nossa vida e à
dos que nos cercam. Sendo assim, que tal buscarmos
a gratidão nas pequenas ações e conquistas que
fazemos na nossa vida e ao nosso redor? Ao
expressarmos gratidão por meio dos sentimentos e
pensamentos, o universo compreende que estamos
satisfeitos e nos envia mais do mesmo modo. Esta é a
linguagem utilizada pelo universo. Sendo assim,
expressar gratidão por tudo o que temos e
conquistamos na vida é extremamente benéfico.
Devemos expressar nossa gratidão pela saúde que
nos permite andar e pelo trabalho que temos, sem
importar se isso é bom ou ruim, mas é o que temos.
O importante é ter em mente o quanto aprendemos
com os livros e com a vida. Temos uma família,
amigos, sentimos a vida pulsar nas nossas veias, no

146
ar que respiramos e nas oportunidades que a vida
nos oferece a todo instante. Para qual propósito
devemos empregar todos os nossos recursos? Somos
capazes de perceber isso quando demonstramos
gratidão. Estamos aqui para servir ao próximo, já
que é na interação com os outros que encontramos o
nosso propósito de vida. Do contrário, somente
encontraremos solidão. Não se trata de um propósito
que esteja dentro dos padrões sociais, como o poder
e o lucro, a riqueza material, as viagens, as roupas de
marcas consagradas, o automóvel importado, o
notebook e outras tecnologias de última geração que
nos conectarão ao nosso propósito de vida e aliviarão
o nosso vazio existencial. Apenas quando servimos à
vida, estendemos a mão ao outro, conseguimos nos
conectar com o nosso propósito. Seja como líder de
um grupo no trabalho, em uma instituição
beneficente, em um clube filantrópico, cozinhando
para pessoas, cantando, dançando, compartilhando
conhecimento, escutando atentamente, auxiliando na
"cura" de outras pessoas, etc., não há um propósito
bom ou ruim, seja ele maior ou menor. Cada
propósito tem o seu valor e importância. Seja qual for
o seu propósito, aceite, respeite, conecte-se e viva

147
feliz. Estamos aqui para servir, para ajudar uns aos
outros. A vida é surpreendente, quando pensamos
que estamos dando, estamos recebendo. Há que
pensarmos nisso!

Breve relato de acolhimento de


dor e conexão com o Propósito de Vida

Quando reflito a respeito da vida, olho para


trás, para quem fui ontem, e percebo os aspectos em
que mais cresci, expandi a consciência, adquiri
capacidade de resistência, fruto de desafios, dor e
sofrimento. Em momentos de dor e sofrimento, é
difícil compreender o que está por trás dos
acontecimentos, as lições que a vida, tão generosa e
pedagógica, nos apresenta para crescermos. Isso
ocorre porque nem sempre estamos dispostos e
interessados a aprender a linguagem da vida, a
seguir o seu curso natural. Ou seja, conforme o

148
ditado popular, ‚nadamos contra a maré‛ e
sofremos. Muitas vezes, sofremos por não termos
conhecimento a respeito de quem somos e como
funcionamos. Mas, sempre há um momento de
compreensão, em que podemos compreender um
pouco mais do que antes. Em um desses momentos
de reflexão, após o término de um relacionamento,
caracterizado pela sensação de cansaço, frustração,
fracasso, rejeição, dor e falta de conhecimento a
respeito de mim mesma, o desejo e a necessidade de
mudanças foram intensos. Parei de relutar, e fiz as
pazes com minha dor, tornando-a minha maior
aliada para concretizar as mudanças necessárias, de
maneira consistente. Mergulhei profundamente em
mim mesma para descobrir as causas das minhas
dores, das feridas abertas que doíam e sangravam
com frequência, pois precisavam ser examinadas e
tratadas. Estava cansada de persistir em tentativas
infrutíferas para melhorar os meus relacionamentos.
O primeiro passo foi me conscientizar de que a
mudança começa em nós mesmos, e não no outro.
Não temos o poder de mudar as pessoas, mas
podemos mudar a nós mesmos, nosso
comportamento, pensamentos e ações. Na maioria

149
das vezes, perceber as atitudes do outro e julgar, é
muito fácil, com desrespeito e arrogância, pois não
estamos caminhando o caminho dele. Agora, o
difícil é voltarmos para nós mesmos e percebermos
nosso caminhar, o nosso comportamento, o
funcionamento do ego, a maneira como agimos e
reagimos, a nossa tendência ao confronto, ao sermos
contrariados ou ao não termos as nossas
necessidades atendidas. A maioria de nós, não tem
consciência de que estamos em um planeta em
regeneração e que somos seres em processo de
construção e transformação constante. A maioria de
nós, não tem consciência de quem é, do que está
fazendo aqui, qual o sentido da existência. Quem
somos nós para querermos mudar o outro? Será que
estamos tão evoluídos? Será que nos sentimos
Siddharta Gautama – o Buda, dentre outros? Apesar
de serem seres iluminados, estiveram aqui para
aprender e ensinar, por meio de exemplos, mas não
de julgamentos e pretensão arrogante de mudar as
pessoas. Eles se foram, mas os seus ensinamentos
continuam presentes, são atemporais. Em outras
palavras, não podemos mudar ninguém, mas, ao
mudarmos nossas crenças, valores e ações, a nossa

150
vibração também muda, e quem estiver ao nosso
redor, de repente, pode até se inspirar em algum
aspecto e mudar. Servir de exemplo, sem arrogância
ou qualquer pretensão de mudar o outro. Esse
aprendizado é extremamente libertador! Há que
pensarmos nisso!
Ao procurar um relacionamento estruturado e
saudável, percebi que meu próprio comportamento
estava impedindo essa possibilidade. Comecei a
perceber e constatar que a minha falta de
conhecimento a respeito de mim mesma era a
principal causa das minhas dores. A origem das
dores que afetam a humanidade em termos
psicológicos e espirituais. Ao querermos mudar o
outro, e não a nós mesmos, estamos nos enganando,
sofrendo e não mudamos nada. Ao expandirmos
consciência de quem somos, percebemos que o outro
não é o responsável pelas nossas necessidades,
alguém que vai preencher o nosso vazio. Isso faz
parte do nosso protagonismo, de tomarmos as rédeas
da nossa vida, cabe somente a nós. Muitas vezes, o
outro é um ser humano muito parecido conosco, tão
fragilizado e necessitado, procurando o mesmo.
Fomos programados culturalmente, condicionados a

151
esperar que os outros atendam às nossas
necessidades afetivas. Poucos de nós desfrutamos de
uma estrutura mental saudável e cultivamos uma
vida interior, que nos permite irmos para o outro,
compartilhar, trocar e crescer juntos, ao invés de
esperar que o outro nos preencham.
Me tornei uma agente 007, uma detetive de
mim mesma. Comecei a observar o meu
comportamento, os meus pensamentos e ações, a
maneira de agir e reagir diante de eventos externos.
Comecei a trabalhar as questões e, a cada superação,
surge outra, como o desenvolvimento ou o
fortalecimento do meu autorrespeito, autoamor,
autoconfiança e autoestima. Sempre, surge um
aspecto novo a ser trabalhado. São elementos
fundamentais que garantem uma estrutura mental
mais saudável. Esses aspectos estão relacionados a
programação mental, às crenças e valores falsos que
temos a nosso respeito, construídas na infância, de
acordo com os pontos de vista dos nossos pais,
professores e adultos ao nosso redor. A programação
mental que recebemos na infância é reforçada ao
longo da vida com as influências do contexto
sociocultural, econômico, político e tecnológico que

152
encontramos prontos ao nascer. Todos nós temos
uma crença falsa ou um aspecto condicionado que
precisamos rever, dentro de nós mesmos, e não fora.
Partindo do princípio de que somos seres em
constante evolução, pois nunca estaremos prontos,
caso contrário, já seríamos um Siddharta Gautama,
um iluminado. Teríamos alcançado o máximo de
conhecimento a respeito de nós mesmos, e não há
mais nada a aprender, mas apenas ensinar.
Como mencionei no início, expandi a
consciência de mim mesma e agora consigo enxergar
com mais clareza algumas coisas que, antes, não
conseguia perceber, como o meu comportamento, as
minhas ações e reações diante de eventos externos.
No entanto, isso não significa que eu conheça
completamente o comportamento humano. Continuo
estudando e trabalhando para ampliar minha
compreensão a respeito de mim mesma e em relação
ao comportamento humano em geral, cada vez mais.
Eu não tenho respostas prontas, minha função como
educadora e terapeuta é auxiliar as pessoas a
encontrarem soluções para suas angústias e
sofrimentos dentro de si mesmas. Assim como volto
para dentro de mim, por meio de reflexões

153
profundas, para encontrar respostas para as minhas
angústias e dores causadas pela existência. Sempre
teremos algo a aprender em relação a nós mesmos,
ao nos voltarmos para nós, observando, analisando,
refletindo e dialogando, revendo nosso
comportamento, pensamentos, valores e ações.
Expandindo a consciência a respeito de quem somos.
Realizando a mudança de dentro para fora, e não de
fora para dentro. Isso é o que acredito, a minha base,
um pensamento, um ponto de vista, uma opinião,
que, ao longo da existência, pode mudar. Somos
seres em processo de construção e transformação
constante. Aprendemos e crescemos na interação
com os outros e com o meio ambiente em que
estamos inseridos, na realidade em que vivemos. A
todo instante, estamos aprendendo uns com os
outros, nos conscientizando, ampliando a nossa
consciência de nós mesmos e, consequentemente, do
outro. Dessa forma, não podemos mudar o outro,
mas, ao interagirmos, podemos aprender juntos a
respeito de nós mesmos. Esse é o processo natural da
existência. Ao nos relacionarmos uns com os outros,
aprendemos a respeito de nós mesmos e as coisas.
Ao longo do processo de ensino-aprendizagem,

154
percebo o quanto aprendo, muito mais do que
ensino. Sem expandir a consciência, não há mudança.
Com a minha estima baixa, sentimentos de
frustração, fracasso e culpa, iniciei o meu processo de
autoconhecimento e mudança, desenvolvendo e
fortalecendo aspectos como, autorrespeito,
autoamor, autoconfiança, autoestima, dentre outros.
São elementos básicos e imprescindíveis para nos
relacionarmos de maneira funcional e harmoniosa,
mantermos uma estrutura mental mais saudável.
Não é tudo, mas é um ótimo começo para nos
relacionarmos com as pessoas, sem exigir ou esperar
delas o que, na maioria das vezes, não temos para
oferecer. Aprendi que o outro é um mestre que chega
à nossa vida para nos ensinar algo a respeito de nós
mesmos, para o nosso crescimento. O outro é o nosso
espelho, o que não aceitamos dentro de nós e
projetamos para fora. A vida é generosa e
pedagógica, nos ensinando a mesma lição, uma vez
que não aprendemos, de maneiras diferentes, mas
com a mesma essência necessária para o nosso
crescimento e evolução. Esse aprendizado decorreu
da observação e da percepção do meu padrão mental
vibratório, do que estava emanando ao universo e

155
também atraindo, como, por exemplo, os
relacionamentos disfuncionais recorrentes, pessoas e
situações com características semelhantes. Esses
elementos são abordados com mais profundidade no
Vol.1 dessa trilogia de autoconhecimento.
Ao modificarmos nossas crenças, valores,
ações e escolhas, alteramos e ampliamos nossa
percepção a respeito de nós mesmos e do mundo.
Assim, passamos a enxergar as pessoas e as
circunstâncias sob uma nova perspectiva. Fazemos
escolhas mais acertadas, tomando cuidado com o
que plantamos, pois a colheita é certa. É o único
poder e a única certeza que temos de que podemos
mudar a nós mesmos. Tudo tem início em nós
mesmos, e não no outro. Podemos rever e modificar
nossas crenças e valores, nossas atitudes e nosso
comportamento, mas não podemos mudar o outro.
O perdão e o sentimento de gratidão me
ajudaram a superar a condição de vítima,
aprendendo a agradecer por tudo o que tenho e por
quaisquer circunstâncias, sejam elas boas ou ruins.
Uma posição que, se não a ocupamos atualmente, já
tivemos em algum momento da nossa existência,
uma vez que, em algum momento da nossa vida,

156
enfrentamos dificuldades emocionais ou materiais, o
que pode nos levar a uma situação de extrema
dificuldade, e nos sentirmos vítimas. Na posição de
vítima, procuramos um culpado pelos nossos
problemas e frustrações, seja na família, nos nossos
pais, na crise econômica, no governo, no trabalho,
etc. Enquanto procuramos culpar alguém, focamos
no problema e não na solução, ficando presos na
situação em que nos encontramos, e a vida não flui.
Muitos de nós, ao longo da vida, nos comportamos
como vítimas, é um traço cultural da nossa
sociedade, como é demonstrado, pelos noticiários
diários que procuram um culpado para justificar
eventos de responsabilidade coletiva. Dentro dessa
programação mental, não podemos nos desenvolver,
crescer, porque estamos sempre procurando um
culpado, esperando por alguém que nos ajude a
resolver nossos problemas. Para muitos de nós,
apesar de alguém nos ajudar a superar o momento
de dificuldade, a situação pode ser recorrente e
tendemos a cair nela novamente. Tornando-se um
ciclo de autossabotagem que não nos permite ter
consciência de nós mesmos para fazer as mudanças
necessárias. Quando não conseguimos superar essa

157
situação, sozinhos, é crucial procurarmos a ajuda de
um amigo ou profissional, como um psicólogo, o
mais rápido possível. Há questões mais complexas
que requerem uma análise mais aprofundada e
demorada, as quais, muitas vezes, não são fáceis de
identifica. São padrões de comportamento
inconscientes, ou seja, nem sempre temos consciência
do nosso comportamento. Sendo assim, é necessário
o auxílio de um profissional. Ao nos tornarmos
reclamantes constantes, tendemos a cansar e afastar
as pessoas, ficando sozinhos, é fato.
Independentemente do grau de frustração e
fracasso, da dor e do sofrimento, além da
contribuição do perdão e da gratidão, para sairmos
da posição de vítimas, podemos fazer a seguinte
pergunta: ‚Qual a minha responsabilidade na
desordem que me queixo?‛ A questão foi formulada
por Freud, o criador da Psicanálise. Qual é a sua
parcela de culpa, ou melhor, responsabilidade, por
esta situação? Como você contribuiu para isso
acontecer? Qualquer tipo de relacionamento requer
50% de responsabilidade por parte de cada um. No
que diz respeito à relação entre adultos, o outro só
ultrapassa o limite, quando o permitimos. O diálogo

158
é indispensável em toda e qualquer relação, mas, é
imprescindível que as duas pessoas estejam
dispostas a se melhorarem, crescerem juntos, cada
um fazendo o seu melhor dentro dos 50% que cabem
para cada um. Dessa forma, também temos nossa
responsabilidade naquilo que nos queixamos. Há
que pensarmos nisso!
Ao compreender meu padrão mental de
comportamento, identificar as mensagens
transmitidas pelos sentimentos e emoções, os
pensamentos recorrentes, os valores e ações, minha
vibração energética e a formação da minha estrutura
mental, compreendi o motivo pelo qual atrai certas
pessoas e situações. Isso tudo me ajudou a identificar
e reconhecer minha parcela de responsabilidade nas
situações que me causaram dor. Foram aprendizados
que me permitiram evitar lições repetidas na minha
vida. Ou seja, aprendizados que contribuíram para
ressignificar eventos dolorosos, rever e mudar
pontos de vista, pensamentos e atitudes.
Toda mudança requer foco, ação e
comprometimento. Ao focar na solução dos meus
problemas e no autoconhecimento, tive a
oportunidade de estabelecer uma conexão profunda

159
com o meu propósito de vida, dando sentido à
minha existência. Passei a ter um motivo maior para
sair da cama todas as manhãs, e continuar firme na
minha trajetória, sem me desviar dela. Em outras
palavras, comecei a estabelecer prioridades na minha
rotina diária, evitando qualquer distração que me
tire do foco e do meu propósito. Colocando-me, cada
vez mais, a serviço da vida, exercitando os meus
talentos por meio do conhecimento, estudos e
experiências compartilhados. Assim como este
conteúdo que está lendo. A distimia (um tipo de
depressão), que me acompanha desde a
adolescência, foi embora e o meu vazio existencial foi
amenizado, uma vez que nos conectarmos com o
nosso propósito nos ajuda a compreender o motivo
de estarmos aqui nesta existência. Encontrar um
sentido para a vida, descobrir a nossa função e
responsabilidade no mundo e com os outros. A
conexão com o nosso propósito, nos leva crescer em
consciência, expressar nossos talentos, ou seja, nossas
habilidades e capacidades, para compartilhar o nosso
conhecimento que contribuirá para o crescimento do
outro, o que significa que a vida requer uma maior
responsabilidade.

160
Acolher e compreender a minha dor como
uma necessidade de crescimento foi um divisor de
águas na minha vida. Compreender que nada nos
acontece por acaso, que tudo tem um motivo,
contribuiu para uma caminhada mais leve e fluída,
sem culpas. Aprendi a carregar apenas o que é meu e
deixar o que é do outro, com o outro. As descobertas
que fazemos durante o processo de
autoconhecimento são importantes, pois ampliamos
a nossa compreensão a respeito de nós mesmos, o
funcionamento da nossa mente, o motivo de agirmos
de uma maneira ou de outra em situações
semelhantes, entre outras.
Me tornar a Agente 007 de mim mesma, me
afastou do modo de vida no "piloto automático"
total, ficando mais atenta ao que acontece dentro, às
ações e reações aos eventos externos, assim como ao
que está ao meu redor, às oportunidades da vida.
Aprendi que não é possível controlar as emoções e os
sentimentos, mas podemos controlar as nossas
reações instintivas e desenfreadas. Nós nos tornamos
mais eficientes, seletivos, estabelecemos prioridades
e nos concentramos nelas e em tudo o que contribui
para o nosso crescimento. Iniciamos o dia com a

161
disposição e a motivação interna para o trabalho, seja
qual for, com sentido, pois temos um propósito, e
caminhamos conscientes de que as respostas aos
desafios serão encontradas dentro de nós, e não no
outro.
As mudanças não ocorrem da noite para o dia.
A mudança de comportamento requer tempo,
paciência, força de vontade e comprometimento. A
minha vida não se transformou em ‚um mar de
rosas‛, esse mar não existe para ninguém. Mas,
posso dizer que, quando temos uma existência com
sentido e propósito, aprendemos a lidar com os
desafios com mais confiança e leveza. Não nos
sentimos sozinhos, pois, quando estamos em busca
de crescimento, somos auxiliados em todos os
aspectos necessários para isso. Ou seja, sempre há
alguém disposto a nos ajudar a subir o degrau mais
alto. Nós nos sentimos conectados a algo maior, à
fonte que nos impulsiona para frente, pois o universo
conspira a nosso favor, para tudo o que nos leva ao
crescimento humano, o tempo todo. É como ter um
guia interno que nos indica a direção a ser seguida, e
nos permitimos ser guiados por ele. Nós nos
tornamos mais seguros e completos, aprendendo e

162
evoluindo com os nossos erros, extraindo o melhor
de todas as pessoas e situações, sejam elas materiais,
emocionais ou espirituais, sempre. Aprendemos a
viver de maneira mais equilibrada e plena,
influenciando positivamente a vida de outras
pessoas. Isso faz toda a diferença, é um investimento
que não pode ser pago com o dinheiro, ou seja, não
há dinheiro que pague.
É fácil? Ah, não é! Na verdade, tudo o que
fazemos na vida requer trabalho e tempo, mas,
quando nos dedicamos e nos comprometemos com
algo, isso se torna possível. Com o decorrer do
tempo, o que parecia difícil e inatingível, se torna
mais fácil e possível. É para mim e para você, posso
assegurar que está ao alcance de todos. Diante dessa
perspectiva, a importância de conhecermos a nós
mesmos é o maior investimento que podemos fazer
na vida, para nos situarmos melhor na existência.
Um processo, uma trajetória que tem seus pontos
altos e baixos, tem um início, mas, não tem fim. Um
investimento que oferece uma única garantia: a de
não retrocedermos ao que éramos anteriormente. Há
que pensarmos nisso!

163
Felicidade, é possível
alcançá-la?

“Nós não vemos o que vemos, nós vemos o


que somos. Só veem as belezas do mundo, aqueles
que têm belezas dentro de si. Há o suficiente no
mundo para todas as necessidades humanas, não há
o suficiente para a cobiça humana.”
— Mahatma Gandhi

“A felicidade é o sentido e o propósito da vida, o


único objetivo e a finalidade da existência
humana.”
— Aristóteles

164
Um dia, Rubem Alves estava ouvindo uma
sonata para violino e piano e se emocionou
profundamente. Perguntou a si mesmo: ‚Por que é
que você está chorando?‛. A resposta foi simples:
‚Choro por causa da beleza. Mas o que é a
experiência da beleza?‛. Sem uma resposta pronta,
lembrou-se de algo que aprendeu com Platão.
"Platão, quando não conseguia dar respostas
racionais, inventava mitos‛. Ele contou que, antes de
nascer, a alma contempla todas as coisas belas do
universo. Segundo ele, essa experiência é tão
marcante que perpetuamos em nós todas as infinitas
belezas do universo. Ao nascermos, nos esquecemos
delas. Contudo, não as descartamos. A beleza
permanece em nós, adormecida como um bebê.
Dessa forma, todos nós estamos em gestação de
beleza, desejosos de nascer para o mundo como um
recém-nascido. Quando a beleza surge, nos
reencontramos conosco mesmos e experimentamos a
alegria.

165
Rubem Alves pôde compartilhar conosco a
sua percepção de felicidade, os seus rastros de ser
humano que passou por este mundo, por meio de
sua escrita que continua a acrescentar e incentivar, a
reflexão de seus leitores, e de muitos de nós, neste
momento. Ele foi um estudioso, buscou inspiração
em homens sábios que conheciam a essência
humana. Os grandes mestres que viveram antes e
depois de Cristo, continuam vivos, nos inspirando
com exemplos de amor, solidariedade e igualdade.
Voltarmos para nós mesmos para nos conhecermos
melhor, para nos aproximarmos do Eu-Superior, da
nossa essência humana. Assim, podemos nos
posicionar de maneira mais harmônica e feliz nesta
existência. Podemos nos tornar a pessoa que
desejamos ser, melhores para nós e para o mundo, e
sermos felizes.
Segundo Aristóteles, filósofo grego, a
felicidade é uma busca que todos os seres humanos
têm em comum, ou seja, o desejo e o bem maior que
norteiam todas as ações humanas. Até o momento,
essa busca é perceptível. As civilizações antigas,
como a grega, tinham como tradição a busca pelo
bem-estar social. Para eles, todas as formas de vida e

166
coisas existentes na Natureza tinham uma função. Às
plantas, competia à fotossíntese, o que gera oxigênio
para a vida; aos animais, a alimentação, o sono e a
reprodução; aos minerais, a resistência às
intempéries climáticas para a construção de casas,
pontes, estradas e objetos decorativos; ao sol,
competia aquecer e iluminar, e assim por diante. No
entanto, para os seres humanos, uma vez que somos
parte integrante da Natureza, devemos viver
conforme a nossa essência humana, ou seja,
desenvolver valores, virtudes e conhecimento.
Podemos nos conhecer e crescer, deixando nossas
marcas de seres humanos pelo caminho, ser um fator
de soma para a vida das outras pessoas, nos
tornando melhores do que antes, tanto para nós
quanto para o mundo. Viver uma vida com sentido,
que vale a pena ser vivida. Sendo assim, a educação
grega era uma forma de encontrar sentido na
existência, dando sentido à vida e cumprindo sua
função como ser humano; estabelecendo uma
conexão com o verdadeiro propósito de estar aqui,
preenchendo o vazio existencial, aproximando-se da
plenitude humana e, consequentemente,
experimentando a verdadeira felicidade. Um

167
gerúndio constante, um fluxo contínuo da vida, uma
constante construção e transformação.
A felicidade, que Sócrates, Platão, Aristóteles e
outros defendem, é uma ideia de que, a felicidade e a
ética caminham juntas. Aristóteles, em sua obra Ética
a Nicômaco, define a felicidade como a prática de
boas ações, bem como a busca pela filosofia e o
desenvolvimento intelectual. De acordo com ele e
outros filósofos de sua época, para existir como ser
humano e feliz, é imprescindível que o indivíduo
viva de acordo com sua essência, razão e consciência
reflexiva. Tendo as suas ações e escolhas guiadas
pela ética, o que o levará, racionalmente, à prática de
suas virtudes e valores, ao fortalecimento das
relações e o bem-viver em sociedade. Uma maneira
de se fazer jus à inteligência racional, que nos
diferencia dos animais "irracionais" e de todas as
coisas no universo. Em outras palavras, a capacidade
de refletir a respeito da nossa conduta e a direção
que damos a ela.
Os gregos antigos buscavam a filosofia para
aperfeiçoar a capacidade de refletir a respeito da
vida e as experiências vividas, permitindo analisá-las
e revê-las sob um novo ponto de vista, visando

168
melhorar as ações em prol do crescimento pessoal e
do bem-estar social. Sendo assim, para os filósofos
gregos, ética e felicidade são inseparáveis. A
felicidade está relacionada às ações e escolhas
positivas, à busca pelo conhecimento, ao
desenvolvimento intelectual, às virtudes e valores,
enquanto a ética é responsável pelo comportamento,
pelas ações e escolhas, definindo o que devemos ou
não fazer, para não prejudicar a vida coletiva, mas,
de alguma maneira, a beneficiá-la.
É uma maneira mais harmoniosa de nos
relacionarmos conosco mesmos e com os outros, de
nos sentirmos bem e felizes. A verdadeira felicidade
está relacionada à paz interior, harmonia e equilíbrio.
Dessa forma, ao expandirmos a consciência de quem
somos, aumentamos nossa capacidade de perceber e
compreender o nosso comportamento e o do outro, o
que nos ajuda a crescer psicológica, humana e
espiritualmente. Aos poucos, nos aproximamos da
essência humana, da nossa verdadeira identidade, a
espiritual. Reconhecemos nossas ações, admitimos
nossas falhas e imperfeições, identificamos nossos
conflitos e o que nos incomoda e nos causa
sofrimento. E, consequentemente, reconhecemos no

169
outro o ser humano que existe em nós. Assim, temos
a responsabilidade e o dever ético de respeitar o
nosso semelhante, tal como ele é. Dessa maneira, nos
relacionamos melhor conosco mesmos, com as outras
pessoas e com o planeta.

Como alcançar a felicidade?

Aristóteles apontou três modos de viver que


almejam a conquista da felicidade:
1º. Modo: a vida é guiada pelo prazer, onde a
felicidade é encontrada na satisfação dos impulsos e
desejos. Um jeito de viver parecido com o dos
animais.
2º. Modo: a vida é pautada pela política, na
qual, o indivíduo busca a felicidade por meio dos
cargos, títulos, conquistas e riquezas materiais, como
se para ser feliz, precisasse ter o reconhecimento e a
aprovação de outras pessoas.
3º. Modo: a vida contemplativa, a mais
elevada e feliz maneira de viver. Este estilo de vida é
o que mais se aproxima da verdadeira função
humana. Aqui, o indivíduo é guiado pela razão,
compreendendo que a felicidade é um fim em si

170
mesmo, ou seja, não é necessário adquirir títulos e
riquezas materiais para alcançá-la. É uma maneira de
agir que visa o bem, o bom, o justo e o nobre, de
maneira pura e simples, sem esperar qualquer tipo
de recompensa. Aristóteles, há muitos anos,
disseminou esse modo de vida e, ainda hoje, é um
exemplo a ser seguido. Um exemplo de possibilidade
de atingir a felicidade, viver a felicidade e sermos
mais felizes. São ensinamentos transmitidos por
sábios filósofos, assim como também pelos grandes
mestres que viveram na Terra, como Cristo,
Siddharta Gautama, Buda, Lao Tsé e outros que
tinham uma profunda compreensão da essência
humana. Sábios e filósofos que buscavam a
felicidade, dentro de si mesmos. Eles deixaram seus
rastros, para todos que estão buscando se melhorar e
crescer como seres humanos. Buscando se
autoconhecer, questionando a existência, assim como
o contexto histórico em que estão inseridos, etc. A
busca pelo conhecimento de nós mesmos e a reflexão
sobre a vida, por mais simples que sejam, despertam
a curiosidade, nos tornam filósofos e nos levam à
sabedoria.

171
Atualmente, formamos uma sociedade onde
muitos de nós estamos vivendo conforme o modo de
vida um, descrito por Aristóteles. A nossa vida é
guiada pela satisfação dos impulsos e desejos, como
sinônimo de felicidade. O qual, ele compara à vida
dos outros animais, assim como a uma forma de
escravidão. Algumas pessoas buscam a felicidade
por meio da posse, aquisição e consumo de bens
materiais em geral. Esses prazeres são temporários e
podem causar dependência e alienação. Certamente
que adquirir bens materiais que contribuam para o
nosso crescimento e bem-estar é importante e
necessário. Enquanto outras, sonham, estabelecem
metas e objetivos, muitas vezes, impossíveis de
serem alcançados, distantes de suas realidades,
vinculando os seus resultados à conquista da
felicidade. A visão ilusória, criada pela sociedade de
consumo, onde o valor de cada um é medido pelo
que se tem, e não pelo que se é. Dessa forma, ter é
mais relevante que ser, ou seja, o modo ser se
sobrepõe ao ter, não havendo uma harmonia entre
esses dois modos que se complementam. O que
importa para o sistema capitalista é o poder e o lucro,
cada vez mais, mas não o conhecimento, as virtudes

172
e os valores, o ser, e a vida. A felicidade oferecida
pela sociedade materialista de consumo é ilusória e
temporária, proporcionando uma alegria de curto
prazo. Muitas pessoas têm a sua vida guiada pelos
bens materiais, pela necessidade de aprovação de
outros, culpa, medo ou ressentimento. O que dirige a
sua vida? O que te deixa feliz? Se, ainda não refletiu
a respeito disto, pare de ler por alguns minutos. Você
poderá fazer muitas descobertas. Há que pensarmos
nisso!
A felicidade não se encontra do lado de fora,
nas coisas que o mundo nos oferece. Sem dúvida, a
beleza e diversidade da natureza têm um impacto
positivo em nossas vidas, proporcionando momentos
de alegria e felicidade. Isso nos leva a compreender
que a felicidade verdadeira está ligada ao afeto, ao
que sentimos. Como, por exemplo, ao contemplar as
Cataratas do Iguaçu ou ao ver o desabrochar de uma
flor; audição: o som dos pássaros, uma melodia que
nos traz boas recordações, sentimentos de alegria,
bem como uma palavra ou conversa que nos acolhe e
nos proporciona uma sensação de bem-estar; olfato:
a fragrância de um perfume ou comida que nos traz
boas recordações. Ou seja, está ligada aos estímulos

173
sensoriais, ao ser e não ao ter. Podemos sonhar e
adquirir bens materiais, as aquisições nos trazem
alegria e contentamento. Não há problema algum,
desde que estejamos cientes de que esses prazeres
são temporários, caso contrário, seremos
consumidores exagerados, dependentes e alienados.
Agimos sem ter consciência das nossas verdadeiras
necessidade; não refletimos a respeito da realidade
em que estamos inseridos; perdemos o nosso
protagonismo; vivemos em função dos padrões e
ditames sociais. Em termos morais e éticos, muitos
de nós nos assemelhamos a Aristóteles, pois
associamos a felicidade à paz, à alegria, ao respeito e
ao amor pelo próximo. Ao permitirmos o despertar
do amor, das virtudes e dos valores, aproveitamos e
nos beneficiamos da informação e do conhecimento
que temos à nossa disposição, o que acrescenta valor
e qualidade à nossa existência; e estamos abertos às
oportunidades que a vida nos oferece, a todo
instante.
Não existe um manual que nos instrua a
sermos felizes, uma receita ou um caminho que seja
válido para todos nós. Há, sim, um caminho para a
felicidade, que cada um encontra ao longo de sua

174
jornada de crescimento, caminhando. A partir da
citação de Cal Jung, ‚O caminho... Eu não posso lhes
ensinar. O caminho está dentro de nós... Dentro de
nós, está o caminho, a verdade e a vida‛. Sendo
assim, o autoconhecimento pode nos ajudar a ter
uma compreensão mais aprofundada de quem
somos e como funcionamos, permitindo perceber
que a mente produz pensamentos que, por si só, não
promovem as mudanças necessárias em nossas
vidas. Os pensamentos são fundamentais, pois
fazemos escolhas, prevemos e antecipamos situações
boas ou ruins, encontramos soluções para problemas,
etc., é fato. No entanto, são os nossos recursos
internos, as nossas habilidades e capacidades, que,
quando explorados de maneira mais aprofundada,
nos permitirão compreender a nós mesmos e utilizá-
los em nossas ações e escolhas, visando o nosso
crescimento e evolução. O que está acima de
qualquer aquisição material.
Portanto, mergulhar em nós mesmos, é o
ponto de partida para iniciarmos no processo de
autodescobertas e transformações. Entrar em contato
com a nossa fonte de recursos inesgotáveis. Com
determinação e comprometimento, visando

175
descobrir, despertar e mobilizarmos nossas virtudes,
habilidades e capacidades, como também admitir e
acolhermos a nossa sombra, os nossos defeitos que
buscamos esconder de nós mesmos e dos outros. É
importante praticar a observação com frequência,
reconhecendo e respeitando os nossos anseios,
vontades e limites de maneira ética. Ou seja, sem
violarmos os direitos dos outros. Transcendermos
crenças falsas e padrões socioculturais que nos foram
sugestionados ou impostos. Sem preocupação ou
medo, de não sermos aceitos pelo outro, da maneira
que somos. A coragem e a motivação interna são
fundamentais, para nos despirmos das máscaras, que
usamos para nos esconder do mundo e de nós
mesmos; assumirmos o que verdadeiramente somos,
e como somos. Sem receio de cobranças e críticas,
além de não nos preocuparmos com o que os outros
pensam a respeito de nós.
Sendo assim, o autoconhecimento nos ajuda a
despertar e a expandir a consciência, o que nos ajuda
a identificar os fatores que dificultam uma existência
mais harmoniosa e feliz; a identificar as amarras
internas e externas que impedem o crescimento e a
evolução, ou seja, as crenças e pensamentos

176
negativos e autossabotadores em relação a nós
mesmos. O que nos permite refletir sobre os modelos
e padrões sociais impostos pela sociedade. As ilusões
criadas pelo ego, que se mostram verdadeiras, mas
dolorosas, em nossas sensações e experiências. As
análises e reflexões nos permitem rever a postura,
sermos mais otimistas, fazer escolhas mais acertadas,
nos tornarmos a pessoa que queremos ser e
alcançarmos nossos objetivos com protagonismo,
conscientes de quem somos e mais felizes.
A conexão com o propósito de vida é um dos
fatores fundamentais para a conquista da felicidade.
A razão que nos impulsiona a viver é uma força vital
que está presente em nossa essência e nos mantém
firmes e focados nessa jornada, independentemente
de quaisquer obstáculos que possam surgir. Ao
descobrirmos o que viemos fazer aqui (nossa
missão), e a executarmos em prol de um propósito,
compartilhando isso com as pessoas,
experimentamos a felicidade. A felicidade não se
limita a algo ou alguém, é um processo que começa
quando nos aprofundamos na compreensão dos
nossos valores, da nossa história e de quem
verdadeiramente somos. Ao deixarmos de olhar para

177
o exterior, voltamos à atenção para o nosso interior e
começamos a enxergar o que não imaginava ser
possível. Ao executarmos as nossas aptidões, talentos
e dons, descobrimos habilidades e potencialidades
que não imaginávamos ter.
Observar o nosso comportamento em relação
ao que nos afeta, a nossa reação a eventos, as
emoções recorrentes que demonstramos e que têm
uma mensagem a nos transmitir e nos ensinar
podem contribuir para o nosso processo de
transformação e crescimento, bem como para o
aprendizado de nomear nossos sentimentos.
Repensar as nossas ações, considerando o que já foi
pensado, pode elevar os nossos valores morais e
éticos; procurarmos modificar os nossos hábitos,
aprimorar as nossas ações e escolhas, agir com amor
e generosidade, pois são atitudes que despertam
felicidade. A felicidade está diretamente ligada às
nossas ações e reações, à nossa atitude de aceitação
de tudo o que a vida nos apresenta, seja bom ou
ruim. A compreensão e a aceitação da dor como um
fator natural e inerente à existência humana é uma
aprendizagem necessária para o crescimento e
evolução. Uma ação indispensável para o

178
crescimento, pois aumenta a percepção do ser no
mundo, na interação com as pessoas, os animais, a
natureza e o universo. Ou seja, expandir consciência
de nós mesmos e do outro. É uma condição
indispensável para qualquer ser humano alcançar,
desfrutar da felicidade, e ser feliz.
A aceitação está relacionada à humildade,
virtude que, na maioria das vezes, desenvolvemos ao
longo do sofrimento, da dor e do cansaço. Ao
sofrermos, nos aproximamos da fonte, da nossa
essência humana, o que nos torna mais humildes.
Quando nos dispomos às mudanças, às novas
possibilidades, a abandonar o velho e aceitar o novo,
tudo se torna possível, tanto internamente quanto
externamente. A humildade não se limita à classe
social-econômica, à cultura, à etnia, à crença ou ao
sexo. Fortalecer e/ou desenvolver a humildade é ter
consciência de que não sabemos de tudo e ignoramos
muitas coisas, sobretudo, a complexidade de nós
mesmos. É assumirmos uma postura de quem está
sempre disposto a aprender algo novo. Quando nos
tornamos humildes, desenvolvemos a resignação e a
paciência, além de aprendermos a esperar,
conscientes de que as mudanças não estão apenas

179
relacionadas ao nosso desejo e vontade, mas também
ao nosso empenho, comprometimento e foco
individual. As mudanças internas não ocorrem
repentinamente, da noite para o dia, mas sim de
forma gradual. Há um tempo para tudo, uma vez
que estamos dispostos ao processo de
autoconhecimento e mudanças. Expandirmos a
percepção e compreensão de quem somos, e como
funcionamos. Observarmos com frequência as nossas
reações diante dos eventos externos; mergulharmos
cada vez mais fundo em nosso ser, para, em
determinado momento, começarmos a ser diferentes
do que éramos. Pessoas melhores que antes, mais
equilibradas e felizes. Para isso, precisamos de
tempo, uma vez que já fizemos as escolhas, os nossos
sonhos cultivados e, assim como nós, a Natureza
também precisa de tempo para se rearranjar e
cumprir sua função. Sendo assim, só nos resta
prosseguir na jornada, fazendo o nosso melhor e
aproveitando tudo o que a vida tem a nos oferecer,
enquanto esperamos pelos resultados com paciência
e tranquilidade. Sem pressa, para continuarmos a
observar e refletir a respeito da nossa realidade.
Compreendemos que a prova pode ser desafiadora,

180
mas com determinação, fé e confiança em nós
mesmos, alcançaremos nossos objetivos e
experimentaremos a tão desejada e almejada
felicidade.
Em Ostras Felizes Não Fazem Pérolas, Rubem
Alves nos convida a refletir sobre a possibilidade de
lidar e lidar com o sofrimento humano e as opiniões
divergentes como algo que faz parte da natureza
humana, e não como um castigo ou punição do
universo. "A ostra, para fazer uma pérola, precisa ter
dentro de si um grão de areia que a faça sofrer.
Sofrendo, a ostra diz para si mesma: 'Preciso
envolver essa areia pontuda que me machuca com
uma esfera lisa que lhe tire as pontas… ‘Ostras
felizes não fazem pérolas… Pessoas felizes não
sentem a necessidade de criar. O ato criador, seja na
ciência ou na arte, surge sempre de uma dor. Não é
preciso que seja uma dor doída… Por vezes, a dor
aparece como aquela coceira que tem o nome de
curiosidade. Este livro está cheio de areias pontudas
que me machucaram. Para me livrar da dor, escrevi’.
(...) ‘ Com uma exceção: de uma ostra solitária que
fazia um solo solitário. Diferente da alegre música
aquática, ela cantava um canto muito triste. As ostras

181
felizes se riam dela e diziam: ‚Ela não sai da sua
depressão (…)’. Não era depressão. Era dor. Pois um
grão de areia havia entrado dentro de sua carne e
doía, doía, doía. E ela não tinha jeito de se livrar dele,
do grão de areia. Mas era possível livrar-se da dor.
...‛.
Desse modo, às vezes, a existência, e até
mesmo o contato com nós mesmos, pode nos causar
dores que nos levam a aprendizados, que nos levam
a mudanças, crescimento e evolução. O
autoconhecimento nos leva à lapidação e
aprimoramento constante de nós mesmos, para nos
tornarmos melhores do que antes. Em algum
momento, este processo se torna doloroso e solitário,
mas tudo depende das experiências de cada um. São
dores que não nos permitem retroceder, mas
podemos olhar para elas, tratá-las e amenizá-las até
nos vermos livres delas, assim como a ostra solitária
que, em determinado momento, cantava com
tristeza.
Assim como a ostra solitária, precisamos
aprender a lidar com as adversidades como uma
oportunidade de aprendizado. Evitar que os
sentimentos de frustrações, dores e mágoas

182
permaneçam conosco. Quando surge algo que nos
magoa, como o grão de areia que entrou na carne da
ostra, e, caso não consigamos digerir e lidar, é
importante e necessário vivermos o evento doloroso,
lamentando e chorando por um dia ou mais, se
necessário, para diminuir a dor, aliviar a alma e
aceitarmos. Assim, podemos identificar com clareza
a informação que essa sensação de dor nos transmite,
bem como, podermos nomear o sentimento por trás
dela. Uma maneira de fortalecermos a nossa coragem
e motivação interna, para mudarmos a realidade em
que nos encontramos, muitas vezes, nada
confortável. Com determinação e autoconfiança,
podemos encontrar uma solução para os desafios
que nos afetam constantemente. Compreendendo
que a dor que afeta a nossa alma é a maior
oportunidade de aprendizado que pode surgir em
nossa existência, visando o nosso crescimento e
felicidade.
A arte, seja ela poesia, música, literatura,
dança, cinema, artes plásticas ou cênicas, é
extremamente relevante e necessária para a nossa
existência. Sem a arte, ficamos enrudecidos, pois a
tensão do dia a dia nos impede de expressar quem

183
realmente somos, além de nos afastarmos da nossa
essência cada vez mais. A arte nos sensibiliza. A
beleza da arte alimenta a alma; desperta sentimentos
profundos e sublimes, nos conecta à nossa essência;
transforma o olhar, muda o nosso estado de espírito.
A arte é capaz de revelar o estado atual de um povo,
sendo capaz de promover mudanças. Por meio dela,
podemos nos sensibilizar e expressar nossa essência,
o que verdadeiramente somos, além de nos
tornarmos mais humanos e felizes.
Assim, percebemos que não precisamos de
estímulos externos para sermos felizes, pois a
felicidade é um estado criado pela alma, motivado
por um pensamento, uma melodia de música, uma
imagem, um lugar ou um movimento. Enquanto a
alma sente, a mente racionaliza, deixa de lado o ser e
se sobrepõe ao subjetivo — tudo o que está
relacionado ao mundo interno e individual, ao
comportamento, à maneira como agimos e reagimos
diante das circunstâncias, de acordo com nossos
sentimentos e pensamentos. A alma é vida,
movimento, é a parte que nos leva ao encontro do
sentido e propósito da nossa existência. Dessa forma,
ao cultivarmos bons pensamentos, somos motivados

184
pela sensação de felicidade constante, que nos faz
sentir satisfeitos com pouco.
É necessário permitir que a vida nos conduza
e nos guie. Para isso, precisamos nos abrir e aprender
a confiar nas diversas possibilidades que ela nos
oferece. Fazemos isso com o coração, e não com a
razão. Nós formamos uma sociedade materialista
que prioriza o raciocínio lógico. A razão, sem
dúvida, tem sua importância, mas, em excesso, e sem
equilíbrio, impede a fruição da beleza, leveza e
harmonia do movimento da vida em nós. É preciso
que experimentemos mais pelo coração,
compreendendo, sentindo e aceitando as dores e os
sofrimentos das frustrações como uma condição
humana, encarando-os de frente e com leveza,
evitando criar "uma tempestade em um copo de
água". Dessa forma, podemos deixar a vida fluir de
forma natural, sem forçar ou prever os resultados,
pois tudo depende do nosso plantio. Se cultivarmos
bons sentimentos e pensamentos em nossas ações e
desejarmos aos outros o mesmo que queremos para
nós, a tendência é fazermos uma boa colheita. Pensar
em excesso, alimentar expectativas e temer o futuro
são elementos mentais que interferem negativamente

185
na busca e vivência da felicidade. Dessa forma,
devemos permitir que a vida nos guie, para que as
coisas fluam de maneira mais leve, conforme o fluxo
natural da vida. Como a correnteza de um rio que
corre devagar, sem pressa, pois seu curso é chegar a
algum lugar. Bem como o movimento das ondas do
mar, às vezes, precisamos saber recuar para avançar,
crescer e evoluir.
Um bom começo é começarmos a apreciar as
coisas simples ao nosso redor. Focarmos no aqui e no
agora. Para muitos, a felicidade é uma consequência
de uma aquisição material, algo que está no futuro.
No entanto, a felicidade está presente em todos os
momentos e próxima de todos que se dispõem
vivenciar, cultivar e desenvolver o amor. Na canção
"O Sal da Terra", Beto Guedes reconhece que toda
mudança e crescimento requerem afeto e consciência
de si, dos outros e do planeta. ‚Para construir a vida
nova, vamos precisar de muito amor. A felicidade
mora ao lado, e quem não é tolo pode ver. Deixa
nascer o amor, deixa fluir o amor, deixa crescer o
amor, deixa viver o amor... canta leva tua vida em
harmonia‛. Nesta canção, os compositores Beto
Guedes e Ronaldo Bastos propõem uma nova

186
construção para o planeta, um novo sentido de vida
para todos nós. Em outras palavras, como seres
humanos, denominados Sais da Terra, na canção,
dotados de racionalidade, virtudes, habilidades,
potencialidades, talentos e dons, podemos executar o
que fazemos de melhor, por meio das nossas ações e
escolhas, em benefício de nós mesmos, do bem-estar
social e do planeta. Uma maneira sustentável de
desfrutarmos da existência, preservando a vida e o
meio ambiente. Deixando o solo fértil para ser arado
pelas gerações futuras, e sermos felizes.
A felicidade é fruto da confiança que temos na
vida. Da fé que depositamos em nós mesmos, nas
nossas ações. Não estamos aqui para nos abatermos,
mas sim para nos transformarmos em pérolas. Ou
seja, não estamos aqui apenas para nos divertirmos,
mas sim para nos conectarmos ao nosso propósito de
vida e crescer, evoluir e nos tornarmos melhores do
que antes.
Em ‚Palco da Vida‛, o psiquiatra Augusto
Cury procura incentivar e fortalecer ainda mais a
nossa busca pela felicidade, por meio de palavras de
otimismo. Ele nos ensina que, apesar de todas as
dificuldades que a vida nos apresenta, vale a pena

187
viver. Ser feliz não significa viver num "mar de
rosas", ter uma vida sem problemas, isso não teria
sentido, nossos potenciais ficariam adormecidos sem
utilidade alguma. Viver implica desafios, autoria,
amor, liberdade, responsabilidade e, acima de tudo,
autorrespeito. O psiquiatra busca compreender o ser
humano e suas imperfeições, a complexidade da
nossa mente que nos permite compreender e nos
aproximar ainda mais do que somos, acalentar nossa
alma nos dias cinzentos, consciente de que, apesar de
todas as dificuldades e sofrimentos, vale a pena
viver.

Palco da Vida

Você pode ter defeitos, viver ansioso e ficar


irritado algumas vezes, mas não se esqueça de que
sua vida é a maior empresa do mundo. E você pode
evitar que ela vá à falência.
Há muitas pessoas que precisam, admiram e
torcem por você. Gostaria que você sempre se
lembrasse de que ser feliz não é ter um céu sem

188
tempestade, caminhos sem acidentes, trabalhos sem
fadigas, relacionamentos sem desilusões.
Ser feliz é encontrar força no perdão,
esperança nas batalhas, segurança no palco do medo,
amor nos desencontros.
Ser feliz não é apenas valorizar o sorriso, mas
refletir sobre a tristeza. Não é apenas comemorar o
sucesso, mas aprender lições nos fracassos. Não é
apenas ter júbilo nos aplausos, mas encontrar alegria
no anonimato.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver,
apesar de todos os desafios, incompreensões e
períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas
e se tornar um autor da própria história. É atravessar
desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um
oásis no recôndito da sua alma.
Ser feliz é não ter medo dos próprios
sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter
coragem para ouvir um ‚não‛. É ter segurança para
receber uma crítica, mesmo que injusta.
Ser feliz é deixar viver a criança livre, alegre e
simples que mora dentro de cada um de nós. É ter
maturidade para falar ‚eu errei‛. É ter ousadia para

189
dizer ‚me perdoe‛. É ter sensibilidade para expressar
‚eu preciso de você‛. É ter capacidade de dizer ‚eu
te amo‛. É ter humildade da receptividade.
Desejo que a vida se torne um canteiro de
oportunidades para você ser feliz… E, quando você
errar o caminho, recomece, pois assim você
descobrirá que ser feliz não é ter uma vida perfeita,
mas usar as lágrimas para irrigar a tolerância.
Usar as perdas para refinar a paciência.
Usar as falhas para lapidar o prazer.
Usar os obstáculos para abrir as janelas da
inteligência.
Jamais desista de si mesmo.
Jamais desista das pessoas que você ama.
Jamais desista de ser feliz, pois a vida é um
espetáculo imperdível, ainda que se apresentem
dezenas de fatores a demonstrarem o contrário.
Pedras no caminho? Guardo todas… Um dia,
vou construir um castelo! (Augusto Cury)
A linguagem artística é uma forma de
comunicação que nos oferece diversas maneiras de
expressar nossa visão do mundo e de nós mesmos,
bem como compreender a nossa dor e a do outro, as
dores causadas pela existência humana. No filme

190
"Nise: Coração da Loucura", a psiquiatra Nise da
Silveira utiliza a "arte do inconsciente" para
promover uma intervenção mais humana no
tratamento clínico com os internos do hospício Pedro
II, no Rio de Janeiro, nos anos 40. Uma contrapartida
aos tratamentos e práticas oferecidos nos hospitais
psiquiátricos, da época. Seu trabalho foi
extremamente relevante para a teoria psicanalítica.
Se a arte não existisse, não teria como saber o
que seria de nós. Mas, que bom, ela existe e está
presente para todos, e, dentro de cada um de nós,
existe um poeta. Em alguns, desperto, capaz de
sentir o pulsar da vida com sensibilidade e largueza
no olhar. Para perceber a beleza que a vida nos
proporciona a todo instante. Em outros, continua
adormecido, preso à matéria, ao automatismo do dia
a dia, o que nos afasta da essência humana, de nós
mesmos. A arte e a liberdade fazem parte da
condição humana, assim como o livre-arbítrio, que
nos permite fazer escolhas, uma delas é escolher
entre a felicidade ou a tristeza. É simples, é
necessário apenas se decidir e mergulhar em si
mesmo, sem medo de ser quem é. ‚Sem medo de ser
feliz‛. Somos os autores e criadores da nossa própria

191
existência, e somente nós podemos fazer com que ela
seja feliz ou triste. Sendo assim, para sermos felizes,
dependemos de nós mesmos. Segundo Aristóteles,
ser feliz implica ser ético. Há que pensarmos nisso!

192
Gratidão, como desenvolver?

“Um simples pensamento de gratidão elevado ao


céu, é a mais perfeita oração.”
— Regina Souza

“Tudo o que você passou te preparou para chegar


até aqui e foi fundamental para o seu crescimento,
agradeça!”
— Lívia Barros Calado

“A gratidão desbloqueia a abundância da vida. Ela


torna o que temos em suficiente, e mais. Ela torna a
negação em aceitação, caos em ordem, confusão em
claridade. Ela pode transformar uma refeição em
um banquete, uma casa em um lar, um estranho em
um amigo. A gratidão dá sentido ao nosso passado,
traz paz para o hoje, e cria uma visão para o
amanhã”.
— Melody Beattie

“Gratidão é lembrar que todas as pessoas que


cruzam nosso caminho são para nossa evolução.”
— @terrradosbudas

193
Segundo o Dicionário Online de Português,
gratidão significa a característica ou particularidade
de quem é grato. Ação de reconhecer ou atribuir
reconhecimento a alguém por uma ação e/ou
benefício recebido. Agradecimento: recebeu provas
de gratidão. A palavra "gratidão" tem origem no
latim "gratia", que significa graça, ou gratus, que se
traduz por agradável. Dessa forma, gratidão é o
sentimento agradável de reconhecimento por tudo o
que se recebe ou é reconhecido. Sendo assim, o
sentimento de gratidão deve ser associado não
apenas às ações que resultam em realizações
extraordinárias, mas também a todas as vivências
que a existência nos proporciona para o crescimento
e evolução, sejam elas boas ou ruins, de maneira
amorosa, genuína e profunda.
De acordo com Bert Hellinger, criador das
Constelações Familiares, só podemos amar o
próximo quando amamos os nossos pais. Reconhecer
que chegamos à vida por meio deles. Dessa forma,
devemos honrá-los, tratando-os com consideração,
amor, obediência e gratidão. Na maioria, os pais
fazem para os seus filhos mais do que podem. Sendo
assim, devemos honrá-los com reconhecimento e

194
gratidão, uma vez que essas são as únicas
recompensas que os pais desejam. Devemos honrá-
los por terem nos trazido à vida, por tudo o que
fizeram por nós, e aceitá-los como são, e não como
gostaríamos que fossem. Afinal, nos tornamos o que
somos hoje, devido a influência dos nossos pais. E
por mais que eles não tenham cumprido com suas
funções de pais, não se adequarem às nossas
expectativas e fantasias, ainda assim, devemos
honrá-los e ser gratos.
Dessa forma, a vida, o bem mais valioso que
temos, é um dos maiores motivos para nos sentirmos
gratos todos os dias. É a maior dádiva que nos foi
concedida, um presente que nos faz sentir uma
alegria e felicidade, que não tem preço. Assim, ao
acordarmos e sentirmos o ar entrando pelas nossas
narinas, é um motivo significativo para expressar
nossa gratidão profunda. Um grande motivo para
cultivarmos e praticarmos o sentimento de gratidão.
Quando aprendemos a agradecer por mais um dia de
vida, valorizando cada detalhe das experiências
diárias, a gratidão, a alegria e a felicidade brotam no
nosso coração, nos envolvendo com o espírito de
leveza, serenidade e amorosidade. A gratidão

195
desperta o sentimento de bem-estar. Portanto, não há
obrigações, comprometimentos ou ligações. Sentir
gratidão é um estado de espírito, e não um
sentimento de obrigação. O sentimento de gratidão é
um encontro com a nossa essência, o que temos de
mais humano e genuíno em nós, o que
verdadeiramente somos.
Ao expressarmos nossa gratidão pelo que
somos e temos, pelas nossas experiências e
conquistas, mudamos o nosso olhar. Ao invés de
focar no que não temos, não deu certo e/ou nos
machucou, focamos nas conquistas, no que temos,
naquilo que deu certo, conseguindo enxergar o lado
positivo da vida e de todas as coisas. Uma coisa é
certa, aquilo que colocamos foco cresce, então, por
que não focarmos nos acontecimentos bons que a
vida nos apresenta, a todo instante?! Dessa forma,
podemos ter uma postura de compreensão e
aceitação em relação a todos os eventos que a vida
nos proporciona. Sem revolta, mas com a perspectiva
de transformarmos essas experiências em
aprendizados, para o nosso crescimento e evolução.
Dessa forma, a gratidão é uma força
libertadora impulsionada pelo amor e pelo perdão.

196
Precisamos de muita determinação e motivação
interna para agradecer algo que, em algum
momento, nos causou sofrimento e perdas.
Agradecer a experiência é aceitar o acontecimento
sem fazer qualquer tipo de crítica ou julgamento. Ao
alimentarmos sentimentos ruins, como,
ressentimento e ódio, nos sentimos feridos,
adoecidos, fragilizados e presos ao passado, além de
inflamarmos o nosso corpo físico, mental e espiritual.
Nossa vida não flui, não conseguimos avançar,
atingir nossos objetivos, porque ficamos presos ao
que ficou para trás. É importante retornarmos ao
passado para compreendermos nosso estado atual, e
resolvermos o que não foi solucionado. Olharmos
para a ferida que não foi curada e se espalhou para
outras partes do corpo, antes saudáveis, se tornando
uma dor, um pesadelo de noites mal dormidas que
não conseguimos esquecer. Isso requer
determinação, motivação interna, amor e compaixão,
para desenvolvermos e/ou fortalecermos o
sentimento de gratidão, em relação a algo que nos
causou dor. Não é fácil, mas é possível, pois quando
estamos abertos e dispostos a crescer, a Natureza

197
conspira a nosso favor, recebemos ajuda de todos os
lados, é fato.
Quando experimentamos o sentimento de
gratidão, compreendemos que o curso natural da
vida, com seus eventos benéficos ou desfavoráveis,
favorece o nosso crescimento e evolução. Dessa
forma, podemos compreender a lição que está por
trás da experiência que nos feriu. O que nos permite
compreender a situação em que nos encontramos.
Em Mateus, capítulo 25:29, encontramos uma
valiosa lição. ‚Pois, a quem tem, mais será dado, e
terá em grande quantidade. Mas, a quem não tem,
até o que tem lhe será tirado‛. Um convite para
sermos gratos, por tudo o que temos, como, por
exemplo, os talentos e potenciais que nos foram
concedidos antes de chegarmos a este mundo. Que
nos permitem fazer o que sabemos de melhor, e
compartilhar com os outros, nos permitindo uma
existência mais harmoniosa e feliz. O ato de servir a
vida, ao outro, desperta em nós o sentimento de
reconhecimento e gratidão.
Não fomos criados para viver na inércia e
ignorância, mas sim para trabalhar, servir à vida, ao
mundo, promover ações construtivas e criativas, na

198
interação com as outras pessoas e o ambiente, pois,
ao mesmo tempo em que afetamos, somos afetados,
transformamos e somos transformados
constantemente. A inércia nos impede de nos
conhecermos, nos limita e nos impossibilita de
compreender quem somos, o que viemos fazer aqui,
como nos conectamos com o nosso propósito de vida
e como empregamos nossos dons e talentos,
resultando em limitações, depressões, angústias e
infelicidade. Às vezes, alcançamos uma vida
materialmente rica e confortável, com acesso ao bom
e ao melhor que o dinheiro pode nos proporcionar,
mas, espiritualmente, estamos completamente
carentes de paz, alegria e realizações, elementos que
o dinheiro não pode comprar. Não conseguimos nos
sentir inteiros, plenos.
Atualmente, vivemos uma realidade
caracterizada por uma grande insatisfação e vazio.
Muitos de nós parecemos sempre insatisfeitos com as
conquistas, não valorizamos o que temos, o nosso
olhar sempre está voltado para a falta, para o que
não temos. É possível notar que, a maioria de nós
está constantemente traçando metas de consumo,
visando adquirir, acumular e ter cada vez mais.

199
Poucos são os casos em que alguém procura se
conhecer melhor, traçar metas em relação à elevação
de valores morais-pessoais, focar no que precisa para
se tornar uma pessoa melhor, mais humana, mudar
e/ou melhorar a maneira como se relaciona com os
outros. A lógica natural da vida, da evolução
humana, de ser para ter, foi invertida. O ter se
sobrepõe ao ser, primeiro ter para depois ser. Uma
busca incessante e descomedida pelo poder e pelo
lucro, o modo ter que nos afasta do modo ser,
daquilo que nos torna humanos. Ao nos afastarmos
da nossa essência, geramos a insatisfação, o tédio, o
vazio, a infelicidade, enfim, a falta de sentido na
existência.
O consumo em excesso traz consigo uma
sensação temporária de satisfação e felicidade, ao
mesmo tempo que fomenta uma falsa aparência e
status social. Isso por sua vez, contribui para o
aumento da insatisfação e do vazio existencial – um
vazio que nos acompanha ao longo da vida, uma
falta inerente à existência humana. Vazio este, que
pode ser aplacado ao nos aproximarmos da nossa,
nos conectarmos ao nosso propósito de vida, ao
sentido que damos à nossa existência. Mas não com

200
aquisições materiais, prazeres e alegrias
momentâneos.
O consumo exagerado é uma forma de
escravidão que leva a maioria de nós, às disputas e
comparações frequentes, sempre buscando atingir os
padrões de consumo apresentados pelas redes
sociais, mídias e ditames sociais, no geral. Por
exemplo, ao modelo da reforma da casa, o carro do
ano, o celular potente, a televisão e o computador de
última geração, o vestido ou terno que a celebridade
usou nas propagandas. Em outras palavras,
inconscientemente nosso comportamento é
influenciado pelos meios de comunicação, que nos
fazem acreditar que ter é o modo mais importante
para viver.
O sentimento de gratidão, por sua vez, nos
liberta da insatisfação e da monotonia, pois nos
estimula e nos desperta para o amor, um novo olhar,
uma maior percepção das nossas conquistas e
experiências. Ajuda a compreendermos nossa
verdadeira natureza e nossa individualidade, sem
nos compararmos com outras pessoas, a não ser
conosco mesmos, ontem, há uma semana, um mês ou
um ano. E, não cedermos aos apelos externos para

201
adquirirmos o mesmo que outras pessoas, sem
considerarmos nossas reais necessidades. Os apelos
ao consumo também incluem a ilusão da felicidade,
que só é possível quando o objetivo ou o sonho de
consumo são alcançados. Assim, a felicidade é
colocada no futuro, quando adquirirmos o carro do
ano, a casa própria, o celular de última geração, a
viagem internacional, a faculdade tal, o emprego
bem remunerado, o casamento, e assim por diante.
A satisfação, bem-estar, alegria, felicidade,
qualidade de vida e motivação interna não
dependem necessariamente das experiências
externas, mas sim da nossa postura, das nossas ações
e escolhas, da maneira como estamos reagindo a elas.
São elementos fundamentais na nossa existência,
partes de um processo, que refletem o nosso estado
de espírito vigoroso, ou seja, a nossa ação,
movimento e prática diária, a maneira como estamos
respondendo à vida.
Dessa forma, devemos nos abrir para o
sentimento de gratidão, agradecendo pelo que somos
e por tudo o que temos, porque a verdadeira
felicidade e plenitude estão na execução dos nossos
talentos, no que fazemos de melhor para nós e para

202
os outros. Quanto mais gratidão expressarmos por
tudo o que temos e pelos eventos que ocorrem na
nossa existência, experimentamos uma sensação de
plenitude e felicidade intensas, além de atrairmos
mais prosperidade para a nossa vida. O sentimento
de gratidão tem um poder gerador, frequente.
Quando respondemos a tudo e a todos com gratidão,
entramos em sintonia com a Lei da Natureza e com
as forças do universo.
Sendo assim, o sentimento de gratidão é
magnético. De acordo com o cientista Einstein, todas
as coisas no universo são compostas por átomos,
energia que originam a matéria, e que estão em
constante vibração, movimento e transformação.
Sendo assim, nós, seres humanos, somos parte desse
universo, somos energia e estamos em constante
vibração, transformação e evolução. Nós e todas as
coisas que fazem parte do universo, vibramos numa
frequência específica. A camada de pele que envolve
o nosso corpo é composta por trilhões de moléculas
em movimento rápido e em órbita, cada uma com
uma frequência vibratória específica. Portanto, para
nos conectarmos com o universo, devemos pensar
em termos de energia, vibração e frequência. Quando

203
nos concentramos no sentimento de gratidão,
alcançamos a maior porcentagem de vibração no
nível de reconhecimento. Ou seja, de acordo com a
nossa frequência vibratória de pensamento e
sentimento, atraímos para tudo o que está em
sintonia, na mesma frequência vibratória. Para uma
melhor compreensão, imaginemos um rádio antigo,
em que, ao girarmos o botão para sintonizar ou
mudar de estação, um pino indica em qual emissora
de rádio e frequência está sendo tocada. Conosco,
acontece o mesmo, por meio das ondas
eletromagnéticas. Por exemplo, quando estamos
muito irritados, nervosos, as pessoas ao nosso redor
ficam tranquilas por um tempo, mas esse estado que
nos encontramos afeta os outros, pois a frequência
com que estamos vibrando está sendo emitida no
ambiente. Chega um momento em que as pessoas
que estavam calmas são afetadas por isso. A Covid
19 foi um exemplo, o Planeta inteiro ficou
apreensivo, nervoso, com medo disso ou daquilo.
Estávamos elevando esse nível de preocupação, isso
atingiu todos nós. Para uma melhor compreensão da
frequência das ondas eletromagnéticas, em nós e no
universo, a maneira como afetamos e somos afetados

204
por elas pode ser pesquisada por Ressonância
Schuman.
Sendo assim, tudo aquilo em que focamos é
ampliado e fortalecido. A atração física está
relacionada à frequência vibracional que emitimos, e
à maneira como é recebida pelo outro e pelo
universo. A maneira como o outro nos enxerga.
Dessa forma, quando estamos em sintonia com os
sentimentos e pensamentos positivos, tendemos a
atrair experiências positivas. No entanto, se nos
concentramos nos aspectos negativos, tendemos a
atrair experiências desfavoráveis com maior
intensidade. A Lei da Atração funciona dessa
maneira. A vida oferece mais do mesmo.
Para integrarmos a gratidão à nossa vida,
dependemos apenas da maneira que vibramos,
pensamos e sentimos. O pensamento deve estar em
sintonia com a emoção, ou seja, a dualidade razão e
emoção devem caminhar juntas e em harmonia com
frequência. Parece simples, mas é necessário
exercitarmos a sintonia entre o pensamento e a
emoção. A gratidão é um estado de espírito. Assim, é
essencial que ela esteja presente nos nossos
sentimentos, e não apenas nas nossas palavras. Se

205
demonstrarmos alegria no semblante, essa emoção
deve estar também contida no sentimento, na nossa
alma.
Em A Magia, Byrne afirma que o objetivo
fundamental de praticar a gratidão é senti-la o
máximo possível, pois ela é a força do sentimento
que impulsiona a magia e as transformações na nossa
vida. Pode ser que este seja o segredo, ou a chave
para nos conectarmos com a frequência das ondas
magnéticas do universo.
Segundo a Lei da Gratidão, quanto mais
damos, mais recebemos, e, quanto mais ajudamos os
outros, mais ajudamos a nós mesmos. O poder desta
lei está disponível e pode ser aplicado em nossas
ações cotidianas. A prática da gratidão requer,
inicialmente, que acionamos o agente 007 de nós
mesmos, monitorando a frequência dos nossos
pensamentos e sentimentos, até que os exercícios se
tornem uma prática diária, um hábito. Ao longo dos
dias, a gratidão será naturalmente incorporada à
nossa postura, à nossa maneira de pensar, agir e
sentir.

206
Como desenvolver gratidão?

A prática da gratidão pode ser iniciada de


maneira simples em nossa rotina diária, desde o
despertar até o sono. Podemos, ao despertar, nos
sentir gratos pelo ar que entra nas nossas narinas,
pela cama que nos dá descanso, pelo teto que nos
abriga, pela água do banho, pela saúde do nosso
corpo, pelo alimento da manhã, pela nossa família,
pelo trabalho, seja ele bom ou ruim, pelos estudos,
etc. Nossas conquistas e feitos, tudo o que
alcançamos, aumentando ainda mais o nosso
sentimento de honra e orgulho. Agradecer às pessoas
queridas por fazerem parte da nossa existência. Para
isso, é preciso demandar tempo para fazer uma
ligação e saber como estão. A cada dia, temos mais
contato com a natureza, percebendo os mínimos
detalhes que a compõe, ouvindo o canto dos
pássaros, contemplando a beleza e o colorido das
flores, caminhando descalços para sentir a energia da
terra e do ar, nos sentindo integrados com a natureza
e agradecendo por fazer parte dela. Sentirmos o
fluxo de ar que entra e sai dos nossos pulmões, que

207
abastece o sangue do coração e é distribuído para
todas as células do nosso corpo. Agradecemos ao
Criador pelo milagre que nos foi concedido, pelo
presente que nos foi dado, a vida. Sermos otimistas
em relação aos eventos e expressamos gratidão pelas
oportunidades e gentilezas recebidas, e retribuirmos
com amabilidade e simpatia. Compartilharmos boas
leituras, mensagens, pensamentos, filmes e
informações. Ao nos olharmos no espelho, devemos
aceitar o que vemos com carinho e gratidão. Sermos
solidários e praticarmos o bem. Nem sempre
ajudamos alguém com dinheiro, mas podemos
dispor de alguns minutos para uma conversa
acolhedora, encurtar a distância com um sorriso,
uma palavra de incentivo, conforto, carinho e
compaixão. Aceitarmos com alegria os dias de chuva,
pensarmos na vegetação que precisa da água que
vem diretamente das nuvens. Os dias de sol, como
poderíamos viver sem a sua luz e calor? Assim como
nós, a natureza se renova todos os dias, e, por isso,
devemos observar mais para aprendermos com ela e,
ao mesmo tempo, a respeito de nós mesmos.
Aprender a nos sentirmos gratos pelas coisas e pelos
acontecimentos simples do nosso cotidiano.

208
Focarmos no propósito de nossa existência,
caminhando de maneira que possamos fazer o nosso
melhor sempre.
Todos os dias, sejamos gratos pelo que temos
hoje, já que a vida está acontecendo agora. Se não for
assim, ficamos na falta e afastamos a abundância. O
sentimento constante de falta, daquilo que não temos
e gostaríamos de ter, nos afasta de uma vida
abundante. Não é crime desejarmos e sonharmos
com coisas materiais, pois muitas delas são
necessárias para o nosso bem-estar e conforto. Não
podemos viver com a exaustão que nos consome a
alma, em função do que não temos. Ter não nos faz
sentir mais felizes e melhores do que antes. Se, não
estamos satisfeitos e felizes com o que temos, por que
a vida nos mandaria mais? Portanto, sejamos gratos
todos os dias, pois a força deste sentimento contribui
para a criação de um novo dia, com frequência
positiva, e um novo padrão de pensamento será
estabelecido.
Na obra "Você pode curar sua vida", Louise
Hay nos ensina que todos os nossos pensamentos
influenciam o nosso futuro. Não importa quais são
os pensamentos que despertamos todas as manhãs.

209
Antes dessa manhã de hoje, o que importa são os
pensamentos que podemos escolher agora, neste
exato momento. Ela afirma que, quase sempre,
pensamos apenas no que não temos, e que o nosso
futuro fica abençoado quando agradecemos o que
temos agora. A gratidão permite que as coisas boas
aconteçam, cada vez mais, na nossa existência.
O sentimento de gratidão não transformará
nossa existência em um eterno mar de felicidades,
assim como não nos manteremos imunes às
adversidades, mas sua integração à nossa postura
diante dos acontecimentos nos fortalecerá. Ao invés
de agirmos de maneira competitiva e reativa,
aprendemos a agir de modo positivo, otimista e
construtivo. Em vez de nos confrontarmos, nos
posicionamos com gratidão diante dos eventos. Uma
postura mais equilibrada, de resolução e superação
diante das situações. A gratidão nos torna pessoas
mais serenas e amorosas, para lidarmos com as
situações, sejam elas favoráveis ou ruins. Devemos
expressar gratidão por tudo o que aprendemos, pois
a diferença na vida não está em apenas passar por
experiências ou não. A diferença está em como
lidamos com elas. Esse estado de consciência tem um

210
impacto significativo em nossa existência,
modificando completamente tudo. Quando somos
gratos a todas as pessoas e acontecimentos,
compreendemos que, em quaisquer circunstâncias
adversas, sempre haverá uma saída, uma solução ou
um recurso que nos ajudará a superar os obstáculos.
Dessa forma, o sentimento de gratidão nos dá
a certeza de que não estamos sozinhos, existe uma
força maior que nos guia. Então, devemos continuar
firmes e fortes, focados em nosso propósito,
conscientes de que, por meio dele, nos conectamos
com essa força superior, que rege e conduz o
universo, e tudo o que a ele pertence; o melhor que
pode ser feito, independentemente das dificuldades.
Dificuldades essas, que são necessárias, funcionam
como um termômetro que nos indica o que
precisamos rever para fazer os ajustes necessários ao
crescimento e à evolução.

211
Vitimismo, como sair dessa
posição?

“Quando você é o único responsável por sua vida,


você não pode ser vítima, exceto de si mesmo.”
— Jacob Pétry

“Não importa o que fizeram com você, o que


importa é o que você faz com aquilo que fizeram
com você”.
— Jean-Paul Sartre

“Você vai perceber que não é uma vítima do


destino, mas uma vítima da fé (em si mesmo)”.

-Neville Goddard

212
Segundo o Dicionário Online de Português,
vitimismo significa o sentimento de ser vítima; a
sensação de que está ou foi submetido à opressão,
maus tratos, arbitrariedades, discriminação, etc.
Todos nós, como seres humanos, em algum
momento da nossa existência, estivemos ou
estaremos nessa posição. Muitos de nós, não apenas
vivenciamos essa condição, como também
alcançamos sua superação, enquanto outros, por
algum motivo, permanecem nela.
A vida não é linear, uma constância, ela é
movimento, um devir, ou seja, uma construção e
uma transformação constante, um processo que
ninguém está imune à dor, sofrimento e desafios. As
dores e os desafios são parte integrante da existência,
da condição humana e do ato de viver. Todos nós,
independentemente das condições socioeconômicas,
vivenciamos momentos e situações boas e ruins, de
dores e alegrias, são lições, aprendizados que
atraímos para o nosso crescimento e evolução, não
há como evita-las, pois é o curso natural da vida. A
dor é o termômetro que sinaliza o que não está bem
no nosso comportamento, e precisamos mudar. Para
alguns, pesa mais, enquanto para outros, é mais leve,

213
depende da postura que cada um adota diante dos
acontecimentos, que a vida nos apresenta, sejam eles
favoráveis ou ruins. Ao expandimos consciência a
respeito da importância da dor na nossa existência,
compreendemos que as coisas não acontecem por
acaso, tudo tem um motivo. Sendo assim, a
acolhemos como uma aprendizagem, uma prova que
nos permitirá avançar mais um degrau em nosso
crescimento. Ao focarmos nos aspectos positivos das
pessoas e situações, certamente, a dor e o sofrimento
tendem a ser mais brandos. Ou seja, encaramos as
adversidades com mais equilíbrio e leveza.
Todos nós somos livres e temos a capacidade
de escolher de maneira racional, assim como a
responsabilidade para responder pelas
consequências que surgem, sejam elas boas ou ruins.
Essa é uma característica comum a todos os seres
humanos, inerente à existência. Conforme a nossa
realidade, podemos fazer boas escolhas, que nos
permitem desfrutar de uma vida mais harmoniosa e
feliz, mas não podemos fazer o mesmo em relação à
dor. A dor não é uma escolha, ela é uma
consequência inevitável para todos nós. Ao
respondermos pelos resultados das nossas escolhas,

214
podemos assumir uma postura de protagonista ou
vítima diante da realidade, dos fatos, uma vez que
somos livres para isso. Podemos assumir a
responsabilidade pela nossa vida, ou simplesmente
entregá-la nas mãos do outro. Quando decidimos
pela responsabilidade, assumimos a postura de
protagonista, nos responsabilizamos pelos resultados
das nossas ações e escolhas, independentemente de
serem favoráveis ou não. Assim, nos isentamos de
culpar alguém pelas nossas dificuldades, frustrações
ou pelo que não fizemos. Já no papel de vítima, nós
nos tornamos imaturos ao não reconhecermos o
nosso protagonismo, a responsabilidade pelos nossos
fracassos, infortúnios e tristezas. Reclamamos de
tudo, atribuindo as nossas derrotas e frustrações a
fatores externos, como, por exemplo, não termos sido
bem sucedidos profissionalmente devido à falta de
apoio dos nossos pais e/ou à desunião familiar. Se, o
fracasso é no casamento, certamente que a culpa é do
parceiro, que não cumpriu com sua a parte; se, falta
dinheiro para diversão, sem dúvida que o governo
está cobrando impostos a mais que o devido. O
trabalho não está indo bem, gera insatisfação, a culpa
é do chefe ou do fulano de tal, aquele "puxa-saco". O

215
calor excessivo torna o clima instável, ficamos
irritados e culpamos os Estados Unidos, os outros
países que não cumpriram o acordo Eco e tudo mais
que possa ser usado como desculpa para nos
mantermos na posição de reclamantes, injustiçados,
miseráveis e feridos. Usamos a palavra culpa ao
invés de responsabilidade.
O orgulho é uma característica marcante do
vitimista. Ao invés de reconhecermos e assumirmos
os nossos erros, responsabilizamos o outro pelas
nossas dificuldades, projetos que não foram bem-
sucedidos e frustrações acumuladas ao longo da
vida. A imagem distorcida que criamos de nós
mesmos também nos leva a interpretar o papel de
vítimas, pois essa é mais uma das características do
vitimismo. Muitas vezes, não temos consciência
desse comportamento, pois acreditamos que somos
pessoas prejudicadas e feridas, e, por isso, as nossas
queixas são legítimas e merecem a piedade de outras
pessoas. Necessitamos do carinho e atenção das
pessoas. Em alguns casos, pode ser apenas uma
dissimulação ou um ganho secundário. Dessa
maneira, nos isentamos de assumir a
responsabilidades pelas nossas dificuldades,

216
enfrentarmos as nossas deficiências e fragilidades, e,
consequentemente, evitamos a dor que faz parte
deste processo. Uma vez que, formamos uma
sociedade onde o vitimismo se tornou uma
estratégia, um modelo de comportamento para
obtermos as coisas uns dos outros, usando a máscara
de coitadinhos, miseráveis e injustiçados. Muitos de
nós, saímos por aí, carregando o peso das nossas
dores, algumas verdadeiras e outras imaginárias,
reclamando, justificando e atribuindo aos outros as
nossas frustrações para obtermos alguns benefícios,
sejam elas materiais ou emocionais. Esse
comportamento é bastante reforçado pela mídia,
especialmente pelos acontecimentos apresentados
nos noticiários, que procuram por um culpado
constantemente. Dessa forma, criando a ideia de
vítima, consciente ou inconscientemente, de maneira
coletiva.
Ao assumirmos a posição de vítimas, por um
lado, conquistamos a atenção e o afeto de alguns; por
outro, provocamos desagrado e reprovação em
outros. Se, não conseguimos resolver os nossos
problemas, concluir os nossos projetos, mudar ou
conquistar algo que desejamos, temos sempre uma

217
desculpa e/ou um culpado para cada situação. Não
enfrentamos as dificuldades diretamente, estamos à
espera de alguém que nos ajude. Diante do
comportamento descrito, lhe pergunto: você está
desempenhando esse papel? As pessoas estão
evitando a sua companhia? Se, for o caso, é o
momento de voltar-se para si, e observar, sem medo,
os pensamentos e sentimentos que estão por trás
desse comportamento. O que o impede de assumir as
responsabilidades da sua existência, ser dono de si
mesmo, responsável pelas suas frustrações e
fracassos. Se, não for possível fazer isso sozinho,
procure ajuda de um psicólogo.

Como sair da posição de vítima?

A observação tem total importância para


identificarmos os papéis que desempenhamos
conscientes ou inconscientemente nas nossas ações. É
necessário observar minuciosamente como
respondemos a eventos externos, a fim de
adquirirmos uma percepção e compreensão mais
amplas a respeito do nosso comportamento, para

218
podermos mudar e agir de maneira diferente para
obtermos resultados também diferentes. Uma vez
que, nos aproximamos e identificamos algumas
dessas características, temos algumas pistas para
aprofundarmos o mergulho, e iniciarmos a mudança.
Podemos começar pela revisão das nossas crenças, o
que está por trás das ideias que nos causam medo,
incapacidade, que não somos merecedores.
Abandonando os pensamentos que nos limitam, nos
colocam para baixo, e criando outros que nos
fortalecem, que nos colocam para cima, elevam os
nossos pontos fortes, o que somos e fazemos de
melhor. A assumir, aos poucos, a responsabilidade
pelos resultados das nossas ações, sejam eles
favoráveis ou desfavoráveis. Observarmos mais,
para expandirmos a percepção e a compreensão do
funcionamento mental. Compreendermos as
informações que as nossas emoções e sentimentos
nos comunicam, a fim de que, possamos descobrir as
causas que nos levaram a assumir uma postura de
vítima. O desejo de chamar à atenção das pessoas, tê-
las por perto, ignorando as nossas habilidades e
capacidades. A justificativa dos nossos erros e falhas
é uma prática recorrente. A reclamação e

219
culpabilização dos outros, pelas nossas frustrações e
infortúnios, são constantes. O motivo pelo qual
atribuímos às pessoas a autoria da nossa vida, a
responsabilidade das nossas escolhas, uma postura
de derrota que reflete no grupo, na sociedade e na
natureza. Procurar compreender o que nos impede
de alcançar os nossos sonhos e objetivos, fazer as
mudanças necessárias e desejadas. Expandir
consciência a respeito de quem somos nós.
Visto que, na nossa mente, há diversas
armadilhas que confrontamos com frequência, mas
não percebemos, por não termos conhecimento do
mecanismo dos acontecimentos internos, com
profundidade. Essas armadilhas são as nossas ideias,
pensamentos e crenças limitantes, que influenciam o
nosso comportamento de maneira negativa. As
crenças, muitas vezes distorcidas, a respeito de nós
mesmos, são formadas e/ou instaladas na nossa
programação mental desde a infância, e fortalecidas
por meio dos pensamentos e ações. De alguma
maneira, nos adaptamos a elas, por questões de
sobrevivência.
Dessa forma, a observação constante dos
nossos pensamentos, sentimentos e ações nos

220
permite identificar qual a crença que nos impede de
alcançar nossos objetivos e sonhos, bem como os
fatores que determinam o nosso comportamento.
Dessa forma, conseguimos afastar os pensamentos e
crenças limitantes, autossabotadores que insistem em
retornar e se fazer presentes.
Além de observarmos com frequência as
emoções e sentimentos, é fundamental nos
dedicarmos à aprendizagem de uma nova atividade,
praticando algo de nosso interesse com dedicação,
comprometimento, responsabilidade e tempo
determinado. Ou seja, criar uma nova rotina, na qual,
possamos focar a nossa atenção com etapas bem
definidas, que dependem das nossas ações, pois é
necessário que as nossas habilidades e
potencialidades sejam exercitadas de maneira
inédita. Para nos libertarmos de um hábito negativo,
devemos preencher o espaço que ficará vazio com
algo bom, para que se torne um hábito benéfico e
saudável. Uma maneira de acessarmos os nossos
recursos internos, que, na maioria, são
desconhecidos e utilizados de modo insatisfatório.
Um meio de explorarmos as nossas habilidades e
potencialidades, e colocá-las em prática. Acreditar

221
que temos capacidades e condições para
desenvolvermos ações construtivas, criativas e
transformadoras. A oportunidade de lançarmos um
novo olhar, e encontrarmos um novo sentido, uma
solução para as situações, que antes, nos pareciam
incompreensíveis e de difícil resolução. Uma
maneira de contribuir para o conhecimento em
relação a nós mesmos. Dessa maneira, criamos novas
ideias e atitudes, e, aos poucos, começamos a
integrar na nossa mente uma nova maneira de
pensar e um novo padrão de comportamento. Para
que a mudança seja efetiva.
No início, o trabalho é árduo, pois sabemos
que o processo de autoconhecimento e
conscientização pode ser lento, solitário e doloroso.
A mudança de pensamento requer uma análise
aprofundada das crenças, valores, memórias, ideias e
modelos socioculturais que nos foram transmitidos
ou sugestionados na infância, bem como aqueles que
foram produzidos e reforçados por nós mesmos ao
longo da vida. Revisarmos e questionarmos as
nossas crenças sem medo, rever a ordem dos nossos
valores sem julgamento ou crítica, mas de forma
compreensiva e acolhedora, sob um novo olhar para

222
darmos um novo sentido à nossa existência. Isso
requer paciência, dedicação e tempo.
Mas, com o nosso comprometimento,
dedicação e protagonismo, podemos "arregaçar as
mangas" e enfrentar as dificuldades. Tomarmos a
dianteira da situação como superação e
enfrentamento de novos desafios. Nos abrirmos às
novas oportunidades de aprendizados, descobertas e
criação. Mudarmos e ampliarmos o olhar para outras
possibilidades e diferentes caminhos. Essa autoria,
além de nos proporcionar novas experiências,
promove a satisfação e o bem-estar, harmonia e
felicidade. Enquanto, na condição de vítimas, nos
resignamos, esperando por um salvador, alguém que
nos dê forças para superarmos os nossos fracassos.
Focamos nos problemas, ao invés de olharmos para
os recursos que temos disponíveis para lidarmos
com as situações. Na condição de vítima, não temos
confiança no nosso potencial, que nos permite
enfrentarmos a realidade, diretamente, com todas as
dificuldades que surgem. Desenvolvemos e
cultivamos o sentimento de autopiedade que, além
de nos afastar das nossas capacidades, nos afasta da
nossa essência, do que realmente somos.

223
Alimentamos um padrão de pensamento pessimista,
reclamante e culpabilista, uma vez que nos julgamos
vítimas de tudo e de todos. Isso nos faz sentir
impotentes e incapazes diante dos desafios. Criamos
uma imagem distorcida em relação ao que
verdadeiramente somos. Dessa forma, atribuímos ao
outro a nossa autoria, a responsabilidade pela nossa
vida. Equivocadamente, buscamos transmitir aos
outros a impressão de que somos pessoas miseráveis,
prejudicadas ou feridas por um mundo perverso e
mesquinho. Sempre nos queixamos, reclamamos e
culpamos tudo e todos. Muitas vezes, temos uma
explicação para a nossa estagnação, por não
conseguirmos avançar na vida, etc., mas a realidade
diz outra coisa, completamente diferente. Assim,
sentimos pena de nós mesmos, estimulamos e
fortalecemos esses sentimentos negativos, que, sem
dúvida, não contribuem em nada para enfrentarmos
os acontecimentos. Invalidamos qualquer
possibilidade de fazermos uso dos nossos recursos
internos e acionarmos as nossas capacidades de
reflexão e avaliação racional para solucionar nossos
problemas e conflitos, com discernimento, de
maneira responsável e equilibrada, para obtermos

224
resultados satisfatórios. Se, nos mantermos presos
nesse processo autodestrutivo, anulamos qualquer
possibilidade de sair desse círculo vicioso, de
mudança, crescimento e evolução. Quando nos
colocamos na posição de vítimas, responsabilizamos
o mundo pelas nossas dores e frustrações.
Sendo assim, durante algum tempo, pode ser
confortável para nós, podemos justificar algumas de
nossas falhas, mas dificilmente, conseguiremos
solucionar as nossas dificuldades, e continuaremos
aprisionados em nossos pensamentos e sentimentos
de frustração, amargura e infelicidade. A renúncia à
nossa responsabilidade significa viver no mundo
sem identidade. Interagir com as pessoas, as plantas
e os animais, sem saber quem verdadeiramente
somos. Dessa forma, vale a pena retomarmos a
máxima de Sócrates, ‚Uma vida não examinada não
vale a pena ser vivida‛. Ou seja, para o filósofo
grego, a única vida que vale a pena, é uma vida
virtuosa, o que implica o desenvolvimento de
virtudes, valores e sabedoria, na busca pelo
conhecimento para saber discernir o bem do mal.
Sendo assim, o autoconhecimento e os valores estão
relacionados, pois, sem o conhecimento, não

225
podemos avaliar e fazer boas escolhas, nem sermos
virtuosos, pessoas melhores do que antes. Uma vez
que delegamos ao outro a autoria da nossa história.
Conforme vimos, todos nós temos poder em
relação ao que pensamos, pois é por meio dos
pensamentos que criamos a nossa realidade, de
acordo com as nossas ações e escolhas. Os
pensamentos dão forma, criam a realidade e
norteiam a nossa vida. Em "Autoconhecimento, um
mergulho extraordinário em busca de si mesmo: por
onde começar?" Maria Tereza explica que os
pensamentos racionais nos ajudam a tomar decisões,
prever ou antecipar situações, boas ou ruins,
encontrar soluções para problemas, defender nosso
ponto de vista, a respeito de determinado tema, etc.
(...) São os pensamentos conscientes que nos levam à
compreensão de nós mesmos e do contexto em que
estamos inseridos, ao entendimento do contexto,
bem como seus desafios e a ajudá-los a transformá-
los; nos leva a questionar nossos próprios
pensamentos e as ideologias (imposição sutil de
ideias e representações de uma classe sobre outra) ao
nosso redor. Sendo assim, podemos pensar
positivamente e com clareza, ao invés de culparmos

226
as outras pessoas pelas nossas frustrações e
fracassos, o que deixamos de fazer, pois somos nós
que definimos as nossas condições de vida. Ninguém
poderá realizar essa tarefa por nós.
Dessa forma, o que temos a fazer é
assumirmos a responsabilidade pela nossa vida,
confiantes de que somos capazes de promover ações
positivas, criativas e transformadoras. Prosseguirmos
determinados e comprometidos com o processo de
autoconhecimento e transformação, visando o
crescimento e evolução, em busca de uma existência
mais harmoniosa e feliz. Podemos optar pela
estagnação ou pela mudança, sendo vítimas ou
protagonistas, uma vez que temos a liberdade de
escolher. Perceber, reconhecer e acreditar que temos
recursos, capacidades, habilidades e motivação
interna para mudarmos um comportamento em nós,
uma postura indesejada, neste caso, a de vítima, é
uma etapa fundamental para o nosso processo de
transformação e libertação, crescimento e evolução.
Assim, mudamos um comportamento,
alterando nossa maneira de pensar, bem como
nossas escolhas e ações. Buscando nos autoconhecer
cada vez mais e melhor, desenvolvermos ações

227
direcionadas e focadas para sairmos dessa situação
e/ou não nos tornarmos eternamente vítimas. De
acordo com Sartre, ‚Não importa o que fizeram com
você, o que importa é o que você faz com o que
fizeram com você‛. Segundo ele, somos livres para
escolhermos e respondermos pelas
consequências. Cada escolha gera um resultado que
afeta nossa própria vida, a do outro, a sociedade e o
planeta, pois não estamos sozinhos. Todos nós
escolhemos ser vítimas quando negligenciamos a
nossa responsabilidade pelas nossas ações. Ao
fazermos nossas escolhas, por um lado, estamos
alcançando algo, enquanto por outro, temos que
abandonar outras coisas que não podem ser
retomadas e que, dependendo das exigências
externas, nem sempre são benéficas, o que nos causa
grande sofrimento. Daí surge o sentimento de culpa,
uma vez que não temos condições de aproveitar
todas as oportunidades, num único momento. Ainda
assim, somos responsáveis pelas nossas escolhas e
ações, e respondemos pelos seus resultados, sejam
eles favoráveis ou desfavoráveis. Dessa forma, a
culpa é nossa falta de autoria e de autenticidade em
relação à realidade. Uma vez que, podemos escolher

228
ser vítimas, culpar o outro pelas nossas frustrações e
fracassos, ou ser protagonistas, podemos tomar a
direção de nossa vida com confiança no
desenvolvimento de ações positivas, criativas e
transformadoras.
Culpar as pessoas e o mundo não contribui
para o nosso crescimento. A postura de vítima só
reforça o problema, nos paraliza. Isso apenas revela
como nos comportamos diante das situações
apresentadas. A posição de vítima revela a falta de
confiança, discernimento e clareza em nossos
recursos internos - capacidades e potencialidades,
uma vez que atribuímos a responsabilidade pelos
resultados de nossas escolhas e ações ao outro. As
nossas fraquezas não nos permitem enfrentar a vida
de frente, nos sentimos impotentes, enfraquecidos e
vulneráveis, pois nos tornamos completamente
dependentes dos eventos ao nosso redor. Isso resulta
em um sentimento de frustração e tristeza
permanentes, o que nos causa grande sofrimento.
Além disso, impossibilita qualquer tipo de mudança
e crescimento, o que nos deixa paralisados.
Assim, o indivíduo que está nessa situação
provavelmente tem uma baixa autoestima e

229
raramente se sente bem consigo mesmo, pois pensa
que não é digno de atenção e afeto, o que o torna
uma vítima. Quando não assumimos a
responsabilidade pelos nossos atos, nos colocamos
nessa situação de estagnação, de culparmos os outros
pelos nossos sofrimentos e fracassos. Não há
crescimento. A vida é um movimento constante,
somos capazes de reinventar a nossa vida,
ressignificar (mudar a interpretação de um
determinado acontecimento, trazer um novo olhar
para o evento vivido) os eventos dolorosos e
angustiantes. A qualquer momento, podemos mudar
de um estado psicológico para outro, adotando
posturas diferentes, alterando nossa forma de pensar
e agir, ampliando nosso olhar e permitindo novas
perspectivas.
Assim, ao voltarmos a olhar para nós mesmos,
iniciamos o processo de autoconhecimento,
compreendendo o funcionamento da nossa mente e
do nosso comportamento, bem como a importância
de nos aproximarmos da nossa essência, reconhecer
e harmonizar a nossa sombra, entre outras coisas.
Observar constantemente nossas ações e reações em
relação a eventos externos nos ajuda a compreender

230
o nosso funcionamento e o padrão mental que
estamos vibrando. Aprendermos a nomear os nossos
sentimentos e emoções, a decodificar as mensagens
que eles nos transmitem. A busca pelo conhecimento
é o meio pelo qual podemos ter mais consciência do
nosso comportamento, de quem somos, do que
viemos fazer aqui, qual o nosso propósito de vida, o
sentido que damos à nossa existência. Só podemos
realizar as nossas mudanças internas a partir do
conhecimento a respeito de nós mesmos, é fato. Nem
sempre é possível realizar as nossas mudanças
internas sozinhos, especialmente no que diz respeito
ao comportamento. Sendo assim, é necessário a ajuda
de um profissional da saúde, como um psicólogo.

231
Perdão, por onde começar?

“Quando eu saí em direção ao portão que me


levaria à liberdade, eu sabia que, se eu não deixasse
minha amargura e meu ódio para trás, eu ainda
estaria na prisão”.
— Nelson Mandela

“O perdão é um catalisador que cria a


ambiência necessária para uma nova partida, para
um reinício”.
— Martin Luther King

“Guardar raiva é como segurar um carvão em


brasa com a intenção de atirá-lo em alguém; é você
que se queima”.
—Siddartha Gautama - O Buda

Segundo o Dicionário Online de Português,


perdão significa a ação de se livrar de uma culpa, de
uma ofensa, de uma dívida; indulto. Ação através da
qual uma pessoa está dispensada do cumprimento
de um dever ou de uma obrigação. Expressão que se

232
utiliza para pedir desculpa(s): ‚Perdão! Não tive a
intenção de magoá-lo‛.
Em "Autoconhecimento, um mergulho
extraordinário em busca de si mesmo: por onde
começar?" Maria Tereza, evidencia que, desde o
nascimento, precisamos da ajuda de outros para nos
tornarmos pessoas. Nos primeiros meses de vida,
somos completamente dependentes dos nossos pais
ou cuidadores. A interação interpessoal é uma
constante, seja por meio do vínculo familiar,
amizade, trabalho, estudos, união conjugal, etc. As
interações interpessoais e o meio em que estamos
inseridos são fundamentais, pois é por meio das
interações sociais que sofremos influências como
também influenciamos, transformamos e somos
transformados, frequentemente, conforme as nossas
experiências, escolhas e ações. Como seres sociais, é
na interação com o outro que nos desenvolvermos
física, mental, emocional e espiritualmente. Só
podemos ter a percepção da realidade, do mundo,
por meio das nossas experiências com o outro. O
autoconhecimento está relacionado à interação
social, à nossa relação com o outro, à superação de
limites do dia a dia e à maneira como reagimos aos

233
eventos externos. Nas interrelações, somos marcados
e influenciados na escolha de um caminho, na
maneira de nos comportar ou de pensar. Muitas
vezes, não nos damos conta da importância dessa
interação, do outro na nossa vida, para o nosso
crescimento e evolução.
Assim, o ato de se relacionar é imprescindível,
mas tem um preço, pois é impossível interagirmos
com as pessoas, em qualquer espaço, seja na família,
no trabalho, no grupo de amigos, estudos, etc., sem
precisarmos, em algum momento, praticarmos o
perdão. Daí a importância da interação humana, pois
sem ela, não haveria a possibilidade de nos
magoarmos, nutrirmos o ódio, o ressentimento e a
raiva contra alguém. A capacidade de errar e acertar,
de aprender e crescer, de perdoar e também sermos
perdoados.
Em O Livro do Perdão, Robin Casarjian nos
ensina que o perdão é uma moeda de duas faces,
sempre que falamos ou pensamos nele,
imediatamente nos colocamos na posição de
ofendidos perdoando, praticando o perdão. Mas
nunca o contrário, assumindo o papel de ofensores
perdoados e obtendo o perdão do outro. Nunca

234
ofendemos e fomos perdoados por alguém? Jamais
dissemos algo a alguém de maneira ofensiva e
agressiva? Ou talvez, nos achamos perfeitos, não
erramos, e, por isso, não podemos perdoar o erro do
outro? Não precisamos do perdão do outro? Há que
pensarmos nisso, sem receio e com profundidade!
Todos nós somos imperfeitos, em algum momento
cometemos e/ou cometeremos algum erro que
precisamos e desejamos ser perdoados.
Em Mateus, capítulo 7:12, podemos encontrar
a seguinte lição: ‚Façam aos outros o que querem
que eles façam a vocês‛. Essa máxima é amplamente
difundida e comentada, no entanto, ainda é pouco
praticada. Ela nos leva a refletir a respeito da
importância de perdoarmos o outro, e
principalmente, a nós mesmos. Sendo assim, perdoar
não é esperarmos por um pedido de perdão, mas
sim, compreendermos que, o ato do perdão nos leva
à libertação de nós mesmos. Viver sem o perdão é
difícil e angustiante. Sem ele, nos tornamos, de certa
maneira, escravos da situação que, em algum
momento, nos feriu. Simbolicamente, vivemos
algemados à pessoa que nos causou dor. Vivemos
presos às recordações de dores, humilhações e

235
violências psicológicas veladas ou físicas. A todo
instante revivemos o pesadelo, ou seja, focamos no
problema não solucionado. Isso impede que a vida
seja fluida, permanecendo paralisada, uma vez que
não há espaço e não estamos dispostos a novas
oportunidades. Dessa forma, tendemos a enxergar o
mundo de acordo com as experiências negativas que
vivenciamos. Assim, tendemos a nos tornar pessoas
amarguradas, perdendo a esperança no futuro e o
desejo de viver.
A falta de perdão pode causar danos a nós
mesmos e aos outros, comprometendo a nossa saúde
mental, física e espiritual. O sentimento de mágoa e
ressentimento são dois tipos de venenos que se
instalam no nosso coração e, silenciosamente, se
espalham pelo nosso corpo físico, causando doenças
que nos destrói lentamente. O ódio é um sentimento
que gera mágoa, a angústia e a frustração, que se
instala. Enquanto a raiva é uma emoção que tende a
se dissipar, após a explosão e a liberação da fúria. A
raiva é uma das emoções naturais do ser humano.
Devemos deixá-la entrar e sair, pois, se a
guardarmos, pode se transformar em ódio, mágoa e
ressentimento. A raiva pode não se transformar em

236
mágoa, pode causar estresse mental, físico e
espiritual. É natural, às vezes, nos sentirmos irritados
com algo ou alguém, em relação a uma determinada
situação, mas não devemos guardar essa raiva. Não
podemos classificar, julgar ou medir o caráter de
uma pessoa pela ação que ela cometeu. Isso é mágoa,
ressentimento. É um desrespeito e violação ao direito
do outro de ser o que é. O desejo que a pessoa se
adeque às nossas expectativas e fantasias.

O Sentimento de ódio e suas consequências

O sentimento de ódio é tão intenso quanto o


de amor. Nós só amamos o que valorizamos e temos
apreço. Assim também é com o ódio. Nós só odiamos
aquilo que estimamos e é importante para nós. Dessa
forma, o valor atribuído a um objeto ou pessoa, seja
ele amado ou odiado, será apenas proporcional ao
valor atribuído a ele. Para mantermos o sentimento
de ódio, é necessário atribuirmos ao objeto ou à
pessoa odiada um valor significativo o bastante para
fazê-los reagir a esse tipo de sentimento. Sem
dúvidas, se ignorarmos o valor do objeto ou da
pessoa, não haverá ódio. O ódio pode causar
237
prejuízos físicos, mentais e espirituais. Se,
alimentamos esse sentimento, não conseguimos
viver de maneira harmônica e feliz, uma vez que o
ódio pode causar danos físicos, mentais e espirituais.
O ódio pode causar distúrbios físicos, como câncer,
distúrbios neurológicos, emocionais e espirituais,
além de depressão e, às vezes, até suicídio. O ódio e a
mágoa são sentimentos que, além de causarem todos
os desequilíbrios possíveis, em nossos corpos, nos
escravizam, vivemos com a pessoa, o objetivo
odiado, dentro de nós, constantemente. Sendo assim,
é importante buscarmos perdoar, retirar esse peso do
nosso coração, cessarmos o retorno ao passado, à
emoção do evento e alimentarmos a dor.

Perdoar não significa esquecer o que


aconteceu

É comum ouvirmos a expressão, ‚perdoar


significa esquecer o que nos aconteceu‛. Isso é
possível? As nossas memórias podem ser apagadas
de uma hora para outra, sem que soframos de um
surto de amnésia? Se fosse assim, ao tentarmos

238
‚esquecer‛ o acontecimento, evitando comentar a
respeito, estaríamos apenas reprimindo os nossos
sentimentos e emoções. Se, surgirem pensamentos e
sentimentos desagradáveis, procuraremos eliminá-
los, fazendo exercícios para nos distrairmos e nos
afastarmos da dor. Sendo assim, o processo de
perdão não ocorre por meio do esquecimento. Como
também, não se trata de negligenciarmos o
acontecimento, ou fazer de conta que não aconteceu
nada. Isso são subterfúgios que não resolvem a
questão, nem curam a dor. Precisamos ter a coragem
de olhar para os sentimentos que alimentamos
diariamente, que nos causam diversos males.

Como saber se perdoamos?

O perdão ocorre quando conseguimos aliviar


o peso do nosso coração, os sentimentos de ódio e
ressentimento. Isso significa que paramos de reviver
o passado, a situação desagradável, com frequência,
e, recuperamos a paz mental, física e espiritual.
Quando conseguimos olhar para o que aconteceu
sem sentirmos dor, evitamos ser afetados por um
sentimento angustiante do passado. Perdoar é, antes
239
de tudo, uma atitude de decisão, vontade e escolha.
O processo de perdoar começa com a escolha do
perdão, e com o passar do tempo, esses sentimentos
e emoções prejudiciais vão se modificando
gradualmente, até que a nossa paz seja retomada. É
necessário compreender que o perdão não está
relacionado à mudança do outro, nem à aceitação de
seus desejos sem restrições e impunidade. Ao
perdoarmos uma ofensa ou uma atitude que causou
danos psicológicos e materiais para a nossa vida, não
significa necessariamente que desejamos retomar a
convivência com aquele que nos feriu. Apesar de não
cultivarmos sentimentos e emoções ruins em relação
a quem nos feriu, isso não significa que sentimos
vontade de nos aproximar como antes. Desejamos o
bem do outro, mas é natural que optemos pela
distância, pois a presença da pessoa pode nos trazer
lembranças de tristeza e sofrimento, na maioria das
vezes.
Dessa forma, perdoar não significa "esquecer",
muito menos concordar com a atitude do outro, suas
verdadeiras motivações. Quando o perdão vem junto
com o desejo de retomarmos o vínculo afetivo de
maneira completa, ótimo, pode acontecer. No

240
entanto, nem sempre é possível colarmos os pedaços
de algo que se quebrou. Talvez com o tempo,
deixemos para ele, já que, em Eclesiastes três (3),
encontramos um alento: ‚Tudo tem o seu tempo
determinado, e há tempo para todo o propósito
debaixo do céu‛. Há um tempo para todas as coisas,
devemos continuar a nossa jornada sem maiores
expectativas e ansiedade, mas com serenidade.
Perdoar é um bem que fazemos,
primeiramente, a nós mesmos, eliminando todos os
sentimentos e emoções que afetam a nossa saúde
mental, física e espiritual. Nós nos desapegamos das
lembranças e das experiências negativas que
vivenciamos, e voltamos a enxergar e a nos abrir às
possibilidades futuras. Retiramos as amarras, a
sombra do nosso coração, nos libertamos e
resgatamos a paz que havíamos perdido. Dessa
forma, o principal beneficiado ao perdoarmos somos
nós mesmos. Como dizia minha saudosa mãe, "quem
bate esquece, quem apanha não". Ou seja, quem bate
esquece, mas quem apanhou se lembra do agressor
todos os dias. Às vezes, o agressor não tem
consciência de que o perdoamos. Todos nós temos o
livre-arbítrio, a liberdade de escolha, de optarmos

241
por praticar determinada ação ou não. Depende
apenas da nossa consciência, do discernimento entre
o bem e o mal. Temos a liberdade de escolher entre
perdoar ou não.
Segundo o palestrante Haroldo Dutra
apontou, há duas maneiras de reparar uma ofensa: a
Lei da Natureza agindo ou a vítima ferida e
ressentida se vingando, ou seja, reivindicar acerto de
contas, fazendo justiça com as próprias mãos, ao
invés de perdoar. Podemos escolher, temos a
liberdade para isso. O Criador nos concede essa
autonomia. É possível revidar, mas com uma
condição: precisaremos nos agarrar ao opressor, à
pessoa que nos feriu enquanto estivermos vivos.
Contudo, se escolhermos perdoar, ficaremos livres. A
pessoa que nos causou danos terá que responder
pelas consequências de suas ações, de acordo com as
Leis da Natureza. Ressalvando que, as Leis da
Natureza não punem ninguém, não aplicam sanções
ou punições. Elas são educativas, nos proporcionam
ensinamentos, oportunidades de crescimento e
evolução.
De acordo com a filósofa Lúcia Helena
Galvão, nós, muitas vezes, agimos com raiva e

242
espírito de vingança contra aqueles que nos
ofendem. Transferimos essas deformações de caráter
para as Leis da Natureza e acreditamos que elas
também sejam punitivas ou vingativas. Certamente,
não são. Todas elas são sábias e instrutivas, tanto
quanto a pedagogia humana, que é uma cópia das
Leis da Natureza e da vida. A criança que não
consegue assimilar a lição na escola, geralmente,
repete o ano para aprender, pois, caso contrário, não
terá condições de prosseguir para a série seguinte.
Assim como acontece na escola da vida, "lição não
aprendida, lição repetida", para podermos crescer,
mudar de estágio durante a jornada.
Embora queiramos ou não, existe uma Lei
universal que rege o Cosmos, assim como a nossa
vida, com infinita sabedoria. Toda vez que causamos
sofrimento ao nosso semelhante, geramos sofrimento
para nós mesmos. A Lei Universal não prevê
punições. Ao contrário, ela é extremamente sábia,
educadora e generosa conosco. Apenas nos envia a
lição necessária para a nossa aprendizagem, visando
o nosso crescimento, nos tornarmos mais humanos e
melhores do que antes, evoluirmos. Além de ser
educativa e generosa, ela também é paciente. Se, não

243
aprendemos com uma determinada lição, ou seja,
com a situação que nos foi apresentada, ela se
encarrega de repeti-la quantas vezes for necessário,
até que aprendamos. Você já pensou a respeito disso
alguma vez? Já percebeu que alguma situação na sua
vida se repete? Faça uma pausa para refletir sobre
essas questões, sem pressa! Há que pensarmos nisso!
Todos nós somos parte de um todo, do infinito
amor divino. O Criador tem um amor incondicional
pela criação, sem distinção. Seu amor é abundante e
infinito, não nos incrimina, castiga, julga ou rotula.
Ele nos vê como somos, com todas as nossas
imperfeições. Busca retirar a trave dos nossos olhos,
revelar o que verdadeiramente somos, guiar e
auxiliar na nossa jornada, no que precisamos para
crescer e evoluir.

Por que temos dificuldades para perdoar?

Se, o perdão é indispensável para nos


libertarmos dos sentimentos destrutivos que
alimentamos, consciente ou inconscientemente, por
não perdoarmos uma situação do passado, uma vez
que o ato de perdoar é considerado uma atitude
244
inteligente, por que temos tanta dificuldade em
praticar essa atitude com os outros? Todos nós temos
dificuldades para dar ou receber perdão. A
dificuldade de perdoar varia de acordo com o grau
de consciência e evolução que estamos em relação às
nossas buscas, conscientes ou inconscientemente. Às
vezes, nossa mente consciente se recusa a perdoar,
justificando que não devemos perdoar o mal que nos
fizeram. Enquanto a nossa mente inconsciente, por
meio de um insight, uma ideia, nos desperta para a
importância do ato de perdoar, um "lampejo de
consciência" nos faz perceber que podemos fazer
algo diferente. Compreender que perdoar é uma
atitude humana e necessária, e podemos viver em
harmonia com o universo, nossos semelhantes e,
principalmente, conosco mesmos.
Isso nos permite compreender que o conflito
está dentro de nós mesmos. Nós abrigamos em nosso
interior duas partes opostas e conflitantes, mas que
se complementam e não se separam, como também
se sobrepõem uma à outra. Ou seja, a dualidade que
se encontra em todas as coisas e as manifestações de
vida que constituem o universo e a nós mesmos.
Nenhum desses dois princípios é totalmente positivo

245
ou negativo, nem é mais ou menos importante. As
polaridades se complementam e, por serem
dinâmicas, oscilam com frequência. Os princípios
opostos são parte das Leis da Natureza, assim como
nós, mas parece que estamos distraídos ou
desinteressados deles, não fazemos parte, não
estamos conectados. Para avançarmos em nossas
escolhas e ações de maneira mais consciente,
harmoniosa e precisa, é necessário prestarmos mais
atenção e compreendermos seus mecanismos.
Identificá-las e harmonizá-las, tendo em mente a
variabilidade entre uma polaridade e outra, que se
complementam constantemente. Por exemplo,
amanhecer- entardecer, esquentar-esfriar, alegrar-
entristecer, amar-odiar, e assim por diante. A partir
daí, podemos fazer algo diferente para
transformarmos os padrões repetitivos que
determinam nossas escolhas e a nossa vida. De
acordo com nossas dos nossos pensamentos, escolhas
e ações. A dualidade pode ser melhor compreendida
ao ser explanada a respeito da sombra no Vol. 1, da
obra "Autoconhecimento, um mergulho
extraordinário em busca de si mesmo: por onde
começar?"

246
Dessa forma, nossos pensamentos, escolhas e
ações têm um impacto significativo na nossa
existência, seja no presente ou no futuro. É possível
escolher a maneira mais adequada de nos
posicionarmos na vida, seja no "piloto automático",
defendendo nossos direitos em detrimento dos
outros, não perdoando seus erros por acreditarmos
que somos perfeitos e desejarmos a perfeição deles.
Ou, podemos prosseguir na busca pelo
conhecimento de quem verdadeiramente somos,
desenvolver virtudes e valores para nos
aproximarmos da nossa essência; respeitar e
enxergar as pessoas sem criticar ou julgar; e perdoar
o outro que é tão imperfeito e falho quanto
nós. Como você está conduzindo a sua vida? Você
está vivendo no aqui, agora, aproveitando as
oportunidades ou no "piloto automático", sem
prestar a atenção ao seu redor, a maior parte do
tempo? Tem um sonho, um propósito ou uma vida
com sentido? Quais são os critérios, valores e limites
que você usa para fazer suas escolhas? Quais são as
motivações internas e externas que o impulsionam a
prosseguir? Você já se questionou a respeito das suas
dificuldades para mudar e perdoar? Pare por alguns

247
minutos para refletir a respeito de como está
conduzindo sua vida, quais as escolhas que está
fazendo. Há que pensarmos nisso! Conforme o
filósofo Sócrates, uma vida sem reflexão não vale a
pena ser vivida. Uma vida que não é examinada e
refletida com profundidade não tem sentido. A
reflexão nos permite ter clareza a respeito das nossas
ações e escolhas. Ter em mente os nossos valores e
propósitos de vida, nos ajuda a tomar direções e
fazer escolhas mais assertivas. Quando refletimos
naquilo que nos impede de sermos felizes, iniciamos
o processo de mudança.
O nosso ego também é um dos fatores que nos
impõem dificuldades para perdoar. Como vimos,
quando somos tomados pelo sentimento de ódio,
desejamos vingança e justiça. Acreditamos que ela só
será possível se for feita com as nossas próprias
mãos. Se acreditarmos que só existem injustiças,
duvidarmos que o Criador seja infinitamente
misericordioso, amoroso, justo e bom com as suas
criaturas, estaremos colocando o ego acima de
tudo. Pois se defender é tudo que o ego busca a
qualquer preço. Não devemos nos deixar levar pelo
orgulho e pelo ego. Além disso, vimos que o ego é

248
uma das partes que compõe a nossa mente. Ele é a
representação da razão ou racionalidade. É dele que
surgem as nossas reações impulsivas. O reforço dos
pensamentos e sentimentos voltados para nossos
interesses pessoais. A formação de opiniões baseadas
em nossas crenças pessoais e absolutas, que nos
levam a agir de acordo com o que nos agrada e
contra o que nos desagrada. Sendo assim, o ego não
pode perdoar, uma vez que, o perdão não é uma
decisão mental ou racional. Não podemos perdoar
com a mente. Perdoamos quando somos tomados
pela compreensão e compaixão, pela Infinita
Sabedoria. Para isso, precisamos permitir que a vida
se movimente em nós, não somente pelo raciocínio e
pensamento, mas também pelas emoções. A razão é
fundamental para identificarmos a falta de "controle"
dos excessos das emoções. Uma vez que, as forças
opostas não podem se separar uma da outra, elas se
complementam mutuamente. Para que isso não
aconteça, devemos harmonizá-las, buscar o
equilíbrio não apenas de ambas, da razão e da
emoção, mas de todas as coisas.
Em sua prática profissional, Silas Neves,
professor e practitioner em PNL, pôde constatar que,

249
a falta de gratidão é um dos fatores que mais
dificultam o ato de perdoar. Ao observar os
movimentos envolvidos na prática do perdão,
percebeu que, a pessoa ferida, ao considerar as boas
experiências vividas e compartilhadas com o
opressor, consegue perceber o fator de soma que o
outro foi na sua vida, e começa a enxergar o lado
positivo do acontecimento em questão. Às vezes,
consegue reconhecer, e, quando isso acontece,
começa a sentir um pouco de gratidão e respeito.
Perceber que o outro também é humano, falho, tem
virtudes e fragilidades, e, talvez, consiga
perdoar. Além de ignorar o que o outro lhe fez de
bom, a pessoa, em geral, tem dificuldade para
perdoar porque tende a omitir e/ou excluir o que fez
de ruim para o outro, ou seja, ignora que também é
um ser humano com tendências para erros e acertos.
Dessa forma, para alcançarmos o perdão, não
importa o tamanho do dano que o outro nos causou.
O que importa é como reagimos a esse evento.
Acolhermos a dor e aprendermos com ela, com o
acontecimento que nos feriu, para sermos gratos de
alguma maneira. O sentimento de gratidão é uma
conexão com a nossa essência, com o que temos de

250
mais autêntico na nossa singularidade. Quando nos
aproximamos da nossa essência, experimentamos
um estado de espírito que pode causar grandes
mudanças no nosso comportamento e na nossa vida.
É uma força que nos liberta, desperta e nos leva a
experimentar o amor. Estado este que nos permite ter
compaixão pelo outro, buscando compreender a sua
atitude e o motivo pelo qual cometeu determinado
ato que nos feriu, sem julgamento, crítica ou maiores
revoltas. Compreendemos que o outro, com suas
falhas e imperfeições, é um ser humano bastante
parecido conosco, nos aspectos humanos. É possível
desenvolvermos a empatia e o amor, um caminho
para o perdão; compreendermos a estrutura mental
do outro, suas crenças e limitações, bem como o que
está por trás de suas ações. Os recursos que o outro
dispõe, bem como a sua maneira de agir, talvez
tenham sido o seu melhor, naquele momento. Isso
ocorre porque, na maioria das vezes, a pessoa que
causou algum dano à outra, pensa que está certa.
Sendo assim, precisamos compreender o motivo pelo
qual ela acredita ter agido corretamente, enxergar e
justificar a sua atitude, embora prejudicial, de
maneira positiva. As atitudes variam de acordo com

251
a consciência e os recursos que cada um dispõe para
realizar suas ações e escolhas. Ao identificarmos o
motivo, fica mais fácil lidar com a situação e avançar
com o processo de perdão.
O sentimento de gratidão, além de nos
permitir compreender a situação que nos causou dor,
nos permite focar nas experiências positivas
compartilhadas com o outro, nas oportunidades que
nos permitiram chegar até aqui, e em tudo o que
contribuiu para nos tornarmos quem somos,
hoje. Não devemos reduzir o outro a uma atitude
momentaneamente desrespeitosa. A gratidão nos
permite analisar a situação dolorosa de uma
perspectiva compreensiva e amorosa. Com a
gratidão, fica mais fácil lidarmos com o
acontecimento, tirarmos o foco da dor e nos
concentrarmos nos benefícios que o evento trouxe
para a nossa vida.

Reflexão, um convite ao perdão!

Muitas vezes, nos sentimos agredidos e


prejudicados numa determinada situação, mas,
252
talvez, conforme o nosso ponto de vista, acabamos
omitindo alguma parte importante do evento. Nós
nos isentamos da nossa parcela de responsabilidade
pelo evento em que nos colocamos como vítimas
queixosas e ressentidas, esperando que o outro, em
algum momento, sinta a dor que pertence a nós, que
a alimentamos. Sendo assim, muitas vezes, durante o
processo de perdão, precisamos nos perdoar e
reconhecer qual é a nossa parcela de
responsabilidade na situação que nos queixamos. De
acordo com a máxima de Freud, ‚Qual a sua
responsabilidade na desordem da qual você se
queixa?‛ Com empatia, é possível compreendermos
o outro, de maneira mais aprofundada, e,
principalmente, a nós mesmos, ao reconhecermos a
nossa responsabilidade na situação que nos
queixamos. Todos os tipos de relações humanas
requerem 50% de responsabilidade para os
envolvidos, nem mais, nem menos, apenas 50%. Há
que pensarmos nisso!
A maioria de nós, culturalmente, tem como
hábito eleger um "bode expiatório", culpar alguém
pelos nossos fracassos e frustrações, assumir o papel
de vítimas, fugir das consequências das nossas

253
escolhas e das nossas responsabilidades. Ao
procurarmos compreender o motivo pelo qual o
outro agiu, também devemos reconhecer a nossa
parcela de responsabilidade no evento.
Reconhecermos o nosso comportamento, o que
fizemos ou falamos que contribuiu para disparar o
gatilho mental do outro, provocar sua ira, gerar esse
resultado. Devemos assumir a nossa parcela de
responsabilidade, não como uma culpa ou punição,
mas sim, para identificarmos o nosso
comportamento, prestarmos atenção à nossa forma
de comunicação e expressão, à maneira como agimos
e reagimos às situações adversas, nos deixando
influenciar, em geral. A observação constante do
nosso comportamento, das nossas ações e reações,
pensamentos e emoções, ou seja, a maneira como
respondemos aos eventos, nos permite identificar a
causa primária das nossas dores, gradativamente.
Porque atraímos pessoas com características
específicas e nos envolvemos em determinadas
situações. Ao reconhecermos nossa responsabilidade
pelo evento que nos causou dor, devemos
simplesmente aceitar a situação, sem qualquer tipo
de crítica ou julgamento, já que não podemos

254
modificar o passado, bem como o evento em questão.
Não devemos nos preocupar com suposições a
respeito do que poderia ter acontecido ou não, uma
vez que isso já ocorreu. Não há qualquer
possibilidade de ser diferente, não podemos alterar
os eventos que estão no passado. Se nos
concentrarmos no passado com a criação de
possibilidades, ficaremos presos ao outro, que, de
alguma maneira, nos feriu, e presos às fantasias que
não nos acrescentam nada. Essa é uma maneira
imatura de lidarmos com as circunstâncias, um
subterfúgio para aliviarmos a dor e fugirmos da
realidade. Podemos e devemos voltar ao passado,
mas apenas para compreender o evento e
ressignificá-lo, ou seja, termos uma nova perspectiva
a respeito do evento. Além de aceitarmos a
realidade, é necessário compreendermos o motivo
que nos levou a perdoar o causador da nossa dor.
Esse motivo pode vir à tona ao compreendermos a
atitude que levou o outro a fazer o que fez, bem
como a justificativa que nos leva a transmutar os
sentimentos destrutivos causados pela falta de
perdão.

255
Dessa forma, o poder de transformação e
libertação do perdão está relacionado à gratidão, ao
amor, ao movimento da vida, às Leis Naturais da
Natureza e à nossa motivação interna de
conhecermos a nós mesmos. Perdoarmos,
expandirmos consciência de quem somos,
cumprirmos com a nossa função de seres humanos,
desenvolvendo virtudes, valores e conhecimento,
compartilhando nossos talentos, o que sabemos fazer
de melhor, com os outros, teremos como resultado,
ações e escolhas mais acertadas, relações mais
harmoniosas, uma existência mais leve e feliz. Tudo
o que mexemos dentro, tem consequências nas
nossas ações externas. Mudamos dentro, e tudo ao
nosso redor muda. Em outras palavras, quando
fazemos mudanças internas, mudamos nosso
comportamento, nossa maneira de pensar e agir.
Tudo ao nosso redor também muda, pois admitimos
novos olhares para uma mesma pessoa ou situação.
Sendo assim, devemos, desde cedo, ensinar às
crianças o ato de perdoar, e também aos adultos,
pois, além de ser uma prática simples e acessível a
todos, é benéfica para a nossa saúde mental, física e
espiritual. O perdão nos liberta interna e

256
externamente, promove a nossa cura psicológica, nos
aproxima da nossa essência humana, da fagulha
divina que habita o nosso ser e nos conecta uns com
os outros, e com o universo. O que nos torna
melhores para nós mesmos e para o mundo. Além de
contribuir significativamente para o nosso
crescimento e evolução.
Vale ressaltar que, mesmo que muitos de nós
busquemos conhecer a nós mesmos de forma
independente, podemos nos voltar para nós
próprios, refletir a respeito dos nossos pensamentos,
emoções e vivências; analisar nosso comportamento,
ações, escolhas e emoções, compreendendo as
mensagens que elas nos transmitem; e, assim, chegar
às raízes de algumas dores. Enquanto outros, mesmo
tendo avançado consideravelmente, ainda
necessitam da assistência de um amigo mais
experiente ou de um psicólogo.

257
Uma breve história de perdão

“Quando eu saí em direção ao portão que me


levaria à liberdade, eu sabia que, se eu não deixasse
minha amargura e meu ódio para trás, eu ainda
estaria na prisão”.
— Nelson Mandela

Nelson Mandela, principal líder do


movimento contra o Apartheid, uma política de
segregação racial na África do Sul, permaneceu
confinado num cárcere por vinte e sete anos. Ele foi
detido em 1962 quando liderava um movimento
armado contra o regime da minoria branca, que
negava à população negra o direito de frequentar

258
praias, piscinas públicas, viajar de ônibus e votar nas
eleições municipais. Dois anos depois, condenado à
prisão perpétua por ‚traição e sabotagem‛.
Aos setenta e um anos, considerado um
guerreiro na luta pela liberdade, Rolihlahla Madiba
Mandela, o preso político mais conhecido do mundo,
foi libertado em 11 de fevereiro de 1990, após
cumprir 28 anos de reclusão. A partir dos anos 1980,
diversas leis racistas foram revogadas e a população
negra foi conquistando seus direitos civis. Mas, ainda
assim, o racismo ainda estava em alta. Dois anos
depois, um plebiscito conduzido por indivíduos
brancos apoiou as mudanças necessárias para a
criação de uma democracia multirracial. Em 1993,
Mandela recebeu o Prêmio Nobel da Paz. No ano
seguinte, foi eleito o primeiro presidente negro da
África do Sul, colocando fim ao Apartheid.
Mandela poderia ter se tornado um indivíduo
ressentido, queixoso, amargurado, enfurecido e/ou
triste, alimentando desejo de vingança. No entanto,
ele sabia que, para prosseguir em sua jornada e, mais
tarde, viver o seu propósito, era necessário manter o
coração tranquilo, livre de ódio, mágoa e
ressentimento. Do contrário, a prisão estaria no seu

259
coração. Apesar da grande dor, ele não se deixou
levar pela raiva, não se deixou guiar pelo
ressentimento e mágoa, ou por qualquer sentimento
de vingança. Isso se deve ao fato dele ter tido uma
vida com sentido, um propósito para permanecer
vivo, o de lutar pela liberdade e pela humanidade. O
seu propósito o manteve focado, tranquilo, confiante
e esperançoso para retomar a sua luta, por meio da
execução dos seus talentos, mais tarde.
Após deixar a prisão, foi eleito presidente. Sua
grandeza permaneceu intacta e fiel a algo maior que
ele, o seu propósito de vida, a sua luta pela liberdade
e pela humanidade. Daí a importância do amor, do
perdão, do propósito, da gratidão, da empatia, de
conhecer a nós mesmos, do desenvolvimento de
virtudes e valores, da busca pelo conhecimento, de
cumprirmos com a nossa função de seres humanos.

260
Ansiedade e Autoconhecimento

“Que eu viva o hoje, sem me preocupar com o que


já foi e com o que ainda virá!”
Marianna Moreno

“As pessoas mais responsáveis e aplicadas estão


mais sujeitas ao cárcere da ansiedade.”
Augusto Cury

“Na solidão os mundos novos são gerados.”


Rubem Alves

Segundo o Dicionário Online de Português,


ansiedade significa desconforto físico e psíquico;
agonia, aflição, angústia. Desejo intenso e impetuoso;
impaciência, sofreguidão e avidez. Ausência de
tranquilidade; medo e receio. A condição emocional
de sofrimento é determinada pela expectativa de que
algo inesperado e perigoso aconteça, diante da qual o
261
indivíduo se sente indefeso. No DSM-IV-Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, a
ansiedade é caracterizada como um distúrbio da
saúde mental, causado pela preocupação excessiva
ou expectativa apreensiva do indivíduo.
Dessa forma, podemos compreender a
ansiedade como uma emoção que causa medo e
inquietação, que faz parte do comportamento
humano, pois todos nós, em algum momento da
vida, a experimentamos de diferentes maneiras, de
acordo com a estrutura psíquica de cada um. Assim,
o estado de ansiedade é comum e inevitável.
De acordo com Hollo May em sua obra, "O
Homem à procura de si mesmo", a ansiedade pode
ocorrer com intensidade variável. Pode ser uma
tensão leve quando nos deparamos com situações
desafiadoras, diferentes das que enfrentamos no dia
a dia, como uma prova, uma entrevista de emprego,
uma apresentação em público, um encontro
inesperado com alguém importante, uma escolha
difícil, entre outras. Ou pode ser um medo profundo,
que se esconde sob a pele de suor, enquanto se
espera para saber se um ente querido sofreu ou não,
um desastre aéreo, se um filho se afogou ou se voltou

262
vivo de uma tempestade num lago. A ansiedade
pode ser manifestada de diversas maneiras: seja por
meio de dores intensas e profundas, compressão no
peito, confusão generalizada ou ainda, pela sensação
de que o mundo ao nosso redor é escuro ou cinzento,
ou um grande peso na cabeça, ou ainda algo
semelhante ao terror de uma criança que descobre
estar perdida. Dessa forma, a ansiedade é, na maioria
das vezes, um sentimento de desconforto e
inquietação, acompanhado de preocupação e
nervosismo. Ou seja, um sofrimento antecipado de
algo que ainda não aconteceu. Há uma pretensa
preocupação com o futuro, o desconhecido que está
por vir, e a expectativa de uma ameaça futura. A
Covid 19 foi um fator significativo de preocupação e
medo, o que resultou em ansiedade para muitos de
nós, enquanto outros mantiveram o equilíbrio
psicológico, físico e espiritual.
A preocupação é uma das características que
definem a ansiedade, pois é a pré-ocupação que as
coisas não ocorram conforme o planejado. O medo, o
receio e a incerteza em relação a algo que não
podemos prever de imediato, o que, muitas vezes,
requer tempo. Como não temos controle do tempo,

263
muitas vezes pensamos que, ao pensarmos
demasiadamente, podemos causar um "looping
mental", ou seja, repetir e persistir num mesmo
pensamento, como se isso nos desse o controle e a
certeza de algo que não podemos prever
imediatamente, o que, muitas vezes, requer tempo.
Mas não, esses pensamentos repetidos, na maioria
das vezes, negativos, depreciativos e autocríticos,
tendem a causar descontrole e desgaste emocional.
São pensamentos que surgem automaticamente, uma
vez que somos completamente absorvidos por eles.
Nós nos tornamos escravos, perdemos o controle dos
nossos pensamentos e não percebemos o desperdício
de tempo com um único pensamento, insignificante e
constante. Não é possível viver o momento presente,
o aqui e o agora, uma vez que o pensamento está
constantemente aprisionado no passado ou no
futuro. Isso não quer dizer que existe apenas o hoje,
que não devemos traçar metas para o futuro. A vida
é um eterno aqui e agora, o momento atual em que
as coisas estão acontecendo. A perspectiva de futuro
é o que nos mantém focados no presente, explorando
os nossos talentos e compartilhando o que sabemos
fazer de melhor.

264
Podemos apresentar como exemplo, o
indivíduo que tem medo de falar em público, um
medo natural e saudável. Isso é um alerta para que
se prepare melhor, e procure desenvolver
habilidades para melhorar o seu desempenho ao se
comunicar com várias pessoas, simultaneamente. No
entanto, se ele se recusa a falar em público para
evitar o desconforto causado pelo medo, isso pode
ser um problema que deve ser analisado. Neste caso,
é importante procurar a ajuda de um profissional da
área da saúde, como um psicólogo, para
compreender a origem desse sentimento e o que está
por trás dele. Sendo assim, quando o sentimento de
inquietação se manifesta de maneira exacerbada,
pode se tornar um transtorno de ansiedade, ou seja,
uma doença; a existência de um problema, a
manifestação de um conflito psicológico ou espiritual
que precisa ser tratado.
Atualmente, o ritmo de vida, especialmente
nas metrópoles, é acelerado e apressado demais.
Temos pressa para tudo, desde o momento em que
acordamos até a hora de dormir, uma vez que
precisamos realizar diversas tarefas em um único
dia. Ainda temos a sensação de que pouco ou quase

265
nada fizemos. Fazemos tudo tão depressa que não
temos tempo para desfrutar do prazer de realizar as
tarefas. Comemos rápido demais, não sentimos o
sabor do alimento, o prazer de cada garfada, não
apreciamos os detalhes, a beleza das coisas ao nosso
redor, e tampouco paramos para refletir a respeito da
vida. Vivemos no ‚piloto automático‛, sem perceber
o que está ao nosso redor. Se, permanecermos no
"piloto automático" a maior parte do dia, isso pode
prejudicar nossa de apreciar as coisas simples ao
nosso redor, bem como a nossa total concentração
em atividades diárias importantes. Após caminhar
pelas ruas do seu bairro, você consegue se lembrar
do que viu ou encontrou ao longo do caminho? Você
já prestou atenção nas diversas espécies de árvores,
flores e pássaros? Costuma alternar o percurso ou é
sempre o mesmo? A padaria ou o supermercado são
sempre os mesmos? É importante experimentarmos e
fazer coisas diferentes. Isso nos ajuda a adquirir
novos hábitos e a deixar de viver de maneira
automática. Há que pensarmos nisso!
A falta de paciência e concentração tem sido
um fator que se evidencia em nosso cotidiano, não
apenas entre os adultos, mas também entre as

266
crianças. Isso pode ser observado na sala de aula,
onde as crianças e adolescentes executam suas
tarefas de maneira apressada, sem o necessário foco e
dedicação, visando apenas a conclusão rápida e a
libertação imediata. Eles ignoram o momento
necessário para aquietar a mente, silenciar
verbalmente para acessar o seu potencial criativo,
seus recursos internos e se voltarem para si mesmos.
Poucos são os jovens que conseguem se concentrar
na execução das suas tarefas. A tentativa de se
voltarem para si mesmos causa pavor, agonia e
desespero. A ansiedade por conversar é elevada.
Muitos têm receio de permanecer em silêncio,
especialmente em relação a si mesmos. Dessa forma,
evitam se aproximar de si mesmos, permanecendo
no "fast", no imediato, na superficialidade, do lado
de fora. Todos falam ao mesmo tempo, sem se
ouvirem, uns aos outros. Sem tempo para uma
pausa, refletirem a respeito do conteúdo construído,
que, raramente, é amadurecido e transformado em
conhecimento e aprendizado. Querem falar, não
importa o que, apenas querem conversar. Levando
em conta que o método de ensino e aprendizagem
utilizado nas instituições de ensino, especialmente

267
nas da Rede Pública, não atende às demandas dos
jovens nascidos com a Internet. Em outras palavras,
as tecnologias evoluíram significativamente, mas as
instituições de ensino continuam as mesmas de
séculos atrás.
O saudoso Rubem Alves, dizia que, temos
escolas de oratória, mas não de escutatória, ou seja,
muitos querem falar bonito, mas poucos desejam
escutar bonito. Atualmente, é raro encontrar alguém
que saiba escutar, ou seja, que tenha interesse em
ouvir o que os outros têm a dizer, atentamente, sem
aconselhamentos ou julgamentos. Escutar
atentamente requer empatia, para respeitarmos o
ponto de vista diferente do nosso. Respeitar o ponto
de vista do outro não significa concordar, mas sim,
compreender a maneira como a pessoa pensa, sua
perspectiva de mundo e de si mesma. Ao escutarmos
os outros e compreendermos os seus pontos de vista,
estamos aprimorando a nossa percepção,
aumentando o nosso nível de entendimento e nos
tornando mais sábios. Dessa maneira, nos tornamos
cada vez mais capazes de fazer questionamentos que
levem o outro a refletir e a crescer,
também. Desenvolvemos a capacidade de formular

268
questionamentos que estimulam o outro a refletir e a
crescer. Você já ligou para alguém com o objetivo de
conversar a respeito de um assunto, mas a situação
se inverteu. Ao invés da pessoa ouvir, você é quem a
ouve. A pessoa expõe seus problemas de maneira
ansiosa e contínua, como em um monólogo, e, ao
final, diz que não tem mais tempo disponível e
precisa desligar, enquanto você permanece em
estado de interrogação, sem encontrar espaço se
expressar? Ou, quando nos reunimos em grupo, a
maioria, demonstra um grande desejo de se
expressar, sendo que, quando um integrante mal
termina de expôr sua ideia, o outro já começa. Não
há pausas, é como se houvesse uma disputa entre as
falas. Discutimos diversos temas, porém, de maneira
superficial, ninguém se aprofunda em nenhum deles.
Aqueles que conseguem permanecer em silêncio,
devido à falta de espaço para expor suas ideias, são
interpretados como tímidos ou sem assunto.
Atualmente, isso tem acontecido com frequência,
pois as pessoas desejam e necessitam ser ouvidas,
mas não demonstram interesse ou habilidade para
escutar os outros, nem mesmo a si mesmas.

269
Vivemos numa época em que as pessoas estão
muito ansiosas, uma característica do mundo
moderno, da era das tecnologias. Muitos de nós,
passamos horas na frente de um computador ou
celular, mas não temos tempo para conversar ao
vivo, olhos nos olhos. Isso estimula e intensifica as
trocas de experiências superficiais, típicas de quem
vive nos grandes centros urbanos. Assim, surgem as
depressões, as angústias e o vazio, que muitos de nós
buscamos preencher com o consumo exagerado e os
desejos estimulados pelas mídias, o uso exagerado
das tecnologias e suas aquisições, uma nova forma
de escravidão voluntária, entre outras práticas. Na
sociedade de consumo, as pessoas são coisificadas, o
ter se sobrepõe ao ser, e cada um é avaliado pelo que
tem e não pelo que é. O poder e o lucro tendem a ser
mais importantes do que os valores, virtudes,
conhecimento, integridade e ética. Essa redução leva
o indivíduo a consumir produtos que estão distantes
da sua realidade e do seu poder de compra. No
entanto, como o modo ter é levado em consideração,
a maioria das pessoas deseja adquirir um telefone
celular, uma televisão, um computador, um carro do
ano, entre outros produtos de última geração. Isso se

270
deve ao fato de não poder ficar para trás, é
necessário estar no topo das mais recentes aquisições
e manter o status ilusório de importância e
pertencimento. Uma importância ilusória que leva à
alienação de si mesmo e ao aumento da ansiedade.
Sem que o consumidor esteja familiarizado com uma
linguagem tecnológica específica, surge outra, em
um curto espaço de tempo, ainda mais cara e com
menor durabilidade que a anterior, e assim por
diante.
A ansiedade que afeta a maioria de nós é
consequência do modo ter e não ser, predominante
na sociedade de consumo. O desejo de ter para
aparecer, ser aceito e fazer parte de algo ou
alguém. Isso faz com que a maioria se sinta
ameaçada de não ser aceita e amada, o que aumenta
o medo de ser rejeitada e viver sozinha no abandono
e isolamento. Como seres sociais, é natural
desejarmos nos sentir parte de algo, seja uma família,
um grupo de amigos, um emprego, estudos, um
clube, entre outros. Ao contrário de um grupo de
amigos nas redes sociais, como o Facebook e o
Instagram, em que há uma abundância de amigos,
mas a maioria delas está sozinha e, muitas vezes, em

271
depressão. As pessoas costumam compartilhar
momentos felizes, lugares belos e glamorosos, pratos
mais saborosos e um mundo onde tudo é perfeito, ou
seja, uma vida sem frustrações, fracassos, fome ou
muitas contas a serem pagas, uma vez que não há
recursos para isso. Além de aguardarmos as curtidas
das postagens, tendemos a nos comparar com
aqueles indivíduos e buscar alcançar um padrão
socioeconômico inatingível. Isso nos causa ansiedade
e frustração, por não conseguirmos atingir esse
objetivo e achar que não somos capazes. Ficamos
ansiosos e frustrados por não termos uma vida
"perfeita" e não fazer parte desse grupo
socioeconômico. O mundo virtual e as redes sociais
não são a nossa identidade. As redes sociais são
canais de comunicação que nos permite estabelecer
relações interpessoais de maneira superficial, bem
como compartilhar conteúdos de nosso interesse.
Isso não nos define, não podemos nos limitar a isso.
Não podemos comparar a nossa vida à de ninguém.
Se precisarmos nos comparar, devemos fazê-lo com a
nossa própria trajetória, seja há um ano, um mês ou
uma semana, mas nunca com a de outras pessoas.
Quando nos comparamos conosco mesmos, e

272
acompanhamos nossa evolução, isso nos estimula a
continuar crescendo. Cada um é único, tem a sua
história, experiências e conquistas, e sabe muito bem
os obstáculos enfrentados para chegar até aqui. Além
de causar frustração, pois sempre haverá alguém
mais forte, mais rico e bonito que nós, a comparação
aumenta ainda mais a sensação de não pertencer a
um grupo, de estar sozinho, apesar de ter uma
página com um grande número de amigos. Para
aqueles que têm tempo disponível e se permitem,
isso não passa de uma distração. Não é por meio do
Facebook ou do Instagram que estabelecemos
conexões significativas, que possam contribuir para o
nosso crescimento e evolução. Que somos
respeitados em nossos pontos de vista, assim como
buscamos aprender e crescer com os pontos de vista
diferentes dos nossos.
No mundo moderno, a todo instante, somos
invadidos por uma avalanche de informações, e,
devido à pressa e o excesso de tarefas, não temos
tempo suficiente para digeri-las, pois vivemos, quase
todo tempo, no ‚piloto automático‛, o que nos
impede de perceber o que está ao nosso redor.
Muitos de nós vivemos distantes de nós mesmos, o

273
que resulta na falta de clareza dos sentimentos e de
pertencimento. O vazio que sentimos e procuramos
preencher de alguma maneira. Às vezes, nos
sentimos sozinhos e não compreendemos o motivo, o
que verdadeiramente nos falta. Não sabemos nomear
os nossos sentimentos, identificar o que está por trás
deles, a mensagem que eles nos comunicam, isso
gera angústia e sofrimento. Lamentavelmente, somos
analfabetos emocionais, aprendemos a olhar para
fora em vez de olhar para dentro. A Covid 19 foi um
exemplo disso. Além da tensão, do sofrimento, do
medo e da ansiedade, a interação com os outros, e,
principalmente conosco mesmos, em um ambiente
pequeno e sem privacidade, durante um longo
período de isolamento, foi um grande desafio. Para
muitos de nós, foi como conviver com um
estrangeiro, um estranho para nós mesmos, por não
sabermos quem somos, não nos conhecermos
melhor. Essa experiência foi extremamente dolorosa
e angustiante. Por não compreendermos nossas
necessidades verdadeiras, não termos uma existência
com sentido, entre outras coisas. Isso aumentou a
sensação de não pertencer, a solidão, muitas vezes
associada e confundida com a ausência do outro, a

274
falta de reconhecimento e validação por parte do
outro, bem como o fracasso e os bens materiais. No
entanto, o vazio, a sensação de não pertencimento e a
solidão estão relacionados ao distanciamento e à falta
de conexão consigo mesmo. Ao distanciamento da
nossa essência, do nosso verdadeiro Eu. A ausência
de vida interior. Quando desenvolvemos e
cultivamos vida interna, ao irmos para o outro,
sempre temos o que compartilhar e acrescentar,
sendo um fator de soma na vida do outro. E, ao
ficarmos sozinhos, nos sentimos bem. Não há espaço
para a solidão, mas sim para a solitude. Ficamos bem
porque temos a nossa própria companhia. Nós
desfrutamos da nossa própria companhia, não
necessitamos de pessoas ou coisas para suprir nossas
necessidades. Estamos satisfeitos e preenchidos com
nossa própria companhia. Na jornada do
autoconhecimento, a solidão é inevitável, assim
como a ansiedade em algumas situações, que faz
parte da nossa individualidade. Dessa forma,
experimentamos um período de grande ansiedade,
medo, sofrimento e terror ao permanecermos
conosco mesmos. A Pandemia pode não ter sido,
necessariamente, a causa da ansiedade, do vazio, do

275
não pertencimento, da angústia e do sofrimento, já
que todos esses elementos fazem parte da
singularidade de cada um de nós e da existência
humana. Precisamos nos conectar com a nossa
essência, com o que verdadeiramente somos e
expressarmos quem somos, a nossa essência
sufocada. Olharmos para dentro e não para fora, ou
seja, buscarmos em nós mesmos, o que procuramos
no outro.
Em nossa sociedade materialista, onde o ter é
mais importante que o ser, e, muitas vezes, nos
sentimos excluídos e desvalorizados. Seja na equipe
de trabalho, no grupo de estudos, na família ou entre
as pessoas próximas, experimentamos a sensação de
não pertencermos e sermos um "peixe fora da água".
A necessidade de sermos amados, aceitos e
valorizados é inerente à natureza humana. É
importante quando somos reconhecidos e
valorizados pelo nosso trabalho, e, principalmente,
pelas nossas atitudes, o que somos. Mas, não
podemos esperar o reconhecimento e a valorização
dos outros. É fato que, ao interagirmos com as
pessoas ao nosso redor, somos avaliados desde o
modo como falamos até a maneira como nos

276
comportamos. Isso quer dizer que é improvável que
sejamos reconhecidos e, portanto, não devemos
aguardar por isso. É perceptível que o outro tem um
papel crucial na nossa vida, contribuindo para o
nosso crescimento e evolução. Dessa maneira, ao
interagirmos, ao mesmo tempo, em que afetamos,
também somos afetados. De acordo com um
pressuposto da PNL – Programação
Neurolinguística, não importa o que ocorre fora, mas
sim o que acontece dentro de nós. Ou seja, mais
importante do que os eventos externos, é a maneira
como respondemos a eles. Compreender isso é
simplesmente libertador. Muitos de nós acreditamos
que o sentimento de vazio, solidão ou não
pertencimento se resolve com o consumo exagerado,
a aquisição de bens materiais, muitos amigos, o
sucesso ou até mesmo mais seguidores no Facebook
e Instagram, entre outros. A aquisição de bens
materiais que atendem às nossas necessidades e
confortos é necessária e importante, mas, ter para
aparecer e pertencer é outro grande equívoco.
Precisamos analisar o que está por trás dos
sentimentos de desconforto ao lidarmos com os
eventos externos. Ou seja, a maneira como

277
respondemos a eles pode nos levar às raízes das
nossas angústias e sofrimento. Ao observarmos
nossas ações e reações, com frequência, podemos
mergulhar de maneira mais profunda e descobrir
muito a respeito de nós mesmos.
A vida é movimento, um vir a ser, ou seja, um
processo de construção e transformação, constante.
Esse movimento se inicia dentro de nós, de dentro
para fora, e não de fora para dentro. Dessa forma, o
verdadeiro pertencimento não está na validação e
aceitação vindas de outros ou na aquisição e
acúmulo de posses materiais. O verdadeiro
sentimento de pertencimento consiste em nos
sentirmos satisfeitos e felizes com nossa
autenticidade e vivermos em harmonia conosco
mesmos. Ao nos aceitarmos, liberamos o peso
emocional da validação externa. Essa é a essência de
não querermos pertencer, mas sim, buscarmos a
autoaceitação antes de procurarmos o pertencimento
externo, que é natural do ser humano. Não é possível
inverter o curso natural da vida. Toda validação
externa deve ser iniciada a partir de dentro de nós
mesmos, de dentro para fora, e não o oposto. O
reconhecimento e aceitação de nós mesmos, com

278
todas as nossas qualidades e defeitos, experiências
boas e ruins, sem a necessidade de aprovação
externa. A aceitação de nós mesmos nos proporciona
uma existência mais harmoniosa e feliz. Podemos
sentir o pulsar da vida dentro de nós. De acordo com
Rollo May, uma das poucas alegrias da existência em
uma época de ansiedade é a necessidade de termos
consciência de nós mesmos. Na sua obra, ‚Psicologia
do Inconsciente‛, Jung diz que, em momento algum,
refletir a respeito de si mesmo foi uma necessidade
tão necessária na época moderna. O questionamento
de si mesmo leva à confrontação com as barreiras do
inconsciente que escondem o que é essencial para o
conhecimento. Enquanto, Maria Tereza, em sua obra,
‚Um extraordinário mergulho em si mesmo, por
onde começar? Vol. 1‛ Nos conta que, Sócrates, o
filósofo grego, inspirado na máxima, ‚Conhece-te a ti
mesmo‛, que ficou conhecida por ele, e, por meio de
perguntas, incentivava seus interlocutores a
refletirem a respeito de si mesmos, reverem suas
crenças, valores e pontos de vista, a fim de
encontrarem respostas para suas angústias
existenciais. O filósofo tinha plena consciência da

279
relevância dos benefícios da autorreflexão para o
crescimento humano.
A reflexão é uma prática que nos permite
mergulhar cada vez mais fundo no nosso interior, a
fim de compreendermos melhor os fenômenos que
ocorrem em nosso interior, como o funcionamento
do cérebro, os mecanismos que regulam o nosso
pensamento, sentimentos e emoções, bem como a
maneira como agimos e reagimos a eventos externos.
Compreender o que sentimos e o motivo pelo qual
sentimos. Procurarmos o equilíbrio entre nossos
pensamentos, sentimentos e ações. Aceitarmos o
nosso lado sombrio, os nossos defeitos, a
compreensão das nossas reações instintivas, muitas
vezes violentas, excludentes e antiéticas conosco e
com os outros, é indispensável, caso contrário, nos
impede de mudar, de nos abrirmos ao novo, de
pensar, sentir e agir de maneira diferente, para
obtermos resultados distintos. De reconstruirmos a
nós mesmos na interação com o outro e o ambiente,
constantemente.
A reflexão nos remete ao passado, para
fazermos uma revisão das nossas experiências, os
nossos erros e acertos, bem como compreender o

280
presente, a situação em que nos encontramos, como
uma possibilidade de fazer algo diferente e obtermos
resultados diferentes. Podemos rever e mudar nossas
crenças falsas e limitantes a respeito da vida e de nós
mesmos, modificando nossos pensamentos e ações,
e, consequentemente, fazendo escolhas melhores. De
maneira simples, ressignificando os eventos ruins
que nos deixaram marcas profundas, às vezes, na
infância e que, ainda hoje, interferem na nossa
existência, negativamente. Em outras palavras,
aprendemos a atribuir um significado novo ao
evento, uma nova perspectiva. Isso nos ajuda a
caminhar de maneira mais leve e feliz. O futuro não
precisa repetir o passado, podemos fazer algo
diferente no presente, a partir de agora. Vivermos
com a perspectiva de novas experiências. Fazermos
escolhas mais acertadas, com base nos nossos valores
e crenças, o que somos de verdade. O mergulho
profundo e reflexivo, juntamente com a observação
constante dos nossos pensamentos, sentimentos e
comportamentos, bem como da nossa reação a
eventos externos, nos permite identificar os padrões
prejudiciais que se repetem em nossas relações. A
autorreflexão nos ajuda a compreender o motivo de

281
atrairmos pessoas e situações com as mesmas
características, aprofundarmos nos nossos medos e
preocupações, e compreendermos o motivo da vida
nos ensinar a mesma lição diversas vezes.
Compreendemos e percebemos o outro como um
espelho, o mestre que chega à nossa vida para nos
ensinar algo, em relação a nós mesmos, que, na
maioria das vezes, não queremos enxergar. Em
outras palavras, a nossa sombra, os nossos defeitos
que procuramos esconder das pessoas e, sobretudo,
de nós mesmos. Dessa forma, projetamos para fora,
no outro.
Para podermos fazer da reflexão uma prática,
podemos reservar um horário, todos os dias, como
um encontro com um amigo, uma pessoa
importante, que pode começar com dez minutos,
trinta, uma hora ou mais, conforme a nossa
necessidade. Questionando-nos com base em nossas
crenças, sentimentos, atitudes ou reações, a respeito
a eventos, diretos ou indiretos. Dessa forma, é
indispensável a observação constante. Sugiro que
nos tornemos o agente 007, o nosso próprio detetive.
Pois ao observarmos nossos pensamentos, emoções e
ações, procuramos investigar e compreender as

282
mensagens que eles procuram nos comunicar.
Podemos, por exemplo, sentir raiva do colega de
trabalho que recebeu uma promoção para ganhar o
dobro ou daquele amigo que comprou o carro dos
nossos sonhos, que nem mesmo trabalhando dia e
noite, conseguiríamos comprar. A questão é: Qual é o
sentimento que está por trás dessa raiva? Devemos
trazer a emoção do momento para o peito e ouvir os
nossos pensamentos. Não devemos ter pressa na
resposta, ela pode demorar um dia, dois ou até uma
semana, mas ela virá. Para isso, devemos ser
honestos conosco mesmos e permitir que o que
temos de mais autêntico seja revelado. O
autoconhecimento requer humildade, honestidade,
coragem e paciência. É imprescindível ter humildade
para nos abrirmos ao conhecimento e aprendermos
com os outros a respeito de nós mesmos. Não há um
único momento na vida em que não haja
aprendizado. É necessário ter coragem para enfrentar
os nossos monstros, nossos defeitos e fragilidades,
para não desistirmos ao longo da jornada.
Honestidade é indispensável para não escondermos
nossa sombra, nossos defeitos que procuramos
esconder das pessoas e, sobretudo, de nós mesmos.

283
A mudança interna requer tempo, é diferente de
mudar a cor ou o corte do cabelo, ou o sofá da sala
de estar. O autoconhecimento é um processo, e todo
processo tem um início, mas não tem um fim. Pode
durar a vida toda, pois não há um único instante em
que não temos o que aprender a respeito de nós
mesmos.
O autoconhecimento não se esgota aí, mas é
um ótimo começo para iniciarmos essa jornada:
sairmos do "piloto automático", prestarmos atenção
ao que fazemos, escutarmos nossos pensamentos e
emoções; traçarmos o rumo que desejamos seguir;
encontrar respostas para as nossas inquietações e
soluções para os nossos problemas; ter uma
existência com sentido, pois somos parte de um
propósito maior e, para assumirmos o controle da
nossa vida e nos tornarmos protagonistas da nossa
história, precisamos expressar a nossa essência, o que
verdadeiramente somos. Sócrates nos ensina que,
‚Uma vida não examinada não vale a pena ser
vivida‛, não tem sentido. Sendo assim, ele nos
incentiva a refletir a respeito da vida com mais
profundidade. A reflexão nos dá mais clareza, nos
leva ao despertar. Ao refletirmos e examinarmos a

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nós mesmos e o que nos impede de sermos
verdadeiramente felizes, iniciamos o processo de
mudança. Conforme Mateus, no capítulo 7:7-8,
‚Buscai e tudo será concedido a ti‛. Em outras
palavras, quando estamos buscando o crescimento,
superar nossas fraquezas, desenvolver virtudes e
valores, melhorar nossas relações e nos tornarmos
melhores do que ontem, o universo conspira a nosso
favor e recebemos ajuda de todos os lados. É
importante buscarmos tudo o que for necessário para
o nosso crescimento e evolução, com foco e
comprometimento. Para utilizarmos essa ansiedade
de maneira construtiva, em benefício de nós mesmos
e do planeta.
É importante salientar que o processo de
autoconhecimento é acessível a todos. Muitos de nós
conseguimos nos conhecer e encontrar soluções para
algumas de nossas angústias e sofrimentos de
maneira autônoma e gradual, enquanto outros
necessitam de ajuda profissional, como um
psicólogo.

285
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