Você está na página 1de 4

FIDELIDADE E ROTINA

“O Senhor deseja a fidelidade agora, no cotidiano”


Na última palavra que a Fundadora dirigiu aos consagrados, ela nos apresentou uma passagem
bíblica para a nossa meditação. Vamos ler juntos: Nm 15, 37-41.
A partir destes versículos nos foi falado a respeito das “vestes” do Carisma Rainha da Paz. Que o
Senhor mais uma vez nos pede fidelidade, e uma fidelidade atenta, capaz de ter sempre diante dos olhos o
que nos é pedido nos Estatutos, trazendo-o gravado nas nossas mentes. E, recordando-lhe constantemente,
praticá-lo, fugindo da infidelidade. E assim darmos autenticidade à nossa consagração (conforme nos diz o
versículo 40: “...vos lembrareis de todos os meus mandamentos [Estatutos], e os praticareis, e sereis
consagrados ao vosso Deus”).
Inclusive nos foram apresentados alguns “mandamentos”:

Mandamentos do Estatuto da Comunidade Rainha da Paz:


Mandamentos Diários
1. Adoração Pessoal ao Santíssimo diária
2. Leitura orante da Palavra diária
3. Oração do Rosário diária
4. Eucaristia diária
5. Penitência diária
6. Fazer revisão noturna diária.
Mandamentos semanais
1. Oração comunitária semanal
2. Ter vida fraterna - conviver com os irmãos. Sincera estima, Trato gentil e Caridade fraterna
3. Ter vida apostólica
4. Jejum semanal as 4°as e 6°as feiras.
Mandamentos periódicos
1. Retiros Comunitários.
2. Ser formado pessoalmente 2 em 2 meses.
3. Ser formado comunitariamente 2 em 2 meses.
4. Confissão mensal
Mandamentos de sempre
1. Ser pobre, obediente e casto
2. Testemunhar a consagração no trabalho.

Estas não foram as únicas palavras que nos foram dirigidas sobre fidelidade no período dos últimos
dois meses. Aqueles que foram para o retiro dos consagrados puderam ouvir uma chamada de Deus para a
fidelidade, e a fidelidade nas coisas comuns, cotidianas, ordinárias (“O Senhor deseja a fidelidade agora, no
cotidiano, no ordinário”; “A fidelidade (a constância) é o que nos faz ser fiéis (...) É a fidelidade que vai nos
fazer fiéis, Ele pede este passo na fé, sem vontade, sem sentimento, pela decisão de ser constante”). Deus
deseja a nossa fidelidade
Mas, o que pode nos estar conduzindo à infidelidade?

Pode ser que não seja cansaço, mas preguiça mesmo...


Antes, vamos entender o que é a preguiça.
A preguiça não é um cansaço, não é um esmorecimento, não é uma lentidão, mas é uma tristeza.
Sim, é a tristeza diante da constatação do trabalho que teremos para alcançar a excelência.
É uma modalidade de tristeza. Mas ela pode se manifestar por meio de uma letargia ou pela
dedicação da pessoa a uma atividade que não é o seu dever de momento. Podemos ser preguiçosos tanto
não fazendo nada como gastando o nosso tempo com outras coisas, muitas vezes até mais difíceis do que as
que deveríamos fazer. Mas ambas as manifestações são sinais de fuga do cumprimento do dever recebido.
E há uma coisa muito importante a entender: cumprir o dever de cada momento é o que nos conduz
à excelência. Lembremos do brado de Jesus na cruz: “Tudo está consumado”. Jesus, ao olhar para sua
trajetória e perceber que tudo o que deveria acontecer para cumprir Sua obra redentora foi realizado, ao
perceber que amou os seus e amou-os até o fim, Ele sente realizado todo o seu dever como Redentor. “Tudo
está consumado”. É a perfeição do cumprimento do dever.
Cada um de nós, quando realiza o seu dever de momento, sem fugir dele com esmorecimentos ou
distrações, une-se àquele brado santíssimo. E então acolhe a alegria, o prazer do dever cumprido, que é
diferente dos prazeres sensoriais, e se trata daquela alegria de se ter concluído a obra que lhe foi confiada.
Quando podemos dizer também o nosso “Tudo está consumado”, sentimos uma felicidade, que não é
eufórica ou elétrica, mas cheia de paz porque sente que todas as coisas estão em seus lugares. O “Tudo está
consumado” é a perfeição.
Lembremos da parábola dos talentos (Mt 25, 15-30). Confiando os seus bens segundo as
capacidades de seus servos, um rico senhor ausentou-se. Dois deles, prontamente, saíram para realizar o
dever que lhes havia sido confiado; um terceiro, contudo, preguiçosamente esquivou-se de sua
responsabilidade. Talvez não tenha ficado parado, sem fazer nada, mas seu grande mal foi ter feito muitas
coisas, menos o que realmente deveria fazer. No retorno do patrão, apresentando-se os servos em sua
presença, aos que concluíram a obra confiada ele disse: Servo bom e fiel, venha e participe da alegria do seu
senhor. Que belas palavras!
Sendo o nosso “patrão” o próprio Senhor dos céus e da terra, cumprir o dever que por Ele foi
contratado significa entrar na sua alegria, participar da sua alegria. Realizar o que Deus nos pede é participar
da alegria do próprio Deus! O que agora nos cabe fazer, se realmente fazemos, materializa a graça divina.
Quando respondemos prontamente, estamos unindo a nossa vontade atual com a vontade eterna de Deus.
E isto é fonte de imensa alegria.
Em contraposição, que destino cruel o do servo preguiçoso: foi lançado para longe do seu senhor,
para um lugar de tristeza. Ficou conhecido como o servo mau e preguiçoso. Não há nada mais destrutivo
para a nossa biografia do que a preguiça.
Então, se o nosso dever de momento for, por exemplo, limpar a mesa da cozinha, mas fugimos disto,
e até nos empenhamos em limpar a casa inteira, menos a mesa da cozinha, evitando cumprir o dever
cotidiano, podemos até gastar muitas energias, mas não estaremos realizando o trabalho que nos conduzirá
à excelência, a podermos dizer o nosso “Tudo está consumado”, onde se assenta a felicidade de uma vida
realizada. Não estaremos buscando o cumprimento da perfeição nas nossas vidas, que seria tão
simplesmente limpar a mesa. A preguiça é justamente esta fuga diante do dever a ser realizado.
A excelência está no cumprimento dos deveres cotidianos. E são exatamente estes pequenos
deveres que nos santificam. “Todos os fiéis se santificarão cada dia mais nas condições, tarefas e
circunstâncias da própria vida e através de todas elas, se receberem tudo com fé da mão do Pai celeste e
cooperarem com a divina vontade, manifestando a todos, na própria atividade temporal, a caridade com que
Deus amou o mundo” (LG 41).
A santidade se realiza nas nossas circunstâncias concretas, com as pessoas que convivemos, na
realização com amor dos deveres de cada momento, nas tarefas, circunstâncias e condições da nossa própria
vida. Com pequenos gestos, pequenos passos. Muitas vezes na fidelidade às coisas rotineiras, algumas vezes
na resposta a desafios maiores (e que nos conduzem a uma nova conversão e uma nova abertura à graça),
ou mesmo tratando-se de encontrar uma forma mais perfeita de viver o que já fazemos (“há inspirações que
nos fazem apenas tender para uma perfeição extraordinária das práticas ordinárias da vida cristã” – São
Francisco de Sales). Assim se dá a santidade.
Fazer o que se tem que fazer, cumprir o dever de momento: eis a regra simples para ser santo (que é
o mesmo que ser feliz!).

Pode não ser falta de tempo, mas falta de organização mesmo...


Para nós, o que significa ter uma vida em ordem? Quando nossa vida está verdadeiramente
ordenada? A resposta é simples: quando está em harmonia com o que Deus quer, com o que Deus nos pede
em cada momento. Por isso, deveria sempre existir em nosso coração a pergunta: Senhor, o que queres que
eu faça?
Esta pergunta pode ser formulada de muitas maneiras. Talvez a mais básica seja: “O que é que Deus
quer que eu coloque em primeiro lugar, que ocupações ou deveres deveria organizar e garantir melhor, por
que precisam ter prioridade sobre as outras coisas?” Quando obtemos esta resposta, surge uma forte “luz”
que ilumina cada um de nossos dias, dando-lhes ordem e sentido.
É a voz de Deus, honestamente escutada, que nos esclarece quais são as prioridades e nos ajuda a
hierarquizar, pela ordem de importância, os deveres a cumprir. Assim, estamos em condições de escolher o
que é bom e agradável Deus.
E prioritário não significa, necessariamente, o que deve ter uma maior parte do nosso tempo
dedicado: pode ser uma prioridade de qualidade com que se realiza, mesmo que não seja o que nos custe
mais horas (pensemos que, nas 24 horas do dia, só uma é para nossa oração pessoal, mas, definitivamente,
este é o momento mais importante e que merece maior atenção); ou uma prioridade “cronológica”, de fazer
o que é mais importante o quanto antes, sem atrasos desnecessários.
É lamentável quando reservamos para os apelos que Deus nos faz no nosso dia as sobras do nosso
tempo. Deixamos o refugo para as exigências do amor a Deus e ao próximo. Onde não há amor já está
instalada a maior desordem.
Por ordem nos nossos horários é viver a virtude da ordem, que revela não apenas a capacidade de
hierarquizar os nossos deveres e tarefas por importância (e de colocá-los em prática também, estabelecendo
horários e buscando aproveitar bem o nosso tempo), mas que existe uma verdadeira ordem em nossa
mente e em nosso coração.
Falar em planejamento do dia talvez soe para alguns como algo cheio de frieza e calculismo. Será
possível falar-se em planejamento e sujeição a um horário quando se trata de coisas de amor? Porque, no
fundo, é de coisas de amor que estamos falando. Ter um horário fixo para rezar ou para ler um livro de
espiritualidade, reservar tempos e horários certos para a confissão frequente, a Missa, a comunhão, o
Rosário … não irá abafar a espontaneidade do espírito e formalizar demais nossas vidas?
Mas sem vivermos a virtude da ordem (que sofre tantos preconceitos!) esta mesma espontaneidade
do amor e dos bons propósitos não será mais do que ilusão.
Não falamos de uma ordem “bitolada”, que não permite nenhuma mudança de horários. Esta é, na
verdade, egoísmo disfarçado de organização. Muito menos da ordem dos escravos da eficiência, que
sacrificam tudo em nome de certa produtividade ou sucesso em alguma área da vida. Falamos sim da ordem
como uma maneira de praticar melhor o amor.
Amar é querer bem, ou seja, querer de verdade e querer fazer o bem do outro, agradar a pessoa
amada. Amar também é dar; não apenas do que se tem, mas de si mesmo, é dar-se, é sempre doação. A
ordem nascida do amor traz estas duas ideias: nós a vivemos como um meio de realizar o bem na nossa vida
da melhor forma possível, a fim de agradar os outros e realizar concretamente a nossa doação.
Vejamos um segundo exemplo: certa pessoa, em um dado momento da sua vida, entendeu
verdadeiramente, como uma iluminação interior, a importância da conversa com Deus, da oração. Como é
possível – diz de si para si – amar a Deus e não falar com Ele, não ter momentos de intimidade. Antes,
pensava vagamente que a oração era uma coisa boa, e estava disposto a fazê-la – como tantos outros –
“quando tiver vontade”, “quando sentir” … Agora, quer mesmo fazer oração, e reserva para isso um tempo
diário, num horário fixo e determinado. Justamente porque “quer mesmo”, define um horário que garanta
esse seu querer. Com isto, já está começando a amar, e o seu amor será mais completo quando se
determinar a dar a Deus todos os dias, sem falta, esse pedaço do seu tempo – uns minutos de oração –, sem
ficar calculando se gosta ou tem vontade, pensando só em agradar a Deus.
A ordem e a disciplina não asfixiam o amor; pelo contrário, canalizam-no e o tornam efetivo. O amor
é a força das nossas almas para realizar o bem, e a ordem está a serviço desta força, jamais a substituirá.
As faltas de ordem são traiçoeiras. Parecem inocentes, coisa de nada, mas se tornam as nossas
infidelidades crônicas, e isto por um atraso, um descuido, um adiamento escorado em uma desculpa... cinco
minutinhos a mais na cama que podem significar não fazer oração, não viver a comunhão eucarística ou não
concluir o Rosário... e assim perdemos muito.

Como nós podemos realizar este nosso desejo de fazer as coisas bem e de fazer o bem? Fazendo a
nossa rotina diária. Não há vocação que se realize no improviso. Ter horários definidos para cada coisa que
desejamos realizar em nosso dia nos ajudará a sermos cada vez menos infiéis. E parar a cada dia, ou no dia
anterior, para pensar em tudo o que queremos e devemos fazer nos fará entender cada vez mais que nossa
vida possui um sentido, algo que espera a nossa realização, e não estamos apenas sendo levados pelos
acontecimentos. Somos chamados a colaborar para a realização das nossas próprias vidas.
Mais uma vez: Vocação que é vivida no improviso é vocação fadada ceder às infidelidades a cada dia.
É preciso se perguntar a cada dia: o que, com a graça de Deus, eu desejo realizar hoje? O que Ele espera de
mim?
Sem muitas desculpas, que tal colocarmos agora a mão na massa?
(Caro formador, entregaremos a cada irmão do Cenáculo um planner diário, para que possa fazer um
esboço de sua rotina, como uma espécie de “treinamento”. Nesta folha, existirão espaços para colocar as
atividades de cada horário. O objetivo é fomentar a cada um a descobrir na sua rotina horários em que
possam ser fiéis aos seus compromissos vocacionais, com um planejamento que não está livre de
imprevistos, obviamente, mas que poderá permitir que estes sejam minimizados e o dever de cada
momento possa ser realizado, conduzindo ao feliz “Tudo está consumado” de cada dia).

Você também pode gostar