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NASCER E CRESCER

revista do hospital de crianças maria pia


ano 2004, vol. XIII, n.º 4

Perturbações da Fala e da Linguagem

Cláudia Pedrosa, Teresa Temudo

RESUMO sequências do seu diagnóstico e orien- resposta já determinada. A área de Broca


O atraso da linguagem é um motivo tação tardios são diversas, com reper- localiza-se no lobo frontal e é uma área
frequente de referência a uma consulta cussões emocionais, cognitivas e a nível motora especializada no controlo da
de pediatria. As consequências do seu social(2), que se prolongam até à vida formação das palavras. Por fim, os sinais
diagnóstico e orientação tardios são adulta. Sendo a vigilância regular da são transmitidos para o córtex motor,
diversas e com repercussões que se criança uma função do pediatra ou do pré-frontal, que controla os músculos da
prolongam até à vida adulta. Ao pediatra médico de medicina geral e familiar, é fonação, os quais emitem a palavra (1,7).
cabe o papel de identificar as crianças necessário que estes estejam atentos A linguagem receptiva inclui a sen-
em risco ou com atraso da linguagem, para este problema de modo a poderem sação auditiva, a percepção e a com-
determinar a sua causa e orientar para identificá-lo o mais precocemente possí- preensão da palavra. A linguagem ex-
uma equipa multidisciplinar especializada vel. pressiva inclui a formulação da palavra,
nestes distúrbios, que efectuará uma O atraso da linguagem é um motivo o planeamento e o controlo motor da
avaliação pormenorizada do problema frequente de referência a uma consulta fonação e a articulação propriamente
bem como a sua abordagem terapêutica. de pediatria (1,6). Ao pediatra cabe o papel dita (6).
Os autores fazem uma revisão do de identificar as crianças em risco ou
mecanismo da comunicação oral, da com atraso da linguagem, determinar a
aquisição da linguagem, dos sinais de sua causa e orientar para uma equipa AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM
alarme, da classificação dos distúrbios, multidisciplinar especializada nestes A aquisição da linguagem (2,3,8,9,10)
das características clínicas dos principais distúrbios, que efectuará uma avaliação ocorre paralelamente à das outras áreas
distúrbios e do modo de actuação perante pormenorizada do problema bem como do desenvolvimento, influenciando e
um atraso da linguagem. a sua abordagem terapêutica (1,3,6). sendo influenciada por estas. A lingua-
Palavras-chave: Fala; linguagem; gem não deve ser avaliada isoladamente,
perturbações; atraso do desenvolvi- mas inserida na avaliação global do
mento; crianças. MECANISMO DA COMUNICAÇÃO desenvolvimento.
ORAL Alguns marcos do desenvolvimento
Nascer e Crescer 2004; 13 (4): 337-341
A linguagem é controlada pelo ajudam o pediatra a enquadrar a lin-
hemisfério não dominante, ou seja, nos guagem que a criança apresenta, numa
dextros é controlada pelo hemisfério idade cronológica média em que habitual-
INTRODUÇÃO esquerdo. A percepção da linguagem é mente uma criança normal apresenta o
A prevalência das perturbações da feita na área auditiva primária (no lobo seu padrão de linguagem e, deste modo,
fala e da linguagem é desconhecida (1, 2). temporal), que faz a recepção dos sinais permite uma comparação com os pares.
Estima-se que 1% das crianças chegam sonoros que codificam a palavra. A Contudo, existe uma variabilidade muito
à idade escolar com uma perturbação compreensão da linguagem é o passo grande dos limites da normalidade, pelo
grave da linguagem (1,3) existindo um seguinte e realiza-se na área de Wernic- que cada criança é um caso particular e
predomínio destas perturbações no sexo ke, que faz a interpretação da palavra, como tal uma vigilância regular pode
masculino (4). descodificando-a. Esta área está loca- tornar-se um meio útil e eficaz de segui-
Na realidade estes distúrbios são lizada na região póstero-superior do lobo mento e avaliação.
frequentemente sub-diagnosticados ou temporal. Posteriormente e ainda nesta O lactente, entre o terceiro e o sexto
diagnosticados tardiamente (5). As con- área, é formulada uma resposta, isto é, é mês de vida, palra em resposta à voz
determinada a palavra que vai ser dita. humana e entre os seis e os nove meses
Ocorre uma transmissão de sinais da balbucia. Entre os 10 e os 11 meses
Interna Complementar de Pediatria - Serviço de área de Wernicke para a área de Broca, começa a imitar sons e diz “mama” e
Pediatria - Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia
Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria - Serviço
através do feixe arqueado, e na última é “papa” ou outros dissílabos sem signifi-
de Pediatria - Hospital Geral de Santo António efectuado o planeamento motor da cado. Ao ano de vida diz a primeira

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palavra com significado e imita palavras risco e diagnosticar as que apresentam ge e do esfíncter velo-faríngeo (13). É
maiores de duas e três sílabas. atraso, para que seja possível efectuar exemplo uma rouquidão consequente a
A criança entre os 13 e os 15 meses uma intervenção precoce. Os sinais de uma laringite crónica.
apresenta um vocabulário de quatro a alarme devem alertar o clínico para este Como exemplo da disritmia temos
sete palavras e faz jargão, isto é, emite problema: falta de interacção adulto/ a gaguez, que corresponde a uma alte-
um conjunto de sons que não se indivi- criança a impedir a comunicação antes ração da fluência da fala.
dualizam em palavras, mas parece que dos oito meses (o que pode ser quantifi- A dislalia tem origem morfológica e
está a falar, imitando os sons entendidos. cado, sem utilizar a palavra, pelo contacto caracteriza-se por dificuldade em articular
Entre os 16 e os 18 meses diz 10 palavras, ocular), lactente que aos oito meses não os fonemas. Existe uma alteração intrín-
manifesta alguma ecolalia e um jargão balbucia, criança que aos 18 meses não seca da estrutura buco-línguo-facio-farín-
exuberante. Dos 19 aos 21 meses o diz qualquer palavra, aos dois anos não gea, ou seja da estrutura que sustenta a
vocabulário aumenta para 20 palavras e junta duas palavras ou não imita e não fonação (3). É exemplo a dislalia apresen-
cerca de 50% da sua fala é percebida tem jogo simbólico, aos três anos não faz tada pelas crianças com fenda palatina.
pelos estranhos. Dos 22 aos 24 meses frases ou apresenta uma fala ininteligível A disartria tem origem neurológica
(1) (3,8)
diz mais de 50 palavras, faz frases de . Em todas estas crianças é necessário e associa-se habitualmente a outras
duas palavras e deixa de fazer jargão. ponderar a referência a um especialista manifestações de incompetência dos
Nesta fase o jargão assume gradual- em linguagem para uma avaliação. órgãos fonatórios, como a sialorreia e
mente as características de uma verda- Na prática podemos considerar, alteração da deglutição (3).
deira linguagem. arbitrariamente, atraso na aquisição da As perturbações da linguagem
No terceiro ano de vida verifica-se linguagem se não diz qualquer palavra podem ser secundárias ou primárias,
um enriquecimento significativo do voca- aos 18 meses e se não faz frases aos 30 consoante se associam ou não a pro-
bulário. Entre os dois anos e os dois meses (3,8,12). blemas neuro-sensoriais que não
anos e meio diz 400 palavras (incluindo afectam directamente os órgãos da
nomes), faz frases de duas a três pala- fonação. As causas secundárias mais
vras, usa pronomes (eu, meu, tu, …) e CLASSIFICAÇÃO DAS PERTURBA- importantes são o atraso mental, a hipoa-
ocorre uma diminuição da ecolalia. Cerca ÇÕES DA FALA E DA LINGUAGEM cusia, o autismo e a privação psico-
de 75% da fala é percebida pelos Antes de abordar a classificação é social (3).
estranhos. Até aos 3 anos aprende a importante reter alguns conceitos (1,2). Há uma sobreposição significativa
usar o plural e o passado, sabe a idade Linguagem é o conhecimento do entre os grupos (1), sendo esta classi-
e o sexo, conta três objectos correcta- sistema simbólico usado na comuni- ficação um modo útil de ajudar o clínico
mente e faz frases de três a cinco pala- cação. a sistematizar os problemas.
vras. Cerca de 80 a 90% da fala é per- Voz é a coluna de ar com vibração A afasia resulta de lesão que ocorre
cebida pelos estranhos e usa a maioria pelo movimento do ar na traqueia e após o início do desenvolvimento da
das preposições (até, com, de, …). laringe. linguagem (geralmente após os dois
Entre os três e os quatro anos é Fala é o acto motor de comunicar anos) (3), pelo que é sempre adquirida.
capaz de construir frases de três a seis pela articulação de expressões verbais.
palavras, faz perguntas, conversa, relata Semântica é a compreensão do
experiências e conta histórias. Quase significado das ideias na conversação. PRINCIPAIS PERTURBAÇÕES
toda a fala é percebida pelos estranhos Pragmática é a adaptação do com-
no final do quarto ano de vida. portamento e regras da linguagem às Gaguez
Dos quatro aos cinco anos conse- situações sociais. A gaguez é uma perturbação da
gue fazer frases de seis a oito palavras, Sintaxe é a estrutura das frases. fala cuja etiologia é desconhecida, sendo
nomeia quatro cores e conta até 10 Do ponto de vista clínico, podemos prováveis os factores genéticos. Atinge
correctamente. dividir os problemas em perturbações da 1% da população e há um predomínio no
O desenvolvimento da linguagem fala e perturbações da linguagem (1). sexo masculino.
completa-se até aos 15 anos, todavia, é Estas últimas podem ser subdivididas Consiste na dificuldade em passar
possível evoluir linguisticamente mes- em primárias e secundárias (1,3). suavemente de fonema para fonema,
mo após essa idade, não havendo um As perturbações da fala podem sobretudo no início das frases e com as
limite (11). caracterizar-se por anomalia da voz palavras com mais de cinco letras, devido
(disfonia), do ritmo da fala (disritmia) ou ao prolongamento repetitivo ou cessação
da sua articulação (dislalia) (1,3,6). de um som, de modo involuntário. Ocor-
SINAIS DE ALARME A disfonia inclui qualquer alteração rem pausas e repetições de sílabas e
Apesar da existência de uma grande dos parâmetros vocais da qualidade do fonemas.
variabilidade na aquisição da linguagem, som (ressonância, tonalidade, intensi- É frequente haver algum grau de
é necessário rastrear as crianças em dade) e depende estruturalmente da larin- disfluência entre os três e os quatro

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anos, que não deve preocupar, sendo O défice auditivo adquirido após o se desenvolve mais lentamente que a
importante tranquilizar os pais. Também desenvolvimento da linguagem tem inteligência nos outros domínios cogni-
é normal haver algum grau de gaguez no menor efeito nas capacidades verbais, tivos. Verifica-se uma discrepância signi-
início do período escolar, o qual é transi- mas interfere na compreensão da lingua- ficativa entre a linguagem verbal e os
tório. Só quando persistente e progres- gem falada. A surdez pré-linguística tem domínios não verbais do desenvolvi-
sivo, em crianças com idade superior a um efeito marcado no desenvolvimento mento. Assim, para o seu diagnóstico é
quatro anos, e associado a sinais de luta da linguagem, mesmo quando diagnos- fundamental uma avaliação global do
(tensão muscular, “caretas” faciais e ticado precocemente, verificando-se a desenvolvimento, com discriminação do
movimentos do corpo) é que deve ser existência de um vocabulário pobre e quociente de desenvolvimento verbal e
considerado como um problema. Por sintaxe limitada. não verbal, e a exclusão das pertur-
vezes é responsável por uma evicção A surdez ou a hipoacusia são fre- bações da linguagem secundárias, mes-
social. quentemente diagnosticadas tardia- mo se coexistir uma causa secundária
Não afecta o cantar, agrava com o mente, isto é, após os dois anos. Dadas mas que é insuficiente para justificar a
stress e atenua com a distracção e quan- as capacidades não verbais serem nor- gravidade do problema de linguagem.
do falam em uníssono com outros. É mais mais, a criança surda é geralmente hábil Logo, é um diagnóstico de exclusão. A
frequente em crianças com perturbações em usar gestos e expressões faciais na sua causa é desconhecida.
do desenvolvimento da linguagem. interacção social, o que é um dos motivos Nesta perturbação a linguagem é
do diagnóstico tardio. atrasada do ponto de vista fonético,
Atraso Mental Deve-se suspeitar de défice auditivo sintáctico e semântico. Existem conco-
O atraso mental é a causa mais no lactente de cinco a seis meses que mitantemente vários distúrbios de articu-
frequente de perturbação da linguagem. não olha para a fonte sonora que está lação. Em relação a este aspecto, distin-
Há um atraso global do desenvolvi- fora do seu campo visual. É importante guem-se das perturbações da fala por
mento, bem como um atraso em todas salientar que o lactente surdo também serem mais graves, atingirem um largo
as áreas da linguagem. balbucia, pelo que o facto de ter palrado espectro de fonemas e pela dificuldade
O seu vocabulário e sintaxe são e balbuciado não exclui o diagnóstico de ser sobretudo na transição de fonema
pobres, sendo a articulação menos afec- surdez. para fonema e menos na pronúncia dos
tada. fonemas individualmente. Não são défi-
Afasia Adquirida ces fonéticos relativamente fixos, mas
Autismo Actualmente a principal causa são sensíveis ao contexto (as combinações
Um atraso grave da aquisição da os traumatismos craneo-encefálicos, em de sons são pronunciadas algumas vezes
linguagem ou uma regressão da lingua- virtude da diminuição das causas infec- e outras não) e que agravam com o
gem é frequentemente o sintoma de ciosas, nomeadamente da meningite. esforço mental.
apresentação do autismo. Apesar da lesão ocorrer após o início do Afecta todas as linguagens (oral,
O autismo caracteriza-se para além desenvolvimento da linguagem, a fala escrita, leitura dos lábios, gestual, Braille),
do atraso da linguagem, por um atraso não é fluente, sendo frequentes os défices o que prejudica enormemente a apren-
ou desvio do desenvolvimento social, minor da linguagem (ex: disartria, dizagem escolar. A memória verbal está
presença de rituais obsessivos, rotinas e diminuição do léxico e da sintaxe) e também afectada e existem vários graus
resistência à mudança. Não comunicam consequentes problemas escolares. de dificuldade no processamento auditi-
com gestos ou expressão facial e não Existem algumas diferenças em vo, visual e linguístico.
desejam comunicar. Os que têm alguma relação à afasia do adulto: a perda da Isabelle Rapin (14,15) subdividiu a
linguagem têm pronúncia aberrante (ex: fala espontânea ocorre mais frequen- perturbação do desenvolvimento da
tonalidade robótica). temente que no adulto, contudo a recupe- linguagem em seis subtipos (3,11,14,15).
Evitam o uso do pronome “eu” e ração da fala fluente é mais provável na A Perturbação da Produção Fonoló-
muitas vezes fazem uma utilização criança e os défices na compreensão gica caracteriza-se por uma fala escassa
invertida dos pronomes (ex: “teu” em vez são menos comuns (excepto quando a ou fluente mas com erros de sequência,
de “meu”). A semântica e a sintaxe estão lesão é bilateral). Quanto menor a idade, sendo por isso ininteligível; o vocabulário
diminuídas, bem como habitualmente a melhor é a capacidade de recuperação. e a compreensão são normais. Fazem
compreensão. A ecolalia persiste durante Os défices de compreensão resolvem numerosas substituições fonéticas, so-
muito tempo. mais rapidamente que os de expressão. bretudo nas tentativas de auto-correcção.
A Apraxia Verbal Congénita con-
Surdez Perturbação do Desenvolvimento da siste num distúrbio da expressão, sendo
Em qualquer perturbação da lingua- Linguagem a compreensão normal. Existe uma
gem é essencial o rastreio de surdez. As Também denominada afasia ou perturbação da programação dos movi-
principais causas de surdez são de disfasia do desenvolvimento. Caracte- mentos dos órgãos fonatórios na ausên-
origem congénita ou infecciosa. riza-se por uma inteligência verbal que cia de paralisia, pelo que resulta uma

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fala delapidada e laboriosa. Fazem uma Os passos fundamentais são a e à fala, pode dar indicação sobre a
produção correcta dos fonemas indivi- história e exame objectivo, o teste de compreensão verbal da linguagem. En-
dualmente, mas têm dificuldade na sua inteligência, uma avaliação da lingua- quanto a criança autista não presta
emissão sequencial. A sintaxe está tam- gem, uma avaliação da audição e meios grande atenção à fala, a criança com
bém afectada. complementares de diagnóstico con- défice auditivo está muito concentrada
No Síndrome Fonológico-Sintáctico soante cada caso (1,2,16). nos lábios e gestos do orador na tentativa
há um compromisso da formação de de comunicar, não prestando, por outro
sons e da sintaxe. O vocabulário e a História e Exame Objectivo lado, atenção aos sons. Outro dado a
compreensão são normais. As repetições A anamnese deve ser detalhada reter será o modo como é feita a comuni-
são difíceis e a fala telegráfica e ininte- procurando causas de lesão cerebral e cação em casa com os pais e se estes
ligível. Fazem igualmente substituições de surdez (kernicterus, infecção con- entendem a linguagem da criança. É
fonológicas. génita, otite crónica, …), problemas da importante a descrição dos pais. A fala
A Agnosia Verbal Auditiva é um linguagem na família e história familiar também deve ser avaliada através da
distúrbio da linguagem receptiva e ex- de atraso mental. descrição pela criança de imagens de
pressiva. A criança não apreende o No exame físico é de salientar o um livro infantil por exemplo.
significado da linguagem (ausência de exame da morfologia buco-línguo-facio-
compreensão verbal), logo há uma faríngea, com pesquisa de fenda palatina, Avaliação da Audição e da Inteligência
ausência da fala. Não descodifica a hipertrofia adenóide, má-oclusão dos A avaliação da audição (2) e do
fonologia mas descodifica os símbolos maxilares, malformações da orelha e quociente de inteligência (11) deve ser
visuais. Nos casos mais graves há outros sinais dismórficos. feita em todas as crianças.
agnosia auditiva além da verbal, se O exame neurológico deve focar a
também não têm percepção dos ruídos avaliação motora da esfera buco-línguo- Meios Auxiliares de Diagnóstico
ambientais. facio-faríngea, a pesquisa de síndrome Outros meios auxiliares de diagnós-
Na Perturbação Semântico-Prag- piramidal bilateral ou de movimentos tico poderão ser necessários, como o
mática a criança é fluente e faladora, involuntários, que possam alterar a coor- cariótipo e o teste genético para X-frágil
com sintaxe preservada, mas a com- denação motora dos movimentos da no rapaz com atraso mental. Os exames
preensão e o raciocínio verbal são esfera buco-línguo-facio-faríngea, o perí- deverão ser ponderados individualmente.
deficientes, pelo que a fala é estereo- metro cefálico e a avaliação auditiva.
tipada e tangencial (também denominado A avaliação do desenvolvimento e Orientação
Síndrome Cocktail Party). A semântica e do comportamento tem como objectivo Após o diagnóstico e uma avaliação
a pragmática estão diminuídas. integrar a linguagem da criança no con- etiológica do atraso de linguagem é
No Défice Léxico-Sintáctico a fala é texto do seu desenvolvimento global, necessário orientar devidamente a
escassa mas inteligível; a criança apre- devendo ser feita uma avaliação verbal e criança para um centro especializado ou
senta uma dificuldade em encontrar as não verbal. O comportamento da criança para uma equipa com elementos especia-
palavras com sintaxe imatura. As repe- poderá orientar para a presença de lizados em perturbações da fala e da
tições são incessantes. autismo ou de distúrbio de hiperac- linguagem, a qual deverá ser multidis-
Alguns autores (1) incluem no espec- tividade e défice de atenção associado. ciplinar, com inclusão do pediatra, neuro-
tro da perturbação do desenvolvimento pediatra ou pediatra do desenvolvimento
da linguagem os atrasos simples da Avaliação da Linguagem com experiência em linguagem, otorrino-
linguagem, que resolvem espontanea- É fundamental uma avaliação da laringologista, terapeuta da fala, tera-
mente ou com uma intervenção mínima, linguagem, com base na observação e peuta ocupacional, psicólogo e assistente
os quais são constitucionais. diálogo com a criança e através dos social. O especialista da linguagem fará
dados fornecidos pelos pais. A conduta uma avaliação profunda do problema,
de imitação nos jogos e as actividades nomeadamente do nível cronológico de
ABORDAGEM DO ATRASO DA LIN- não verbais são uma das formas de linguagem, do conteúdo sintáctico,
GUAGEM avaliar a linguagem, bem como a inter- semântico e de vocabulário da lingua-
Mediante uma criança com pertur- pretação da linguagem interior de uma gem, da articulação verbal, bem como
bação da linguagem ou da fala é neces- criança durante os jogos que necessitam uma avaliação de áreas relacionadas do
sário efectuar uma avaliação sistema- de conceitos verbais ou do desenho. O desenvolvimento como a leitura, a escrita
tizada e completa, a qual poderá não ser conhecimento da função dos objectos e e o cálculo, a avaliação da atenção e da
possível numa só sessão. O pediatra o objectivo dos jogos fornece indirec- integração visuo-motora (3).
deverá apoiar-se na colaboração de tamente informação sobre a linguagem
outras especialidades numa primeira não verbal da criança. O cumprimento
abordagem, nomeadamente da otorrino- de ordens verbais e gestuais, bem como
laringologia e da psicologia. a atenção que a criança presta aos sons

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PROGNÓSTICO characteristics of the main disorders and 12 - Billard C, Duvelleroy-Hommet C,


As perturbações isoladas da fala the management of the language delay. Becque B, Gillet P. Les dysphasies de
têm geralmente melhor prognóstico em Key-words: Speech; language; dis- développement. Arch Pediatr 1996 ; 3 :
relação ao rendimento escolar que as orders; development delay, children. 580-7.
perturbações da linguagem (1). A dislalia 13 - Faust R A. Childhood voice disor-
isolada, por exemplo, responde muito Nascer e Crescer 2004; 13 (4): 337-341 ders: ambulatory evaluation and opera-
bem à terapia da fala. A maioria das tive diagnosis. Clinl Pediatr 2003; 42:
perturbações do desenvolvimento da 1-9.
linguagem responde favoravelmente ao BIBLIOGRAFIA 14 - Rapin I, Allen D A. Síndromes in
tratamento, falando razoavelmente quan- developmental dysphasia and adult dys-
do chegam à idade escolar (1). Contudo o 1 - S Aneja. Evaluation of a child with phasia. In: Plum M, ed. Language com-
prognóstico depende de múltiplos facto- communication disorder. Indian Pedia- munication and brain. New York: NY
res, como a precocidade do diagnóstico, trics 1999; 36: 887-90. Raven Press, 1988: 57-75.
o tipo de perturbação ou perturbações 2 - Leung A, Kao C P. Evaluation and 15 - Rapin I. Physicians’ testing of chil-
presentes, o grau de défice das outras management of the child with speech dren with developmental disabilities. J
áreas do desenvolvimento, do apoio delay. Am Fam Physician 1999; 59 (11): Child Neurol 1995; 10 (S1): S11-5.
familiar e do tipo de assistência prestada. 3121-8. 16. - Mulas F, Morant A, Hernández S.
Um dos aspectos em que são mais 3 - Van Hout A. Troubles du langage. In: Actuación neuropediátrica ante el retraso
visíveis as consequências deste tipo de Lyon G, Évrard P, eds. Neuropédiatrie. del lenguaje. www.invanep.com/indexm/
distúrbios é o rendimento escolar. En- 2ª éd. Paris: Masson, 2000: 448-58. notas/6.htm
quanto a criança pré-escolar aprende a 4 - Gérard C-L. Troubles du langage
linguagem, a criança escolar usa a lingua- dans son développement – approche
gem para aprender (1). A aprendizagem neuropsychologique. Encycl Méd Chir, Correspondência:
tem repercussões por toda a vida de um Pédiatrie, 1993: 4-101-H-10. Cláudia Pedrosa
indivíduo. 5 - Ansel B M, Landa R M, Luethke L E. Serviço de Pediatria - Centro Hospitalar
Development and disorders of speech, de Vila Nova de Gaia
Em conclusão, dada a importância language, and hearing. In: Mc Millan J A, 223795051/Fax: 223796060
da capacidade de comunicação no DeAngelis C T, Feigin R W, Warshaw J Rua Dr. Francisco Sá Carneiro
desenvolvimento humano e tendo em B, eds. Oski’s Pediatrics – Principles and 4400 V.N. Gaia
conta que esta é uma função cognitiva Practice. 3th ed. Philadelphia: Lippincott «claudiampedrosa@yahoo.com»
superior, a avaliação da linguagem Williams & Wilkins, 1999: 768-82.
deverá ser efectuada como rotina em 6 - Guyton AC. Tratado de fisiologia
todas as consultas de saúde infantil. médica. Rio de Janeiro: Editora Guana-
bara, 1989.
7 - Brown J R, Darley F L, Gomez M R.
SPEECH AND LANGUAGE DISOR- Disorders of communication. Pediatr Clin
DERS North Am 1967; 14 (4): 725-48.
8 - Menkes J H. Textbook of child neurol-
ABSTRACT ogy. Philadelphia: Lippincott Williams and
Language delay is a frequent reason Wilkins, 1995.
of referal to a paediatric consultation. 9 - Wetherby A M, Goldstein H, Cleary J,
The consequences of its delayed Allen L, Kublin K. Early evaluation of
diagnosis and orientation are diverse children with communication disorders.
and with repercussions throughout adult Infants and Young Children 2003; 16 (2):
life. The role of the pediatrician is to 161-74.
identify the children in risk or with 10 - How does your child hear and talk?
language delay, to determine its cause American Speech-Language-Hearing
and to guide for a multidisciplinary team Association.
specialized in these disorders. This team www.asha.org/public/speech/develop-
will make a detailed and deep evaluation ment/child_hear_
of the problem as well as its therapy. 11 - Language and literacy development.
The authors discuss the anatomy of American Speech-Language-Hearing
the verbal communication, the acquisition Association.
of the language, the alarm signs, and the www.asha.org/public/speech/develop-
classification of the disorders, the clinical ment/lang_lit.htm

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