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Introdução
O funcionamento de uma língua obedece a regras que são internalizadas
pelo falante nativo desde o seu nascimento, à medida que esse falante se
comunica, produz e compreende essa linguagem. Contudo, como ocorre
esse processamento da linguagem? O papel da computação gramatical
é definir os mecanismos para que esses processamentos ocorram, além
de revelar as relações entre o acesso ao léxico e as interfaces semântica e
sintática. Para estudar essas relações, a psicolinguística analisa a linguagem
na prática, por isso a importância da teoria dos atos de fala: com essa
teoria, a linguagem falada e o contexto ganham destaque e direcionam os
estudos da pragmática. Assim, é possível aliar o conhecimento linguístico
à expressão linguística.
Neste capítulo, você estudará o papel da computação gramatical
para a produção e a compreensão da linguagem. Além disso, conhecerá
a teoria dos atos de fala e seu funcionamento, bem como a relação entre
conhecimento linguístico e expressão linguística.
2 Computação gramatical: ato de fala, intenção, conhecimento linguístico e expressão linguística
Até o surgimento da teoria dos atos de fala, para os filósofos e linguistas, as afirmações
serviam apenas para descrever um estado de coisas, sendo, portanto, verdadeiras ou falsas.
Computação gramatical: ato de fala, intenção, conhecimento linguístico e expressão linguística 7
Eu te perdoo.
Observe que que cada enunciado revela uma ação diferente, em contextos
diversos. Esses exemplos ilustram atos de afirmar, perguntar, pedir, desejar.
Esses são exemplos de atos de fala. Veja a definição de Austin (1990, p. 95):
Para saber mais sobre a teoria dos atos de fala, leia o livro How to do things with words
(1962), de John Langshaw Austin, traduzido para o português por Danilo Marcondes
de Souza Filho como Quando dizer é fazer. Palavras e ação (1990).
Você sabia que há muitos estudos sobre os verbos performativos? Acesse o link a
seguir para visualizar o exemplo de uma pesquisa realizada por Maciel (2008) sobre o
verbo performativo na linguagem legal.
https://qrgo.page.link/iqgPV
Ao longo dos estudos, Austin constatou que pode haver enunciados perfor-
mativos sem nenhuma palavra relacionada ao ato que executam. Um falante pode
dizer “Entregarei as provas amanhã” com a intenção de fazer uma promessa.
Observe que o verbo prometer não apareceu de forma explícita no enunciado; ele
está pressuposto. Esse é considerado um caso de performatividade implícita, ou
seja, quando a ação não é proferida diretamente. É o caso também de enunciados
como “Explique o conteúdo dessa mensagem”, pois não se sabe se o falante está
dando uma ordem ou fazendo um pedido, ou até mesmo pedindo um conselho.
Dessa forma, os atos de fala correspondem a casos em que a enunciação
de certas frases está associada à realização de ações. Alguns verbos têm a
propriedade de realizar ações, sendo chamados de performativos. Todavia,
além dessa característica do verbo, é preciso que esteja na primeira pessoa,
no presente e na voz ativa. Portanto, a análise dos atos de fala deve considerar
as formas linguísticas e as condições pragmáticas.
Em seus estudos, Austin distingue três níveis de fala, reelaborados por Searle
como: locucionário (ato de enunciar cada elemento que compõe a frase); ilocu-
cionário (ato que se realiza na linguagem); e perlocucionário (um ato que não se
realiza na linguagem, mas pela linguagem). No entanto, tanto Austin quanto Searle
não desenvolvem as questões sobre ato ilocucionário e perlocucionário; porém,
supõe-se que esses atos exigiriam um estudo sobre a interpretação dos atos de fala.
Em suma, a teoria dos atos de fala proporcionou uma contribuição sig-
nificativa para os estudos linguísticos, enfatizando a importância da análise
do contexto. Verificar quem fala, para quem fala, de onde fala, para que fala
é um passo importante para compreender os enunciados. Dessa forma, essa
teoria marca os estudos linguísticos, revelando que a linguagem também pode
ser vista sob o ponto de vista performativo e pragmático, menos descritivo.
10 Computação gramatical: ato de fala, intenção, conhecimento linguístico e expressão linguística
[...] para que um leitor leia e compreenda o que está escrito não basta decifrar
os sons da escrita nem é suficiente descobrir os significados individuais das
palavras. Um texto vive das relações entre as palavras e as frases em todos os
níveis linguísticos. Quando uma pessoa fala espontaneamente, constrói o que
vai dizer integrando todos esses elementos de tal modo que seu pensamento
seja expresso numa determinada língua, segundo as regras dessa língua, e
de forma coesa e coerente.
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AUSTIN, J. L. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
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Leitura recomendada
MACIEL, A. M. B. O verbo performativo na linguagem legal. In: CÍRCULO DE ESTUDOS
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nível em: http://www.ufrgs.br/termisul/files/file869218.pdf. Acesso em: 04 nov. 2019.