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DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

COORDENAÇÃO DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL E JORNALISMO

CADEIRA: METODOLOGIAS DE ANÁLISE DO TEXTO E


DO DISCURSO

1. TEXTO E DISCURSO
1.1. O que é um texto?
…………………………………………………….………. 03
1.2. Textualidade
………………………………………………………………….. 04
1.3. Estruturas, temática e informacional
…………………………………………..… 07
1.4. O texto como processo
semiótico……………………………………………….. 07

2. AS COMPETÊNCIAS COMUNICATIVAS
………………………………………...….13
2.1. Enunciação e discurso
…………………………………………………………..14
2.2. Actos de fala
……………………………………………………………….…..15

3. COMUNICAÇÃO E INTERAÇÃO
LINGUÍSTICA………………………………………..16
3.1. Tipos de comunicação
………………………………………………………..….16
3.2. Regras sociais do uso da língua
………………………………………………… 19
3.3. Adequação discursiva e intencionalidade comunicativa
………………………….… 22

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3.4. Deixis pessoal, temporal e espacial
…………………………………………...….. 23

4. A ANÁLISE DO DISCURSO: CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS


……………………..25
4.1. Dialogismo, Polifonia e Heterogeneidade do discurso
…………………………..…..46

5. DIACRONIA CRÍTICA DOS CONCEITOS DE DISCURSO E DE TEXTO


………………..... 54
5.1. O dever da palavra nas sociedades primitivas
………………………………. .….. 54
5.2. O discurso humano enquanto construção do/contra o poder
..…………………….. 59
5.3. Introdução à retórica
……………………………………………………...……. 55
5.4. Crise das sociedades orais e disseminação da cultura escrita
…………………….. .62
5.6. A passagem das estruturas míticas às estruturas discursivas da
cultura ocidental

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MANUEL DE APOIO AOS ESTUDANTES

Iº Ano - ISPOCAB
Benguela - 2023

Por:Domingos Januario Mateus,


Jornalista e Mestre em Ciências da Comunicação e Jornalismo

1. TEXTO E DISCURSO

A história do conhecimento não pode ser contada numa trajectória linear,


como algo que avança gradualmente, dimensionando a relação
homem-mundo por intermédio do mero acúmulo progressivo de saberes.
Com efeito, a constituição de novos paradigmas científicos impõe uma outra
dinâmica, qualquer que seja o campo de saber em que nos situemos.
De modo geral, as transformações sucessivas por que têm passado as
ciências demonstram irregularidades e rupturas, em vez de um movimento
contínuo e rectilíneo. Trata-se antes de novas perspectivas, que vêm
participar da cena, de opções teóricas diversas daquela em relação à qual
se produz uma ruptura ou do desejo de redimensionar o objecto de estudo.
Dito isto, é necessário observar que “o gesto inaugural” da chamada Análise
do Texto e do Discurso foi empreendido neste duplo sentido: a construção
de um outro olhar sobre as práticas do “linguajar” e o redimensionamento
do objecto de análise.

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1.1. O QUE É TEXTO?
O texto é uma unidade linguística superior à sentença formada por “uma
sucessão de unidades linguísticas constituída mediante uma concatenação
pronominal ininterrupta.” (Koch, 2006, p. 4). Uma vez materializada (por
isso, concreta), traduz-se por meio da fala ou por meio da escrita, estando
dotada, pois, de uma intencionalidade comunicativa e de uma intenção por
meio da relação enunciadora / enunciatário.

NIVEIS DE ARQUITECTURA INTERNA DO TEXTO

Mecanismos de Responsabilização enunciativa


(Coerência pragmática)
– Gestão de vozes
– Modalizações

Mecanismos de textualização
(Coerência temática – Processos isotópicos)
– Conexão
– Coesão nominal
– Coesão verbal

Infra-estrutura geral do texto


– Plano de texto
– Tipos de discurso (e as suas modalidades
de articulação: encaixe e fusão)
– Sequências (e outras formas de planificação)

A camada mais superficial envolve os mecanismos de responsabilização


enunciativa, a incluir os fenómenos de gestão das vozes no (ou do) texto e
a marcação das modalizações. Estes mecanismos contribuem para dar ao
texto a sua coerência pragmática.
A camada intermédia diz respeito aos mecanismos de textualização (ou
processos isotópicos), que abrangem fenómenos de conexão e coesão
nominal e verbal.

Finalmente, a camada mais profunda constitui a infra-estrutura geral do


texto e é composta pelo plano geral do texto, pelos tipos de discurso, pelas
sequências e outras for mas de planificação e pelas modalidades de

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articulação entre os tipos de discurso (encaixe e fusão). Cada uma destas
três camadas corresponde a um nível da arquitectura interna dos textos. A
distribuição em níveis visa dar conta da estruturação hierárquica da
organização dos textos e constitui uma distinção metodológica que se
assume, por isso, como parcialmente “artificial”.

1.2. TEXTUALIDADE

A textualidade corresponde a uma série de critérios que vão formar um


conjunto aparentemente desconexo de palavras em um todo conexo e
fluído denominado texto. A textualidade é formada por critérios semânticos
(coesão e coerência) e pragmáticos (intencionalidade, aceitabilidade,
situacionalidade, informatividade e intertextualidade) que darão fluidez e
sucessão lógica para um texto. Embora os critérios mencionados sejam um
tanto desconhecidos por seus nomes, a função que cada um estabelece é
fundamental para classificarmos um texto ou um aglomerado de palavras.
Afinal, um texto é uma unidade de palavras/frases/sentenças que, postas
em conjunto, formam um significado e produzem sentido ao leitor.

Dessa forma, um texto é uma unidade de sentido maior, utilizada pelas


pessoas para diversos fins, como a comunicação e a expressão.

● A textualidade é um conjunto de características que


tornam um texto de facto um texto e não apenas um
aglomerado de frases.
● A textualidade é formada por critérios semânticos (coesão
e coerência) e critérios pragmáticos (intencionalidade,
aceitabilidade, situacionalidade, informatividade e
intertextualidade).
● A textualidade é voltada para o texto, enquanto a
discursividade é direccionada ao discurso.
● O texto é o produto final da textualidade.

Os factores de textualidade podem ser divididos em dois grupos:

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❖ Grupo 1: os factores semânticos: voltam-se para o próprio texto,
isto é, os aspectos estruturais da língua. Eles são dois: a coesão e a
coerência. Ambos estão presentes no texto com o intuito de ajudar na
amarração das ideias apresentadas.

⮚ A coesão é a manifestação linguística da coerência. Refere-se a


como as ideias expressas aparecem encadeadas na superfície
textual. Sendo assim, é composta por uma série
de pronomes, artigos, elipses, concordâncias, tempos
verbais, conjunções etc.
Ex. Pedro acorda. Pedro escova. Pedro trabalha.

A frase acima está dentro dos critérios da língua e pode ser utilizada. No
entanto, ela não apresenta fluidez, devido à repetição do nome “Pedro” e à
falta de conexão entre as sentenças. Uma possibilidade de correcção seria:
Pedro acorda e, em seguida, escova os dentes para que, por fim, ele possa
ir trabalhar.
A sentença acima utiliza o conectivo “em seguida” para dar ideia de
continuidade e evitar repetições. Mais do que isso, o uso do pronome “ele”
evita que o substantivo “Pedro” se repita.

⮚ A coerência é o que faz com que o texto faça sentido para os


usuários, devendo, portanto, ser entendida como um princípio de
interpretabilidade, ligada à inteligibilidade do texto numa situação de
comunicação e à capacidade que o receptor tem para calcular o
sentido deste texto. Este sentido, evidentemente, deve ser do todo,
pois a coerência é global. (KOCH/TRAVAGLIA, 1992, p. 10). A base
da coerência é continuidade de sentidos entre conhecimentos
activados pelas expressões textuais. A coerência diz respeito ao nexo
entre os conceitos estabelecidos e à coesão.
Assim, coesão e coerência andam juntas. Quando se afecta uma, é
muito provável que a outra também seja afectada.
Ex. O computador desligou. A energia acabou.

A relação lógico-semântica é construída a partir da correlação entre o


computador desligado (consequência) e o facto de não haver energia
(causa). Essa conexão semântica só é possível através de uma
compreensão da coerência dos fatos. Para fins de comparação, uma
sentença como “o computador desligou. A bicicleta estragou” não apresenta

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nenhuma conexão entre ambas as acções, sendo consideradas isoladas.
Isso ocorre por não haver coerência entre as informações fornecidas.

❖ Grupo 2: os factores pragmáticos: Relacionam-se aos aspectos


extra-textuais, isto é, um conjunto de factores fora da língua, mas que
influenciam em sua produção.

⮚ Intencionalidade: Está direccionada ao protagonista do acto


comunicativo (aquele que fala ou escreve). Trata-se da disposição
e empenho de se construir um discurso coerente, coeso e com
grande capacidade de satisfazer determinada audiência. A
intencionalidade conforma as informações e o conhecimento prévio
que o autor tem para chegar a seu público.

⮚ Aceitabilidade: É o outro lado da moeda, isto é, está direccionada


para o receptor ou leitor do texto. Refere-se às expectativas com
relação ao texto: é um conteúdo coeso? É sobre algum assunto do
meu interesse ou que possa despertar meu interesse? Vai me
ensinar algo?

⮚ Situacionalidade: É voltada para o contexto no qual a situação


comunicativa está inserida. Ela se relaciona à adequação ou não
do contexto, pois ele pode influenciar no significado do texto. Um
texto inserido em contextos distintos pode produzir significados
completamente diversos.

⮚ Informatividade: Nesse factor, consideram-se as informações


prévias e as informações novas obtidas no texto. É preciso que
haja equilíbrio entre ambas, pois um texto que possui apenas
informações prévias não traz novidade ao leitor. Já um texto
somente com informações novas pode dificultar a compreensão de
uma leitura.

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⮚ Intertextualidade: É a chamada relação entre textos. Um texto
estabelece vínculos com outros por meio de citações directas ou
indirectas, isto é, ele pode retomar uma narrativa, um fato, uma
imagem ou gráfico, uma ideia ou um conjunto de frases/sentenças
presentes em outros textos, seja para afirmá-los ou refutá-los.

TEXTO E TEXTUALIDADE

O texto é o produto final do processo de textualidade. Noutros termos, se o


texto atende aos critérios de textualidade, ele pode ser considerado um
texto. Uma simples junção de frases desordenadas e sem nexo não
caracterizam um texto. É preciso verificar, primeiramente, se há coesão
(coerência, nexo). Em seguida, responder à pergunta: “O que pretende o
texto?”, ou seja, qual a finalidade de sua produção. Estamos falando da
intencionalidade. Aquele que escreve precisa pensar no seu leitor/receptor
e, nesse processo, deve haver adequação da linguagem e a “simulação” de
um possível leitor. Temos aqui o processo de aceitabilidade. Em seguida, o
autor precisa preocupar-se com o contexto em que o texto será escrito, isto
é, sua situacionalidade.
Uma discussão política por exemplo é diferente de uma discussão
desportiva. A informatividade está associada ao conteúdo pensado, a
quantidade de informação necessária para a compreensão básica do texto
e a intertextualidade é a ponte que o texto estabelece com outros.
A textualidade, portanto, determina o que é um texto e, se for o caso, se
ele é um bom texto. Assim, a textualidade corresponde a uma etapa do
processo de escrita.

TEXTUALIDADE E DISCURSIVIDADE
Se a textualidade determina os critérios para definirmos que uma escrita se
trata de um texto, a discursividade é o processo para definir um
discurso. Diferentemente do texto, o discurso é uma junção de elementos
linguísticos (textuais) com ideológicos (crenças e formação dos sujeitos)
atravessados pela história (contexto sócio-histórico). Assim, enquanto a
textualidade verifica elementos como coesão, coerência, intencionalidade,
situacionalidade, informatividade e intertextualidade, a discursividade é
responsável pelas relações ideológicas que os textos estabelecem com o
contexto histórico, as concepções e as crenças formadoras daqueles que
falam e as relações de poder entre emissor e receptor.

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1.3. ESTRUTURAS, TEMÁTICA E INFORMACIONAL DO TEXTO

A estrutura informacional abarca duas dimensões interrelacionáveis de


análise: o status informacional, que diz respeito ao carácter recuperável
(dado), acessível, inferível, articulante das unidades informacionais do texto
e da oração e a relevância informacional, que envolve o foco atribuído pelo
produtor textual. Para além de uma representação e de um intercâmbio, a
oração também consiste numa mensagem. Como mensagem, a oração
orienta-se a partir de duas pressões: a organização temática e a estrutura
informacional. Tomando como base o pólo do falante, tem-se o sistema de
organização temática. O tema consiste no elemento que o falante escolhe
como ponto de partida para a sua construção oracional. De um ponto de
vista cognitivo, possui a função de orientação ou perspectivização,
sinalizando possíveis ângulos ou pontos de partida/expansão do texto.

1.4. O TEXTO COMO PROCESSO SEMIÓTICO

A Semiótica (estudo dos significados) estuda como o indivíduo atribui


significado a tudo o que está ao seu redor. Os objectos de estudo
da semiótica são extremamente amplos, consistindo em qualquer
tipo de signo social, quer seja por exemplo no âmbito das artes visuais, da
música, cinema, fotografia, gestos, religião, moda, etc. Abrangendo as
linguagens verbais e não-verbais, a semiótica evidencia a parte psicológica
compreendida em diversas situações do nosso dia-a-dia, especialmente
pelo conhecimento empírico que temos. De maneira geral, essa técnica
busca entender o que cada objecto significa materialmente e
emocionalmente em nossas vidas.
O processo de análise semiótica proposto por Santaella (2015) está
dividido em três etapas principais, que buscam seguir a própria lógica
interna do signo: análise do fundamento do signo; análise da
referencialidade do signo; e processo interpretativo em todos os seus
níveis. Tudo o que existe pode ser analisado a partir da semiótica, visto que
para que algo exista na mente humana, esta coisa precisa ter uma
representação mental do objecto real. Esta condição já faz de tal objecto,
por exemplo, um signo que pode ser interpretado semioticamente.

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Quando o boom dos estudos semióticos emergiu nos anos 1960, suas
fontes vinham da linguística saussuriana e hjelmsleviana e o primeiro
campo a se expandir sob essa influência estruturalista foi o dos estudos
literários, especialmente a semiótica da narrativa, da poesia e do discurso
em geral. Do discurso verbal, estudado especialmente na semiótica
greimasiana, a semiótica se expandiu para outros sistemas de signos, tais
como cinema, pintura, música, arquitectura, comunicação de massa, moda,
culinária etc. O homem primordial contemplou os signos/objectos (um
pássaro, por exemplo) do seu entorno, como simples sensações
sinestésicas e, assim, povoou sua memória com diagramas dos objectos.
De modo icónico, a mente também aprendeu a imitar o canto desse pássaro
e em uma relação metonímica ligou canto e autor de modo, indicial. Assim,
a mente operacionaliza signos representantes diferentes dos objectos
representados e, desse modo, faz discriminações de objectos, discernindo
características individuais dos mesmos. É o instante de cognição de mundo.

ESTRUTURAS SIMBÓLICAS E SIGNIFICADOS FLUTUANTES

Nas raízes da cultura, ressaltam as configurações de ordem do sonho e do


jogo. As linguagens estruturam-se também como jogos de natureza
simbólica e operação comunicacional. E é na definição do simbólico como
forma preferencial de operações significativas que aparece a figura da
metáfora, ou melhor, do seu conjunto expresso pelas alegorias. As
narrativas são construções alegóricas que articulam as sequências e cenas
entre si, para, por sua vez, actualizar uma dada interpretação de réplica ou
simulacro que funcionam "como fonte de interpretação histórica, e que
assumem o carácter de documento, de "testemunho" (LYOTARD, 1996,
p.38). É uma forma de colocar em tela (em seus dois sentidos) conteúdos
responsáveis pela reinstalação permanente do novo ou do inusitado, quase
sempre potencializada pela mediação tecnológico no protagonismo dos
corpos e dos espaços. Em suma, ao reafirmar a linguagem como elemento
constitutivo das culturas, e sendo, ao mesmo tempo, seu meio de
expressão, alia-se à comunicação para que os significados em trânsito
circulem e executem a totalidade do processo comunicativo, relacional e
interactivo.

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SEMIÓTICA DA COMUNICAÇÃO

A importância do diálogo da semiótica com o campo da comunicação


cresce à medida que os desafios epistemológicos enfrentados pelo segundo
tornam-se cada vez mais evidentes. Isso porque a semiótica lida justamente
com a semiose, ou seja, com a transformação de um signo em outro, o que
implica a produção de novos sentidos e novas mensagens na cultura.
Assim, aquilo que se coloca como desafio para os estudos no campo da
comunicação consiste no ponto de partida da abordagem sígnica da cultura.
Para a semiótica, não se pode pensar um dado fenómeno, seja ele qual for,
sem que se considere a sua contínua transformação, e é justamente na
problematização sistemática desse devir que a semiótica tem contribuído
significativamente com os estudos no campo da comunicação.

A PERCEPÇÃO DO AMBIENTE ORGANIZADO COMO LINGUAGEM

A relação entre percepção e pensamento mostra-se mais clara em Kant e,


posteriormente em Peirce. Kant denomina sensibilidade e receptividade a
capacidade que a mente humana tem de receber representações na
medida em que é afectada de algum modo; em contra partida, para ele
entendimento ou espontaneidade seriam a faculdade que temos de produzir
representações (ROHDEN, 2002, p.133). Kant estabelece a relação entre o
corpo humano e os sinais do mundo por meio da tríade "ontológico, lógico e
psicológico", que, posteriormente, foram trabalhadas por Peirce para
estabelecer a tríade dos signos (PEIRCE, 2003, p.64 a 76). A partir da
acção humana, da técnica, modelam-se os objectos. Esses objectos são
depositários de informações que determinarão hábitos, gestos e são, ao
mesmo tempo, uma forma de solidificar os elementos que compõem a
cultura. Por serem portadores de informação ocupam a percepção,
tornam-se elementos sobre os quais projectam-se acções e desejos,
desenvolvem-se discursos operando como suporte de mensagens. O acto
de captar informação, além disso, é um ato contínuo, de actividade

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incessante e irrompível. De uma forma ou de outra, é possível pensar o
ambiente, fluxo contínuo constituído também pelos humanos, como um
fluxo de conexões entre diversas linguagens, separadas por meios
didácticos, mas conectadas porque assim se apresenta o ambiente.
Extrapola-se a noção do tridimensional ao pensar que o espaço se compõe
de som, de cheiro, de temperatura, de palavra, de volume, de matéria. E
hoje, cada uma delas tem um processo de representação. Para os
químicos, por exemplo, é possível criar uma representação de cheiro. Para
eles isso é bem claro, pois o cheiro acontece quando uma micro-partícula
de determinada espécie ou planta desconecta-se da sua origem e entra em
contacto com os neurónios especializados em capturar informações
olfactiva para a identificação do cheiro.
A PUBLICIDADE E A MÍDIA AMBIENTAL

Várias são as denominações utilizadas pelo mercado publicitário para


designar os diferentes formatos existentes de mídia exterior ou externa.
Outdoors, mobiliário urbano, mídia móvel, painel, front lights, back lights e
painel electrónico são apenas algumas delas. Tais designações levam em
conta, sobretudo, a natureza do veículo utilizado e os locais de veiculação,
tendo em vista critérios de exponibilidade e visibilidade em relação ao
público-alvo pretendido. Dessa perspectiva, o entendimento dos
significados gerados por essas peças parecem pressupor que eles estejam
restritos única e exclusivamente àquilo que está directamente inscrito nos
anúncios. Longe de serem excludentes, espaço urbano e cidade
tensionam-se e contaminam-se, de modo que apenas na relação entre
ambos seria possível apreender determinadas configurações,
caracterizadas por distintas visualidades, em que se observa a dominância
ora do urbano, ora da cidade. Dessa maneira, é pela delimitação da
fronteira semiótica (LÓTMAN, 1990, p. 136) estabelecida entre eles e a
publicidade que se reconhecem os traços que distinguem a "personalidade"
semiótica de cada um e, ao mesmo tempo, as trocas que efectuam entre si,
das quais resulta a diversidade compositiva da chamada mídia exterior e,
em particular, da mídia ambiental.

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É justamente esse carácter essencialmente mercantil do urbano que serve
de base para o funcionamento da mídia exterior, tal como ela é entendida
pelo mercado publicitário. A distribuição de outdoors ou outros formatos
publicitários pela cidade são determinados essencialmente pelos fluxos,
pelo poder aquisitivo daqueles que compõem esses fluxos e pela
exponibilidade proporcionada pelo local. Quanto a isso, são emblemáticas
as designações comummente utilizadas pelas empresas administradoras de
outdoors para determinar o custo de veiculação dos anúncios. Para tal, a
cidade é dividida em diferentes roteiros, identificados por meio do nome de
pedras preciosas, como diamante, safira, esmeralda etc.
Evidentemente, recebe o nome da pedra mais preciosa o ponto da cidade
economicamente mais valorizado. Nota-se, portanto, a presença de um
esquadrinhamento ulterior colocado pelo planeamento urbano sobre a
cidade, pois é com base nele que os roteiros de veiculação são delimitados.

AS ILUSTRAÇÕES JORNALÍSTICAS EM UMA ANÁLISE SEMIÓTICA

A tarefa de ilustração é exercida por profissionais com formação em artes,


jornalismo, publicidade, desenho industrial e arquitectura. Merece, no
entanto, ser vista como uma prática jornalística. A ilustração artística,
porém, pode também ser um tipo de hermetismo visual, o que estabelece
um tipo de analogia com essas redacções, exigindo maior esforço e
atenção dos leitores. A tendência é que as ilustrações apareçam em textos
opinativos. Nos textos informativos ou interpretativos, elas são
apresentadas quando as matérias tratam de assuntos que não propiciam
uma imagem fotográfica correspondente.
Há casos, quando, por exemplo, o assunto é uma doença, em que a
ilustração traz uma iconização de carácter mais ameno do que ocorreria
com uma foto, misturando aspectos da realidade com a artificialidade da

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arte. A ilustração é a afirmação da possibilidade de fazer arte no contexto
jornalístico, mesmo com os seus constrangimentos profissionais. É
interessante o fato de que os ilustradores são reconhecidos como artistas
quando saem do seu próprio meio e deslocam-se para as salas de
exposição. Nessas situações, eles passam a ser vistos, então, como quem
se dedica especificamente à arte.

QUE RELAÇÕES ESTABELECE O TEXTO COM O MUNDO

O texto discute as aproximações e os distanciamentos entre a História e a


Literatura a partir da História Cultural, desde uma abordagem
epistemológica a uma outra que trabalha a Literatura como uma fonte para
a História. São discutidas questões como a ficção, a veracidade e a
verosimilhança. Aborda ainda, como exemplo, uma possibilidade de
enfoque do século 19 a partir da Literatura para o resgate das razões e
sensibilidades que presidiram a construção das representações sobre o
mundo.

ANÁLISE DO TEXTO

O acto de analisar um texto implica a pesquisa e avaliação sobre os


elementos que o compõem, sua estrutura, suas partes, chegando a uma
classificação e a conclusões a respeito do seu significado, importância,
referências e conteúdo. A análise textual permite uma compreensão mais
aprofundada do texto e o estabelecimento de uma relação mais próxima
entre o leitor e o autor.

⮚ A ANÁLISE TEXTUAL é a primeira conexão com o texto. Nesse


primeiro contacto, embora rápido, o leitor realiza uma análise
preambular do conteúdo e da estrutura – tanto em termos visuais
quanto semânticos. Quando analisamos um texto, devemos ir além
dessas primeiras impressões. Logo de início, no primeiro contacto,
precisamos:

● Colher as impressões iniciais e identificar palavras e expressões


desconhecidas

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● Verificar o nome do autor, o tema da obra e o teor do
vocabulário utilizado
● Esquematizar as ideias que norteiam a obra e a narrativa,
identificando a forma com que o texto foi estruturado
● Identificar o contexto ao término da primeira leitura,
desenvolvendo uma visão geral sobre o tema abordado

⮚ ANÁLISE TEMÁTICA: Após o primeiro contacto com o texto (análise


textual), é preciso realizar uma análise temática. A temática do texto
compreende uma avaliação mais profunda do conteúdo. Nesse ponto,
precisamos tentar compreender qual a ideia global que o texto
pretende discutir ou transmitir. Somente desse modo conseguiremos
não apenas identificar onde o texto quer chegar, mas também até que
ponto obtém sucesso ao transmitir os conceitos que o autor pretendia
transmitir. Nesse ponto da análise, é muito útil realizar algumas
perguntas a respeito do conteúdo textual:

● O que é principalmente retratado no texto e qual a sua ideia


central?
● Como o autor se posiciona em relação à problemática que
pretende discutir, qual o seu ponto de vista e como ele o
aborda?
● Além do ponto central do texto, que outros tópicos secundários
reforçam ou complementam a ideia central?
● O que mantém a estrutura global e orienta sua a finalidade do
texto?

⮚ ANÁLISE INTERPRETATIVA: As duas primeiras etapas de análise


têm mais a ver com o conteúdo geral do texto e sua estrutura.
Contudo, na terceira etapa, a análise interpretativa, o objectivo deixa
de estar no emissor, ou seja, no autor da obra ou nela própria, e
passa a estar centrado no receptor. A análise interpretativa
preocupa-se com a forma com que o leitor de facto compreende o
texto e como ele estabelece (ou não) um diálogo com o autor. A
interpretação não subentende apenas a compreensão, mas um juízo
de valor em relação ao texto. A compreensão e interpretação
dependem não apenas do repertório do autor, mas também do
repertório do leitor. Afinal, as intenções e pontos de vista do autor
podem ser particulares, e quando submetidos a um leitor com uma

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cultura e visão completamente diferentes, poderão dar origem a
interpretações diversas. A análise interpretativa, em outras palavras, é
uma análise crítica e conceitual.

Por exemplo, um texto escrito no Brasil, quando traduzido, poderá


levar a interpretações diferentes no Japão. Essas diferenças de
tradução têm a ver com a forma – a análise inicial do texto. Por outro
lado, algumas interpretações diferentes não estarão relacionadas com
a tradução em si – mas sim com o facto do leitor japonês possuir
crenças e uma cultura totalmente diferentes. Isso dará origem a uma
interpretação completamente fora daquela pretendida pelo autor – e
mais crítica.

● Diferença entre análise e interpretação: A análise é um processo


que, ao menos em sua pretensão, é isento de pessoalidade. Na
análise de um texto, buscamos identificar até que ponto o autor foi
capaz realmente de transmitir as ideias que pretendia e com que
sucesso a temática é de fato desenvolvida, independente da visão
do autor. A interpretação é, por definição, algo mais pessoal. Ela
depende de características individuais do leitor e não está
relacionada necessariamente com a qualidade do texto. Textos bons
podem ser mal interpretados, e textos ruins nem tanto. A questão da
crítica na análise tende para algo mais técnico: forma, objectivos,
desenvolvimento dos temas. Não se trata de juízo – mas sim de uma
tentativa de avaliar o texto em seu valor produtivo.

2. AS COMPETÊNCIAS COMUNICATIVAS

A competência comunicativa é a capacidade do usuário da língua de


produzir e compreender textos adequados à produção de efeitos de sentido
desejados em situações específicas e concretas de interacção
comunicativa. Portanto, é a capacidade de utilizar os enunciados da língua
em situações concretas de comunicação. A competência comunicativa
envolve a competência linguística ou gramatical para produzir frases que
sejam vistas não só como pertencentes à língua, mas apropriadas ao que
se quer dizer em dada circunstância. Envolve também a competência
textual, vista como a capacidade do usuário de, em situações de interacção
comunicativa, produzir, compreender, transformar e classificar textos que se
mostrem adequados à interacção comunicativa pretendida, utilizando
regularidades e princípios de organização e construção dos textos e do
funcionamento textual, já que os textos são a unidade da língua em uso.

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Evidentemente, incluem-se aqui, na capacidade classificatória, o
conhecimento e a capacidade do uso do tipo e do género de texto
apropriado como instrumento para a interacção verbal que está
acontecendo.
Para além do que já é dado pelas competências linguísticas e textual, a
competência comunicativa acrescenta algo que tem a ver com a
competência discursiva, que contextualiza adequadamente o que se diz.
Nesse sentido, parece que se pode falar que a competência comunicativa é
constituída pelas competências linguística ou gramatical, textual e
discursiva. Alguns linguistas vêem uma equivalência entre a competência
comunicativa e a discursiva.

2.1. ENUNCIAÇÃO E DISCURSO

TIPOS DE DISCURSO (Traduzido de Bronckart (1997: 159)

Coordenadas gerais dos mundos


Conjunção Disjunção
EXPOR CONTAR
Discurso interactivo Relato interactivo
(conversa numa livraria; romance, (intervenção política
Implicação conversa, intervenção política, oral; romance)
Relação ao entrevista
acto Discurso teórico Narração
de produção Autonomia (monografia científica; dicionário; (romance, peça de
Exposições orais intervenções teatro)
científicas, pedagógicas, políticas,
manuais, editoriais, publicidades)

Todavia, na caracterização dos tipos de discurso, Bronckart não deixa de indicar o


género em que se inscrevem os exemplos apresentados, a saber:

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Msc.
Género de texto Tipo linguístico associado ao discurso interactivo
(características linguísticas observadas)

Alternância de turnos de fala Frases não declarativas


(interrogativas)
Entrevista Unidades que remetem ao espaço (deícticos espaciais) e ao tempo
(deícticos temporais)
Nomes, verbos e pronomes de primeira pessoa do singular e do
plural e de terceira pessoa do singular que remetem aos
protagonistas da interacção verbal (o entrevistado, em particular)
Frases não declarativas (imperativas)
Horóscopo Unidades que remetem ao tempo (deícticos temporais)
Verbos e pronomes de terceira pessoa do singular que remetem ao
destinatário do texto.
Receita de Frases não declarativas (imperativas) ; Verbos na terceira pessoa
cozinha do singular que remetem ao destinatário do texto
Boletim Unidades que remetem ao tempo (deícticos temporais)
meteorológico

2.2. ACTOS DE FALA

Os actos ilocutórios relacionam-se com a pragmática. Qualquer falante, na


sua produção linguística, faz uso de actos ilocutórios, por exemplo, uma
pergunta tem um teor ilocutório diferente de uma ordem, ou de um pedido.
Por sua vez, cada acto tem objectivos e forças de ilocução diferentes.
Notamos que um pedido e uma ordem têm o mesmo objectivo ilocutório;
tentar que o alocutário faça algo, contudo, estamos perante forças de
ilocução diferentes: a ordem é normalmente expressa pelo modo
imperativo, enquanto o pedido pode assumir a forma de uma pergunta ou
de uma frase complexa, cujo conteúdo da oração subordinada constitui o
pedido.

Tipologia dos actos de fala (e respectivos objectivos ilocutórios):

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Msc.
✔ Representativos: relacionam o locutor com o valor de verdade da
proposição expressa pelo enunciado.
Ex. «Eu aceito a avaliação contínua.»
✔ Directivos: tentam que o alocutário realize um acto que reflicta o
reconhecimento, por parte desse mesmo alocutário, do conteúdo do
enunciado proferido pelo locutor (Expressão de pedidos de
informação/confirmação com base em frases interrogativas;
dominadas por verbos de inquirição , como perguntar, interrogar,
inquirir, investigar, etc.);
Ex. «Exijo que se dê ouvidos a quem sabe o que diz.»
✔ Comissivos: comprometem o locutor a desenvolver uma acção
expressa no enunciado.
Ex. «Juro fazer tudo o que estiver ao meu alcance.»
✔ Expressivos: exprimem o estado psicológico do locutor sobre o estado
de coisas especificado no enunciado.
Ex: «Fico contente pela tua visita.»
✔ Declarações: Fazem com que um dado estado de coisas do mundo
coincida com o conteúdo do enunciado.
Ex. « (Declaro que) A sessão está aberta.»
✔ Declarações Representativas: realizam actos ilocutórios
representativos, com a força das declarações.
Ex. «Considero Fundamental que se dê ouvidos a quem sabe o que
diz.»
● Qualquer frase, ao ser enunciada, remete para a realização
de três actos: um acto locutório, um acto ilocutório e um acto
perlocutório.
O acto locutório: corresponde ao acto de pronunciação de
palavras e frases que veiculam determinado conteúdo
proposicional / mensagem.
Acto Locutório: Comportamento verbal governado por regras
que permitem a realização da intenção comunicativa.
Corresponde ao acto de pronunciação de palavras e frases
que veiculam determinado conteúdo proposicional /
mensagem.
Actos ilocutórios : Produz-se um enunciado e realiza-se uma
acção.

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Msc.
3. COMUNICAÇÃO E INTERAÇÃO LINGUÍSTICA
3.1. TIPOS DE COMUNICAÇÃO

A comunicação pode variar conforme o ambiente onde as pessoas se


encontram e, desse modo, define o tipo de relacionamento entre elas. O
relacionamento das pessoas pode ocorrer entre uma pessoa e outra,
consigo mesmo, entre membros de um grupo, entre grupos numa
organização. O relacionamento entre uma pessoa e outra (s) é chamado de
interpessoal. Como pessoa você pode relacionar-se consigo mesmo e,
assim, realizar uma comunicação interior: é a chamada comunicação
intrapessoal.
O relacionamento entre pessoas de um mesmo grupo no ambiente de
trabalho é a chamada comunicação organizacional. A comunicação
realizada entre as pessoas em diversas situações é a multipessoal. Saber
comunicar-se adequadamente em todas as circunstâncias é imprescindível
para a sobrevivência do ser humano. Por meio da comunicação, obtém-se
as informações, o conhecimento e o atendimento das necessidades
emocionais de atenção, consideração e reconhecimento. A importância da
comunicação não está necessariamente sobre a mensagem ou a
informação que se transmite, mas no que fazemos desse conhecimento.
O que somos capazes de realizar quando ouvimos as informações, as
interpretamos e as colocamos à nossa disposição ou as disponibilizamos
para terceiros, a fim de que façam uso dela: eis a razão principal da
comunicação.

TIPOS DE COMUNICAÇÃO:

● Comunicação não verbal: A comunicação não verbal consiste na


utilização de recursos como imagens, mímicas ou expressões faciais,
as quais possuem a função de transmitir uma informação completa
sem que seja necessário recorrer a palavras escritas ou verbalizadas.
● Comunicação visual: Comunicação visual é toda forma de transmitir
uma mensagem por meio de elementos visuais como imagens,
vídeos, gráficos e qualquer outro recurso que necessite da visão para
que possa ser compreendido.
● Comunicação social: A comunicação social é definida como uma área
que estuda as interacções sociais que acontecem na sociedade
promovidas por recursos tecnológicos, também é responsável por
analisar os fenómenos que incidem nos meios de transmissão da
informação e como esses fatos podem afectar a vida de um indivíduo.

20 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
● Comunicação organizacional: Comunicação organizacional é um
indivíduo direccionado para cuidar da idealização e gestão de toda
comunicação de uma determinada empresa, sendo ainda responsável
por adoptar estratégias comunicativas para melhorar a imagem da
marca no mercado e interagir com todos os seus diversos públicos.
● Comunicação interna: Comunicação interna é o compartilhar de
informações importantes dentro de uma empresa/ambiente, que tem
como principal objectivo promover a integração entre os sectores e
diminuir os possíveis erros gerados pelas falhas na transmissão de
informes.
● Comunicação integrada: Comunicação integrada é um conjunto
articulado de estratégias e acções de comunicação de empresa ou
outro tipo de organização com a finalidade de agregar valor à própria
imagem.
● Comunicação assertiva: Comunicação assertiva é um método
utilizado pelo coaching que procura reduzir ou eliminar as margens de
erro em um processo de comunicação, de forma que o receptor
receba do emissor a mensagem de modo claro e sucinto.

21 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
Numa perspectiva mais actual e mercadológica, sobretudo na relação
de comunicação e marketing , exaltamos a importância da comunicação
organizacional, tão primordial para qualquer corporação pública e privada
formada por variados colaboradores que visam objectivos comuns e
estabelecidos.
Uma comunicação organizacional estruturada engloba áreas como relações
públicas, propaganda e marketing corporativo, estratégias organizacionais
e comunicação interna e externa, sendo um ramo formado por profissionais
heterogéneos que trabalham para todo o público-alvo que a empresa
deseja alcançar. Parte essencial do processo de comunicação, é um
assunto disposto em muitos cursos a distância, como o Empresarial.

COMUNICAÇÃO ASSERTIVA
É primordial para líderes, gestores e pessoas que desejam aprimorar a sua
expressão verbal. É um método que visa trabalhar a comunicação de modo
claro, conciso e sem dar margem a erros, para que o emissor mantenha o
equilíbrio e a segurança com seus receptores e como forma também de
evitar conflitos. A linguagem assertiva expressa desejos, ideias e
sentimentos de forma directa e apropriada. O objectivo é comunicar.
A comunicação assertiva está directamente ligada com a inteligência social
de uma pessoa, a capacidade que ela tem se de se relacionar com os
outros, conquistando a confiança e colaboração da do interlocutor. Não é
uma tarefa simples ser assertiva.
A comunicação assertiva não se resume à fala apesar do item anterior ser
de extrema importância, uma dica de comunicação assertiva importante é
que assertividade engloba mais do que palavras. A expressão corporal é
um complemento essencial. Isso significa: prestar atenção aos gestos,
expressões faciais, postura e olhares.

22 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
● Todos possuem opinião, mas são vários os
profissionais que encontram barreiras na hora de se
expor. Seja solícito e actue como um intermediador.
Escute aqueles que precisam de ajuda, auxilie-os da
forma que estiver ao seu alcance incentive-os. A
confiança num líder no ambiente de trabalho dá-se
muito devido a essa disponibilidade de ajudar e
inspirar. A comunicação assertiva oferece a
possibilidade de ser a voz daqueles que não se sentem
confortáveis para tomar essa atitude. Aprenda a
entender o outro.

23 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


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MANDAMENTOS DA COMUNICAÇÃO ASSERTIVA

1. PREPARE-SE: Preparar-se é fundamental para atingir os objectivos na


comunicação verbal. Realizar um roteiro, escolher as palavras, preparar-se
emocionalmente, definir horário e local. Chegar antes, evitar atrasos,
transtornos ou qualquer tipo de situação que lhe faça iniciar a comunicação
com um pedido de desculpas. Essas são medidas essenciais para obter
êxito nas comunicações.
2. OIÇA: Ouça mais, dando a oportunidade de outros falarem e se
expressarem. Esteja atento e pronto para receber as informações. Busque
“ouvir” também o que o outro não fala, observando a sua expressão não
verbal (gestos corporais).
3. ESCLAREÇA: Esclarecer significa trazer clareza. Para isso, é importante
que você busque demonstrar suas ideias de forma que não fiquem dúvidas.
4. FALE A VERDADE: Fale sempre a verdade, mas seja cuidadoso neste
ponto. É necessário ter total atenção com a verdade que se fala. Dizer a
verdade não pode implicar em ser insensível, arrogante, cruel ou coisas
deste género. Existem situações em que dizer toda a verdade é
exactamente o erro.
Você chegaria numa reunião e diria ao profissional ao seu lado “você está
com mau hálito”? Creio que não. Portanto, não é tudo o que se pensa e que
se sente que deve ser transmitido.
Diga sempre a verdade, desde que ela contribua para o bem-estar ou para
a solução de um problema.
5. FAÇA A DISTINÇÃO ENTRE FACTO E OPINIÃO
Para contribuir com a assertividade, se faz necessário ter o entendimento
que um facto é diferente de uma opinião. Aconteceu o atraso na entrega
das actividades de um dos representantes da reunião. Tudo bem, isso é um
facto. Agora dizer que este representante não está engajado com o projecto
e por isso houve o atraso, caracteriza uma opinião. E esta opinião, muitas
vezes pode não ser condizente com a realidade que o facto apresenta. É
imprescindível que haja cautela na interpretação de factos e opiniões.

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Msc.
6. GERENCIE EMOÇÕES: O ambiente de uma conversa diz muito sobre
como ela será. Nesse aspecto, um dos pontos que mais interferem na
assertividade da comunicação é o controlo da emoção das pessoas
envolvidas neste processo. Um ambiente agressivo e que causa
intimidação, certamente irá mexer com as emoções de todas as pessoas
que estejam envolvidas num diálogo. Por isso é importante gerenciar o
emocional de todos aqueles que estão participando. A melhor estratégia é
preservar ao máximo o emocional de todos os envolvidos.
7. FALE DE DENTRO PARA FORA: Não fale dos outros, fale de você e dos
seus sentimentos. Existe uma grande diferença entre dizer “você está me
prejudicando” e “estou me sentindo prejudicado”. Você concorda que são
duas maneiras distintas de dizer a mesma coisa? Uma delas é um
julgamento e a outra é a expressão de um sentimento. Para a comunicação
assertiva, é importante que você fale de dentro, ou seja, fale partindo de si
próprio e não do outro e isso também implica ater-se ao objecto da
discussão e não à pessoa envolvida.
8. SEJA BREVE E CLARO: Vá directo ao ponto e coloque a sua opinião
sem rodeios. Ser objectivo implica directamente na assertividade da
comunicação verbal. Trabalhe a sua capacidade de síntese e busque ir
directo aos pontos mais importante do assunto que está em pauta. Falar
muito e dizer pouco pode te colocar em um contexto de descrédito em um
diálogo, podendo até dispersar a atenção de quem te ouve. Tenha o
máximo de objectividade, sempre falando o que é importante.
9. MANTENHA O FOCO NA SOLUÇÃO DO PROBLEMA: Evite falar sobre
coisas que não agregam ao diálogo. Tecer comentários aleatórios que não
estão de acordo com a pauta que está sendo tratada, pode ser um
problema e isso certamente irá afectar a assertividade da sua expressão
verbal. Evite as famosas “brincadeirinhas” e procure falar sempre daquilo
que é necessário para a solução do problema em questão, evitando desviar
o foco do tema que deve ser tratado.
10. FAÇA O CLOSURE (ENCERRAMENTO): Este é um dos itens mais
importantes de todos os mandamentos. Realizar o encerramento do tema,
certificando-se de que todos os envolvidos na conversa entenderam o que
foi tratado, é imprescindível para evitar problemas futuros. Um bom exemplo
da falta do correcto encerramento é quando o casal termina um
relacionamento apenas dizendo “vamos dar um tempo”. O que isso de facto
significa? Por quanto tempo?

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Msc.
Um discurso desse não finaliza o tema com a clareza necessária para a sua
compreensão. Ao final do diálogo, repasse aquilo que foi acordado ou
tratado utilizando termos como: “Então deixamos claro que (...)”, “Após o
nosso diálogo, fica acordado que (...)”. Isso irá colaborar para que não haja
dúvidas remanescentes e tudo o que foi tratado seja absorvido pelos
participantes, portanto, encerre o tema de um modo que não deixe questões
pendentes ou qualquer coisa que não seja compreendida.

3.2. REGRAS SOCIAIS DO USO DA LÍNGUA

A língua, na concepção da sociolinguística, é intrinsecamente heterogénea,


múltipla, variável, mutante, instável e está sempre em desconstrução e
reconstrução. Ao contrário de um produto pronto e acabado, a língua é um
processo, um fazer-se permanente e nunca concluído. É uma actividade
social, um trabalho colectivo, produzido por todos os seus falantes, cada
vez que eles se interagem por meio da fala ou da escrita. Nenhuma língua
permanece uniforme em todo o seu domínio e ainda num só local apresenta
um sem-número de diferenciações de maior ou menor amplitude. Porém
estas variedades não prejudicam a unidade da língua ou a consciência
daqueles que a utilizam como instrumento de comunicação ou emoção.

Existem tantas variedades linguísticas quantos grupos sociais que


compõem uma comunidade de fala. Essa variação pode acontecer de
formas diferentes, até mesmo dentro de um único grupo social. Porém, ela
não é aleatória, fortuita ou caótica, pelo contrário, apresenta-se organizada
e condicionada por diferentes factores. Essa heterogeneidade ordenada
tem a ver com a característica própria da língua: o fato de ela ser altamente
estruturada e, sobretudo, um sistema que possibilita a expressão de um
mesmo conteúdo informacional por meio de regras diversas, todas,
igualmente, lógicas e com coerência funcional. É um sistema que
proporciona aos falantes todos os elementos necessários para a sua plena
interacção sociocultural. A variedade de uma língua que um indivíduo usa é
determinada por quem ele é. Todo falante aprendeu, tanto a sua língua
materna como uma particular variedade da língua de sua comunidade
linguística e essa variedade pode ser diferente em algum ou em todos os

26 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
níveis de outras variedades da mesma língua, aprendidas por outro falante
dessa mesma língua. Tal variedade, identificada segundo essa dimensão,
chama-se dialecto. Nenhuma língua permanece estática. Ela apresenta
variedades geográficas, sociais e individuais, já que o falante procura
utilizar o sistema idiomático da melhor forma que convém. Com essas
diferenciações não há prejuízo na unidade da língua, o que existe é a
comunicação. Na comunicação existe algo comum para o emissor e o
receptor que lhes facilita a compreensão. Esse elemento é a norma
linguística que ambos os interlocutores adquirem da comunidade. A norma
é instável, pois está presa à estrutura político-social e pode mudar no curso
do tempo se o indivíduo mudar de um grupo social.

A fala é a imagem de uma norma e varia de usuário para usuário. Dessa


forma, é uma ilusão acreditar que a língua possa um dia parar, pois ela é a
imagem e a voz de um povo. Uma língua, seja ela qual for, tem a função de
permitir a comunicação entre os indivíduos. Essa é sua função primordial.
Há uma relação directa e indissolúvel entre sociedade e língua ou a
linguagem e sociedade, que não permite que se pense em indivíduos
vivendo conjuntamente sem o estabelecimento de comunicação entre si e,
da mesma forma, não é possível a comunicação sem que haja uma
convenção social a respeito dessa comunicação, o que chamamos de
língua.

A LINGUAGEM E A COMUNICAÇÃO SÃO INERENTES.

A linguagem e a comunicação por meio de uma língua são, portanto,


actividades estritamente humanas. A facilidade com que uma criança
adquire sua língua materna é algo quase inexplicável, levando em
consideração a complexidade de uma língua. Em aproximadamente três
anos, adquire-se um conjunto razoavelmente grande de palavras, aliado às
regras de uso da língua, as chamadas regras da gramática dos usuários de
uma língua, algo que permite que se estruturem frases coesas e coerentes,
ou seja, que permite que se diga “O bebé está com fome” em vez de “Fome

27 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
bebé com está”, uma operação que parece simples, mas que possui uma
grande complexidade, mesmo para adultos que tentam adquirir uma
segunda língua. Além dessa facilidade na apreensão das estruturas e do
léxico (palavras), some-se a isso a estruturação, por parte da criança, de
frases nunca ouvidas, demonstrando sua capacidade criativa e não
somente reprodutiva, provando que o ser humano possui uma estrutura em
seu cérebro capaz de criar e modificar a língua. É essa capacidade única
que coloca o homem como espécie central do planeta terra, essa
capacidade de se organizar em sociedade e se comunicar que faz do ser
humano, um animal capaz de exercer domínio sobre outras espécies e
permite-lhe, dentre outras coisas, o desenvolvimento e a manipulação de
objectos, o que o torna tão diferente das demais espécies. O que permite a
esse ser alterar o seu meio e traçar o seu destino, mas, por outro lado, o
que lhe permite galgar a própria destruição.

A IMPORTÂNCIA DA LÍNGUA NO CONTEXTO SÓCIO-CULTURAL DO


MUNDO

A vida das pessoas está intimamente associada ao processo de


comunicação e aprimoramento da capacidade comunicativa que
acompanha a própria evolução humana. À medida que amplia o seu
relacionamento com o mundo, o ser humano aperfeiçoa e multiplica a sua
capacidade de comunicação, envolvendo palavras, sons e imagens. Textos
verbais e não-verbais interagem e contribuem para a representação oral e
escrita das sociedades. A língua é um código desenvolvido para a
transmissão de pensamentos, ideias e interacção entre os indivíduos.
Dessa forma, a língua pertence a todos os membros duma comunidade e
nenhum deles isoladamente. Assim, como a língua é um código aceite,
convencionalmente, por toda uma comunidade, um único indivíduo não é
capaz de criá-la ou modificá-la. Em razão dos costumes, das gerações, dos
processos políticos, dos avanços sociais e tecnológicos, uma língua evolui,
transformando-se historicamente. Por exemplo, algumas palavras perdem
ou ganham fonemas, outras deixam de ser utilizadas, novas palavras
surgem, de acordo com as necessidades, sem contar os “empréstimos” de

28 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
outras línguas com as quais uma dada comunidade mantém contacto.
Então, a língua constitui, pois, um código mutável que integra as relações
humanas e que, ao mesmo tempo em que sofre modificações, participa das
mudanças nas sociedades. Esse património social é responsável pela
possibilidade de se preservar o conhecimento e de transmiti-lo a outras
gerações no correr do tempo.

É por meio da linguagem que as sociedades perpetuam suas histórias


escritas. Sem a linguagem o mundo seria um imenso vazio. Observa-se,
uma estreita relação entre linguagem e a cultura. Uma é expressão da
outra. Essas duas entidades possuem uma relação tão ampla e complexa,
que abrange desde a consideração de que as estruturas linguísticas
possam edificar-se, a partir de uma situação cultural, até a afirmação, em
sentido contrário, de que os costumes linguísticos, de determinados grupos,
tenham moldado, fundamentalmente, a cultura desses povos, ou seja, a
linguagem modifica a cultura e esta modifica aquela. Essa relação
intrínseca entre língua, cultura, sociedade, constitui arranjo fundamental nas
actividades quotidianas das nossas vidas. Dessa forma, as mudanças
ocorrem, tanto na cultura quanto na língua, seja por eliminação, acréscimo
ou modificação de elementos. Não é uma coisa voluntária, acontece sem
que se perceba, de forma ininterrupta. Assim, as pessoas reestruturam
aspectos linguísticos e valores morais, por exemplo, muitas vezes, sem
perceber, mas, para tristeza de muitos, ninguém, isoladamente, modifica
uma língua. Ela pertence ao conjunto de falantes e responde por seus
comportamentos sociais, culturais, morais, éticos.

3.3. ADEQUAÇÃO DISCURSIVA E INTENCIONALIDADE


COMUNICATIVA

A linguagem não é uniforme, sofrendo variação de acordo com o assunto,


interlocutor, ambiente e intencionalidade – factores que se referem à
adequação linguística. Os níveis de linguagem e de fala são determinados
por alguns factores:

29 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
⮚ O interlocutor: Os interlocutores (emissor e receptor) são parceiros na
comunicação, por isso, esse é um dos factores determinantes para a
adequação linguística. O objectivo de toda comunicação é a busca
pelo sentido, ou seja, precisa haver entendimento entre os
interlocutores, caso contrário, não é possível dizer que houve
comunicação. Por isso, considerar o interlocutor é fundamental.
Por exemplo, um jornalista não pode usar a mesma linguagem com
um camponês e com um engenheiro agrónomo, logo, escolher a
linguagem pensando em quem será o seu parceiro é um factor de
adequação linguística.

⮚ Ambiente: A linguagem também é definida a partir do ambiente, por


isso é importante prestar atenção para não cometer inadequações. É
impossível usar o mesmo tipo de linguagem entre amigos e num
ambiente corporativo (de trabalho); num velório e num campo de
futebol; ou, ainda, na igreja e numa festa.

⮚ Assunto: Semelhante à escolha da linguagem, está a escolha do


assunto. É preciso adequar a linguagem ao que será dito, logo, não se
convida para um chá de bebé da mesma maneira que se convida para
uma missa de 7º dia. Da mesma forma que não haverá igualdade
entre um comentário de um falecimento e de uma equipa de futebol
que foi relegada ao escalão secundário. É preciso ter-se o bom
senso no momento da escolha da linguagem a usar de acordo com o
assunto.

⮚ Relação falante-ouvinte: A presença ou ausência de intimidade entre


os interlocutores é outro factor utilizado para a adequação linguística.
Portanto, ao pedir uma informação a um estranho é adequado que se
utilize uma linguagem mais formal, enquanto para parabenizar a um
amigo, a informalidade é o ideal.

⮚ Intencionalidade (efeito pretendido): Nenhum texto (oral ou escrito) é


despretensioso, ou seja, sem pretensão, sem objectivo, todos são
carregados de intenções. E para cada intenção existe uma forma de
linguagem que será compatível, por isso, as declarações de amor são

30 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
feitas diferentes de uma solicitação de emprego. Há maneiras
distintas para criticar, elogiar ou ironizar. É importante fazer essas
considerações.
A noção de intencionalidade aplica-se a um sujeito que tem a intenção
de fazer algo ou querer que algo seja o caso.

3.4. DEIXIS PESSOAL, TEMPORAL E ESPACIAL

Dêixis significa “mostrar, demonstrar, apontar ou indicar”, a partir da qual


deriva o adjectivo “deíctico”. Em linguística, deícticos são os elementos que
contribuem com a coesão e articulação textuais, como os pronomes
pessoais e demonstrativos, os tempos verbais, os advérbios de tempo e
lugar e uma infinidade de outros recursos linguísticos. Nos actos
comunicativos, os elementos deícticos localizam e identificam pessoas,
objectos, eventos aos quais nos referimos no momento da enunciação.
Estes elementos contribuem para a coesão textual estabelecendo uma
relação de sentido entre suas partes. Nesse sentido, os elementos deícticos
também são definidos como os elementos linguísticos que indicam os
participantes de uma situação enunciativa, o lugar ou o tempo em que
determinado enunciado é produzido.
A referência deíctica é objecto de estudo da Pragmática, área da Linguística
que analisa a relação entre o significado das palavras, os interlocutores e o
contexto da interacção verbal. Para além disso, os elementos deícticos
enriquecem o sentido do texto, pois evitam a repetição desnecessária de
palavras e asseguram uma ligação entre os elementos que ocorrem na
superfície textual, fazendo referência ao contexto da enunciação,
constitutiva do sentido dos enunciados.

Repare:

A Ana e o António foram passear ontem no zoo de Lisboa. Eles ficaram lá


uns trinta minutos e depois foram embora.

(Neste enunciado há três elementos deícticos em evidência. O primeiro é o Advérbio de


Tempo “ontem”, responsável pela delimitação temporal; o segundo é o Pronome Pessoal
“eles”, o qual retoma e substitui o sujeito composto da primeira oração “Ana e António”,
evitando a repetição dos termos; o terceiro é o Advérbio de Lugar “lá” que, da mesma
forma, retoma e substitui o complemento verbal “ Zoo”, evitando sua repetição).

31 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
TIPOS DE ELEMENTOS DEÍTICOS

Os elementos deícticos podem ser: de pessoa, de tempo, de lugar, de


discurso e social:

1. Dêixis de Pessoa: Corresponde aos termos que remetem às pessoas do


discurso, ou seja, aquelas que participam do acto comunicativo. Esses
elementos referem-se ao próprio locutor e ao seu interlocutor e podem ser
representados pelos pronomes pessoais do caso recto de 1.ª e 2.ª pessoa:
eu, tu, nós, vós, pelos pronomes pessoais oblíquos me, te, nos, vos,
pelos pronomes possessivos de 1.ª e 2.ª pessoa: meu, teu, nosso, vosso e
também pelos vocativos.

2. Dêixis de Tempo: A dêixis temporal delimita o momento da enunciação,


representados, principalmente pelos Advérbios de Tempo.

3. Dêixis de Lugar: A dêixis espacial delimita o lugar/espaço de enunciação,


representados pelos Advérbios de Lugar, como aqui, aí, lá, acolá, ali etc.

4. Dêixis de Discurso: A dêixis discursiva é representada pelos pronomes


que remetem a uma parte do texto, como as expressões: “no capítulo
seguinte”, “a seguir”, “no trecho acima”, “na ilustração abaixo” etc.

5. Dêixis social: A dêixis social são expressões utilizadas para designar os


papéis sociais desempenhados pelo locutor ou pelo seu interlocutor e
o status decorrente desses papéis, como os pronomes de
tratamento “Senhor”, “Senhora”, “ Mestre”, “Excelência”, “ Doutor”, “
Doutora” , “Sua Santidade” e outras formas de tratamento.

4. ANÁLISE DO DISCURSO
4.1. DISCURSO

O conceito de discurso é muitas vezes equivocadamente usado como


sinónimo de pronunciamento, de texto formal. Não há nenhum problema em

32 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
se usar a palavra ‘discurso’ para nomear pronunciamentos. Quando
analisamos o discurso político, verifica-se que esta é uma tentativa de fixar
sentidos, que têm a urgência como condição e durante as campanhas
eleitorais esta urgência é ainda mais fácil de ser verificada. Um discurso é
um conjunto de enunciados. Brandão (1994) encontra quatro características
constitutivas do enunciado:

- referencial: é a condição de possibilidade do aparecimento,


diferenciação e desaparecimento dos objectos e relações que são
designados pela frase.
- relação com seu sujeito: a análise de discurso não deve ser
encarada como aquilo que está ligado ao sujeito que constituiu, mas
sim pela dispersão dos enunciados que preenchem os sujeitos
expostos ao discurso.
- domínio já existente no conjunto de enunciados: não existe
enunciado livre e independente, “mas, sempre um enunciado fazendo
parte de uma série ou de um conjunto, desempenhando um papel no
meio dos outros, apoiando-se neles e se distinguindo deles: ele se
integra sempre em um jogo enunciativo”. (BRANDÃO, 1994, p.30).
- condição material: a função enunciativa depende do contexto em que
está inserido, ou seja, os enunciados existem e estão à disposição
dos sujeitos (jornalistas), podem ser utilizados de diversas formas
para expressar aquilo que se quer dizer. Os signos, por si só já estão,
em alguns momentos, condicionados a atender os interesses de
enunciação.

Cabe ao indivíduo, portanto, construir suas ideias com base nos vários
enunciados que existem, podendo ou não tomar uma posição diante deles.
Esta relação se estabelece pela utilização dos enunciados de forma
combinada, dando origem às formações discursivas e ideológicas.

O discurso, em suma, é a construção da linguística que está ligada


directamente ao contexto social atrelado pelo texto elaborado. Dessa forma,
ideologias vigoradas num dado discurso, são determinadas directamente
através do contexto político-sócio-cultural em que o autor vive. A formação
discursiva e a formação ideológica, são dois elementos que interagem para
formar um dos elementos fundamentais para a construção do discurso. As
formações ideológicas é que definem a formação discursiva, uma vez que o
sujeito constrói o discurso seleccionando os recursos que a língua oferece.
E isto tem a ver com as condições em que ele produz. “São as formações

33 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
discursivas que, numa formação ideológica específica e levando em conta
uma relação de classe, determinam ‘o que pode e deve ser dito’ a partir de
uma posição dada numa conjuntura dada.” (BRANDÃO, 1994, p. 38). A
formação discursiva envolve dois tipos de funcionamento:

a) paráfrase: mecanismo de fechamento, de delimitação das fronteiras


de uma formação discursiva.

b) pré-construído: é o que no enunciado já está lá, onde o sujeito que


lê já constrói no imaginário o que se quer dizer. As formações
discursivas devem ser encaradas pela análise do discurso (AD) sob
um ângulo que demonstre seu carácter heterogéneo. Toda formação
discursiva é definida a partir de seu interdiscurso. Um conjunto de
formações discursivas de todos os tipos e que interagem numa dada
conjuntura formando um universo discursivo.

Em Ordem do Discurso, Foucault descreve o discurso, como uma


construção das características provindas da sociedade de convívio.
Segundo o linguista francês, a sociedade será a promotora principal do
contexto do discurso a ser analisado. É ela que será a formadora da base
que erguerá a estrutura textual. Dessa maneira, todo e qualquer elemento
que fará parte do sentido do discurso estará atrelado à sociedade.
Importante relembrar, para tanto, que um texto só pode ser denominado
como tal quando a mensagem for correspondida pelo receptor. É necessário
que o sentido seja concreto e condizente aos conhecimentos do receptor
para, assim, compreendê-lo. É esta a essência da Comunicação: Emissão –
recepção - compreensão.
Para conquistar a recepção do público-alvo é fundamental que o emissor
integre o contexto de vida e sociedade do (s) indivíduo (s). Isso faz com que
a mensagem do emissor seja mais próxima e possa ser compreendida de
maneira mais fácil pelo receptor.

O objectivo do discurso é pontual: transmissão de mensagem com intuito de


atingir um objectivo por meio de interpretação do público-alvo.

● Os meios de comunicação, graças ao avanço da tecnologia,


ocupam lugar de destaque nas sociedades contemporâneas,
cumprindo o papel de formadores. Configuram-se através dos
discursos a serem constituídos a partir das manifestações dos
vários campos semiológicos, sobretudo o verbal. A linguagem

34 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
verbal, que inclui entre as suas características a condição de
‘costurar’ esses vários campos, manifesta-se como base
fundamental do discurso veiculado por esses meios. O
discurso da comunicação, como outros discursos, tem um
indivíduo/sujeito, o sujeito comunicador, que assume a
palavra, Seu objectivo primeiro é instituir um relato.
(MAINGUENEAU, 2001, p.52)

AS FORMAS DE DISCURSO

São inúmeras as formas através das quais os discursos se organizam:


discurso científico, místico, religioso, político, amoroso, mediático, cada um
desses pode ser subdivido em muitos outros, cada um contendo
características próprias de funcionamento. Para se analisar o discurso
político contemporâneo, três formas de discurso são particularmente
importantes de se tomar em consideração: o discurso científico, o discurso
da mídia e o discurso político propriamente dito.

O DISCURSO POLÍTICO

A característica fundamental do discurso político é que este necessita para


sua sobrevivência impor a sua verdade a muitos e, ao mesmo tempo, é o
que está mais ameaçado de não conseguir. É o discurso cuja verdade está
sempre ameaçada num jogo de significações. Ele sofre quotidianamente a
desconstrução, ao mesmo tempo só se constrói pela desconstrução do
outro. É portanto, dinâmico, frágil e, facilmente, expõe sua condição
provisória. O discurso político é o discurso do sujeito por excelência.
Os discursos políticos têm locais de enunciação específicos, ou seja, é
absolutamente legítimo quando ele parte de partidos políticos, de
assembleias legislativas, do governo. Mas deve-se considerar que nas
democracias contemporâneas, cada vez mais existem outros espaços de
construção do discurso político, que concorrem com os espaços
tradicionais.
Em suma, todo discurso é um discurso de poder, na medida em que todos
os discursos pretendem impor verdades a respeito de um tema específico

35 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
ou de uma área da ciência, da moral, da ética, do comportamento, etc.
Entretanto, o discurso político se destaca de todos neste particular, porque
enquanto os outros tendem a deslocar os seus desejos de poder,
tornando-os opacos, o discurso político explicita a sua luta pelo poder.

O DISCURSO CIENTÍFICO

O discurso científico tem características particulares. No discurso científico


nenhum sujeito de traços antropomórficos está presente para suportá-lo. O
discurso se constrói e se legitima através da negação do sujeito. A
presença do sujeito no discurso científico o desmoraliza, o desqualifica,
porque a narrativa científica define-se como a transformação do “não saber”
em um “saber”. Se tomarmos um livro, veremos que ninguém dirá: “eu
penso que fazendo tal equação matemática ou “que levando em
consideração tal número, vai dar tal resultado”. Num livro de física, biologia,
ou química nunca aparecerá alguém dizendo “eu acho isto, eu acho aquilo”.
A linguagem científica não existe por acaso, ela é dotada de sentido
específico: o sujeito é dotado de uma subjectividade e a ciência e o discurso
científico reivindicam a si uma objectividade. Para que haja uma
objectividade deve haver uma grande distância entre o sujeito e o objecto
de estudo e esta grande distância pode ser analisada na medida em que é
parte do poder do discurso. O discurso científico é um discurso que
esconde o sujeito e, ao esconder, o sujeito se transforma em um
“não-sujeito”. O poder do sujeito no discurso científico é o seu lugar de
esconderijo. Porque, o cientista escondendo-se, dá ao seu discurso um tom
de objectividade. Esta é uma característica do discurso científico, diferencial
se comparada com o discurso político, o literário, o mediático e até o
discurso religioso.
Paradoxalmente, nenhum discurso exige tanto um sujeito de autoridade
como o discurso científico. Dizemos que um determinado texto é muito
importante, porque foi produzido pelo indivíduo tal, com tais títulos
académicos, no departamento de uma importante universidade. O mesmo
texto produzido por alguém de menor titulação em uma universidade
desconhecida será menos considerado. Dizer que um trabalho foi produzido
em uma universidade importante confere autoridade ao discurso, porque se
constitui discursivamente também a importância dessas instituições. Elas
são instituições importantes e elas têm um peso no discurso.

DISCURSO DA MÍDIA

36 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
Nas últimas décadas, a mídia, principalmente a electrónica, tornou-se a
principal fonte de informação sobre quase todos os temas, desde questões
da actualidade, ou seja os acontecimentos diários, até os temas da política,
das ciências, das artes. Poucos discursos escapam ao filtro da mídia. Até
os discursos religiosos que buscam reflexão e recolhimento são enunciados
através da Tv e da Rádio. O discurso da mídia contemporânea está calcado
em duas características básicas: a busca da verdade e a objectividade. A
mídia está sempre tratando de revelar a verdade sobre os políticos, para os
cidadãos e esta verdade sempre vem repleta de significados de corrupção,
desrespeito e de deslegitimação do campo da política.

ANÁLISE DO DISCURSO (AD)

De forma bastante sintética, pode-se situar o surgimento da chamada


Análise do Discurso (AD) no fim dos anos 1960, em decorrência da
insuficiência de uma análise de texto que se vinha praticando e que se
pautava prioritariamente por uma visão “conteudista”, característica central
das práticas de leitura que localizamos nos estudos em Análise de
Conteúdo (AC). De um lado, imperava nas ciências humanas e sociais um
contexto marcadamente orientado pelos desenvolvimentos de uma dada
psicologia social na sua versão behaviorista – perspectiva desenvolvida nos
Estados Unidos a partir da primeira metade do século XX; de outro, era
claro o predomínio de uma concepção de linguagem influenciada pelos
esquemas “informacionais” de comunicação, principalmente aquele
elaborado por Roman Jakobson. Segundo a articulação desses elementos,
que caracterizaram a abordagem da Análise de Conteúdo, a produção de
sentido se refere apenas a uma realidade dada a priori, ou seja, o objectivo
do tipo de análise preconizado pela AC é alcançar uma pretensa
significação profunda, um sentido estável, conferido pelo locutor no próprio
ato de produção do texto.

A análise de discurso é um dos mais intrincados métodos da ciência da


linguagem, tanto pela implicação teórica a que obriga adentrar os
pesquisadores, quanto pela multidisciplinaridade de que se reveste, ao
inserir, na sua concepção, contribuições de diferentes áreas das ciências
humanas e sociais, para além do campo das letras e da linguística, de onde
se originou. A articulação entre uma concepção social e política de mundo e
o vasto campo da linguagem, em todas as suas vertentes, desde a língua

37 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
falada até os variados registos simbólicos, inclusive os sentidos da mídia,
torna esse método de pesquisa um desafio, na pedagogia do ensino de
investigação científica. Análise do Discurso é tida como uma prática de
análise do estudo linguístico, existente no campo da comunicação. Ela
consiste na análise da estrutura de um dado texto, seja ele verbal ou
não-verbal e as suas respectivas preocupações. Por isso, a (AD) é muito
mais que uma análise textual. Essa prática linguística visa uma análise
contextual, abrangendo estrutura discursiva, espaço e momento
cronológico.

A análise do discurso é uma metodologia de pesquisa, que tem como


objectivo interpretar textos. É, portanto, um método qualitativo de análise, a
forma que as pessoas se expressam. O objecto de estudo, nesse caso é o
próprio discurso. Essa análise é muito mais do que uma análise textual, já
que ela busca compreender as construções ideológicas que estão
presentes no conteúdo do objecto, ou seja, é uma análise do contexto da
estrutura político-social em que o discurso se insere. Então, o objectivo
central dessa análise é verificar quais são as relações entre a linguagem, a
história e a sociedade em si presentes num discurso. Por outras palavras,
esse tipo de análise tem o intuito de compreender como um objecto
simbólico (seja um texto, uma foto, uma escultura) produz sentidos. Quer
dizer: pode-se fazer a análise do discurso a partir de conteúdos verbais ou
não-verbais.

A Análise do Discurso coloca desafios importantes às pesquisas tradicionais


e fornece uma metodologia para a interpretação dos textos sociais, não
sendo apenas mais um tópico para os temas da psicologia social. Tem os
seus fundamentos na filosofia, na sociologia e na teoria da literatura
(Llombart, 1993; Potter & Wetherell, 1987) e nos trabalhos de diferentes
autores que chamaram a atenção para a importância do significado e das
descrições fornecidas pelos indivíduos relativamente aos seus
comportamentos (Gergen, 1973; 1982; Harré, 1979; 1983; Shotter, 1975;
1984).

Na Análise do Discurso, também se pode falar de hipóteses, pretende-se


estabelecer ou verificar informação acerca do mundo, procurando
estabelecer verdades (mesmo que provisórias). A especificação mais
precisa das questões centrais do estudo, vão surgindo gradualmente,
começando por interesses gerais, (tópicos, domínios, material a ser
analisado, documentos ou entrevistas, por exemplo), gradualmente as

38 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
possibilidades e complexidades da questão central da pesquisa vão sendo
exploradas.

A “LINGUAGEM” NA ANÁLISE DO DISCURSO

Um dos legados da modernidade e da psicologia tradicional é a convicção


de que a linguagem é um modo de operacionalização dos nossos estados e
pensamentos intrapsíquicos. A linguagem na perspectiva tradicional e
convencional, assume a possibilidade de avaliar os estados intrapsíquicos
através de perguntas directas, como são feitas através de questionários nos
mais diversos domínios. Esta forma de avaliação e de aceder ao "mundo
interior", pressupõe a existência de uma relação causal entre o
comportamento verbal e a operacionalização de essências internas, como
atitudes, por exemplo (Staiton Rogers, 1998). Pelo contrário, a Análise do
Discurso preocupa-se com o modo 19 como a linguagem constrói os
objectos, os sujeitos, a subjectividade e o self (Willig, 1999).

DISCURSO ESTÉTICO NA ANÁLISE DO DISCURSO

O discurso pode também ser imagético ou estético de modo mais inteirado


à teoria. Estas interpelam o receptor por meio da sensibilidade, também
interligada a um dado contexto. O conceito de sensibilidade inserido será
definido por meio do indivíduo como ser sentimental, aquilo que, ao longo
da vida, aguça os seus sentimentos pessoais. O exemplo acabado disso
são as artes produzidas ao longo da história, em diferentes períodos e num
passado totalmente diferente do presente. Entretanto, hoje, estas mesmas
obras assumem significados diferentes para determinadas pessoas, de
acordo com interpelação e contexto a que estão susceptíveis. O discurso
estético carrega o mesmo ímpeto ideológico do verbal. No entanto, por se
tratar de algo mais pontual e atingir esteticamente o indivíduo, a rapidez
com que esse discurso poderá atingir o sucesso com o receptor é maior. Ao
fim, há o ponto mais importante da análise do discurso, o sentido. Este
jamais será tido como fixo e vários motivos relativizam isso, tais como, o
contexto variável; a estética observada; ordem atribuída e o formato de
construção. Por esse motivo, diz-se que o sentido de um discurso sempre
será aberto à interpretação do leitor, da forma que ele melhor acomodar o
seu entendimento.

39 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
Assim, apesar de existir uma infinidade de material possível de ser
analisado através de Análise do Discurso (por exemplo, peças jornalísticas,
artigos de revistas, documentos oficiais, simples anúncios, etc.) o material
necessita passar por um processo de selecção, que implica as questões
igualmente importantes da amostra. Enquanto na metodologia positivista,
quantitativa, grande quantidade de dados pode aumentar o grau de
fiabilidade na generalização dos resultados, o mesmo não se pode dizer
das abordagens qualitativas como a Análise do Discurso. O trabalho com os
“dados” é muito intenso e difícil de sintetizar. O tipo de transcrição a realizar
(se integral, se parcial, se usando códigos, o nível de detalhe, etc.) depende
também das decisões relativas a todos os pontos fundamentais da Análise
do Discurso, isto é, das abordagens teóricas adoptadas e dos temas,
tópicos a estudar.

Apesar de não haver uma grelha estruturada e passos claramente definidos


sobre como fazer Análise do Discurso, Parker (1992) refere a possibilidade
de se recorrer a um conjunto de critérios associados a fases, que podem
ajudar os analistas a começar a análise. Estes critérios não sendo rígidos
são indicadores importantes. Apesar de haver análise do discurso que não
recorre necessariamente aos últimos critérios e fases, na Análise Crítica do
Discurso estes são fundamentais e cruciais.

Critérios e Fases
Textos
1- tratar objectos de estudo como sendo textos (colocados em
palavras)
2- explorar conotações, associação livre Objectos
3- procurar objectos nos textos
4- tratar a fala acerca desses objectos como objecto de estudo
Sujeitos
5- especificar sujeitos (pessoas, assuntos, temas, etc.), como tipos de
objectos no texto
6- especular acerca de como eles podem “falar”

Sistema
7- traçar uma imagem do mundo, redes de relações
8- indicar as estratégias defensivas desses sistemas contra possíveis
ataques

40 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
Ligações
9- identificar contrastes entre formas de “falar”
10- identificar pontos de sobreposição, fala dos mesmos objectos

Reflexão
11- relacionar maneiras de falar para audiências diferentes
12- escolher rótulos ou designações das formas de falar, os discursos

História
13- analisar com atenção como esses discursos emergem
14- questionar como os discursos contam a sua história acerca da sua
origem

Instituições
15- identificar instituições reforçadas pelos discursos
16- identificar instituições que são atacadas pelos discursos

Poder
17- analisar que categorias de pessoas ganham e perdem
18- questionar quem os promoverá e quem se lhes oporá
Ideologia
19- analisar como eles se ligam com outros discursos opressivos
20- descrever como eles justificam o presente

A Análise envolve voltar aos dados várias vezes; ao mesmo tempo que se
vão ouvindo as gravações ou lendo transcrições, documentos, anotando
características, alguns aspectos de interesse podem-se realçar o que não
implica fazer algo de imediato. Envolve trabalhar “através” dos dados
durante um longo período, voltando a eles várias vezes. Uma Análise do
Discurso não se realiza numa ou duas sessões

Para entender melhor a análise do discurso, tomemos como exemplo o


seguinte texto:

DE BAIXO DA PONTE (Carlos Drummond de Andrade)

Moravam debaixo da ponte. Oficialmente, não é lugar onde se more, porém


eles moravam. Ninguém lhes cobrava aluguer, imposto predial, taxa de
condomínio: a ponte é de todos, na parte de cima; de ninguém, na parte de

41 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
baixo. Não pagavam conta de luz e gás, porque luz e gás não consumiam.
Não reclamavam contra falta d’água, raramente observada por baixo de
pontes. Problema do lixo não tinham; podia ser atirado em qualquer parte,
embora não conviesse atirá-lo em parte alguma, se dele vinham muitas
vezes o vestuário, o alimento, objectos de casa. Viviam debaixo da ponte,
podiam dar esse endereço a amigos, recebê-los, fazê-los desfrutar
comodidades internas da ponte.

À tarde surgiu precisamente um amigo que morava nem ele mesmo sabia
onde, mas certamente morava: nem só a ponte é lugar de moradia para
quem não dispõe de outro rancho. Há bancos confortáveis nos jardins,
muito disputados; a calçada, um pouco menos propícia; a cavidade na
pedra, o mato. Até o ar é uma casa, se soubermos habitá-lo, principalmente
o ar da rua. O que morava não se sabe onde vinha visitar os de debaixo da
ponte e trazer-lhes uma grande posta de carne.

Nem todos os dias se pega uma posta de carne. Não basta procurá-la; é
preciso que ela exista, o que costuma acontecer dentro de certas limitações
de espaço e de lei. Aquela vinha até eles, debaixo da ponte, e não estavam
sonhando, sentiam a presença física da posta, o amigo rindo diante deles, a
posta bem palpável, comível. Fora encontrada no vazadouro, supermercado
para quem sabe frequentá-lo e aqueles três o sabiam, de longa data e
olfactiva ciência.

Comê-la crua ou sem tempero não teria o mesmo gosto. Um de debaixo da


ponte saiu à caça de sal. E havia sal a um canto da rua, dentro da lata.
Também o sal existia sob determinadas regras, mas pode tornar-se
acessível conforme as circunstâncias. E a lata foi trazida para debaixo da
ponte. Debaixo da ponte os três prepararam comida. Debaixo da ponte a
comeram. Não sendo operação diária, cada um saboreava duas vezes: a
carne e a sensação de raridade da carne. E iriam aproveitar o resto do dia
dormindo (pois não há coisa melhor, depois de um prazer, do que o prazer
complementar do esquecimento) quando começaram a sentir dores. Dores
que foram aumentando, mas poderiam ser atribuídas ao espanto de alguma
parte do organismo de cada um, vendo-se alimentado, sem que lhe
houvesse chegado notícia prévia de alimento. Dois morreram logo, o

42 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
terceiro agoniza no hospital. Dizem uns que morreram da carne, dizem
outros que do sal, pois era soda cáustica. Há duas vagas debaixo da ponte.
Em: A bolsa & a vida, Rio de Janeiro: INL, 1971

1ª Leitura:

O texto mostra que ele conta uma história. Portanto, é uma narração. É uma
história relativamente simples: trata-se de personagens que vivem em
miséria absoluta e moram debaixo da ponte; certo dia conseguem comida,
comem, são envenenados e morrem. Portanto, é possível fazer a análise do
discurso sem complexidade. Pode-se dizer que esta narrativa tem na sua
base certos valores que são antagónicos, como a fartura versus a miséria, a
morte versus a vida e que esses valores podem aparecer em muitos outros
textos e criar muitas outras narrativas. Isto leva à conclusão de que um
texto é formado por uma estrutura que articula diferentes elementos e
constitui um sentido coeso e coerente.

Podemos refinar a análise do discurso e perceber que este texto possui:

UM NÍVEL FUNDAMENTAL

É a primeira etapa do percurso de geração de sentido na análise do


discurso, ponto de partida da geração do texto, em que se determina o
mínimo de sentido a partir do qual ele se constrói. Trata-se da relação de
oposição ou de diferença entre dois termos, dentro de um universo
semântico. Quando dizemos que um texto “fala” da morte, do amor, da
liberdade etc., estamos fazendo a análise do discurso de sua camada
fundamental, o mínimo de sentido sobre o qual ele é construído. O texto é
fundado sobre relações orientadas, que são a primeira condição para a
narratividade. Assim, se ele fala da relação entre a vida e a morte, a
narratividade vai-se desenvolver num determinado sentido:
vida morte vida
ou:
morte vida morte

Isso porque o princípio fundamental da narratividade é a transformação e o


encadeamento desses valores produz a sucessividade do texto. No texto

43 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
“Debaixo da ponte”, temos o percurso da morte (a miséria absoluta) para a
vida (quando os sujeitos conseguem alimentos) e para a morte novamente
(quando os sujeitos são envenenados pela comida). Esses valores
fundamentais podem ser tomados como positivos (eufóricos) ou negativos
(disfóricos). Essa oposição, que se chama “tímica”, vai determinar a linha
argumentativa do texto. Em “Debaixo da ponte” temos a valoração negativa
da miséria, que provoca a fome e a morte, em oposição à fartura, que é a
vida.

UM NÍVEL NARRATIVO

No segundo nível do percurso gerativo de sentido, os valores fundamentais


são narrados a partir de um sujeito. Assim, a narrativa simula a história do
homem em busca de valores e os contratos e conflitos que marcam os
relacionamentos humanos. Dentro da análise do discurso, a narrativa se
constitui de quatro fases:

1ª) Manipulação: os miseráveis são manipulados pela miséria e pela fome a


provar do alimento trazido por um amigo. A presença física do alimento os
seduz a quererem prová-lo;

2ª) Competência: manipulado, o sujeito precisa adquirir competência para


realizar a acção. Essa competência pode ser o saber, o poder e o querer.
Quando, em um conto de fadas, o herói obtém um “objecto mágico”, ele
está adquirindo poder para realizar certas coisas. No texto “Debaixo da
ponte” os sujeitos precisam de sal para poderem comer o alimento; quando
o conseguem, estão aptos a realizar a acção;

3ª) Performance: os sujeitos realizam a acção (se alimentam);

4ª) Sanção: depois de realizada a acção, os sujeitos são recompensados


(sanção positiva) ou punidos (sanção negativa). Neste texto, a sanção é
negativa, pois eles morrem envenenados pela comida.

Os valores e a narrativa que estruturam o texto “Debaixo da ponte” podem


aparecer em muitos outros textos. O que faz, então, com que essa análise
do discurso seja diferente de outros textos que têm os mesmos valores
básicos e a mesma narrativa? O que o diferencia de outros textos é o modo

44 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
como esses valores e essa narrativa são discursivizados, o que significa
dizer que um texto possui uma estrutura discursiva.

NÍVEL DISCURSIVO

Este é o patamar mais superficial do percurso gerativo do sentido, o mais


próximo da manifestação textual. As estruturas narrativas se convertem em
discurso quando assumidas pelo sujeito da enunciação: ele faz uma série
de “escolhas”, de pessoa, de espaço, de tempo e de figuras, contando a
história a partir de um determinado “ponto de vista”. A narrativa é, assim,
“enriquecida” com essas opções do sujeito da enunciação.

No texto “Debaixo da ponte”, pode-se perceber que:

É utilizada a terceira pessoa para caracterizar os personagens; eles não


têm nome nem características particulares – a indeterminação cria o sentido
de “anonimato”, de uma miséria tão absoluta que os priva até mesmo de um
nome próprio;

Outro elemento muito importante do nível do discurso deste texto é a


espacialização – os personagens são caracterizados pelo “lugar onde
moram”, o nome próprio que lhes é atribuído é uma localização espacial
(“os de debaixo da ponte”) que constrói a oposição entre “os que moram
debaixo da ponte” e os outros (“A ponte é de todos, na parte de cima; de
ninguém, na parte de baixo”);

A temporalização, ao indefinir o momento da acção, constrói o efeito de


eternização da miséria (“moravam debaixo da ponte”) e permite que o final
do texto seja aberto em um movimento cíclico que retoma o início do texto
(“Há duas vagas debaixo da ponte”)

Esses recursos do nível discursivo têm como objectivo estabelecer a


relação entre o enunciador do texto e o enunciatário, permitindo a
interpretação por meio de marcas espalhadas no texto. Essas marcas
conduzem o leitor a perceber a orientação argumentativa e as relações
entre o texto e o contexto em que foi produzido. A Análise do Discurso não
é, a rigor, um método, mas uma teoria e isso se deve ao facto, de que ela

45 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
tem mais a ver com o pensar sobre o discurso que estamos lidando na
pesquisa, observando as relações dos enunciados com os contextos
(históricos, sociais, culturais, ideológicos) e também com outros discursos.
Assim, não há como conceber apenas uma única Análise do Discurso, mas
várias perspectivas da Análise do Discurso, de diferentes países.

A França, por exemplo, tem uma longa tradição nesses estudos, sendo
Michel Pechêaux, Michel Foucault, Julia Kristeva, Dominique Maingueneau
e Patrick Charaudeau alguns dos nomes mais conhecidos. Helena Namine
Brandão, no livro Comunicação e Análise do Discurso, organizado por
Roseli Fígaro (Editora Contexto, 2015), destaca que a Análise do Discurso
tem como objectivo analisar não somente os aspectos linguísticos dos
discursos, como também a dimensão extra-linguística. Assim, a ideia é que
esta teoria possa ajudar a desvelar o que está por detrás dos enunciados e
como se dão as suas construções de sentido no mundo e num determinado
tempo histórico.

Assim, um ponto que deve ser sempre lembrado é a sua preocupação com
as condições de produção do discurso. A noção de condições de produção
pode ser definida como o conjunto dos elementos que cerca a produção. No
sentido mais restrito, diz respeito à situação de enunciação que
compreende o eu-aqui-agora; num sentido amplo, compreende o contexto
sócio-histórico-ideológico que envolve os interlocutores, o lugar de onde
falam, a imagem que fazem de si, do outro e do objecto de que estão
tratando. Para além da observação das condições de produção do discurso,
uma característica relevante da Análise do Discurso é que ela busca
compreender as implicações sociais dos sentidos dos discursos analisados.
Não se trata de entender os “efeitos” dos enunciados, mas como eles
podem reforçar, reproduzir ou mesmo contestar valores da nossa
sociedade. Diferentemente de outras análises, a Análise do Discurso
preocupa-se em entender as mensagens, não como “conteúdos” com
sentido fechados do início ao fim, mas com discursos sempre abertos a
intervenções dos sujeitos. Contudo, vale destacar que mesmo se
posicionando como uma teoria, podemos utilizá-la no âmbito metodológico.
A Análise do Discurso resulta de uma interdisciplinaridade que envolve a
Linguística, a História e também a Psicanálise.

46 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
ANÁLISE DE DISCURSO EM JORNALISMO
O jornalista, ao redigir a sua matéria, considera a linha editorial do veículo
no qual ele trabalha, considera as diferentes versões sobre o mesmo facto,
constrói o seu texto com base na memória de outras matérias construídas
por seus colegas, reproduz um modo de fazer já consolidado na profissão
que respeita a certos critérios tanto no apuramento dos factos como na sua
redacção. Nesse sentido, há muitos “já ditos” no texto jornalístico. O
jornalismo se serve destes enunciados já elaborados para construir os
discursos. Entretanto, mais importante do que apontar estas características
no discurso do jornal, é destacar as contradições existentes e entender o
que está implícito no texto. “A análise de discursos não se interessa tanto
pelo que o texto diz ou mostra, pois não é uma interpretação semântica de
conteúdos, mas sim, em como e porque diz e mostra” (PINTO, 1999, p.23).
A partir desta compreensão os resultados obtidos com a aplicação da AD
deixam de ser observados como o próprio fim da pesquisa e passam a ser
compreendidos como informações a serem utilizados para comprovar ou
reprovar hipóteses dos trabalhos académicos. Esta é uma questão
importante a ser observada, sobretudo quando se trata de uma análise de
discurso em jornalismo, porque há um risco significativo do pesquisador
perder o rumo da pesquisa e acabar elegendo a análise de discurso como o
principal trabalho, quando se trata de uma análise criteriosa que contribui
para responder ao problema de pesquisa. Neste sentido, a AD precisa estar
submetida ao objecto científico que é o próprio jornalismo e não o contrário.

Repare no editorial publicado pelo jornal Gazeta do Povo, no dia 2 de


Novembro de 2013, cujo título é “A imprensa amordaçada na Argentina”.
Este editorial foi publicado quatro dias após a aprovação pela Suprema
Corte da Argentina, da chamada “Ley dos Medios”, uma lei que regula o
mercado de comunicação naquele país. Segue o texto:
Ao declarar a constitucionalidade da Lei de Mídia, a Suprema Corte,
alinhada ao kirchnerismo, desfere um golpe contra a liberdade de
imprensa (FD1) Bolivarianos em toda a América do Sul,

47 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
inclusive no Brasil, comemoraram (FD2), a decisão da Suprema
Corte argentina que, na terça-feira, considerou constitucional a Lei
de Mídia proposta pelo governo de Cristina Kirchner. Sob o pretexto
de impedir a concentração dos veículos de comunicação, a
legislação na verdade é uma tentativa de calar a imprensa que
não se curvou à Casa Rosada (FD3). A nova legislação, que vinha
sendo questionada na Justiça pelo grupo Clarín, determina que as
concessões de rádio e televisão sejam divididas em três grupos
iguais: o das emissoras estatais, o das emissoras privadas e o das
emissoras de grupos sem fins lucrativos, como sindicatos, igrejas e
fundações. As tevês comerciais só poderão atingir 35% da
população, enquanto os canais estatais podem chegar a 100%
(FD4) do território nacional. Empresas que actuam na televisão
aberta não podem estar presentes na tevê a cabo e vice-versa. E
cada grupo de comunicação pode ter um número máximo de 24
canais de tevê por assinatura. Os grupos que hoje estão acima
desse limite terão de escolher com que concessões querem ficar, e
colocar as demais à disposição do governo. Estima-se que a oferta
chegue a 330 canais. O maior perdedor (FD5) com a nova
legislação é, sem dúvida, o Clarín. O grupo começou apoiando o
falecido marido de Cristina, Néstor Kirchner, que assumiu a
Presidência depois do caos económico do início da década passada,
mas passou a fazer oposição ao governo no primeiro mandato
de Cristina Kirchner (FD6). O maior conglomerado de imprensa da
Argentina não apenas terá de se desfazer de parte de suas
concessões, como também pode ter de enfrentar uma violência
ainda maior (FD7). Dependendo da interpretação que se dá à
decisão da Suprema Corte, já teria vencido o prazo para os grupos
de comunicação escolherem de que canais abrem mão; nesse caso,
seria a Administração Federal de Serviços de Comunicação (Afsca)
a responsável por determinar quais canais seriam vendidos e quais
ficariam com o Clarín. O órgão governamental poderia, por exemplo,
forçar (FD8) o conglomerado a ficar na tevê aberta e se desfazer da
tevê a cabo, mais lucrativa. Para piorar (FD8), é o Tribunal de
Contas kirchnerista (FD9) que definiria o preço de venda dos
canais, que poderia ser artificialmente baixo para reduzir a
compensação que o Clarín teria por ser obrigado a abrir mão dos
canais (FD10). Todas essas circunstâncias são mais que suficientes
para entender que o carácter “democratizante” da Lei de Mídia é
mera aparência. Com o pretexto de diversificar a propriedade
dos veículos de comunicação e, com isso, estimular a

48 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
concorrência, o que a lei procura é esvaziar a imprensa
independente (FD11). Não é à toa que a decisão de terça-feira
provocou o repúdio da Associação Internacional de
Radiodifusão e da Sociedade Interamericana de Imprensa
(FD12), e assanhou aqueles que sonham com o “controle social da
mídia” tão querido por Lula, Franklin Martins e José Dirceu
(FD13). Soa como um alento que a população pareça estar
cansada dos desmandos de Cristina Kirchner (FD14). Dias antes
da decisão da Suprema Corte, a presidente havia sofrido uma
derrota eleitoral considerável (FD15): seu grupo teve apenas 32%
dos votos nas eleições que renovaram parte do parlamento. Ela
continua tendo maioria no Congresso, mas não o suficiente para
alterar a Constituição e conseguir a permissão para concorrer a um
terceiro mandato, como pretendia. Inflação em alta, manipulação
de dados económicos, proteccionismo e crises de
abastecimento esgarçam a paciência dos argentinos (FD16).
Mas, em vez de atacar estes problemas, parece mais importante
amordaçar a imprensa (FD17). Seguindo um recente raciocínio
lulista (FD18), talvez lá, como aqui, seja mesmo a imprensa que
“avacalhe a política”... (grifos nossos) (GAZETA DO POVO, 2013).

Negritou-se (sublinhou-se) no texto aquilo que se identifica como formações


discursivas, ou seja, os elementos do texto que de algum modo propõem
uma forma de interpretar os factos. Como ponto de partida, ressalta-se a
ausência de um debate. Ao falar da “Ley dos Medias”, o emissor omite a
presença de uma discussão que se passa no Brasil. Tratar de um assunto
que se passa no país vizinho de modo crítico, faz parte da tentativa de
relacionar com um projecto de lei que tramita no Congresso Nacional
brasileiro, chamado “Lei da Mídia Democrática”, que se aproxima em boa
parte da proposta da lei aprovada na Argentina. Neste sentido, é possível
identificar o silêncio que se manifesta de maneira interessada, já que se
trata de uma proposta que afectaria directamente os interesses dos donos
da Gazeta do Povo, jornal que faz parte do Grupo Paranaense de
Comunicação (GRPCom) que detêm uma série de afiliadas de televisão,
além de programas de rádio, sites e outros impressos no Paraná. Não quer
dizer que não haja referências muito discretas à medida no Brasil. A
formação discursiva, por exemplo, demonstra aspectos de uma
intersubjectividade na medida em que cita o termo “bolivarianos” para se

49 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
referir não a Simón Bolivar, um dos líderes que promoveu a independência
de vários países da América Latina por meio de acções armadas e da
organização dos povos destes países, mas relaciona-se com a tentativa de
associar ao governo de Hugo Chaves, ex-presidente da Venezuela, que
promovia estatização de empresas, entre elas empresas de comunicação.
Trata-se, portanto, de um uso pejorativo para o termo que desqualifica
aqueles que têm ideias parecidas ao de Chaves, mas que dialoga,
sobretudo, com a população brasileira com a intenção de provocar o
repúdio a atitudes que se voltem para acções de reformas promovidas pelo
Estado. Neste sentido, “bolivariano” deve ser entendido como um enunciado
que carrega uma proposta ideológica que não faz menção a sua própria
origem, mas que inverte seu significado com a intenção de opor a opinião
pública a qualquer medida que afecte os interesses empresariais. Há
também uma tentativa de relacionar os governos Lula e Kirschner que surge
como tom de ameaça. Primeiramente é necessário verificar que os nomes
aparecem no mesmo texto com o sufixo “ista”, para denotar um tipo de
doutrina. No caso de Lula, a referência se deve ao facto de ter desferido
críticas, a época, à imprensa brasileira poucos dias antes da publicação do
editorial numa solenidade do seu partido, o (PT). Já a presidente da
argentina era apontada como a protagonista da aprovação da lei que é
associada exclusivamente a características negativas, tais como “perder”,
“violência”, “piorar” (…)

METODOLOGIA EM ANÁLISE DO DISCURSO

Em Análise do Discurso, há, conforme aponta Pêcheux (1997a), um


batimento entre teoria e interpretação. Visando à exposição de alguns
aspectos metodológicos para a análise de discursos, apresentaremos as
noções de recorte, conforme encontramos em Orlandi (1984); enunciado,
segundo Foucault (1995); e trajecto temático, como propõe Guilhaumou
(2002). Esses conceitos contribuem para a sustentação teórica de um
trabalho de análise e, ao mesmo, fornecem ao analista procedimentos
metodológicos para a selecção e organização do corpus.

A noção de recorte é apresentada por Orlandi (1984, p. 14) como unidade


discursiva [...] fragmentos correlacionados de linguagem [...] um fragmento

50 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
da situação discursiva, definido por associações semânticas. Trata-se da
selecção de fragmentos do corpus para análise; ou seja, quando o analista
escolhe seu objecto de análise, ele precisa ainda seleccionar pequenas
partes, escolhidas por relações semânticas, tendo em vista os objectivos do
estudo. Se se propõe analisar, por exemplo, a presença de discursos
religiosos em determinado discurso político, o material tomado para análise
pode ser bastante amplo (entrevistas, pronunciamentos de determinados
políticos, etc.), então, o analista deverá recortar, desse material mais amplo,
fragmentos nos quais se encontram manifestações de discursos religiosos.
Entretanto, para proceder à análise, esses recortes devem ser considerados
na inter-relação como o todo que constitui o corpus. O recorte pode atender
também uma necessidade de delimitação do material, dada a sua extensão,
pela focalização de enunciados específicos, mas sua natureza e selecção
são possíveis somente mediante os objectivos da pesquisa.

A noção de enunciado empreendida por Foucault (1995) e sua articulação


na Análise do Discurso explicita a eficácia teórico·metodológico desse
conceito para esse campo disciplinar. Como é próprio da Análise do
Discurso, não se pensa teoria sem pensar metodologia, assim, a teorização
desse conceito possibilita também reflectir sobre a constituição de corpus.
Inicialmente o enunciado se distingue de frase, proposição, acto de fala,
porque:

a) está no plano do discurso;


b) não está submetido a uma estrutura linguística canónica (não se
encontra o enunciado encontrando-se os constituintes da frase);
c) não se trata do acto material (falar e/ou escrever), nem da intenção do
indivíduo que o realiza, nem do resultado alcançado: trata-se da operação
efectuada [...] pelo que se produziu pelo próprio facto de ter sido enunciado
(Foucault, 1995, p. 94). Nas suas palavras, a descrição almejada deve ser
capaz de se mover com o seguinte paradoxo: o enunciado é ao mesmo
tempo não visível e não escondido. Com Foucault, devemos compreender a
existência do enunciado em decorrência da função enunciativa. Por
conseguinte, a compreensão do enunciado implica explicitar o exercício
dessa função, suas condições de produção, o campo em que se realiza.
Concernente à relação sujeito e enunciado, sempre há um sujeito, um autor,
ou uma instância produtora. No enunciado há sempre uma posição-sujeito,
ou uma função que pode ser exercida por vários sujeitos. A análise do
enunciado na Análise do Discurso deve investigar qual é essa

51 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
posição-sujeito, que se inscreve na história, lugar em que deve ser
analisado.

Uma formação discursiva é sempre heterogénea a ela mesma, e, ainda,


podemos transcender a análise que focaliza uma formação discursiva dada
e tomarmos o enunciado a partir de uma trajectória temática, que se
inscreve em diferentes formações discursivas e atesta diferentes
posições-sujeito historicamente produzidas. O trajecto temático, conforme
propõe Guilhaumou (2002), acciona a memória discursiva e trabalha com
deslocamentos e efeitos de sentidos de enunciados e temas face aos seus
deslocamentos e mutações sócio-históricos e a inscrição dos sujeitos em
diferentes formações discursivas em, o trajecto temático, compreendido
como ferramenta metodológica, possibilita analisar a construção e as
mutações dos sujeitos e dos discursivos.

A orientação teórica da Análise do Discurso, articula-se uma gama de


conceitos na operacionalização da análise. Como assevera Santos (2004),
os procedimentos metodológicos em Análise do Discurso podem ser
pensados em duas instâncias. Uma macro-instância, a partir da qual
situamos o discurso na sua conjuntura, buscando compreender suas
condições de produção, ou seja, os aspectos históricos, sociais e
ideológicos que determinam a produção do discurso; e também o lugar dos
sujeitos na história, a situação enunciativa e os sentidos produzidos nesse
conjunto. E uma micro-instância, na qual se focaliza o interior de uma
formação discursiva, apreendem-se suas regularidades, opera-se a análise
por meio de recortes das sequências linguístico-discursivas, ou de
enunciados; busca-se apreender a heterogeneidade, a polifonia, etc.

ANÁLISE DE CONTEÚDO

A Análise de Conteúdo (AC) sem se pretender, a princípio, configurar como


doutrinal ou normativa, se define como um “conjunto de técnicas de análise
das comunicações” que aposta grandemente no rigor do método como
forma de não se perder na heterogeneidade de seu objecto. Nascida de
uma longa tradição de abordagem de textos, essa prática interpretativa se
destaca, a partir do início do século XX, pela preocupação com recursos
metodológicos que validem suas descobertas. Na verdade, trata-se da
sistematização, da tentativa de conferir maior objectividade a uma atitude
que conta com exemplos dispersos, mas variados, de pesquisa com textos.
Como exemplo de Análise de Conteúdo, temos a pesquisa de autenticidade

52 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
feita na Suécia por volta de 1640 sobre os hinos religiosos. Com o objectivo
de saber se esses hinos, em número de noventa, podiam ter efeitos
nefastos sobre os Luteranos, foi efectuada uma análise dos diferentes
temas religiosos, dos seus valores e das suas modalidades de aparição
(favorável ou desfavorável), bem como de sua complexidade estilística”.
Embora a inovação da (AC) tenha consistido em contribuir com
procedimentos “científicos” de legitimação de uma dada técnica de leitura,
há algo que permaneceu ao longo do tempo: o objectivo de atingir uma
“significação profunda” dos textos: “O que é passível de interpretação?
Mensagens obscuras que exigem uma interpretação, mensagens com duplo
sentido, cuja significação profunda (a que importa aqui) só pode surgir
depois de uma observação cuidadosa ou de uma intuição carismática”.
Podemos dizer que o foco da Análise de Conteúdo está nas inferências do
texto, ou seja, aquilo que podemos obter ao analisar as entrelinhas, na
operacionalização.

Na análise de conteúdo (AC) socorremo-nos das categorias de sentido


presentes nas mensagens. Para além da leitura flutuante que todos nós
fazemos de um texto, este tipo de análise tem o intuito de buscar os
significados menos óbvios do texto, que requerem um olhar mais demorado
e cauteloso sobre o material. Para que isso seja possível, é necessário que
o material seleccionado tenha algum grau de homogeneidade, ou seja,
tenha características em comum que possam indicar regularidade. É o que
geralmente denominamos de corpus de análise.
Vamos para um exemplo prático:
Uma pesquisa que tem como objectivo analisar os principais
campos semânticos mobilizados pela imprensa, na cobertura
da violência urbana numa capital. Nesta pesquisa, é
interessante que a(o) pesquisador escolha um género textual
específico, como notícia, matéria jornalística especial ou
editoriais, para realizar a análise.

O que queremos destacar é que não é possível fazer inferências, muito


menos uma análise precisa, com um material definido aleatoriamente. Vale
destacar que a Análise de Conteúdo não se trata de um método apenas
qualitativo, mas também quantitativo. Nela é possível observar a
ocorrência de termos, categorias e unidades do texto em sentido numérico,
além da frequência e regularidade dos termos. O sucesso da Análise de
Conteúdo se deve muito às possibilidades de misturar perspectivas quali e

53 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
quanti. Para além disso, também tem a ver com a sua capacidade de
abarcar uma grande variedade de textos: entrevistas, textos de mídias
sociais, matérias de jornais, roteiros, capítulos de livros, dentre outros.

COMO COMEÇAR A FAZER ANÁLISE DE CONTEÚDO?

No livro, Métodos de pesquisa em comunicação: projectos, ideias, práticas


(Vozes, 2018), Luís Mauro Sá Martino indica que para realizar a Análise de
Conteúdo, temos de levar em conta os seguintes princípios:
1. Número de mensagens: É preciso considerar quais materiais farão parte do corpus.
Não sendo possível analisar todas as matérias sobre um assunto ou tópico, é necessário
trabalhar com séries de materiais, como uma sequência de notícias sobre o tópico
em “n” jornais, ou mesmo a sucessão de matérias publicadas num portal, as várias
peças publicitárias de uma campanha de mídia, entre outros.

2. Fazer a primeira leitura do material (olhar cambiante): Esse processo ajuda a pensar
como o material está organizado nos termos do que a pesquisa pretende enquanto
objectivo.

3. Descrever o material: É importante descrever com detalhes o que será estudado.


Informações como data, local de publicação, divisões (manchete, linha fina, olho,
fotografias, links e vídeos) são elementos relevantes. Esse processo tem o intuito de
entender a “forma” do conteúdo.

4. Identificar as unidades de análise: Aqui é onde você irá fragmentar a mensagem em


pequenas unidades com sentido. Assim, um título, um slogan ou um parágrafo podem
ser entendidos como uma unidade da análise. Quem escolhe a dimensão (tamanho) da
unidade é você, a depender dos seus propósitos de pesquisa.

5. Definir as categorias de análise: Elas são o centro da AC. As categorias podem ser
entendidas como o conjunto coerente das unidades de análise. Para chegar nelas, só
mesmo identificando as unidades da análise de forma dinâmica, observando os pontos
em comum. É importante destacar que as categorias, podem não ser sempre as
mesmas do início ao fim do trabalho: conforme vai lendo e nos aprofundando
teoricamente, novas categorias podem surgir.

54 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
● Análise de Conteúdo é um conjunto de técnicas de
análise das comunicações visando obter, por
procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição
do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos
ou não) que permitam a inferência de conhecimentos
relativos às condições de produção/recepção (variáveis
inferidas) destas mensagens. (BARDIN, 2011, p. 37).
Nesse sentido, o analista de conteúdo deve buscar
vestígios de informação para fazer as inferências
devidas no objecto do estudo. A ele cabe a função e
manusear as mensagens e fazer as deduções lógicas.
O analista possui à sua disposição ou (cria) todo um
jogo de operações analíticas, mais ou menos
adaptadas à natureza do material e à questão que
procura resolver” (BARDIN, 2011, p. 37).

METODOLÓGIAS EM ANÁLISE DE CONTEÚDO

Partamos do exemplo tido como clássico e constante em Bardin, a saber, a


análise da simbologia do automóvel, decorrente do seguinte objectivo de
pesquisa: “examinar as respostas a um inquérito que explora as relações
psicológicas que o indivíduo mantém com o automóvel”.
Diante desse objectivo de pesquisa, são elaboradas duas perguntas,
apresentadas como questões abertas, cujas respostas serão submetidas à
análise. As perguntas são estas:

1) A que é, geralmente, comparado num automóvel?


2) Se o seu automóvel lhe pudesse falar, o que é que lhe diria?”

Do exposto, percebe-se que os mecanismos de funcionamento de uma


pesquisa em Análise de Conteúdo (AC) encenam uma busca ou descoberta
dos resultados, e não a construção de uma análise, que se depreende da
não-problematização da pergunta norteadora do inquérito ao ideal de rigor
metodológico pretensamente atingido por intermédio das estratégias de
apagamento da presença do pesquisador. Quanto aos procedimentos de
análise das respostas obtidas com o inquérito a que fizemos menção, o
pesquisador deve realizar uma primeira leitura dos textos produzidos pelos
informantes, chamada de leitura flutuante. A partir dessa primeira leitura,
pode-se transformar as intuições em hipóteses a serem validadas ou não
pelas etapas consecutivas. Das hipóteses formuladas é possível extrair

55 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
critérios de classificação dos resultados obtidos em categorias de
significação.

No exemplo referido, procedeu-se ao cruzamento das respostas versando


sobre o objecto a que o automóvel era comparado (seres humanos,
animais, outros meios de locomoção etc.) ou não e o tipo de relação
mantida pelo indivíduo com o automóvel (puramente funcional, amorosa, de
dominação, de dependência, de cuidados, de cumplicidade, de
agressividade). Aqui, não basta explicitar possíveis imagens às quais
seriam remetidos os automóveis; é preciso que, simultaneamente ao
interesse pelas referidas imagens discursivas construídas, haja um desejo
de ancorá-las sócio-historicamente.

Bardin (2011) exemplifica práticas de uso do método como em análise de


estereótipos e conotações, análise de respostas a questões abertas, análise
de entrevistas de inquérito e de comunicações de massa. Todavia, sinaliza
uma proposta de organização do método para torná-lo consistente e
rigoroso, dividindo-o em três importantes etapas: pré-análise, exploração do
material e tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação.
A pré-análise consiste na sistematização das primeiras ideias sobre o
objecto de pesquisa. É uma forma de conduzir a operacionalização dos
processos de análise. Esta fase depende da escolha do material a ser
investigado, dos objectivos e hipóteses do estudo, tendo como etapas:

1ª) Leitura Flutuante: O objectivo é fazer uma leitura ‘tranquila’ do texto a


ser estudado para conhecer e deixar-se encher de impressões. É o primeiro
contacto com o objecto.
2ª) A escolha dos documentos: Consiste em determinar que aspectos do
objecto poderão responder às questões do problema de pesquisa. Por
outras palavras, trata-se de definir o «corpus» segundo regras abaixo:
- Regra da exaustividade: Todas as informações sobre o tema da
pesquisa devem ser colectadas no período escolhido para que seja
defensável análise diante as críticas de ausência de informações.
- Regra da representatividade: É constituição da amostragem para
análise propriamente dita. Varia de acordo com o universo de
pesquisa, que sendo heterogéneo necessitará de uma amostra ampla
e sendo homogéneo poderá ser reduzido. Caso seja complicado

56 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
pensar uma amostra que represente o universo total de pesquisa,
sugere-se que o material de análise seja diminuído.
- Regra da homogeneidade: o material colectado deve ter
características em comum, estabelecidas por critérios rigorosos.
- Regra da pertinência: O documento de análise, ao ser escolhido,
deve ser justificável, pertinente para o objectivo do estudo.

3ª) A formulação de hipóteses e dos objectivos – Fazer as devidas


interrogações de pesquisa em diálogo com os objectivos.

4ª) A referenciação dos índices e a elaboração de indicadores: criação de


índices para capturar as manifestações do texto de acordo com as
hipóteses elaboradas. Esses índices vão resultar em indicadores seguros
para interpretação do material.
5ª) A preparação do material – Trata-se da edição, preparação e codificação
dos textos para facilitar a análise.

MÉTODOS DE ANALISE DO TEXTO


Muito se fala sobre a importância da Análise de Textos (AT) das mídias
sociais. A análise da produção, dos enunciados e dos materiais que
circulam nesses ambientes pode ganhar diferentes abordagens em termos
metodológicos, sendo possível falar em pelo menos três delas: Análise de
Conteúdo, Análise do Discurso e Técnicas de Análise de Textos.
Apesar de todas elas lidarem propriamente com a prática de esmiuçar os
textos para buscar os sentidos, cada uma, parte de perspectivas teóricas
distintas que, uma vez ou outra podem trabalhar de modo conjunto nas
nossas pesquisas e investigações. Relativamente à análise dos textos, os
analistas do Discurso têm de ter uma postura especial, prestando atenção
não só aquilo que está no texto, mas também às ausências, pois estas
podem ser de extrema importância. É necessário ter o «espírito» aberto à
criatividade para analisar os textos nas suas múltiplas facetas e estar aberto
a todas as possibilidades de leitura (Wood & Kroeger, 2000). Partindo do
pressuposto de que todas as leituras são possíveis mas que uma opção se
impõe, deve-se optar por aquela interpretação que em termos pragmáticos

57 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
venha a contribuir para uma maior transformação da ordem dominante.
Outra questão fundamental, diz respeito à questão ética. Aqui, como em
todas as metodologias qualitativas que utilizam entrevistas, são sugeridas
as mesmas regras de anonimato, consentimento e responsabilidade pela
divulgação das interpretações realizadas.

TÉCNICAS DE ANÁLISE DE TEXTO

As Técnicas de Análise de Texto servem como um modo de organizar os


dados de um corpus. Assim, elas podem ser utilizadas de modo combinado
com a Análise de Conteúdo. Por exemplo, quando precisar fazer uma
primeira leitura do material, poderá fazê-la com maior robustez do que
simplesmente “passar o olho” demoradamente para os padrões. Assim,
utilizar os recursos das Técnicas de Análise de Textos deixam a
operacionalização da análise muito mais rápida, algo que deve ser levado
em conta quando iremos criar categorias de sentido nas análises. Para
além disso, os softwares e ferramentas utilizadas podem oferecer insights
(1) que manualmente dificilmente teríamos, como a possibilidade de
visualizar os dados do corpus em grafos. Com as opções de visualização
aprimoradas, podemos expandir a nossa capacidade de observação e
categorização semântica dos materiais, incorporando imagens das redes de
sentido a partir de ferramentas como Voyant-Tools (2) e WORDij (3). Para
além da questão técnica, as Técnicas de Análise de Textos também podem
gerar insights estatísticos valiosos sobre os padrões de organização dos
sentidos pela língua numa comunidade.

_______________________________________________________________

1. Insight ou insights é um substantivo de origem inglesa que significa


compreensão súbita de alguma coisa ou determinada situação. Um insight
é um acontecimento cognitivo que pode ser associado a vários
fenómenos, podendo ser sinónimo de compreensão, conhecimento,
intuição. Algumas pessoas afirmam que um insight é a perspicácia ou a
capacidade de apreender alguma coisa e acontece quando uma solução
surge de forma repentina. O insight também está relacionado com a
capacidade de discernimento, pode ser descrito como uma espécie de

58 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
epifania. Nos desenhos, o insight é representado com o desenho de uma
lâmpada acesa em cima da cabeça do personagem, indicando um
momento único de esclarecimento em que se fez luz.
2. O Voyant Tools é um aplicativo online e open source de análise de textos
(text analysis).Um ambiente web de leitura e análise de textos digitais.
3. WORDij. Ferramentas gratuitas e poderosas para você realizar análise de
dados textuais.

4.2. DIALOGISMO, POLIFONIA E HETEROGENEIDADE DO


DISCURSO

O termo dialogismo aplica-se ao princípio dialógico constitutivo da


linguagem, responsável pela construção de sentido do discurso, ou seja, o
enunciado é elaborado levando-se em conta o interlocutor e as condições
contextuais de sua produção, sendo seu significado construído durante a
interacção. Por outras palavras, o dialogismo refere-se ao princípio da
alteridade que norteia as actividades discursivas, isto é, a influência
contínua da palavra do outro na construção dos enunciados.

A polifonia ou heteroglossia, por sua vez, diz respeito à introdução do


enunciado alheio no contexto do nosso próprio discurso. Segundo Bakhtin
(1992), a enunciação é o produto da interacção de dois indivíduos
socialmente organizados, pois a sua natureza é social. A enunciação não
existe fora de um contexto sócio-ideológico, em que cada locutor tem um
“horizonte social” bem definido, pensado e dirigido a um auditório social
também definido. Portanto, a enunciação procede de alguém e se destina a
alguém. Qualquer enunciação propõe uma réplica, uma reacção. Toda
enunciação completa é constituída de significação e de tema ou sentido.
Esses dois elementos integram-se, formando um todo e a sua compreensão
só é possível na interacção.

A significação é a parte geral e abstracta da palavra; são os conceitos que


estão nos dicionários responsáveis pela compreensão entre os falantes. Os
elementos da enunciação, reiteráveis e idênticos cada vez que são
repetidos, constituem a significação que integra o aspecto técnico da
enunciação para a realização do sentido. O sentido ou tema é construído na
compreensão activa e responsiva e estabelece a ligação entre os
interlocutores. O sentido da enunciação não está no indivíduo, nem na
palavra e nem nos interlocutores; é o efeito da interacção entre o locutor e o

59 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
receptor, produzido por meio de signos linguísticos. A interacção constitui,
assim, o veículo principal na produção do sentido. O sentido ou tema tem a
sua história, é particular e concreto. Bakhtin afirma que “ O tema da
enunciação é concreto, tão concreto como o instante histórico ao qual ela
pertence. Somente a enunciação tomada em toda a sua plenitude concreta,
como fenómeno histórico, possui um tema.” A noção de
recepção/compreensão activa proposta por Bakhtin ilustra o movimento
dialógico da enunciação, a qual constitui o território comum do locutor e do
interlocutor. Nesta noção podemos resumir o esforço dos interlocutores em
colocar a linguagem em relação frente a um e a outro. O locutor enuncia em
função da existência (real ou virtual) de um interlocutor, requerendo deste
último uma atitude responsiva, com antecipação do que o outro vai dizer,
isto é, experimentando ou projectando o lugar de seu ouvinte. De outro
lado, quando recebemos uma enunciação significativa, esta nos propõe
uma réplica: concordância, apreciação, acção, etc. E, mais precisamente,
compreendemos a enunciação somente porque a colocamos no movimento
dialógico dos enunciados, em confronto tanto com os nossos próprios
dizeres quanto com os dizeres alheios. “O diálogo, no sentido estrito do
termo, não constitui, é claro, senão uma das formas, é verdade que das
mais importantes, da interacção verbal. Mas pode-se compreender a
palavra “diálogo” num sentido mais amplo, isto é, não apenas como a
comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda
comunicação verbal, de qualquer tipo que seja.

O CONCEITO DE “VOZ” E A POLIFONIA DA LINGUAGEM

Em decorrência das características de pluralidade e de alteridade que


circundam as trocas discursivas, Bakhtin insiste na intertextualidade dos
discursos, visto que todos os enunciados estão marcados por diferentes
vozes provenientes de diversos falantes e de variados contextos. “Voz” foi
um termo escolhido para se referir à consciência falante presente nos
enunciados. A característica básica dessa consciência falante é que ela
sempre carrega um juízo de valor, uma visão de mundo. “A emoção, o juízo
de valor, a expressão são coisas alheias à palavra dentro da língua e só
nascem graças ao processo da sua utilização activa no enunciado concreto”
(Bakhtin, 2000:311). Tal afirmação decorre da natureza ideológica e
dialógica da linguagem defendida por Bakhtin.

60 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
● A língua não é neutra e não passa livre e facilmente a
pertencer, como propriedade privada, às intenções do
falante; ao contrário, ela é povoada - super povoada -
pelas intenções dos outros. Impedir a influência do
outro, submetendo-a apenas às nossas próprias
intenções, é um difícil e complicado processo (Bakhtin,
1998:201).

Um enunciado sempre se constrói a partir de um determinado ponto de


vista, isto é, por meio de diferentes consciências falantes ou vozes. Bakhtin
opõe ao discurso monológico – aquele que parece se constituir de apenas
uma única voz o discurso heteroglóssico, constituído por vozes diversas.
Conforme os recursos discursivos utilizados pelos sujeitos falantes, teremos
o discurso monofónico e o discurso heteroglóssico ou polifónico. O primeiro
abafa outras vozes, enquanto o segundo permite entrever as diversas vozes
que o constituem. No discurso polifónico, há uma pluralidade de vozes que
coexistem em função do carácter dialógico das práticas discursivas; as
relações dialógicas entre discursos são perceptíveis, isto é, deixam-se ver
ou entrever. No discurso monofónico, as relações dialógicas ocultam-se por
trás de um discurso único, de uma única voz.

ANÁLISE DIALÓGICA DO DISCURSO

Segundo Bakhtin (2003), a linguagem medeia os diferentes campos sociais


de interacção. Em consequência, os usos sociais da linguagem são
multiformes e heterogéneos, assim como os são, as esferas da actividade e
comunicação humanas. Para o autor, essa mediação é realizada por
enunciados (orais ou escritos) concretos, únicos, irrepetíveis e
heterogéneos que são proferidos pelos sujeitos actuantes em determinadas
situações sociais de interacção. Assim, os enunciados reflectem as
condições sociais e as finalidades de cada esfera e situação sociais,
regularizados por meio do tema, do estilo e da composição (do enunciado)
que, em confluência, são indissoluvelmente inter-relacionados e se
constituem mutuamente.

As realizações linguísticas se efectuam como enunciados que se legitimam


e reflectem as condições sociais de produção que estão pressupostas nas

61 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
interacções de que fazem parte. O enunciado materializa as condições e as
finalidades de cada uma das esferas sociais desses enunciados, isto é, os
enunciados, como unidades de comunicação, são marcados por
regularidades sócio-temáticas, sócio-estilísticas e sócio-composicionais que
se constituem na forma de enunciados relativamente estáveis, ou seja,
essas regularidades são constitutivas dos géneros. A produção e a
compreensão de enunciados nas diversas interacções são relações
dialógicas, ou seja, os enunciados se constituem e funcionam por meio das
diferentes relações inter-subjetivas e dialógicas que os configuram e
determinam seu funcionamento nas diferentes esferas sociais de
comunicação. O enunciado como unidade real da comunicação não é uma
unidade objectiva e convencional, mas discursiva e inter-subjectiva, posto
que os limites dos enunciados são determinados pela alteridade. Nas
interacções sociais, os enunciados funcionam como “um elo da cadeia
muito complexa de outros enunciados” (BAKHTIN, 2003 p. 291).

POLIFONIA

O conceito de polifonia foi inicialmente formulado por Bakhtine (1977), no


contexto dos textos narrativos, que se caracterizam por incluírem várias
vozes, igualmente independentes, não subsumíveis à voz do narrador.
Posteriormente, Ducrot (1988) recuperou o conceito, dando-lhe um
enquadramento diferente, ao tratar das representações de várias vozes no
interior do enunciado. Para Ducrot, o próprio sentido é polifónico, na medida
em que, contrariamente à ideia tradicional da unicidade do sujeito falante,
ou seja, à ideia de que no enunciado se expressa numa só pessoa, a teoria
polifónica da enunciação afirma que no mesmo enunciado estão presentes
vários sujeitos, com estatutos linguísticos diferentes e se confrontam várias
vozes, não necessariamente em concordância. O dialogismo não deve ser
confundido com polifonia, porque aquele é o princípio dialógico constitutivo
da linguagem e esta se caracteriza por vozes polémicas num discurso. Há
géneros dialógicos monofónicos (uma voz que domina as outras vozes) e
géneros dialógicos polifónicos (vozes polémicas).

● A multiplicidade de vozes e consciências


independentes e imiscíveis e a autêntica polifonia de
vozes plenivalentes constituem, de facto, a
peculiaridade fundamental dos romances de
Dostoiévski. Não é a multiplicidade de caracteres e
destinos que, num mundo objectivo uno, à luz da
consciência una do autor, se desenvolve nos seus

62 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


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romances; é precisamente a multiplicidade de
consciências equipolentes e seus mundos que aqui se
combinam numa unidade de acontecimento, mantendo
a sua imiscibilidade. Dentro do plano artístico de
Dostoiévski, suas personagens principais, são, em
realidade, não apenas objectos do discurso do autor
mas os próprios sujeitos desse discurso directamente
significante (BAKHTIN, 1981, p. 2).

A polifonia, assim ressignificada, pode ser compreendida como a percepção


interpretativa que sujeitos-leitores apresentam quando atribuem às
diferentes vozes de uma enunciação o mesmo valor ou grau de relevância,
caracterizando a equipolência entre tais vozes. Assim, dar conta do sentido
de um enunciado, consistiria em fazer aparecer a enunciação como o
confronto de várias vozes que se sobrepõem ou se respondem umas às
outras, considerando não só o locutor e a sua posição relativamente aos
pontos de vista ou vozes postos em confronto na enunciação, mas também
estes mesmos pontos de vista postos em cena pelo locutor. O tipo de
relação que Enunciador e Enunciatário estabelecem no texto pode significar
diferentes modalidades de persuasão, por isso uma das avaliações a que
devemos proceder é justamente relativa ao material deíctico que identifica
os inter-actantes da comunicação.

● Enquanto o DIALOGISMO se refere às conversações


que estruturam uma dada linguagem,
a POLIFONIA tem como principal propriedade a
diversidade de vozes controversas no interior de um
texto. Conforme a tese do linguista russo Mikhail
Bakhtin, este conceito se caracteriza pela existência de
outras obras na organização interna de um discurso, as
quais certamente lhe concederam antecipadamente
boas doses de ascendência e ideias iluminadas. A
polifonia se refere a variadas falas que intervêm no
texto. O pesquisador russo vincula esta noção ao
romance polifónico, que se opõe ao monológico. Ele se
baseou principalmente na obra do escritor Fiódor
Dostoiévski, seu conterrâneo e autor de clássicos
como Crime e Castigo e O Idiota. Nesta modalidade
polifónica todo personagem actua livremente, com
ponto de vista, voz e postura pessoais, no contexto em
que estão inseridos.

63 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
O dialogismo se apresenta no discurso polifónico justamente através das
vozes controversas. Por outro lado, o diálogo comparece sozinho no texto
monofónico, uma vez que ele sempre aparece sob um véu, do qual apenas
se insinua uma voz, enquanto as outras são preservadas na sombra.

POLIFONIA NO JORNALISMO

Retomar o conceito bakhtiniano de polifonia, para apreender os modos


como vozes sociais são dadas a ouvir ou são silenciadas pelo jornalismo, já
constitui uma das tradições dos estudos jornalísticos, ora com
preocupações mais centradas nas questões em torno das enunciações, ora
na pressuposição acrítica de que, a mera presença de mais de uma fonte
seria suficiente para garantir a diversidade de vocalização social nas tramas
noticiosas. Tomamos como ponto de partida, que o jornalismo se encontra
socialmente envolto em permanentes negociações de sentido sobre os
acontecimentos narrados, situando-o como um importante actor social que
negocia com uma série de outros actores sociais visões de mundo
(CARVALHO, 2012) e que essa condição é particularmente importante para
a identificação do possível carácter polifónico numa narrativa jornalística
específica ou a partir de uma mídia noticiosa mais amplamente escrutinada.
Certamente o equívoco mais comum em pesquisas sobre as interconexões
entre jornalismo e polifonia está na proposição de que aquele, ao cumprir
um dos seus pressupostos – ao menos em tese – de ouvir todas as partes
envolvidas numa questão, uma notícia já teria garantida a sua qualidade
polifónica. Complementarmente, ou isoladamente, encontramos as
proposições da polifonia como sendo intrínseca a toda produção
jornalística, considerando que ela acciona, no mínimo, as falas de
repórteres e fontes na produção das suas narrativas. Veja-se o que propõe
Fernando Albuquerque Miranda, ao estudar a polifonia na reportagem
impressa:
Esse género do jornalismo (notícia), que pressupõe a
realização de uma interpretação do acontecimento para o
leitor, permite a convivência de várias vozes no texto. Essas
vozes são representadas pelas várias fontes entrevistadas,
pelas informações obtidas por meio de pesquisa (em
arquivos, documentos, livros, internet), pela voz do repórter,

64 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
que é o responsável por alinhavar essa massa informativa
dando-lhe a forma de texto jornalístico, [...] e também pelo
momento da edição, na qual a reportagem recebe o
tratamento de outros jornalistas (redactor e editor), portanto
de outras vozes, que darão o tratamento definitivo à matéria,
escolhendo títulos, chamadas de capa e fotos com suas
respectivas legendas (MIRANDA, 2008, p. 69).

Abordagens como essa têm como pressuposto um gesto necessariamente


aberto e democrático do fazer jornalístico, desconsiderando, entre outros,
os processos de rotinização e padronização da notícia (que sugerem
inclusive a ideia de “crise” no jornalismo), os controlos presentes nas
culturas organizacionais, as ancoragens sociais e perfis ideológicos das
mídias informativas que predefinem pautas e modos de abordagem, por
exemplo, (WOLF, 1989; TRAQUINA, 2002; MOUILLAUD, 2013; dentre
vários outros). No entanto, a polifonia não resulta necessariamente de uma
multiplicidade de personagens ou de agentes envolvidos na produção de
um texto – em determinadas circunstâncias, no caso do jornalismo, apenas
de fontes ouvidas para a construção das suas narrativas – mas da
evocação de diferentes vozes sociais. Mais comum em certas coberturas
jornalísticas pode ser a convocação de variadas vozes concordantes,
situando-se aquém de quaisquer possibilidades de diferenciação social, de
visões sociais de mundo conflituantes e/ou capazes de matizar contradições
sociais. A expressão, recorrentes nas redacções, de “buscar aspas”, nesse
sentido, revela o quanto as fontes e as personagens podem servir para
confirmar o enquadramento proposto na pauta e a leitura de mundo
estabelecida pela mídia informativa ao invés de efectivamente
materializarem visões sociais peculiares. Essa ingenuidade resulta,
também, dentre outras variáveis, do facto de que, tais abordagens
costumam passar ao largo das textualidades noticiosas, efectivamente
postas em circulação pelas mídias informativas e que constituem uma
realidade a ser necessariamente contemplada no escrutínio do jornalismo.

Ainda que o conceito de polifonia tenha a sua origem em textos


eminentemente verbais, na sua aproximação ao jornalismo é preciso
necessariamente verificar a articulação de diferentes linguagens que
concorrem para a configuração das notícias num jornal impresso,

65 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


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radiofónico, televisivo, de Web etc. Cada linguagem oferece relações de
sentido peculiares e o modo como elas são conformadas na textualidade
midiática depende fortemente dos padrões narrativos e estéticos de uma
mídia noticiosa específica e da forma peculiar que uma dada narrativa
noticiosa adquire.

Nesse sentido, se, por exemplo, lidamos com a perspectiva da


materialidade jornalística a partir das noções de narrativa, não pode
escapar que o gesto de narrar implica, em boa medida, articular
personagens em situações de complexidade, o que permite melhor verificar
as vozes sociais de que são portadoras, incluindo aí as problematizações
acerca das relações entre temporalidades e tessitura da intriga (RICOEUR,
1994; 1997). É assim que uma narrativa pode conter uma única
personagem e essa ser dotada da capacidade de trazer à tona uma grande
diversidade de pontos de vista sobre o mundo social, inclusive tendo em
vista sua historicidade e os conflitos de interpretação nele presentes. O
contrário também é possível: várias personagens e/ou fontes concordarem
nos seus pontos de vista, não constituindo polifonia.

Além disso, uma notícia nunca vem sozinha. Ela compartilha secções,
páginas, blocos de uma mesma edição de uma dada mídia informativa, da
mesma forma que se relaciona – de diferentes modos – com a variedade de
notícias postas em circulação na emergência periódica das mídias
informativas (seja no ritmo de suas edições ou actualizações). Assim, por
exemplo, um acompanhamento do tratamento jornalístico de um tema
complexo, como a homofobia, tal como o feito por Leal e Carvalho (2012),
pode verificar a emergência de relações polifónicas para além de uma dada
notícia, no âmbito – contraditório e multifacetado – de jornais impressos,
revistas e telejornais. Tais relações, por sua vez, dependem fortemente do
modo como as notícias são compostas, como “lembram”, “esquecem”,
“reafirmam” ou “negam” outras notícias. A noção central da polifonia como
concerto de vozes sociais imiscíveis nem sempre é levada em consideração
em alguns estudos sobre as interconexões entre jornalismo e polifonia,
criando simultaneamente problemas de ordem teórica e metodológica. Se
tivermos clareza que polifonia surge para Bakhtin como um conceito em
oposição àquilo que ele havia detectado como autoritarismo do autor no

66 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
romance, fruto da monologia na construção das personagens, torna-se mais
claro o desafio de apropriar as noções do pensador russo para o campo de
estudos do jornalismo. É necessário ter em conta que a linguagem tem uma
natureza dialógica, que lhe é constitutiva, motivo pelo qual é possível
extrapolar suas proposições conceituais para além do universo das
pesquisas literárias. O “mundo do texto” noticioso é algo que resulta dos
interesses organizacionais, das condições e padrões de produção, das
disponibilidades de recursos linguísticos e técnicos, de espaços e tempos e
não necessária e obviamente do espelhamento de um dado processo de
apuramento.

HETEROGENEIDADE DO DISCURSO

O conceito de heterogeneidade promove um deslocamento ao considerar a


enunciação e não apenas a gramática. Isto é, discute a noção de
enunciação e seus efeitos ilusórios. Foi com a linguista Jaqueline
Authier-Revuz (1990, 2004) que o conceito de heterogeneidade se
desenvolveu e ganhou espaço. A partir da noção de dialogismo e de
polifonia desenvolvida por Mikhail Bakhtin, que Authier-Revuz estabelece o
conceito de heterogeneidade enunciativa, possibilitando a Análise do
Discurso um aporte teórico-metodológico para a análise do outro na
discursividade produzida por e em materialidades linguísticas.

De acordo com Bakhtin (2010), a língua, no seu uso real, não considerada
apenas como um conjunto abstracto de signos, tem a propriedade de ser
dialógica. Aqui o autor não se refere apenas à interacção presencial, ao
diálogo face a face. Refere-se à realidade de que, para construir o seu
discurso, o enunciador, necessariamente, considera o discurso de outrem.
Assim, o dialogismo deve ser pensado não em termos semânticos ou
lógicos, mas em termos de ponto de vista de sujeitos sociais sobre uma
realidade dada. Com base nos princípios bakhtinianos, a Análise do
Discurso de linha francesa propõe o princípio da heterogeneidade, a ideia
de que a linguagem é heterogénea, ou seja, de que o discurso é tecido a
partir do discurso do outro, que é o “exterior constitutivo”, o “já dito”, sobre o
qual qualquer discurso se constrói. Para Jaqueline Authier-Revuz o discurso

67 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
é heterogéneo, pois “sempre sob as palavras, ‘outras palavras’ são ditas: é
a estrutura material da língua que permite que, na linearidade de uma
cadeia (discursiva), se faça escutar a polifonia não intencional de todo
discurso” (AUTHIER-REVUZ, 1990, p. 28). A teoria mostra que o sujeito não
é uno como se acreditava e que todo dizer traz, necessariamente, outros
dizeres. Por isso a heterogeneidade discursiva estuda a relação entre a
língua e o que é considerado como seu “exterior”, procurando entender
como se dá a inscrição do Outro/outro no discurso. A autora busca colocar
em evidência as rupturas enunciativas no fio do discurso e apresentar os
elementos decisivos para o surgimento de um discurso, outro, no discurso
do mesmo. Apoiando-se nessa releitura, Authier-Revuz articula a
heterogeneidade com o inconsciente da psicanálise e afirma que: Sempre,
sob nossas palavras, “outras palavras” são ditas: é a estrutura material da língua que
permite que na linearidade de uma cadeia, se faça escutar a polifonia não intencional de
todo discurso, através da qual a análise pode tentar recuperar os indícios da “pontuação
do inconsciente” (1990).

HETEROGENEIDADE MOSTRADA E HETEROGENEIDADE


CONSTITUTIVA

Para Jaqueline Authier-Revuz existem dois tipos de inscrição do Outro/


outro no discurso, que são:

❖ A Heterogeneidade mostrada (marcada ou não marcada):

Nas palavras da autora trata-se de formas linguísticas de representação de


diferentes modos de negociação do sujeito falante com a heterogeneidade
constitutiva do seu discurso. Para ela existem dois tipos de enunciados:
aqueles que mostram a heterogeneidade, marcada explicitamente e
aqueles cujas marcas não são explícitas.

Como exemplo de heterogeneidade mostrada e marcada, temos as glosas


enunciativas, o discurso relatado (formas sintácticas do discurso directo
(como no exemplo a seguir: “Saiamos do Facebook”) e do discurso indirecto
( “A ministra Maria do Rosário, da Secretaria dos Direitos Humanos da
Presidência da República, disse que as descobertas feitas pela Comissão

68 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
Nacional da Verdade, como o esclarecimento da morte do deputado Rubens
Paiva, abrem uma oportunidade para "todos aqueles, militares ou civis, que
participaram daquela época de torturas em nome do Estado").

Em suma, a heterogeneidade mostrada diz respeito a outras vozes


manifestadas e presentes no texto, portanto localizáveis na cadeia do
discurso. Por exemplo, numa reportagem jornalística, o autor traz à tona o
que outros disseram, muitas vezes citando-os textualmente. Em textos
académicos, costumamos trazer falas de outros que corroboram o nosso
ponto de vista.

A Heterogeneidade não-marcada trata de um processo mais complexo por


não apresentar marcas imediatas na superfície linguística, exigindo dos
analistas uma maior atenção aos processos de derivação no campo
enunciativo para observar a sua representação. Aparece, principalmente,
em forma de discurso indirecto livre, ironia, slogan e provérbio. O slogan -
um dos marcos principais de divulgação publicitária das empresas é outro
mecanismo que propõe a presença do outro “no fio do discurso”.

❖ A Heterogeneidade constitutiva: é aquela que não aparece marcada


linguisticamente no fio do discurso, o Outro/outro não aparece de
forma explícita. Para Authier-Revuz (1990, p. 32) este processo se
refere “aos processos reais de constituição de um discurso”, já que
todo discurso traz outros sujeitos em sua constituição. “Todo discurso
é constitutivamente atravessado pelos ‘outros discursos’ e pelo
‘discurso do Outro’”. Logo, a heterogeneidade constitutiva, também
chamada de dialogismo, revela uma propriedade essencial da
linguagem humana, que é o facto de todo discurso se construir a partir
de outros discursos. Esse tipo de heterogeneidade não está
explicitado no texto, portanto, não é localizável na cadeia do discurso.
Aquilo que o texto afirma se constrói a partir de um ponto de vista que
refuta ou adere.

Fica claro, a partir das considerações de Authier Revuz, que as palavras


não são exclusividade de um enunciador. Elas são sempre escolhidas
levando-se em consideração as palavras de um Outro, que já foram ditas

69 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
em algum lugar da história e, por isso, estão impregnadas de valores
ideológicos, modificando o seu sentido em função do momento, do uso e do
lugar discursivo do enunciador. É importante percebermos que ao fazer uso
da heterogeneidade, característica do discurso, o sujeito dá a ilusão de ser
uno, de ser a origem do dizer, de ser homogéneo e despojado de conflitos.
Essa percepção é fundamental para a Análise do Discurso que tem na
presença do «Outro» no discurso, uma de suas características
fundamentais.

5. DIACRONIA CRÍTICA DOS CONCEITOS DE DISCURSO E DE


TEXTO.
5.1. O DEVER DA PALAVRA NAS SOCIEDADES PRIMITIVAS

A expressão sociedade primitiva tem um sentido muito preciso nas


correntes evolucionistas, designando as sociedades que representam os
primórdios da civilização. Primitivas são, assim, as sociedades e as culturas
tidas como elementares e originais. Segundo Spencer, as sociedades
evoluiriam dos estados primitivos (homogéneos) aos estados modernos
pela diferenciação das partes e a especialização das funções. Torna-se,
portanto, natural que, de acordo com a perspectiva evolucionista, se
considere como inferiores e selvagens as sociedades anteriores à
civilização, definidas por aquilo mesmo que não possuem e que permitiu às
outras sociedades tornarem-se civilizadas: a escrita, um conjunto de ideias,
valores, leis, artes, técnicas e condições materiais que possibilitaram a
urbanização, o surgimento de um domínio político e do Estado, o ensino,
etc. As sociedades ditas primitivas são, neste sentido, sociedades mais
simples, ou sociedades sem Estado.

Segundo Clastres, a ausência de Estado nas sociedades primitivas não


equivale a uma ausência do político; "a sociedade primitiva - diz Clastres -
exerce um poder absoluto e completo sobre tudo o que a compõe." No que
respeita a designação de sociedades primitivas, acontece que as
conotações ideológicas e etnocêntricas aliadas ao termo primitivo
("mentalidade primitiva" ou "pré-lógica" de Lévy-Bruhl) fizeram da expressão
sociedade primitiva uma noção caduca. Daí que outros termos tenham sido
propostos, como sociedade (e mentalidade) "arcaica", sociedades "sem
escrita", "pensamento selvagem" (Lévi-Strauss). De facto, as sociedades

70 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
que foram designadas de primitivas caracterizam-se por serem sociedades
baseadas na oralidade, não dotadas de práticas de escrita e de técnicas
modernas; daí a expressão de arcaicas.

5.2. O DISCURSO HUMANO ENQUANTO CONSTRUÇÃO DO/CONTRA O


PODER

Defender que o discurso humano é pluridimensional é aceitar que existem


diversas dimensões que o constituem. Como se pode concluir, umas podem
ser consideradas mais importantes que as outras, como são o caso das
dimensões sintáctica, semântica e pragmática. A importância desses
discursos parece-nos facilmente compreensível, assim como será fácil
estabelecer entre elas as respectivas relações e implicações. Dentre elas
podemos destacar as seguintes dimensões: linguística, textual,
lógico-racional, expressiva ou subjectiva, intersubjectiva ou comunicacional,
argumentativa, apofântica ou representativa, comunitária, institucional e
ética.

A condição de possibilidade de um discurso, depende fundamentalmente do


contexto social, ou seja, depende das transformações ou contradições
existentes no conjunto das relações sociais. Este contexto social é o
conjunto das relações sociais no qual emerge aquele que profere o discurso
a partir da sua posição em tal contexto, o que implica tudo que é derivado
daí (interesses, valores, etc.). As condições de possibilidade do discurso
científico (que, por sua vez, carrega uma multiplicidade de discursos no seu
interior) estão ligadas ao processo histórico de constituição da sociedade
capitalista. A ascensão da moderna sociedade capitalista trouxe consigo um
enorme desenvolvimento das forças produtivas e a necessidade de
aumentar o controlo sobre o meio ambiente visando à maximização do lucro
(o que proporciona o desenvolvimento das ciências naturais) e sobre a
sociedade para conservá-la e lhe permitir um desenvolvimento estável (o
que proporciona o desenvolvimento das ciências sociais). Isto significa que
é a luta de classes num determinado período histórico que torna possível a
formação do discurso científico. Mas uma vez instituído, o discurso tende a
se cristalizar, tal como a sociedade que lhe produziu, tal como Fromm
(1979) destacou se referindo à linguagem. A sociedade capitalista surge
dos escombros da sociedade feudal, mas a ciência não poderia derivar
directamente da teologia, que era a forma dominante de ideologia
dominante no feudalismo. O combate entre burguesia e nobreza feudal

71 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
forjou as armas culturais que a primeira utilizaria para a combater a
segunda e posteriormente formar a sua própria forma de ideologia e seu
próprio discurso. Estas armas foram retiradas da sociedade escravista que
havia criado a filosofia (Viana, 2000). O renascimento e o iluminismo
produziram o contexto cultural necessário que possibilitou a superação da
teologia e para a formação da ciência. Além disso, há a fonte representada
pelos elementos apontados por Fromm, a língua e suas características
próprias, que, devido sua homologia com a sociedade que a produz,
também cria determinações na formação de um discurso. Portanto, o
contexto social e o contexto cultural formam as condições de possibilidade
de formação de um discurso. Mas tanto um quanto o outro são formas de
expressão da luta de classes e isto significa que as condições de
possibilidade de um discurso estão indissoluvelmente ligadas ao
desenvolvimento histórico das lutas de classes e cada discurso corresponde
ao interesse de uma ou outra classe em luta, ou seja, não se pode deixar de
lado o facto de que o discurso é um produto social, isto é, uma produção
dos indivíduos que pertencem a determinados grupos sociais.

Assim, o processo de constituição de um discurso possui “múltiplas


determinações”, sendo que o contexto social é a sua determinação
fundamental e o contexto cultural sua determinação formal, embora exista
uma influência recíproca entre ambos. Mas isto é realizado efectivamente
pelos indivíduos, seres humanos concretos, que através de seu processo
histórico de vida são formados por estes contextos, mas através da
especificidade de cada vida individual, o que permite múltiplas formas de
discursos, principalmente derivados de grupos sociais nos quais eles estão
inseridos ou envolvidos, fundamentalmente nas classes sociais (Marx &
Engels, 1992). O discurso possui duas partes constitutivas: a estrutura e a
conjuntura. Estas partes, por sua vez, possuem os termos (palavras,
noções, conceitos, etc.) como unidades constitutivas. Na estrutura do
discurso a ligação entre os termos ocorre de forma articulada e na
conjuntura de forma desarticulada. Esta articulação pode ser espontânea ou
planeada. A estrutura do discurso é unissémica e a conjuntura é
polissémica e ela pode ser coerente ou não com a estrutura. Em alguns
discursos predominam a estrutura e em outros a conjuntura, dependendo
do seu nível de articulação e organização. O sentido das palavras
estruturantes do discurso devem ser descobertas na sua articulação interna
e o sentido das palavras conjunturais do discurso remete ao seu papel na
totalidade do discurso.

72 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
Em outras palavras, para se compreender o sentido de uma palavra (o que
significa realizar um estudo semântico) é preciso nos remetermos ao
contexto discursivo no qual tal palavra está inserida. Portanto, para se
entender a unidade do discurso é preciso compreender sua totalidade e
para se compreender esta é necessário compreender aquela. Quando se
focaliza as unidades do discurso (os termos) se faz um estudo semântico e
quando se focaliza sua totalidade (estrutura, conjuntura) se faz uma análise
do discurso. Entretanto, ambos os procedimentos são necessários e se
complementam.

COMO SE MANIFESTA A LUTA DE CLASSES NO DISCURSO?

Ele se manifesta de acordo com as relações de poder na sociedade, o que


significa que existe a supremacia da classe dominante, que se manifesta
sob várias formas. Iremos destacar tal supremacia para depois apontar para
o processo de resistência realizado pelas classes exploradas. Para analisar
a relação entre discurso e poder podemos lançar mão de um conjunto de
contribuições, tais como, as da análise do discurso, Bourdieu, Foucault,
Bakhtin, dentre outros. Assim, vemos concretamente o processo de censura
da consciência. O indivíduo está submetido aos limites impostos por sua
língua, sua lógica e pelos tabús sociais. Possui uma dificuldade linguística e
lógica de manifestar um discurso diferente e ainda tem os tabus sociais que
reprimem as tentativas de se desenvencilhar dos dois primeiros obstáculos
anteriores. Podemos dizer que estes elementos presentes na consciência
também estão presentes nas formas de discurso existentes na nossa
sociedade. Assim, o discurso é sempre um determinado discurso. Aqui
podemos retomar a contribuição de Foucault sobre a interdição, a
segregação e a rejeição. A classe dominante predomina em todas as
instituições sociais, comandando o processo de produção e reprodução do
discurso. O discurso científico, o discurso político, o discurso religioso etc.,
são controlados por aqueles que detêm o poder. Tomemos o exemplo do
discurso científico. Não é qualquer discurso que consegue o status de
científico e nem que atinge a legitimidade na sua esfera. O discurso
científico delimita o seu campo de actuação e se auto-define, excluindo tudo
o que escapa da camisa de força que ele produz. A ciência passa a ser
cercada de um conjunto de critérios definidores (os chamados “critérios de
cientificidade”), técnicas, objectivos, formas de procedimento, que tem o
efeito de impedir a manifestação de um discurso crítico. A epistemologia e a
metodologia são partes deste processo de interdição no discurso científico.
Para muitos, por exemplo, o marxismo e a psicanálise, devido ao carácter

73 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
subversivo do primeiro e do potencial crítico do segundo, não são discursos
científicos, pois, para uns, não são “neutros” e, para outros, não podem ser
“refutados” por pesquisas empíricas (não há como refutar a teoria do
valor-trabalho ou a teoria do inconsciente através de dados empíricos).

A interdição do discurso marxista e psicanalítico vem acompanhada pela


rejeição destes e outras formas de discurso. Mas, além disso, actua a
legitimação de uma forma de saber pelos especialistas nele, tal como
colocou Bourdieu. Este autor contribui de forma especial quando alerta para
o facto de que os discursos não servem somente à classe dominante, mas
também aos especialistas que os produzem (embora devamos acrescentar
que tais especialistas, ao produzirem os seus discursos de acordo com os
seus interesses, reproduzem os interesses da classe dominante. Assim,
Foucault e Bourdieu nos fornecem elementos para pensar a produção do
discurso como produto das relações de poder na sociedade. Aqui podemos
nos reencontrar também com Bakhtin e a teoria da luta de classes em torno
do signo. Também nos reencontramos com a tese de Ardiner a respeito dos
grupos silenciados. Segundo esta teoria, os grupos dominantes na
sociedade silenciam a voz dos grupos dominados e a voz destes quando
aparece, nos raros casos em que isto ocorre o faz sob a linguagem própria
dos dominantes. No entanto, o próprio discurso pode ser uma manifestação
do poder. O discurso censurador, por exemplo, é uma manifestação do
poder. O discurso é censurado, mas não todo discurso, assim alguns
discursos (e podemos dizer que alguns elementos gerais em todos os
discursos), principalmente aqueles produzidos por indivíduos das classes
exploradas e grupos oprimidos. O discurso da classe dominante e suas
classes auxiliares não sofre tanta censura e, na maioria das vezes, são
censuradores. O discurso censurador impede a manifestação de outros
discursos, cria determinados discursos e impede/produz determinadas
acções. O discurso de um líder fascista é mobilizador e censurador dos
discursos opostos.

O discurso dos explorados e oprimidos pode e muitas vezes é um discurso


emancipador, quando ele rompe com a censura do discurso dominante ele
se transforma num meio de libertação. Por conseguinte, é preciso saber
qual discurso e de quem é o discurso para saber das suas tendências,
reprodutoras do poder ou questionadoras dele. O discurso tanto pode ser
um reprodutor do poder como ser crítico do poder, bem como ser uma
manifestação do poder ou manifestação da luta contra o poder.

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A CRÍTICA SOCIAL

No entanto, a força das críticas ideológicos (provenientes essencialmente


da Teoria Crítica), à racionalidade e à objectividade é aumentada por um
terceiro movimento, a crítica social, de importância capital para a
emergência do Discurso e da Análise do Discurso em particular. Para este
movimento crítico social é fundamental ter em consideração os trabalhos de
Michel Foucault (1972; 1979) sobre as relações entre poder e saber. O
conhecimento do senso comum acerca da relação entre saber e poder
assume que o saber faz aumentar o poder de qualquer pessoa (Burr, 1995).
No entanto, Foucault apresenta uma versão distinta. O que designa por
“conhecimento” refere-se simplesmente à construção particular ou à versão
de um fenómeno que recebeu a etiqueta de “verdade” na nossa sociedade
(Gergen, 1982). Mesmo dentro do Discurso da ciência, o que se pode
encarar como verdade mudou de forma marcante em pouco espaço de
tempo e tais mudanças não podem simplesmente ser vistas como resultado
do progresso da própria ciência. Para Foucault (1972), o saber (a visão
particular do senso comum acerca do mundo, prevalecente numa cultura,
num dado momento) está intimamente associado com poder. Cada versão
de um acontecimento acarreta consigo o potencial para uma prática social e
para a marginalização de formas alternativas de funcionamento. Desta
forma, o poder para agir de determinada maneira, reclamar recursos,
controlar ou ser controlado depende dos “saberes” prevalecentes na
sociedade. Para Foucault, o poder e a resistência são dois lados da mesma
moeda. O poder implícito num Discurso é apenas manifesto devido à
resistência de outro.

Foucault rejeita a ideia de poder associado essencialmente à força


repressiva, vendo-o mais na sua forma (mais eficaz) produtiva, “quando
produz” saber. Ele acredita que, nas últimas centenas de anos, se tem vindo
a observar a emergência de uma série de práticas culturais e institucionais
que têm como produto “o indivíduo” que temos hoje. Mudanças na natureza
da sociedade, trouxeram consigo práticas sociais que permitiram a
emergência de certos Discursos (ou saberes). Esses Discursos
“produziram” o indivíduo da sociedade ocidental contemporânea: uma
pessoa que sente que tem necessidades, motivações, traços e
características e cuja livre escolha é monitorizada pela consciência.

75 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
5.2. INTRODUÇÃO À RETÓRICA

A Retórica encontra o seu expoente máximo na democracia, em especial,


no Espaço Público onde os cidadãos pugnam por uma sociedade livre no
momento em que procuram provocar a adesão dos seus pares aos seus
ideais. Persuadir é levar os sujeitos – capazes de livremente as rejeitarem –
a voluntariamente aderirem ou afiliar-se nas ideias que lhe são propostas. É
requerer o assentimento para transformar o modo de pensar sobre
determinado assunto. Por isso, desde o passado até à contemporaneidade,
verificamos a estreita ligação entre a democracia e a retórica.
A Definição de Retórica Quintiliano (1994) explica que é a arte de bem falar
e demonstrar loquacidade e expressividade diante de um auditório com o
objectivo de ganhar a adesão para a sua causa. Nota-se uma ênfase na
oralidade e implica-se um carácter argumentativo na medida em que a
adesão se baseia na apresentação discursiva e racional de teses
devidamente justificadas perante uma situação de indefinição.

Aristóteles define mais precisamente a Retórica como “a capacidade de


descobrir o que é adequado a cada caso com o fim de persuadir” (Retórica,
1355 b25). Para Aristóteles, a Retórica é uma arte teórica que se desdobra
a partir da natureza humana. E acrescenta que os modos da persuasão são
os grandes constituintes desta arte: tudo o resto é acessório. Para os
Antigos, a Retórica englobava aspectos distintos ligados à linguagem: tanto
referia o estudo do discurso (Sócrates), como as técnicas de persuasão
(Aristóteles) ou a eloquência (Quintiliano). Porém, a eloquência não
significava pura ornamentação ou embelezamento discursivo. Era, antes,
um marcador fundamental da moralidade. Nas Instituições Oratórias (II, 14),
Quintiliano declara: “Aquilo que melhor caracteriza [a Retórica] é ter sido
definida como a ciência do bem-dizer (bene dicendi scientia) porque isso
abrange simultaneamente todas as perfeições do discurso e a própria
moralidade do orador, uma vez que não se pode falar verdadeiramente se
não formos homens de bem”. Observamos, assim, que a eloquência se
coloca ao serviço da Virtude sendo um elemento de elevação moral do
homem. Persuadir falando bem e não tanto falar bem para persuadir. Dito
de outra maneira, a persuasão já está incluída na própria forma da
veemência oratória.
Para Santo Agostinho, a Retórica expressa de forma clara, ornamentada
(sempre que necessário) e integral – mas também persuasiva – as

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verdades que o pensamento descobriu cuidadosamente. A eloquência é,
assim uma qualidade ao serviço da Retórica enquanto método de buscar o
conhecimento e a verdade. E Cícero escreveu no De Oratore, que a
eloquência é inseparável da profunda erudição e dos grandes feitos. O
grande orador seria aquele capaz de adquirir o vasto conhecimento dos
assuntos humanos já que sem dominar as questões sobre as quais discursa
o orador culmina numa pueril e estéril expressão. O problema de
aceitarmos sem crítica, que a Retórica é a arte de bem falar é que isso pode
potencialmente levar-nos a separar uma arte da persuasão, de uma arte de
agradar e, consequentemente, levar-nos a fazer coincidir a Retórica com a
mera adulação, corrupção ou manipulação (esta é crítica que aparece num
dos mais importantes textos sobre retórica e sofística, o Górgias de Platão).
Mais, pode inadvertidamente levar-nos a fazer passar o verosímil e a
opinião como factos e verdades. Se generalizarmos o termo e nele
incluirmos todas as tentativas de uma comunicação perlocutória capaz de
modificar um estado de coisas existente podemos compreender
erradamente a Retórica. De forma a reduzir a ambiguidade inerente é útil
perspectivar a eloquência, não como uma qualidade ou atributo da
persuasão, mas como a própria forma da persuasão.

Tradicionalmente, a Retórica foi estudada a partir de uma razão logocêntrica


que reduz a manifestação discursiva a realizações linguísticas. Porém,
podemos entender a noção de Discurso como a construção discursiva da
realidade na esteira do pensamento de Foucault (1999). Na medida em que
os discursos contêm visões de mundo que sustentam os sistemas de
pensamento dos grupos sociais em relação à sociedade (defendendo,
reforçando e legitimando as suas ideologias e interesses), os discursos
possuem um enorme potencial retórico. Dito por outras palavras, o exercício
retórico de persuasão decorre por intermédio dos mais variados discursos e
as suas formas simbólicas. Há uma imbricação congénita. Isto significa que
o campo da retórica é, deste modo, muito mais ecléctico. Não estando
circunscrito a uma dissertação verbal (oral ou escrita), nem a uma razão
linguística, os discursos de persuasão envolvem um campo de
possibilidades infinito, desde a imagem publicitária, passando pelo silêncio
até aos usos de procedimentos digitais como estratégia persuasiva. Dado o
enorme campo de aplicação da persuasão, sugerimos que a retórica é a
arte de persuadir através do discurso, seja ele verbal ou não-verbal, como
por exemplo, o discurso visual. Pode, pois, envolver elementos pictóricos
mas igualmente elementos de ordem computacional ou procedimental.
Assim, podemos definir a Retórica como a arte que se dedica a dirimir

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discursivamente uma questão tida por premente, a qual requer uma decisão
através do emprego deliberado de estratégias discursivas persuasivas
dirigidas a um conjunto particular de pessoas, visando transformar uma
dada situação – existente e problemática – por intermédio da adopção de
novas formas de pensamento e acção.
A comunicação é retórica quando trata precisamente de realizar a
identidade e vencer as divisões (políticas, sociais, culturais) que separam os
homens. Eis a retórica ao serviço dos homens: uma retórica que persuade
para aproximar.

5.3. CRISE DAS SOCIEDADES ORAIS E DISSEMINAÇÃO DA CULTURA


ESCRITA

No Mundo contemporâneo estão a decorrer processos de mudança social


com uma amplitude sem precedentes nas últimas décadas. A chamada
crise financeira, fortemente mediatizada e de largo impacto à escala
mundial, denuncia e ofusca a existência de movimentos de reconfiguração
profunda das instituições sociais: educação, trabalho, família, justiça,
economia, ciência. Mas a crise é, afinal, um fenómeno social total, que
importa captar através de uma reflexão sociológica profunda, apontando
pistas de superação num sentido emancipatório.
O distanciamento entre oralidade e escrita resulta de diferentes trabalhos
discursivos, como tais marcados pelos processos sociais de apropriação
das diferentes modalidades da linguagem.

A escrita, exigindo aprendizagem formal e transmissão social marcada,


sofreu um processo de apropriação social por certas camadas da população
que nela foram imprimindo seus modos de apreciação do mundo, seus
modos de falar, suas palavras – no sentido de lógos – de modo que
qualquer outra escrita que não se conforme ao discurso proferido pelas
camadas que se apropriaram de um artefacto colectivamente construído é
considerada não escrita, quando na verdade o que se está excluindo são os
discursos proferidos e seus sujeitos sociais. A comunidade científica está,
hoje, diante de um desafio de elevado risco: claudicar da sua autonomia
analítica e subscrever as teses apriorísticas e convencionais do discurso
leigo sobre a sociedade, ou agarrar o seu desígnio da compreensão e
explicação da complexa realidade social, não como uma narrativa
coadjuvante, mas sobretudo como narrativa crítica e construtiva.

Quais são os efeitos da cultura escrita para as sociedades?

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Certamente que se trata de pergunta complexa e antiga, pois, já no século
XV se ensaiavam respostas para esta questão. Entretanto, foi com a
modernidade que se evidenciou a expressiva preocupação com as
consequências da palavra escrita, discussão que tomou fôlego nos séculos
XVIII e XIX. Existem aspectos que se atrelaram de modo muito peculiar à
uma tradição intelectual, especialmente em França, cujas novas formas de
conceber o mundo pregadas pelos iluministas, enfraquecem as estruturas
políticas e religiosas conservadoras, se espalhando por toda a Europa. Há,
portanto, particularidades da cultura escrita, que se efectivaram no Siècle
des Lumières e se consagraram no “agir” do espírito dos autores daquela
época, cuja propagação influenciará definitivamente o mundo ocidental. Por
exemplo, a circulação de ideias efectivada por meio da Encyclopédie ou
Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers, produzida por
Diderot e D’Alembert, e que consagrou o pensamento de nomes como
Voltaire, Rousseau e Montesquieu. A “crise do livro”, forte discussão da
actualidade, depois de séculos de tradição literária, tem sido alvo contínuo
dos debates intelectuais e académicos. Porém, de acordo com Chartier
(2001, p.21), a “Crise do livro apareceu na França em 1890”. Já naquele
período, editores e livreiros, entre outros, mostravam-se preocupados com
uma superprodução livresca e que o mercado não tivesse condições de
absorver. “Mas essa crise do final do século XIX indica algo mais profundo,
que ocorre quase que desde os primeiros livros impressos, frente a
pensamentos contraditórios sobre a cultura escrita.” (CHARTIER, 2001,
p.21). Todavia a forte presença de elementos políticos, religiosos e culturais
também marcou a chamada crise do livro no “século das luzes”,
influenciando tanto as práticas de leitura da época como as representações
do livro. Rousseau, por exemplo, ao publicar em 1762, Emilio ou da
Educação e Do Contrato Social, ambos considerados ofensivos às
autoridades, vivenciou fortes perseguições políticas pelas ideias e
propostas pedagógicas sobre a reforma da educação que mudaria o
homem político e cidadão. O paradoxo de um poder político, em
contraposição a um poder intelectual, levava autores a desenvolver le
livre-saveur que ajudara a “ditar” os rumos dos acontecimentos e os
prenúncios do contexto revolucionário.

A cultura escrita abriga pensamentos complexos de épocas e sujeitos


distintos, cujas ideias prendem-se a dimensões políticas, históricas,
religiosas e filosóficas. Por exemplo, com relação ao Cristianismo, o século
XVIII, muito além da Idade Média, abriga ainda certo poder sobre os textos

79 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


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escritos e os leitores. Não mais sob o modelo católico exclusivamente, pois
a cultura protestante se apresenta com novos modos de ler e de interpretar
a Bíblia, que “se torna uma alegoria que cobre práticas religiosas
heterogéneas: é um espaço simbólico onde as experiências individuais
encontram com o que se exprimir.” (CERTEAU, 1982, p. 190). A
historicidade da cultura escrita vai além da materialidade e depende
fortemente do espírito e das ideias humanas que dão sentido ao texto.
Conforme o pensamento cartesiano, característico da ciência moderna, “O
sujeito se torna um observador do mundo e enquanto observador do
mundo, o sujeito é a única posição legítima de produção do saber.”
(GUMBRECHT, 2004, p. 19). Por conseguinte, essas complexas
implicações dialécticas entre materialidade e espírito geraram uma “crise da
epistemologia ocidental no século XIX”. Desse modo, “re-presentificar” o
passado do impresso exige amplo esforço de exposição de pensamentos e
saberes dispersos na historiografia envolvendo a materialidade, o corpo, a
natureza, a estética, a produção de sentido, as representações, impulsos e
desejos para ir adiante com o desafio intelectual em compreender as
práticas de leitura e escrita.

5.4. A PASSAGEM DAS ESTRUTURAS MÍTICAS ÀS ESTRUTURAS


DISCURSIVAS DA CULTURA OCIDENTAL

Os mitos podem ser entendidos como representações de verdades


profundas da mente e as uniões deles em conjunto, de acordo com as suas
origens, formam as diversas mitologias que conhecemos. A consciência
humana afirma-se desde a sua origem como estrutura do universo. Na
antiguidade, o mito reinava sem rival, pois era um tempo em que o mito não
era reconhecido como tal. Analisaremos a evolução dos mitos dentro da
sociedade grega e de como ele se adapta à realidade e à cultura de um
determinado povo.
Analisar a importância do mito na explicação do mundo grego é falar de
como, aos poucos, ele foi se desligando da totalidade da realidade para se
tornar algo particular de determinada parcela da população. Ainda como
parte da reflexão, analisaremos a ligação do mito com a explicação da
realidade e de como ele une determinados grupos, os quais encontram no
mito um ponto em comum. O mito é para quem o vive, uma forma de
realidade, é para o mundo inteligível que dele nasce, uma totalidade
indefinível. Configura o mundo nos seus momentos primordiais, relata uma
história sagrada; propõe modelos e paradigmas de comportamento; projecta
o homem num tempo que precede o tempo; situa a história e os

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empreendimentos humanos num espaço indimensionável, define os limites
intransponíveis da consciência e as significações que instalam a existência
humana no mundo. O mito é uma forma de narrativa. Os mitos
apresentam-se como possível explicação ou interpretação da realidade e
dos acontecimentos. Para quem vive o mito, ele é a única história
verdadeira, proposta numa linguagem acessível à génese do mundo, das
coisas e do homem. Os mitos reproduzem ou repropõem gestos criadores e
significativos, que permanecem sustentando a realidade constituída. A
realidade mítica é sempre cósmica, porque todas as coisas propostas
constituem um cosmos. Não são objectos perdidos num todo desordenado.
O cosmos mítico não é opaco e fixo em na sua realidade ontológica. É um
mundo ordenado e vivo, transparente, harmonioso, festivo, mas, acima de
tudo, profundamente coeso em sua unidade. O mundo real apresenta­se
sempre como uma totalidade. A realidade é uma só, na sua consistência
final.

O sobrenatural está presente na natureza, participando na constituição dos


fenómenos vividos ou admirados. Isto não significa que os homens
fechassem os olhos diante da realidade e dos fenómenos da natureza. Eles
percebiam a existência de fenómenos naturais, como a chuva, a
tempestade, a maré, a vegetação, a seca, a humidade, o vivo e o não­vivo e
percebiam igualmente a relação que há na natureza, entre causa e efeito,
bem como a diferença entre condições favoráveis e desfavoráveis. Não
possuem, porém, nenhuma razão para reflectir sobre as ligações entre
fenómenos que se verificam sempre. Acontecem por si, existem,
aproveita­se deles e isto basta.

O mito entre os clássicos é tido como uma forma inferior ou até mesmo
deformada do pensamento intelectual, ou seja, os gregos atribuíram ao mito
apenas uma verossimilhança com a verdade. Juntamente com essa
inferioridade atribuída ao mito, em determinados casos, é atribuída uma
validade religiosa e moral. Essa atribuição se dá devido a incapacidade de
se poder demonstrar claramente a sua validade através de raciocínios
abstractos o que no campo da moral e da religião, não se faz mister provar
a sua validade através de raciocínios lógicos. A função do mito não é,
primordialmente, explicar a realidade, mas acomodar e tranquilizar o
homem num mundo assustador. A concepção de mito que temos é uma
herança de nossa cultura ocidental. O mito nos é apresentado como aquilo
que não é. Ele se opõe ao real, por um lado, e ao racional, por outro. Dessa
maneira, para obter uma compreensão do que é o pensamento mítico,

81 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


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precisamos partir dessa moderna forma de interpretação. Quando nos
referimos a um determinado mito, faz­se mister estar consciente do que está
presente no contexto daquele determinado mito. Todo mito tem um estatuto
social e intelectual; todo mito tem a sua linguagem e o seu pensamento
próprio.

O MITO NO CONTEXTO ACTUAL

O mito possibilita ao homem um conhecimento anterior das coisas, que


aquilo ao qual ele se empenha, já foi feito por alguém, excluindo toda e
qualquer dúvida. Poderíamos nos perguntar: Por que temer em fazer uma
expedição marítima quando um herói mítico já a efectuou num tempo
fabuloso? Basta apenas que se siga o seu exemplo. Essa visão de mundo
permite ao homem das sociedades onde o mito é algo presente e vivo uma
visão aberta do mundo, mesmo quando este lhe parece fragmentado e
misterioso. O mundo, no qual o homem se encontra, constantemente lhe
está falando. Para que este homem possa compreender o mundo no qual
se encontra, a linguagem e o conhecimento dos mitos são fundamentais
para que se possa aprender a decifrar os símbolos. A vida de todo o
homem não acontece num mundo opaco e inerte. O homem, a partir do
momento em que consegue decifrar e fazer a leitura do mundo que está à
sua volta, depara-se com o mistério. Na sociedade grega, os mitos
alcançaram tamanha popularidade devido ao seu fantástico enredo, criando
para tanto na comunidade modelos e fontes de inspiração.

Na sociedade moderna muitos comportamentos míticos ainda aparecem


aos nossos olhos, não que isto se trate de uma sobrevivência da
mentalidade antiga, mas devido a alguns aspectos e funções do mito, os
quais fazem parte do ser humano.

82 Metodologia de Analise do Texto e do Discurso Docente: Domingos Januário Mateus,


Msc.
BIBLIOGRAFIA

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- CAMPOS, Edson Nascimento. Leitura e Análise do Discurso: o
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- FOUCAULT, Michel. O que é um Autor?. Lisboa: Vega, 1992.
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comunidade interpretativa transnacional. Volume 2. Florianópolis: Insular,
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