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Texto 6 - NOÇÕES DE TEXTO: UNIDADE DE SENTIDO

O texto, considerado como um todo organizado de sentido, é a unidade básica com que devemos
trabalhar, porque é no texto que o usuário da língua exercita a sua capacidade de organizar e transmitir
ideias, informações, opiniões em situações de interação comunicativa.

1. Conceitos de Texto

A - Segundo Koch e Travaglia

O texto será entendido como uma unidade linguística concreta, que é tomada pelos usuários
da língua, em uma situação de interação comunicativa específica, como uma unidade de
sentido e como preenchendo uma função comunicativa reconhecível e reconhecida,
independentemente da sua extensão. (Koch e Travaglia, 1989).

B - Segundo M. H. Duarte Marques

Do ponto de vista linguístico, que nos interessa nessa unidade, adotamos, como ponto de partida, as
considerações de Marques (1990). Na sua abordagem, textos são conjuntos de unidades discursivas
estruturadas, não apenas de acordo com padrões sintático-gramaticais, mas também inter-relacionadas
segundo princípios lógico-semânticos, de que a gramática não dá conta.

“As unidades discursivas inter-relacionadas de acordo com os princípios lógico-semânticos


constituem textos”. Textos caracterizam-se, assim, pela coerência conceitual, pela coesão
sequencial de seus constituintes no plano do significado, pela adequação às circunstâncias e
condições de uso da língua.
O conceito que normalmente temos de texto é empírico. Diante de uma série de enunciados
não inter-relacionados dentro desses princípios lógico-semânticos, numa dada situação de uso
da língua, sabemos que não estamos diante de um texto. Para que identifiquemos como texto
uma série de enunciados encadeados, é preciso que a sequencie de enunciados forme um todo
significativo, constitua uma unidade de sentido, nas circunstâncias de uso em que ocorrem.
Um texto pode ser, portanto, escrito ou falado, apresentar extensão ou duração variáveis,
concretizar-se em qualquer registro, ou modalidade de uso, da língua.
Um texto pode ser uma passagem escrita, em verso, ou em prosa, um provérbio, uma legenda
de fotografia, uma simples exclamação, a totalidade de um livro, um artigo de periódico, uma
crônica, um verbete de dicionário, uma reportagem, um anúncio. Um texto pode ser uma
sequência de atos de fala, um diálogo, uma conversa telefônica, uma conferência, uma aula,
um simples grito, longas discussões acerca de um tema, comentários, informes, notícias
veiculadas oralmente."

C - Segundo Fiorin e Savioli

Embora as definições de texto sejam muitas, repetimos aqui as palavras de Fiorin e Savioli (1996), por
considerar que se trata de uma definição bastante abrangente:

"Um todo organizado de sentido, delimitado por dois brancos e produzido por um sujeito num
dado espaço e num dado tempo."
2. O texto como processo1

A Linguística Textual parte do pressuposto de que todo fazer (ação) é necessariamente acompanhado
de processos de ordem cognitivo, de modo que o agente dispõe de modelos e tipos de operações mentais. No
caso do texto, consideram-se os processos mentais de que resulta o texto, numa abordagem procedimental. De
acordo com KOCH (2004) , nessa abordagem “os parceiros da comunicação possuem saberes acumulados
quanto aos diversos tipos de atividades da vida social, têm conhecimentos na memória que necessitam ser
ativados para que a atividade seja coroada de sucesso”. Essas atividades geram expectativas, de que resulta
um projeto nas atividades de compreensão e produção do texto.
A partir da noção de que o texto constitui um processo, HEINEMANN e VIEHWEGER (1991)
definem quatro grandes sistemas de conhecimento, responsáveis pelo processamento textual:
Conhecimento linguístico: corresponde ao conhecimento do léxico e da gramática, responsável pela
escolha dos termos e a organização do material linguístico na superfície textual, inclusive dos elementos
coesivos.
Conhecimento enciclopédico ou de mundo: compreende as informações armazenadas na memória de
cada indivíduo. O conhecimento do mundo compreende o conhecimento declarativo, manifestado por
enunciações acerca dos fatos do mundo (“O Paraná divide-se em trezentos e noventa e nove municípios”;
“Santos é o maior porto da América Latina”) e o conhecimento episódico e intuitivo, adquirido através da
experiência (“Não dá para encostar o dedo no ferro em brasa.”). Ambas as formas de conhecimento são
estruturadas em modelos cognitivos. Isso significa que os conceitos são organizados em blocos e formam uma
rede de relações, de modo que um dado conceito sempre evoca uma série de entidades. É o caso de futebol,
ao qual se associam: clubes, jogadores, uniforme, chuteira, bola, apito, arbitro... Aliás, graças a essa
estruturação, o conhecimento enciclopédico transforma-se em conhecimento procedimental, que fornece
instruções para agir em situações particulares e agir em situações específicas.
Conhecimento interacional: relaciona-se com a dimensão interpessoal da linguagem, ou seja, com a
realização de certas ações por meio da linguagem. Divide-se em:
▪ conhecimento ilocucional: referentes aos meios diretos e indiretos utilizados para atingir um dado
objetivo;
▪ conhecimento comunicacional: ligado ao anterior, relaciona-se com os meios adequados para atingir
os objetivos desejados;
▪ conhecimento metacomunicativo: refere-se aos meios empregados para prevenir e evitar distúrbios na
comunicação (procedimentos de atenuação, paráfrases, parênteses de esclarecimento, entre outros).
Conhecimento acerca de superestruturas ou modelos textuais globais: permite aos usuários reconhecer um
texto como pertencente a determinado gênero.

Contexto e interação
O processamento do texto depende não só das características internas do texto, como do conhecimento
dos usuários, pois é esse conhecimento que define as estratégias a serem utilizadas na produção/recepção do
texto. Todo e qualquer processo de produção de textos caracteriza-se como um processo ativo e contínuo do
sentido, e liga-se a toda uma rede de unidades e elementos suplementares, ativados necessariamente em
relação a um dado contexto sociocultural. Dessa forma, pode-se admitir que a construção do sentido só ocorre
num dado contexto.
Aliás, segundo SPERBER e WILSON (1986:109 e ss.) o contexto cria efeitos que permitem a interação
entre informações velhas e novas, de modo que entre ambas se cria uma implicação. Essa implicação só é
possível porque existe uma continuidade entre texto e contexto e, além do mais, a cognição é um fenômeno
situado, que acontece igualmente dentro da mente e fora dela.
O sentido de um texto e a rede conceitual que a ele subjaz emergem em diversas atividades nas quais
os indivíduos se engajam. Essas atividades são sempre situadas e as operações de construção do sentido
resultam de várias ações praticadas pelos indivíduos, e não ocorrem apenas na cabeça deles. Essas ações
sempre envolvem mais de um indivíduo, pois são ações conjuntas e coordenadas: o escritor / falante tem
consciência de que se dirige a alguém, num contexto determinado, assim como o ouvinte/leitor só pode

1
Texto extraído do artigo “A Linguística Textual e seus mais recentes avanços” de Paulo de Tarso Galembeck (UEL),
disponível em http://www.filologia.org.br/ixcnlf/5/06.htm, acesso em 10/02/2010
compreender o texto se o inserir num dado contexto. A produção e a recepção de textos são, pois, atividades
situadas e o sentido flui do próprio contexto.
Essa nova perspectiva deriva do caráter dialógico da linguagem: o ser humano só se constrói como
ator e agente e só define sua identidade em face do outro. O ser humano só o é em face do outro e só define
como tal numa relação dinâmica com a alteridade (BAKHTIN, 1992). A compreensão da mensagem é, desse
modo, uma atividade interativa e contextualizada, pois requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes
e habilidades e a inserção desses saberes e habilidades no interior de um evento comunicativo.
O sentido de um texto é construído (ou reconstruído) na interação texto-sujeitos (ou texto-co-
enunciadores) e não como algo prévio a essa interação. A coerência, por sua vez, deixa de ser vista como mera
propriedade ou qualidade do texto, e passa a ser vista ao modo como o leitor/ouvinte, a partir dos elementos
presentes na superfície textual, interage com o texto e o reconstrói como uma configuração veiculadora de
sentidos.
Cabe assinalar, em forma de conclusão, que essa nova visão acerca de texto, contexto e interação
resulta, inicialmente, de uma contribuição relevante, proporcionada pelos estudiosos das ciências cognitivas:
a ausência de barreiras entre exterioridade e interioridade, entre fenômenos mentais e fenômenos físicos e
sociais. De acordo com essa nova perspectiva, há uma continuidade entre cognição e cultura, pois esta é
apreendida socialmente, mas armazenada individualmente.
Ressalta-se, também, a evolução da noção de contexto. Para a análise transfrástica o contexto era
apenas o co-texto (segmentos textuais precedentes e subsequentes, a um dado enunciado). Já para a Gramática
de Texto contexto é a situação de enunciação, conceito que foi ampliado para abranger, na Linguística Textual,
o entorno sociocultural e histórico comum aos membros de uma sociedade e armazenado individualmente em
forma de modelos cognitivos. Atualmente, o contexto é representado pelo espaço comum que os sujeitos
constroem na própria interação.

Os exemplos abaixo são ou não são textos?


1 - Circuito Fechado, de Ricardo Ramos

"Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme de barbear, pincel,
espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo, pente. Cueca,
camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, gravata, paletó. Carteira, níqueis, jornais, documentos, caneta,
chaves, relógio, maço de cigarros, caixa de fósforos. Jornal. Mesa, cadeiras, xícara e pires, prato, bule, talheres,
guardanapo. Quadros. Pasta, carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis, telefone,
agenda, copo com lápis, canetas, bloco de notas, espátula, pastas, caixas de entrada, de saída, vaso com plantas,
quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo. Papéis, telefone, relatórios,
cartas, notas, vales, cheques, memorandos, bilhetes, telefone, papéis. Relógio. Mesa, cavalete, cinzeiros,
cadeiras, esboço de anúncios, fotos, cigarro, fósforo, quadro-negro, giz, papel. Mictório, pia, água. Táxi. Mesa,
toalha, cadeiras, copos, pratos, talheres, garrafa, guardanapo, xícara. Maço de cigarros, caixa de fósforos.
Escova de dentes, pasta, água. Mesa e poltrona, papéis, telefone, revista, copo de papel, cigarro, fósforo,
telefone interno, externo, papéis, prova de anúncio, caneta e papel, telefone, papéis, folheto, xícara, jornal,
cigarro, fósforo, papel e caneta. Carro. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Paletó, gravata. Poltrona, copo,
revista. Quadros. Mesa, cadeira, pratos, talheres, copos, guardanapos. Xícaras. Cigarro e fósforo. Abotoaduras,
camisa, sapato, meias, calça, cueca, pijama, chinelos. Vaso, descarga, pia, água, escova, creme dental, espuma,
água. Chinelos. Coberta, cama, travesseiro."

2 - PORQUE É DOMINGO - Rubem Machado

Levantou tarde com vagar e simulacro de sorriso examinou os dentes no espelho do banheiro e tirando o carro
para a frente da casa lavou-o tendo para isso vestido o short e tomou um chuveiro e fez barba e pôs sapato
sem meia camisa esporte fora das calças e bebeu caipirinha discutindo futebol no bar da esquina e comprou
uma garrafa de vinho três guaranás e comeu demais no almoço e folheou o grosso jornal pensando é só
desgraça no mundo e bocejou diversas vezes e cochilou e acabou indo deitar no quarto e acordou às quatro
horas com preguiça pensando vou visitar o Ari ele não vai estar mas vou assim mesmo e pegou as chaves do
carro e disse à mulher vou dar uma volta e rodou no volks por ruas discretas cheias de sol o rádio ligado no
futebol e batucada na casa do Ari não tinha ninguém pensou então vou até o Paulinho e foi mesmo e por sorte
o Paulinho estava em casa de chinelo casaco de pijama veio até o portão e ele não quis entrar e gozou com a
cara do Paulinho o teu time não é de nada está empatando logo com o lanterninha e girava as chaves do carro
no dedo e o Paulinho disse o jogo ainda não acabou e ele contou pro Paulinho que estava comendo a secretária
e o Paulinho despeitado só deu um sorriso amarelo e depois o Paulinho disse que descobriu que o Carlinhos
rouba no jogo de buraco e que não joga mais com aquele cara e insistiu para que entrasse e ele agradeceu já
ia andando e abanou de dentro do carro e voltou pra casa antes botou gasolina no posto e disse pra mulher que
tinha ido nas casas do Ari e do Paulinho e ela perguntou se ele queria café e ele disse que não e perguntou a
ela se já tinha começado o programa de televisão e enquanto sentava na poltrona e via comeu um pedaço de
pudim e a mulher quebrou um copo na cozinha e ele gritou o que quebrou aí dentro e deu um arroto e quando
o programa já estava quase no fim a mulher disse que queria sair ele levantou e foi trocar de roupa e foi ao
cinema com a mulher e o filme era com a Sophia Loren e era colorido e eles gostaram e quando voltaram para
casa viram ainda um pouco mais de televisão e começaram os dois a bocejar e ele escovou os dentes e fechou
a casa e deu corda no despertador e foram dormir já um pouco tarde, porque é domingo.
Rubem MACHADO. Jacarés ao sol too Paulo: Atica. 1976. Citado a partir de J. W. GerakR Portos de
passagem. SSo Paulo: Martins Fontes, 1991. pp. 1B6-187.)

3 - Viva a educação brasileira

"O vestibular é muito polêmico, e agora o governo resolveu fazer cotas pros negros e prá quem veio de escola
pública.
No caso dos negros, é injusto, já que 50% dos negros nascem pretos, e a metade não. Mas isso ficaria indeciso
pois existem pessoas como o Maicou Jeckson que nasceram pretas e são brancas, então pode-se alegar que
um loiro tem descendência afro-africana, bem como os orientais.
Logo podemos dar cotas aos alcólatras, pois estes seguem o exemplo do Presidente. Mas para evitar a
complicação do vestibular o ideal seria o sorteio de vagas, assim só os sortudos conseguiriam entrar na
faculdade, ou seja, além de um profissional competente, o cara iria ser um profissional de sorte.
É uma pouca vergonha o sistema de cotas, porque os homosexuais seriam desfavorecidos perante ao
curso superior, novamente mais um motivo para o presidente ser bêbado. E não são todas as pessoas que tem
oportunidade de estudar em uma boa escola como o COLÉGIO DOM BOSCO.
Todavia, a metodologia do vestibular é totalmente ineficiente e fálica pois se descobrirem vida e outros
planetas os conceitos do concurso "Miss Universo" teriam de ser repensados. Desejo à todos uma boa viagem."

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