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Breve introdução ao campo da Psicolinguística

Laura Pissani1
PUC-Rio/CNPq

Neste artigo, derivado do trabalho final para o curso de Introdução a Psicolinguística


do PPG em Estudos da Linguagem, apresenta-se uma síntese dos principais temas abordados
na Psicolinguística. Esta primeira parte contém informação com respeito ao campo da
Psicolinguística: o objeto de estudo, os objetivos, a localização na classificação de David
Marr, a sua relação com a teoria linguística, os principais dados históricos e a metodologia
usada na pesquisa. Por fim, uma revisão de algumas questões abordadas dentro da
Psicolinguística: O acesso lexical na compreensão, o acesso lexical na produção e o
processamento sintático (ou estudos de parsing).

1. A Psicolinguística. A Psicolinguística é o estudo de representações e processos mentais


que participam na produção e compreensão da linguagem oral e escrita; assim como os
processos envolvidos na aquisição da linguagem, se insere no ramo das ciências cognitivas,
conjunto de ciências que estudam como a informação é representada e processada na
mente/cérebro. A Psicolinguística apresenta modelos de processamento da linguagem em
relação à produção e compreensão de enunciados verbais na fala e na escrita.
Paul Warren (2013) propõe uma serie de questões, ao respeito das representações, que
orientam à Psicolinguística:
 Como são salvadas as palavras no léxico mental, e.g. um dicionário na nossa cabeça?
O léxico mental é como um dicionário, ou mais como um tesauro? Por exemplo, a
palavra cat (gato) é listada perto de palavras fonologicamente similares como catch
(capturar) ou listada perto de palavras semanticamente similares como dog (cachorro)?
Ou nenhuma? Ou ambas?
 Temos chunks (unidade de processamento) do tamanho de um fonema na nossa
cabeça? Isto é, como uma parte do reconhecimento da palavra cat, também
reconhecemos os sons /k, /æ/ e /t?
 As pessoas cultas têm chunks do tamanho de uma letra para o processamento da
escrita?
 Como é representado o significado de uma sentença na nossa memória?
 Government é uma palavra só ou govern + ment?
 A forma plural cats é representada no léxico ou só a forma singular cat?
(Warren, 2013:4)

1
Estudante de mestrado na área de estudos da linguagem da PUC-Rio/CNPq (Rio de Janeiro, Brasil)
E outras questões sobre os processos que operariam sobre ditas representações:
 Como reconhecemos palavras sem esforço?
 Analisamos os sinais do discurso fonema por fonema ou identificamos sílabas
completas ou até unidades maiores?
 Reconhecemos government como uma forma completa ou precisamos construi-la
como govern + ment?
 Se cats não esta representada no léxico, isso quer dizer que usamos uma regra para
obter o plural a partir de cat, e como funciona para formas irregulares como children
(crianças)?
 Quando falamos, como convertemos uma ideia em um enunciado verbal?
 Como ouvintes, como desenvolvemos nossa própria representação da(s) ideia(s)
expressada(s) a partir de um enunciado verbal?
 Que estágios temos de passar durante a construção de enunciados verbais? Por
exemplo, primeiro geramos uma estrutura sintática e só nesse momento colocamos as
palavras de nosso léxico mental, ou primeiro escolhemos as palavras e depois
construímos uma estrutura a partir dessas palavras?
 Os processos envolvidos na produção e compreensão da linguagem influenciam um ao
outro, e se for assim, de que modo?
(Warren, 2013:4)

2. O Objeto e os objetivos da Psicolinguística. A Psicolinguística tem como objeto o estudo


das representações e processos mentais que fazem parte da produção e compreensão da
linguagem com o objetivo de decifrar a configuração desses processos, prover modelos
descritivos deles e detalhar os fatores que estão envolvidos nesse processo. Além do mais, a
Psicolinguística pretende desvendar a natureza da mente humana através da linguagem; isto é,
mostrar como o cérebro funciona, a partir de como processa a linguagem.

3. A localização da Psicolinguística na classificação de David Marr. David Marr (1982)


apresentou a chamada hipótese dos três níveis, a qual permite fazer diferentes tipos de análise
a fenômenos de processamento de informação nas ciências cognitivas.
O primeiro nível apresentado foi o nível computacional, que é o mais abstrato, nele se
faz uma análise do fenômeno descrevendo o que ele faz é porque o faz. No caso do estudo da
linguagem, neste nível se faz uma descrição das regras do sistema e uma explicação de porque
as regras funcionam desse modo.
O segundo nível é o representacional-algorítmico, neste nível se estuda o processo
envolvido na realização das regras, como elas são processadas em tempo real e quais são os
passos para essa transformação ser realizada, portanto este nível mostra o algoritmo para o
funcionamento das regras.
O terceiro nível é o implementacional, nele se estuda a realização física do algoritmo
feita pelo cérebro humano ou feita por um processador artificial (computador).
Cada um dos níveis contribui com um tipo de informação específica e, de algum
modo, os três níveis estão ligados, porém existem alguns fenômenos que só podem ser
explicados com sucesso em um ou dois níveis. No caso da linguística, ao respeito do
processamento da linguagem, existem algoritmos ou regras a nível computacional que não são
as mesmas quando são processadas (produzidas/ compreendidas) em tempo real (no nível
algorítmico).
Essa hipótese tem sido fundamental no campo das ciências cognitivas porque
demonstra a possibilidade de analisar o funcionamento do processador de informação, seja o
cérebro ou o computador, através de dados indiretos obtidos mediante diferentes tipos de
experimentos ao nível algorítmico sem necessidade de ter acesso direito a imagens cerebrais.

4. A Teoria Linguística e a Psicolinguística. A Teoria Linguística tem como objetivo


descrever o sistema e definir as operações que estão envolvidas no processo de geração de
sentenças, explicitar o algoritmo para a geração dessas sentenças e caracterizar o léxico.
No entanto, a Psicolinguística tem como objeto de estudo as representações e
processos mentais envolvidos na produção e na compreensão de enunciados linguísticos. A
meta da Psicolinguística é caracterizar o modo como as sentenças são produzidas e
interpretadas pelo processador e prover modelos funcionais explicitando as unidades e
processos que intervêm na produção e compreensão desses enunciados linguísticos para
mostrar como esses processos ocorrem em tempo real e assim desvendar o funcionamento da
mente humana.
Portanto, ambas, a Teoria Linguística e a Psicolinguística caracterizam operações para
a geração de sentenças, porém em diferentes níveis, a Teoria Linguística no nível
computacional é a Psicolinguística no nível algorítmico-representacional. Assim, a questão
seria em que medida essas operações de geração de enunciados linguísticos e léxico descritos
pela Teoria Linguística poderiam ser incorporados aos algoritmos de produção e compreensão
de enunciados linguísticos caraterizados pela Psicolinguística.

5. História da Psicolinguística. Questionamentos que envolviam linguagem e cérebro já se


veiam, embora não sistematizados, no velho Egypto e seus incipientes estudos sobre o cérebro
e; posteriormente, na antiga Grécia com os filósofos e pensadores, especialmente Platão que
escreveu acerca da linguagem.
No século XIX, podem se apreciar os primeiros estudos sistematizados que
relacionavam a linguagem e o cérebro. Os principais estudiosos naquele século e cujos nomes
são muito importantes na atualidade são Gall e seu trabalho em frenologia (estudo do caráter
de uma pessoa baseado na forma do seu crânio); Boulliard, que reuniu evidência clinica para
provar o postulado de Gall; Aubertin, que seguiu a mesma linha; Broca que fez estudos sobre
a perda da linguagem; Wernicke e seus estudos sobre déficits na compreensão da linguagem e
Linchtheim, que continuou com esses estudos.
No final do século XIX, começou um grande interesse pelo estudo da psicologia da
linguagem; assim, Wilhem Wundt publica seu famoso livro Die Sprache no ano 1900, nele
expressa a importância dos estados mentais em relação à linguagem; porém, no início do
século XX surge J. B. Watson e o seu behaviorismo, que postula que a psicologia deve
estudar só o que é observável: o comportamento; e foi seguido por J.R. Kantor e W. James.
No início do século XX, surgiram os neogramáticos, que estavam interessados nas
variações linguísticas e estudavam diferentes línguas sincronicamente; porém, no mesmo
século, Ferdinand de Saussure traz o conceito de ‘estrutura’ nos estudos da linguagem e
introduz a noção da relação entre elementos da língua. No ano 1930, aparece Leonard
Bloomfield e a publicação do seu livro Language que propõe o estudo taxonômico da
linguagem e o estudo da unidade mínima: o fonema; assim, ele alinhou o estudo da linguagem
a o behaviorismo, o qual terminou em 1957 com a publicação do livro de Skinner Verbal
Behavior, onde aplicou os princípios do estudo do comportamento à aprendizagem de línguas,
o qual no teve muito sucesso.
Em 1959, Noam Chomsky publica uma revisão do livro de Skinner onde argumenta
que não existem estímulos que possam explicar a produtividade e sistematicidade da
linguagem. Assim, Chomsky traz de volta a relação entre linguagem e mente e introduz o
conceito de representações mentais à teoria da linguagem. No ano 1957, Chomsky publica seu
livro Syntactic Structures, que foram inicialmente as anotações dos cursos que ele ensinava no
MIT, no qual explica como as regras gramaticais abstratas podem gerar diferentes tipos de
estruturas sintáticas. Assim, com as noções que Chomsky trouxe de competência e
desempenho, assim como o estudo da mente humana, surge uma aproximação dos interesses
dos psicólogos cognitivos que começam a se preocupar com questões relacionadas à memória
de trabalho, memória de curto prazo e introduzem o conceito de processamento de
informação, com os interesses dos linguistas em favor de uma teoria linguística com
orientação cognitiva ou início da teoria gerativa, e em 1962 o Journal of Verbal Learning and
Verbal Behavior se dedica exclusivamente aos estudos da psicologia da linguagem.
6. Os fundamentos metodológicos usados na pesquisa. Para cumprir com o objetivo de
descrever e analisar de que modo os seres humanos adquirem, produzem e compreendem a
linguagem, a Psicolinguística usa a metodologia experimental.
A metodologia experimental tem como objetivo observar se um dado fator pode afetar
um dado comportamento e testar hipóteses sobre o comportamento desse(s) fator(es).
Nos experimentos, são considerados dos tipos de variáveis: dependentes e independentes. A
variável dependente é a que se mede e sempre está restringida a um valor numérico; enquanto
que, as variáveis independentes são aquelas que o experimentador pode manipular para
descobrir se têm alguma influência no fenômeno investigado. As variáveis independentes
podem ser cruzadas formando as condições experimentais.
A metodologia experimental utiliza medidas de tipo on-line e off-line. As medidas on-
line são feitas durante o momento do processamento da linguagem, quando o sujeito está
processando o enunciado e ainda não chegou à interpretação, os mais conhecidos são o
rastreamento ocular e a leitura monitorada; enquanto que, as medidas off-line são feitas depois
de que o sujeito já fez a interpretação do enunciado, e se mede a resposta dele; o
procedimento mais comum é o questionário.
Logo, se realiza um teste para rejeitar a hipótese nula, que é aquela que diz que os
fatores externos ou fatores aleatórios podem afetar os resultados da pesquisa; por exemplo, a
falta de conhecimento, distrações ou outras interferências. Em toda pesquisa de tipo
experimental, é fundamental rejeitar a hipótese nula através de um teste estatístico para
comprovar a regularidade dos resultados e afirmar que os fatores aleatórios não influenciaram
neles. Os testes estatísticos são definidos no design experimental.

7. O acesso lexical na produção da linguagem. A produção da linguagem é um processo


complexo que inicia na conceptualização da mensagem e passa por vários estágios até a
articulação, em uma conversação fluida podemos produzir entre 2 e 3 palavras por segundo e
erramos 1 ou 2 vezes a cada mil palavras (Levelt, 1999:1), esses lapsos de fala produzidos e
os resultados de experimentos são analisados para descrever e construir modelos
psicolinguísticos sobre as representações mentais e os processos cognitivos envolvidos na
produção da linguagem.
Para caracterizar o acesso lexical na produção da linguagem, Levelt, Roelofs e Meyer
(1999) propõem uma teoria. Nela se concebe o processo de produção da linguagem oral como
um processo em estágios. Desde a preparação conceptual, seleção lexical, codificação
morfofonológica, codificação fonética até o início da articulação. Cada um dos estágios
apresenta suas próprias unidades de representação, iniciando nos itens lexicais, lemas,
morfemas, fonemas e gestos articulatórios.
Uma das questões principais da teoria é se os estágios se superpõem em algum
momento ou se o procedimento é completamente sequencial.
A preparação conceptual é a etapa onde o sujeito ativa o conceito lexical, nessa etapa
os autores introduzem o termo Spreading activation, que é a ativação de outros conceitos
semanticamente relacionados, esse processo ocorre quando o sujeito processa um conceito e
automaticamente aparecem outros conceitos relacionados a ele. Por exemplo, o verbo
ESCOLTAR ativaria os verbos ACOMPANHAR é SALVAGUARDAR ao mesmo tempo,
esses outros conceitos incluem a informação de como estão relacionados com o item ativador;
por exemplo, ESCOLTAR está relacionado a ACOMPANHAR e SALVAGURDAR com a
etiqueta ‘é’ (verbos ‘ser’). Então a ativação de um nó ativa outros nós a ele vinculados
construindo uma rede semântica.
O segundo estágio é a seleção lexical, onde o sujeito associa o lema ao conceito
lexical. O lema é o pacote de informação sintática que está associado a cada unidade lexical.
Por exemplo, o item lexical ‘escoltar’ inclui a informação de verbo transitivo e seus
argumentos (agente, paciente) para ser organizado corretamente dentro da sentença. A
informação que carrega o lema é fundamental no acesso lexical, ele inclui informação
sintática própria de cada língua que permite a codificação gramatical é a posição certa dentro
da sentença.
O terceiro estágio é a codificação morfofonológica, ela situa-se entre o nível abstrato-
semântico e o nível fonológico, ela é a preparação de gestos articulatórios da palavra
selecionada na fase conceitual/sintática; é dizer, acrescenta a informação morfológica, métrica
e silábica no lema antes selecionado.
O quarto estágio é a codificação fonética é a representação da informação, ainda
abstrata, dos gestos articulatórios; nessa fase o sujeito recupera as instruções para realizar a
articulação, que é o seguinte passo; por exemplo, para uma palavra que inicia em consonante
oclusiva, a codificação fonética seria a inclusão da informação do tipo ‘fechar os lábios’.
O quinto estágio é a articulação que é a realização física dos sons, esta etapa não está
explicitada pela teoria. Finalmente, está o processo de automonitoramento, que se situa
durante o processo de produção, desde a codificação da mensagem interna; especificamente a
partir da codificação morfofonológica, o sujeito pode se correger antes ainda de produzir a
mensagem; isto se evidencia com experimentos nos que o sujeito demora mais em codificar
algumas palavras; porque o automonitoramento e posterior correção faz com que o sujeito
leve mais tempo para produzir algumas palavras do que outras.
A metodologia da teoria é baseada na medição do tempo de reação (RT) em
experimentos que envolvem tarefas de nomeação de imagens e outros dentro do paradigma de
produção de palavras; tal metodologia tem como objetivo analisar como o sujeito lida com o
processo normal de produção de palavras em exercícios que refletem as atividades diárias.
Contudo, o modelo apresenta dois pontos que poderiam ser considerados mais
obscuros ou simplesmente menos trabalhados pela teoria. Um deles seria a falta de
informação sobre o funcionamento das classes fechadas no acesso lexical para a produção
oral, o modelo está mais focado no funcionamento das classes abertas. Outra fraqueza que
apresenta o modelo é que não trabalha com a última etapa do processo de produção da
linguagem, a articulação, o qual e explicitamente mencionado no artigo.

8. O acesso lexical na compreensão da linguagem. A compreensão da linguagem estuda os


processos mediante os quais interpretamos um enunciado linguístico. Para a caraterização
deste processo têm sido propostos vários modelos. Os modelos básicos da compreensão da
linguagem são o modelo Cohort e o modelo TRACE.
O modelo Cohort foi proposto por Marslen-Wilson e Welsh (1978) e Marslen-Wilson
(1984). A ideia principal do modelo é a ativação de representações correspondentes a palavras
a partir dos primeiros segmentos que são percebidos; todas as palavras compatíveis com
aquele início formariam um cohort, cujos elementos serão progressivamente eliminados até
chegar a um único elemento que seria a palavra reconhecida.
O modelo é de natureza interativa e propõe processamento paralelo e acesso direto. O
modelo apresenta três estágios. Os dois primeiros são pré-lexicais e; o terceiro, pós-lexical.
O primeiro estágio é o acesso, nesse estagio a informação perceptual ativa itens
lexicais; por exemplo, a percepção do som /c/ ativaria itens lexicais como casa, coisa, cinema,
computação, etc.; logo ao ouvir /co/ o grupo se reduziria a elementos do tipo coisa, coco,
coleta, computação; logo ao ouvir /com/ se reduziria a comprar, computar, computação, e
assim por diante. O conjunto de candidatos é chamado de cohort. O segundo estágio é a
seleção, no qual o grupo é reduzido a um único elemento compatível; por exemplo,
computação. Finalmente, o terceiro estágio é a integração, onde as propriedades sintáticas e
semânticas são integradas e a palavra alvo é colocada dentro de uma sentença.
O modelo Cohort tem sofrido variações ao longo dos anos, uma versão revisada foi
posteriormente apresentada por Marslen-Wilson (1987). Uma das dificuldades que permanece
no modelo é que a percepção auditiva das palavras não é feita segmento por segmento; além
do mais, é difícil identificar o início e das palavras para a geração dos candidatos.
Por outro lado, existe o modelo TRACE proposto por McClelland e Elman (1986). O
modelo TRACE é um modelo interativo de reconhecimento de palavras. A caraterística mais
importante do modelo é a influência do contexto na análise. O TRACE é um modelo
conexionista, ele consiste em pequenas unidades de processamento que estão conectadas y
organizadas em três níveis. O primeiro nível é o das unidades do input, que apresenta as
caraterísticas fonológicas; ditas unidades estão conectadas às unidades fonéticas, que ao
mesmo tempo estão conectadas às unidades do output que representam as palavras. As
conexões dentro de um nível são inibitórias, enquanto que as conexões entre níveis são
facilitadoras; e, desse modo, existe uma competição entre as unidades no léxico.
Então, a ativação de certas caraterísticas fonológicas ativa unidades fonéticas que, ao
mesmo tempo, ativam possíveis palavras. Quanto mais ativada está uma possível palavra,
mais inibidas estão outras possíveis palavras. Além do mais, o contexto participaria na
ativação de uma palavra.
Embora este modelo resolva algumas questões não explicadas por modelos anteriores
e inclua o contexto, alguns pontos têm sido assinalados; como o excesso de interatividade
entre níveis e interferência de uma possível pronuncia incorreta.

9. O estudo do processamento sintático. O processamento sintático na compreensão,


chamado também de estudo de parsing, permite entender como interpretamos e chegamos ao
significado de um enunciado linguístico a partir de uma sequência de itens lexicais.
A primeira grande teoria em Psicolinguística foi a Teoria da Complexidade
Derivacional (DTC). A DTC propõe que a complexidade de uma sentença seja avaliada pelo
número de regras transformacionais utilizadas para sua derivação. Assim, maior número de
operações implicaria maior custo de processamento pelo falante-ouvinte.
Por exemplo, segundo a DTC, uma sentença ativa do tipo ‘Maria lê o livro’ seria processada
mais rapidamente do que seu correspondente passivo (P) ‘O livro foi lido por Maria’ e, ao
mesmo tempo, esta ultima sentença seria processada ainda mais rápido do que seu
correspondente passivo negativo (PN) ‘O livro não foi lido por Maria’, pelo fato de uma
sentença do tipo PN precisar de mais transformações.
Muitos experimentos que sustentam a DTC foram realizados: McMahon (1963),
Gough (1965, 1966), Savin e Perchonock (1965) e Compton (1967). Todos eles mostram
evidências da relação entre as transformações derivacionais de uma sentença e a sua
complexidade como formulada pela DTC.
Porém, existem muitos fatores que a DTC não considera e, portanto, impedem que ela
seja completamente aceita; além do mais, existe nova informação teórica e evidências de que
para entender o processamento de reconhecimento de sentenças teria que se considerar uma
relação mais abstrata entre a complexidade da sentença e as operações derivacionais nela,
fatores que não estão implicados na DTC.
Posteriores experimentos publicados por Bever, Fodor, Garret e Mehler (1967)
acharam uma grande quantidade de casos nos quais maior complexidade no processamento de
uma sentença não estava relacionada a um maior número de operações derivacionais. A
diferença desses últimos experimentos é que fatores como extensão/peso e significados foram
controlados, o que não ocorre na DTC. Desse modo, eles mostraram que sentenças do tipo
‘The first shot the tired soldier the mosquito bit fired missed.’ foram mais difíceis de entender
que ‘The first shot fired by the tired soldier bitten by the mosquito missed.’ embora a segunda
tenha mais operações derivacionais.
Assim, os últimos experimentos provam que a complexidade de uma sentença não está
em relação simétrica com o número de transformações e, incluso poderia ser o oposto,
portanto a DTC não foi sustentada.
Após a DTC, surgiram dois modelos de processamento de estruturas sintáticas; o modelo de
estratégias de Bever (1970) e os sete princípios de Kimball (1973); logo, Frazier e Fodor
(1978) e Frazier (1979) propuseram a conhecida Teoria do Garden-Path.
O modelo de estratégias cognitivas de processamento sintático, proposto por Bever em
The Cognitive Basis for Linguistics Estructure (1970), é interativo; quer dizer que o parser
(mecanismo de processamento de frases na linguagem humana) faz uso não só de
mecanismos sintáticos, mas também de outros mecanismos (e.g. semânticos, conhecimento do
mundo) com o objetivo de chegar rápido à interpretação do enunciado linguístico. O modelo
propõe uma série de estratégias que procuram demonstrar por que o sujeito demora mais em
interpretar algumas frases do que outras; bem como explicar os erros que cometem os sujeitos
na interpretação das frases.
As estratégias propostas seriam instanciações aplicadas de princípios perceptuais
gerais que podem se aplicar a diferentes domínios; linguísticos e não linguísticos. Porém,
ditas estratégias foram alvo de muitas criticas por serem somente descritivas, estarem
incompletas e até erradas.
O modelo de princípios universais, proposto por Kimball em Seven Principles of
Surface Structure Parsing in Natural Language (1973), é modular; quer dizer que o parser só
faz uso de informação de natureza sintática para chegar à interpretação do enunciado verbal.
O modelo é determinista, propõe uma análise serial; isto é, em etapas sucessivas.
Os princípios propostos estariam modelados por técnicas desenvolvidas por cientistas
computacionais para o processamento feito por computadores; porém, levando em conta as
limitações do aparato cognitivo humano: a capacidade limitada da memória e a possibilidade
de ambiguidade estrutural.
Posteriormente, da unificação de ambos os modelos, surge a Teoria do Garden-Path
(TGP) proposta por Frazier e Fodor (1978) e Frazier (1979). Eles criam um modelo híbrido,
conhecido na literatura como The Saussage Machine, que apresenta um sistema mais
económico e sofisticado. A TGP trabalha com alguns pressupostos como a modularidade da
mente, que é o uso de informação exclusivamente de natureza gramatical no processamento
de estruturas sintáticas e o processamento serial, que é o processamento em sequências
sucessivas. Além do mais, são propostas inicialmente duas estratégias no processamento de
enunciados linguísticos: Late Closure e Minimal Attachment.
Late Closure ou Aposição Local é a estratégia que diz que, quando possível, os itens
lexicais devem ser associados ao sintagma que está sendo processado no momento antes de
fechá-lo; e Minimal attachment ou Aposição Mínima propõe a associação do material novo ao
sintagma em construção criando a menor quantidade de nós possíveis, seguindo as regras de
boa formação da língua.
As estratégias descritas guiariam a interpretação de sentenças com ambiguidade
estrutural; por exemplo, sentenças como Maria viu o turista com os binóculos; seguindo os
princípios da TGP, a criação do menor número de nós possíveis (Minimal Attachment); o
parser associaria o SP a SV; então, com os binóculos seria interpretado como instrumento do
verbo ver. Só posteriormente será possível observar se a interpretação feita foi adequada.
Por outro lado, em sentenças do tipo Enquanto costurava as meias caíram no chão, o
parser segue o princípio de associação de elementos ao sintagma que ainda está sendo
processado (Late Closure). Desse modo, o sintagma as meias seria associado ao verbo
costurar como seu objeto direto; ocasionando o efeito do Garden-Path e obrigando ao
processador a voltar e fazer a análise novamente.
Ao longo dos anos vão se incorporando novas estratégias à TGP; entre elas, Active
Filler, Most Recent Filler Strategy e Minimal Chain Principle.
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