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Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Língua Portuguesa


com ênfase em Produção Textual

Elisângela Fátima de Sena Rodrigues

PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ORAL

Brasília
2010
2

ELISÂNGELA FÁTIMA DE SENA RODRIGUES

PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ORAL

Trabalho de Conclusão de Curso, em cumprimento


parcial às exigências do Curso de Pós-Graduação
lato sensu em Língua Portuguesa com ênfase em
Produção Textual, da Faculdade Mauá, para
obtenção do título de Especialista

______________
__________________________
Orientadora: Professora Mestre Helena Roriz Taveira

Brasília
2010
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PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ORAL


Elisângela Fátima de Sena Rodrigues 1
Profª. Helena Roriz Taveira

RESUMO

Este estudo descreve as principais fases vivenciadas pelo bebê até tornar-se um adulto falante. Com
base nos conceitos psicolinguísticos, discorre sobre os diversos modelos científicos que identificam
como ocorre a aquisição da linguagem. Descreve esse processo, em suas diferentes fases e conclui
que a criança não inventa a linguagem e sim a constrói, diante de sua inserção num meio onde tem
contato com estímulos e torna-se capaz de desenvolver, de forma individualizada, sua linguagem
oral.

Palavras-chave: desenvolvimento; construção da linguagem; oralidade.

RESUMÉN

Este estudio describe las principales etapas experimentadas por el niño para convertirse en un
hablante adulto. Sobre la base de conceptos psicolinguisticos, analiza los diferentes modelos
científicos que identifican cómo se produce la adquisición del lenguaje. Describe este proceso en sus
diferentes etapas y concluye que el niño no inventa la lengua, pero la constroe, en un médio donde
tienen contacto con los estímulos y tornase capaz de desarrollar, de forma individual, su lenguaje oral.

Palavras-llave: desarrollo; la construcción del linguaje; la oralidade.

1 INTRODUÇÃO

Os diversos estudos na área da Psicolinguística, especificamente na


aquisição da linguagem oral, ocupam-se em determinar de que modo a criança irá
dominar pouco a pouca a língua na qual irá comunicar-se de forma eficiente alguns
anos depois.
A criança, desde seu nascimento, desenvolve-se dia-a-dia de forma rápida ou
gradual, dependendo do tipo de conhecimento necessário, mas é fato que ela está
em processo de evolução gradativa. Aprende a balbuciar sons, a mexer com mãos e
pés, a interagir com o ambiente e com outras pessoas a sua volta. Tudo isso de
forma a ampliar seu repertório de comportamentos em geral, e também adquirir uma
linguagem com a qual possa se comunicar com os outros.
Assim sendo, a revisão de literatura desenvolvida revê os principais teóricos e
experimentos sobre a aquisição da linguagem oral na criança e permite ao leitor
formar uma opinião crítica e embasada teoricamente sobre o assunto. Tem como

1
Psicóloga graduada pelo UniCeub em 2002. Servidora pública da Secretaria de Desenvolvimento
Social do Governo do Distrito Federal desde 2006.
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objetivo relatar o processo de aquisição da linguagem oral pelo qual a criança evolui
na aquisição de sua primeira língua, bem como realizar uma revisão de literatura
dentro do contexto da aquisição da oralidade na criança, salientando a importância
de uma estimulação adequada para uma correta aquisição da linguagem oral.
O presente artigo revisa teorias sobre a aquisição da linguagem oral e que
maneira essa aprendizagem pode ser facilitada pelos pais ou educadores. Foi
conduzida uma pesquisa no sentido da discussão do tema, descrevendo as diversas
fases pelas quais a criança passa, durante seu processo de aquisição da linguagem
oral.
A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica a obras que abranjam
teorias e pesquisa na área da aquisição da oralidade na criança. O aporte teórico
contou com pesquisa a sites especializados no ensino de língua portuguesa.

2 PSICOLINGUÍSTICA ENQUANTO CIÊNCIA – CONCEITOS:

A Psicolinguística enquanto ciência é relativamente nova, tendo ganhado


maior destaque principalmente na década de 50, sendo um ramo da linguística, bem
como da psicologia, que estuda, dentre outras processos, a aquisição da linguagem.
Historicamente vemos que as relações entre linguística e psicologia manifestaram-
se em sentidos opostos: inicialmente a psicologia buscou a linguística. Segundo
Titone (1983, p. 18), psicólogos como W. Wundt e G.H. Mead mostraram interesse
no estudo da linguagem e seus fenômenos, acreditando que poderiam, assim,
compreender melhor o funcionamento da mente humana. Por outro lado, a
linguística buscou a psicologia, já que diversos linguistas, com o intuito de fortalecê-
la enquanto ciência linguística, solicitaram auxílio da psicologia para compreender
de que forma acontecia a organização dos dados linguísticos.
A Psicolinguistica tem evoluído enquanto ciência, e seus progressos são
responsáveis pela mudança na concepção referente ao desenvolvimento da
linguagem oral, conforme Golbert (1988, p.12). Ferreiro, in Golbert (1988, p 13)
afirma que a Psicolinguistica modificou as concepções construtivistas e
associacionistas da aquisição da linguagem quando afirmou que:
1 – A criança é capaz de criar sua própria gramática, quando adquire
compreensão de sua língua. Baseando-se nas informações recebidas do meio
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ambiente externo, ela cria hipóteses, organiza os fatos e vai estruturando suas
concepções sobre a língua.
2 – A imitação e a combinação de elementos isolados não são responsáveis
pelo desenvolvimento da linguagem. A aquisição da linguagem ocorre “pela
formação progressiva de sistemas de significados nos quais o valor das partes se
define em função do conjunto” (Golbert, 2002, p.13).
Segundo Ré (2009, prefácio) as pesquisas na área de aquisição da linguagem
oral têm ganhado maior importância e surgido em maior quantidade durante os
últimos 20 anos, e sugere-se que o motivo seja uma necessidade crescente de
interdisciplinariedade na compreensão do processo global de aquisição da oralidade
no que diz respeito à linguística, psicologia, neurologia, dentre outras.
A aquisição da linguagem tem sido contemplada pela Linguística, pela
Psicologia e pela Psicolinguística, configurando, de acordo com Scarpa (2001), uma
área híbrida ou multidisciplinar. Dentre seus campos de estudo ou subáreas,
destacam-se: aquisição da língua materna (normal e com desvios); aquisição de
segunda língua (também no bilinguismo) e aquisição da escrita (processos de
alfabetização, letramento, relação entre fala e escrita / entre sujeito e escrita).
O estudo da aquisição da linguagem trata de diversos processos, tanto
referentes à expressão verbal quanto não-verbal, pois tem como objetivo o estudo
das diversas formas de se comunicar que o homem adquire, desde o nascimento e
sobre a interação entre os indivíduos. Este campo de atuação, dentro da
Psicolinguística, tenta, sobretudo, explicar como uma criança por volta dos 3 anos
de idade já é capaz de utilizar-se da língua materna para comunicar-se de forma
eficaz.

3 PRINCIPAIS TEORIAS E ABORDAGENS DA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

Diversos são os modelos científicos que descrevem e buscam identificar de


que forma acontece a aquisição da linguagem, descreveremos a seguir o empirismo,
racionalismo, o interacionismo e os modelos linguístico e cognitivo.
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3.1 Empirismo

As duas primeiras teorias em aquisição, o behaviorismo e o conexionismo,


tiveram como base a proposta empirista que não considerava a mente como um
componente fundamental para justificar o processo de aquisição. Para ela,
importava o fato de o conhecimento humano ser derivado da experiência e da única
capacidade inata que ele possuía ser aquela de formar associações entre estímulos
ou entre estímulos e respostas.
A teoria behaviorista acredita que a criança é uma tabula rasa, só sendo
capaz de desenvolver seu conhecimento linguístico por meio de estímulo-resposta,
imitação e reforço. Para B.F.Skinner, in Del Ré (2009, pág. 18), a linguagem também
pode ter um reforço positivo, e nesse caso, o comportamento/linguagem se
manteria; ou ter um reforço negativo, eliminando o comportamento; ou ainda não ter
nenhum tipo de reforço.
Já o conexionismo (ou associacionismo) surgido nos últimos 15 anos tenta
clarear as questões sobre a criatividade da criança, indo além dos conceitos de
estímulo-resposta, buscando explicar de que forma são construídas as analogias
que ninguém ensinou ou explicou às crianças.
Embora ainda não considere a mente como participante do processo de
aquisição, admite que o cérebro e suas redes neurais sejam responsáveis pelo
aprendizado instantâneo, no momento da experiência empírica. O estímulo-resposta
está na base neural e não no meio externo, como propõem os behavioristas. Assim,
analisa-se o que ocorre entre os dados de entrada (input) e de saída (output),
admitem-se analogias e generalizações e busca-se a interação entre o organismo
(rede neural) e o ambiente.
Entretanto, mesmo considerando o elemento criativo como parte integrante
do processo de aquisição, a teoria conexionista não fornece explicações suficientes
que justifiquem a rapidez com que a criança aprende uma língua, os erros que ela
comete, por que razão ela começa a adquirir, nem consegue prever o início desse
processo.
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3.2 Racionalismo

O empirismo dá lugar então ao racionalismo, não apenas admitindo a


existência da mente, mas atribuindo a ela a responsabilidade pela aquisição. Ao
estabelecer uma relação entre linguagem e mente, pressupõe-se a existência de
uma capacidade inata que subjaz o processo de aquisição.
Nesse contexto, pesquisas sobre processos psicológicos e mecanismos
implicados na aquisição e no uso da linguagem tomam impulso, originando o
aparecimento do inatismo. Como contraposição ao behaviorismo de Skinner,
Chomsky propõe uma teoria que se baseia, entre outras coisas, na rapidez do
processo, na criatividade, em regras linguísticas de outra natureza e em afasias em
áreas específicas do cérebro.
Uma das diferenças entre empirismo e racionalismo relaciona-se como os
pensadores de cada corrente abordam o campo do conhecimento humano. Os
racionalistas defendem que a fonte principal do conhecimento humano é a mente,
uma vez que a nossa percepção e compreensão do mundo externo residem no
preenchimento de certas proposições e princípios da interpretação, que são inatos, e
não derivados da experiência. Segundo este ponto de vista, os seres humanos
recebem um número de faculdades específicas, dentre estas, inclui-se a faculdade
da linguagem, cujo papel crucial é permitir a aquisição do conhecimento. Estas
faculdades não seriam determinadas por estímulos, conforme propõem os
empiristas, mas pertencentes a uma herança linguística genética comum a toda
espécie humana.
O ponto de vista racionalista se distingue do empirismo por dar importância a
estruturas intrínsecas nas operações mentais, a processos centrais e princípios de
organização na percepção, e a idéias e princípios inatos na aprendizagem.
Considera que o que há são princípios gerais inatos que subjazem e organizam o
nosso conhecimento e que fazem parte da nossa faculdade mental.
Oposto a essa concepção, há o ponto de vista empirista que acentua o papel
da experiência e os fatores ambientais na aquisição do conhecimento. Consoante
este ponto de vista, o empirista não necessita de construir pressupostos acerca da
possível base fisiológica da realidade mental que estuda. Sob essa perspectiva, o
conhecimento e o comportamento humano seriam determinados pelo meio-
ambiente, não havendo nenhuma diferença, com relação a este aspecto, entre os
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seres humanos e os outros animais. A doutrina empirista influenciou a ciência do


comportamento humano, ou behaviorismo, como é, em geral, referida.

3.3 Modelo linguístico

Este modelo foi proposto por Chomsky, que conforme descrito em Chevrie-
Muller e Narbona (2005, pag. 52), afirmava que o desenvolvimento da linguagem na
criança não pode ser comparado com o comportamento condicionado do rato, pois
implicaria processos distintos dos da imitação e reforço. Realmente, a criança só
executa determinadas operações se possuir uma compreensão adequada da
estrutura interna da frase a ser tratada.
Tal teoria fundamenta-se na observação de que a criança, simplesmente por
viver num meio em que se fala uma determinada língua, começa a produzir sons
dessa língua, a desenvolver e a adquiri-la, e aos 3/4 anos já está com sua gramática
quase completa. Assim, pressupondo que a aquisição de uma língua não se baseia
em memorização, Chomsky, in Del Ré (2009, pág. 20), afirma que as propriedades
da língua são transmitidas geneticamente, de forma biologicamente determinada, e
portanto, as crianças já as conheceriam antes de terem contato com sua língua.
Aimard (1986, pag. 16) afirma que, segundo Chomsky, cada indivíduo tem um
conhecimento pessoal, infinito, que é sua competência linguística. Seria um
somatório de todas as estruturas elementares e das regras que o ser humano tem
acumuladas e seria capaz de mobilizar quando necessário.
Segundo Nóbrega (2008, p.21) Chomsky, considera a linguagem humana
uma faculdade comum a todos, portanto, universal, sendo geneticamente
determinada e, por isso, inata ao indivíduo. O mesmo autor relata ser a faculdade
humana da linguagem uma “propriedade da espécie”, cuja habilidade de usar signos
linguísticos para expressar os pensamentos marca diferenciação entre o homem, o
animal e a máquina.
Para Chomsky (1983, apud Nóbrega, 2008), a gramática é a representação
da “competência intrínseca” ou “propriedades do estado cognitivo inicial”. É como
um “sistema que especifica propriedades fonéticas, fonológicas, sintáticas e
semânticas de uma classe infinita de frases possíveis”. Sendo assim, existem
princípios gerais universais das línguas que não precisam ser aprendidos porque já
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nascemos com eles, determinados pela capacidade inata e isto explicaria a


competência para desenvolver a língua, sob o argumento básico de que, em um
tempo bastante curto (entre 18 e 24 meses), normalmente, a criança que é exposta
à pobreza de estímulo é capaz de dominar um conjunto complexo de regras ou
princípios básicos, que é a gramática internalizada do falante.
Apenas uma hipótese seria capaz de explicar essa aptidão em adquirir
estruturas da linguagem: um dispositivo inato da linguagem existente no potencial
genético humano. Considerando a rapidez com que as crianças pequenas são
capazes de aquisições linguísticas, acreditava que não poderia tratar-se de uma
aprendizagem mas de emergência de estruturas pré-formadas, pré-programadas.
Chomsky, segundo Aimard (1986, pag. 18) acreditava que todo ser humano possuía
uma estrutura inata capaz de permitir a construção de uma gramática a partir de
dados que lhe são fornecidos pelo ambiente, essas estruturas eram chamadas de
“linguísticas universais” e seriam comuns a todas as linguagens.
Uma outra característica da linguagem, segundo esse teórico, conforme
Chevrie-Muller e Narbona (2005, pag.53), é a criatividade. A linguagem, em si
mesma, deve ser concebida não como norma imposta à criança por impregnação de
sua língua, mas como criação em qual criança experimentaria suas próprias regras
linguísticas de formação das palavras e dos enunciados. Desse modo, a criança não
aprenderia a linguagem estocando um conjunto de frases prontas para o uso em um
contexto apropriado, ela descobriria a língua controlando intuitivamente a reunião
das palavras a serem enunciadas.
Para Scarpa (2001, apud Nóbrega, 2008), a pobreza de estímulo de Chomsky
é uma fala fragmentada ou incompleta que faz brotar uma gramática específica da
língua nativa da criança, “de maneira fácil e com um certo grau de instantaneidade”.
Essa vertente teoria trabalha com a idéia de um sujeito falante-ouvinte ideal,
por preconizar a aquisição de uma língua a partir de um módulo inato, deixando de
lado outros aspectos que acreditamos importantes, como o uso real da língua e as
contribuições das interações com outros indivíduos nesse processo de aquisição da
linguagem.
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3.4 Modelo cognitivo

O cognitivismo vincula a linguagem à cognição, a aquisição e o


desenvolvimento da linguagem são processos derivados do desenvolvimento do
raciocínio na criança.
O principal teórico deste modelo foi Piaget, que construiu um sistema de
pensamento adotado em numerosas disciplinas, cujo centro são as estruturas
cognitivas e os diferentes estágios de sua aquisição pela criança (Aimard, 1998,
pág. 35).
Piaget não está interessado na aquisição da linguagem, mas na relação
linguagem/pensamento e propõe que o sujeito constrói estruturas (conhecimento)
com base na experiência e com o mundo físico, ao interagir e ao reagir
biologicamente a ele, no momento dessa interação.
De acordo com este modelo, o conhecimento dos mecanismos subjacentes à
aquisição da linguagem requer, primeiramente, o exame detalhado do
desenvolvimento de estratégias, isto é, a análise da maneira pela qual a criança
apropria-se da língua. Isso exige a definição dos princípios operacionais que ela
adota para relacionar o sentido dos enunciados e sua forma em um determinado
contexto sociofamiliar e sociocultural (Chevrie-Muller e Narbona, 2005, pag.53).
A inteligência da criança progride ao integrar o mundo dos objetos que a
rodeiam. Não se trata de uma relação interpessoal, nem de diálogo, nem de
comunicação. A partir dessa idéia, podemos deduzir que a criança não pensa
melhor quando incentivada a reproduzir o que o adulto faz ou fala, mas sim quando
age espontaneamente sobre os objetos, combinando-os, subtraindo, dentre outros,
dessa forma ela aprenderá a pensar logicamente ou construir significados.
Para Piaget, ao contrário de Chomsky, não existem estruturas inatas de
aquisição, apenas o funcionamento da inteligência é hereditário (Aimard, 1998,
pág.36).
Chevrie-Muller e Narbona (2005, pág. 53), afirmam que se trata de
compreender de que maneira a criança pequena é capaz de controlar as principais
funções linguísticas sabendo que, nas situações normais de comunicação, esses
diversos índices entram em relações complexas de interação e que as línguas
naturais se caracterizam por uma sobreposição parcial das formas e funções.
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Por outro lado, a psicologia também faz referências às descrições linguísticas


com o objetivo de caracterizar o esquema das representações cognitivas. O principal
ponto abordado pela psicologia cognitiva é sabr em que medida é possível abordar o
estudo da linguagem independente do estudo dos outros campos cognitivos.
Já o estudo propriamente linguístico diz respeito ao funcionamento de
falantes reais em atividades de produção, percepção, compreensão, memória,
metalinguagem e em contextos definidos.
Sob o ponto de vista de Piaget, a linguagem das crianças não reflete o
conhecimento que elas têm do real. Considerando que não apresentem limitações
neurológicas ou emocionais sérias, elas podem conhecer ou assimilar certos
acontecimentos, ainda que não possam comunicá-los através de palavras.
Aimard (1998, pág. 35) afirma que para Piaget, os progressos da criança
seriam avaliados em função de suas reações a testes, durante os quais deveria
resolver tarefas precisas. De acordo com as capacidades demonstradas pela criança
seria possível situá-la nos níveis de referência estipulados por Piaget, que são:
- período sensório-motor: até os dois anos de idade, caracterizado pela
aquisição da noção de objeto permanente;
- período sensório-motor: até os quatro anos, marcado pelo egocentrismo e
animalismo;
- período intuitivo: dos quatro aos sete anos, marcado pela reversibilidade das
operações e pelo conceito de conservação.
Para Piaget, segundo Del Ré (2009, pág. 22), são duas as categorias de
linguagem: egocêntrica e socializada. Na primeira, as conversações das crianças
são egocêntricas ou centralizadas, não têm o objetivo de comunicar nem levam em
consideração a presença de um interlocutor, quando é o caso, pois na verdade, não
há função social nelas. É só na fase socializada que a criança realmente passa a
interagir, por meio de perguntas, respostas, ameaças, etc.
Aimard (1998, pág. 36) afirma que podem ser encontradas algumas restrições
nas teorias de Piaget, já que ele não se interessava por crianças pequenas, não
mencionava aspectos relacionais, da comunicação pré-verbal, menciona
superficialmente a evolução da linguagem em si mesma, introduz uma rigidez com a
noção de estágios que não poderia cobrir todos os fenômenos que interferem na
aquisição da linguagem. Além disso, Piaget não levou em consideração o papel do
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outro nesse processo de aquisição/desenvolvimento da linguagem infantil, pois para


ele a maturação (os estágios) acontece de forma individual.

3.5 Interacionismo

O interacionismo surge para dar conta desse “outro” no âmbito social e na


tentativa de contrariar a teoria piagetiana de que a criança é egocêntrica e se
desenvolve por estágios.
Tal teoria baseia-se na interação verbal, no diálogo da criança com o adulto e,
nesse sentido, o desenvolvimento da linguagem e do pensamento tem origens
sociais, externas, nas trocas comunicativas entre os dois interlocutores. Daí o termo
sociointeracionismo proposto por Vygotsky, onde todo o conhecimento se constrói
socialmente, pela aprendizagem nas relações com os outros. O adulto tem, aqui, um
papel fundamental no processo de aquisição da linguagem, funcionando enquanto
regulador/mediador de todas as informações que as crianças recebem do meio.
Essas informações são sempre intermediadas pelos que as cercam e, uma vez
recebidas, são reelaboradas pela linguagem interna, individual.
É desse modo que a criança se desenvolve na interação com o outro e
aprende com ele (adulto) aquilo que em breve ela será capaz de fazer sozinha.
Contudo, a aquisição de habilidades depende da instrução dada pelo adulto no
momento em que a criança se encontra na chamada Zona de Desenvolvimento
Proximal, que é uma fase de transição entre aquilo que ela é capaz de fazer sozinha
e o que ainda não é capaz de realizar por si só, mas pode fazê-lo com o auxílio de
alguém mais experiente.
Para Vygostsky a criança também deve passar por um processo de
desenvolvimento das operações mentais e, para tanto, propões quatro fases: natural
ou primitiva (corresponde à fala pré-intelectual e ao pensamento pré-verbal),
psicologia ingênua (inteligência prática), signos exteriores (fala egocêntrica) e
crescimento interior (internalização das operações externas).
De acordo com Del Ré (2005, pág. 23), para Vygostsky, os primeiros sons do
bebê são dissociados do pensamento; essa união só acontece por volta dos dois
anos, quando a fala assume uma função simbólica e organizadora do pensamento.
É nessa idade também que as estruturas construídas externamente pela criança são
internalizadas em representações mentais. A fala, resultante da internalização da
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ação e do diálogo, servirá de suporte para que a criança comece a controlar o


ambiente e o próprio comportamento.

3.6 Interacionismo social

Inspirando-se em Vygotsky, mas indo além dele, o interacionismo social


propõe, então, que a criança não seja apenas um aprendiz, passivo, mas um sujeito
que constrói seu conhecimento (mundo e linguagem) pela mediação do outro.
A base para o desenvolvimento linguístico infantil está na associação entre a
interação social e a troca comunicativa com um outro, que pode ser não apenas um
adulto, mas também uma criança.
Uma das vertentes desse interacionismo social é o sociointeracionismo, em
que os papéis no diálogo e as categorias linguísticas se instauram por meio da
interação dialógica (criança-interlocutor). Dessa interação tem-se como resultado
que a criança e o interlocutor se tornam sujeitos do diálogo, a segmentação da ação
e dos objetos do mundo físico e a crianças que também opera sobre a construção
de sua língua.
Não há construção unilateral, separadamente, da criança e do outro. Trata-se
de um processo que envolve as duas partes, concomitantemente É a partir de
esquemas interacionais que as crianças incorporam, durante a trajetória da
aquisição da linguagem, segmentos da fala adulta. À medida que a criança
desenvolve a capacidade de representar as intenções, a atenção e o conhecimento
daquele com quem ela interage, é que ela vai tornando-se independente do
enunciado do outro, combinando por si só vocábulos e fragmentos de discurso.
Diante disso, podemos dizer que o sociointeracionismo caracteriza-se pelo
estudo do processo dialógico instaurado entre a mãe e a criança, no qual a primeira,
sujeito constitutivo da fala infantil, desempenharia o papel de mediadora entre a
criança e os objetos. Aliás, o que a criança exercita nesse processo dialógico, nas
primeiras fases, são os procedimentos comunicativos e cognitivos justapostos, que
podem vir a ser coordenados somente à medida que eles se tornam mais eficazes
na ação sobre seu interlocutor, o que permite à criança relacioná-los e construir
subsistemas.
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4 A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

A linguagem é um processo mental de manifestação do pensamento e de


natureza essencialmente consciente. É um sistema constituído por elementos que
podem ser gestos, sinais, sons, símbolos ou palavras, que são usados para
representar conceitos de comunicação, idéias, significados e pensamentos.
Na vida humana, registram-se alterações que materializam progressos, os
progressos são revelação da evolução humana. O desenvolvimento é a constatação
dessa evolução, a qual se desenvolve através de uma série de etapas qualitativa e
quantitativamente distintas.
O crescente número de pesquisas psicolinguísticas sobre as capacidades dos
recém-nascidos tende a confirmar as hipóteses de aprendizagem pré-natal pelo
estabelecimento de sistemas de tratamento da informação relativamente
especializados, solidificados por processos de atenção seletiva e sensíveis à
novidade. Muitos são os autores que acreditam na existência de uma organização
cognitiva inicial, que já apresentava determinados aspectos da organização adulta
desde a gestação (Chevrie-Muller e Narbona, 2005, pág. 54).
Lentin (1981, pág. 36) afirma que estudos sobre a vida intra-uterina da criança
demonstraram que o bebê é capaz de distinguir e identificar a voz da mãe. Pode-se
afirmar que a partir da concepção a criança sofre influência da atividade verbal da
mãe, combinada com outros aspectos neurobiológicos, motores, sociais, dentre
outros.
Com o objetivo de facilitar os estudos, divide-se a aquisição da linguagem em
algumas fases, entretanto é importante assinalar que cada criança progride em seu
próprio ritmo, a descrição aqui fornecida corresponde à média, já que as aquisições
seguem uma mesma ordem, variando em intensidade.
Outro aspecto que deve ser considerado é que a linguagem é apenas um dos
diversos comportamentos e características que estão sendo aprendidos pela
criança, deve-se avaliar todo o conjunto: sentimentos, motricidade, percepções. É
impossível avaliar a linguagem isoladamente (Aimard, 1988, pag. 57-58).
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4.1 As fases pré-linguísticas

Para ser capaz de falar a criança deve possuir um certo número de


capacidades neurofisiológicas ou psicológicas, ter uma certa maturidade em
diversos domínios, a partir daí a linguagem torna-se possível.
O termo “pré-linguagem” situa-se antes da linguagem, mas implica que exista,
já, uma certa forma de linguagem, que seria um aspecto da comunicação antes que
possa adquirir formas convencionais de linguagem.
Essa linguagem ou a necessidade de se conversar não nasce bruscamente,
quando a criança emite sua primeira palavra, mas as formas linguísticas surgem de
modelos de comunicação ou experiências de comunicação que se elaboraram
desde os primeiros dias de vida.
Já as trocas entre o bebê e sua mãe utilizam todos os meios de comunicação
que com frequência chamamos de pré-linguagem: olhares, sorrisos, gestos, voz e
entonações, tudo que passa pelo corpo, atitudes e postura.

4.1.1 Vocalizações (0-2 meses)

Referente à fase das vocalizações reflexas ou quase reflexas, em que gritos e


sons vegetativos misturam-se. Pode-se dizer que inicialmente o bebê produz
“gritos”, que são aceitos pelos adultos como sinais de desconforto ou de
chamamento.
Inicialmente pequenas produções vocais são emitidas ao acaso, como se os
órgãos de fonação simplesmente entrassem em funcionamento e variam inclusive
com a posição do bebê, com a inspiração e expiração. Em seguida os movimentos
casuais passam a ser modulados pela imitação. Segundo Aimard (1988, pág. 59), os
diferentes sons de balbucio são mais ou menos os mesmos em diferentes línguas
estudadas por ele.
Lentin (1981, pág. 42) afirma que esses sons são elementos de
linguagem/comunicação não sonora, são emissões de voz isoladas, sendo as
primeiras manifestações sonoras além do choro.
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4.1.2 Sílabas Arcaicas (1-4 meses)

Inicialmente a criança produz qualquer tipo de sons e ruídos com a boca


possíveis, em seguida, esse balbucio evolui, adaptando-se aos modelos fonéticos
ouvidos, ou seja, progressivamente ele vai se limitar ao sistema fonético da língua
materna (Aimard, 1988, pág. 60).
Chevrie-Muller e Narbona (2005, pág. 55) consideram que os sons emitidos
pela criança estão ligados à emergência de um sorriso, primeiro indício da
comunicação social. Dentre os barulhos emitidos pelo bebê, podem ser identificados
a produção de sequências fônicas, constituídas de sílabas primitivas claramente
perceptíveis por seu meio, formadas de sons quase vocálicos e de sons quase
consonantais.
Esta produção de sons é, na maioria das vezes, uma atividade sensório-
motora e os sons produzidos são frequentemente estranhos aos que comporta a
língua materna do indivíduo (Lentin, 1981, pág. 43).

4.1.3 Balbucio Rudimentar (3-8 meses)

A partir do terceiro mês a criança imita a melodia ou sons emitidos pelo


adulto, quando eles pertencem a seu repertório. Tais comportamentos de imitação
vocal mútua geram grande interesse nos psicolinguístas em razão de sua influência
sobre a comunicação pré-verbal (Chevrie-Muller e Narbona, 2005, pág. 56).
Nesta etapa verificamos a grande capacidade da criança de brincar com sua
voz, controlando diferentes parâmetros de emissão de sons. Por volta dos seis
meses de idade, aparecem as primeiras combinações sonoras do tipo consoante e
vogal.
Aimard (1988, pág. 61) afirma que situações que favorecem o balbucio foram
muito estudadas. A partir do terceiro ou quarto mês, notamos que os bebês que
balbuciam muito geralmente têm mães que conversam mais, pode-se dizer que
mães que conversam mais com seu filho, que lhe dirigem mais comentários e
brincadeiras verbais, levam a criança a responder-lhe por meio de vocalizações.
As diferentes características estabelecidas pela criança durante essas três
etapas “pré-canônicas” permitirão a emergência do balbucio canônico, etapa-chave
do desenvolvimento pré-linguístico.
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4.1.4 Balbucio Canônico (5-10 meses)

Nesta etapa as crianças começam a produzir sílabas bem formadas do tipo


consoante-vogal. Segundo Oller, in Chevrie-Muller e Narbona (2005, pág. 56), o
balbucio canônico é uma associação articulatória composta de um núcleo de
energia, o som vocálico, e de pelo menos um ataque silábico, o som consonantal
que possui características temporais da língua-alvo.
O balbucio seria inicialmente reduplicação, formado por uma cadeia de
sílabas idênticas do tipo mamama ou papapa. Ele se diversificaria a seguir com
sílabas sucessivas diferindo umas das outras, pela consoante, pela vogal ou por
ambas.

4.1.5 Balbucio Misto (9-18 meses)

Nesta fase a criança começa a produzir palavras dentro do balbucio. Trata-se


do balbucio misto ou de enunciados mistos. Esse balbucio contém ao mesmo tempo
itens lexicais identificáveis como elementos significativos e sílabas não
reconhecíveis como unidades léxicas.
A produção de ruídos provem dos lábios e da movimentação da língua,
brincando muito com a voz, com os ruídos e fonemas que adquiriu, imita algumas
entonações do adulto e alguns ruídos, como a tosse (Aimard, 1988, pág. 62)
Há muito mais que imitação no balbucio. O bebê sente prazer de brincar com
sons, com a ajuda da voz. Estes são os primeiros hábitos de jogo. O balbucio
adquire uma importância cada vez maior no esboço do diálogo. Pequenas conversas
estão presentes em momentos de intimidade.

4.2 DESENVOLVIMENTO DOS SISTEMAS LINGUÍSTICOS

A aquisição do sistema fonético, os jogos de imitação, os exercícios, o prazer


de dialogar, as repetições de sílabas e suas variáveis se mantêm, entretanto a
compreensão da criança aumenta.
18

Com a maturação dos sistemas neurológico, psicológico, motor, dentre outros


aspectos do desenvolvimento natural da criança, é possível falar em sistema
linguístico, que se subdivide em sistema fonológico, lexical e morfossintático.

4.2.1 Sistema Fonológico

A análise fonológica revela a existência do sistema próprio à criança,


manifestado principalmente nas modificações sistemáticas que ela traz às palavras
do adulto. O “babytalk” caracteriza-se classicamente por modificações voltadas para
o eixo sintagmático, com reduplicações e apagamentos de sílabas ou de
consoantes; e também para o eixo paradigmático com substituições, ou ao mesmo
tempo para ambos os eixos, com assimilações ou realizações dissociadas de traços
pertinentes (Chevrie-Muller e Narbona, 2005, pág. 57).
A aquisição do sistema fonológico procede por uma aproximação analítica
progressiva, que não é a mesma para todas as crianças e em todas as línguas. A
realização de cada fonema implica, efetivamente, que a criança chegue a sincronizar
e produzir em um tempo extremamente breve uma sequência motriz que atualiza os
diferentes traços distintivos percebidos. Estas observações levam a sublinhar ainda
a importância das correlações perceptivo-motrizes e a relativa lentidão das
aquisições fonéticas complexas, já que a maioria das crianças não têm ainda um
sistema fonético perfeito aos 5 ou 6 anos (Aimard, 1986, pág. 47-48).
Aimard (1988, pág. 60) fala também da heteroimitação, já que o bebê ouve
constantemente os adultos que conversam ao redor dele, essas produções contêm
apenas o repertório fonético da língua e assumem papel de modelo. Sem que isso
seja uma regra, geralmente o bebê tem mais facilidade para reproduzir esses
fonemas. Quando ele conversa com um adulto, este tende a repetir ou valorizar os
sons que pertencem a língua corrente. Por meio de um jogo de imitações, de
repetições, de reforços, de correções, o adulto modela o repertório fonético do bebê,
cujos ouvidos e órgãos da fonação ficarão habituados e treinarão com os fonemas
da língua materna.
19

4.2.2 Sistema Lexical

Para Chevrie-Muller e Narbona (2005, pág. 59), as primeiras palavras


pronunciadas pela criança têm como função designar, expressar e ordenar. Na
maioria das vezes é necessário conhecer o contexto para interpretar essas primeiras
palavras. Frequentemente elas são constituídas de duas sílabas idênticas formadas
por uma consoante e uma vogal. A criança as utiliza para designar uma gama inteira
de objetos (supergeneralização) em razão de uma impressão global de semelhança.
Trata-se da aquisição do vocabulário, palavras ou unidades significativas,
sem levar em conta suas variantes morfológicas. A aquisição pode ser percebida do
ponto de vista quantitativo e qualitativo. As primeira palavras do léxico dizem
respeito, normalmente, à situação concreta, aos objetos familiares (Aimard, 1986,
pág. 49)
Aimard (1988, pág. 63) afirma que os pais geralmente desejam que as
primeiras palavras da criança sejam “papai” e “mamãe”, entretanto não é possível
prever qual será ela. Obrigatoriamente será uma palavras simples, concreta,
referindo-se à vida cotidiana da criança. As primeiras palavras prestam um serviço
imediato à criança, permitindo-lhe falar de pessoas e coisas importantes em sua
vida.
Nesta fase o adulto desempenha diversos papéis, inicialmente é o provedor
de modelos, já que frequentemente a criança repete o fim das frases, ou a última
palavra, como se fosse um eco. Isso não significa que ela esteja dizendo essa
palavra, mas faz parte de uma etapa de preparação, de armazenamento e de treino.
O adulto também reforça e torna mais claras essas primeiras palavras, já que
sua pronúncia é tão aproximada que com frequência é difícil entender o que a
criança está dizendo, é preciso compreender e depois traduzir ou repetir na forma
correta aquilo que a criança pronunciou à sua maneira (Aimard, 1988, pág. 65).
A partir dos 10 aos 13 meses de idade a criança aprende o léxico na razão de
uma palavra por vez. Seus enunciados são constituídos quase exclusivamente de
palavras isoladas. O acesso às primeiras palavras supõe que a criança conheça os
objetos e os acontecimentos de seu meio.
Chevrie-Muller e Narbona (2005, pág. 60) afirmam que a base lexical da
linguagem na criança pequena é constituída por um sistema limitado, mas aberto,
que codifica os objetos familiares concretos, as principais pessoas de seu círculo,
20

assim como os estados e as mudanças de estado desses objetos e pessoas, ações


que as pessoas efetuam sobre os objetos e os sentimentos imediatos das pessoas.

4.2.3 Sistema Morfossintático

A evolução da linguagem entre 2 e 3 anos caracteriza-se pelo acesso à


associação de duas ou várias palavras definidas pelos psicolinguistas como
semantaxe. Estabelece-se, então, a questão da organização das palavras segundo
sua função, ou seja, o problema de sua reunião. Ainda não é possível compreender
por completo de que maneira as crianças dominam as restrições linguísticas que
presidem a organização sequencial dos enunciados.
Chevrie-Muller e Narbona (2005, pág. 60) acreditam que tudo ocorreria como
se a criança selecionasse, na linguagem ouvida ao seu redor, um pequeno número
de palavras e se servisse delas, atribuindo-lhes uma posição fixa. Ela aplicaria um
número limitado de fórmulas posicionais que seriam diretamente apreendidas e
derivadas da linguagem adulta, de acordo com o princípio da generalização
contextual, que estabelece que a criança assinala a posição de uma palavra ou de
um grupo de palavras nos enunciados do adulto e, a seguir, tende a utilizar a palavra
ou grupo de palavras em “fórmulas” no mesmo lugar, isto é, no mesmo contexto.
Um momento importante da aquisição da linguagem é o aparecimento da
frase gramatical cujos elementos fundamentais são a entonação, a
supergeneralização, flexões que levam às conjugações e ordem das palavras. Essas
novas aquisições permitirão à criança perfazer seus conhecimentos linguísticos,
construir e compreender enunciados fora das situações do aqui e agora.
A partir dos 3 anos e meio, a criança já consegue dominar a estrutura
fundamental da língua materna, e mostra-se capaz de falar praticamente de modo
inteligível, sem muitos erros sintáticos e morfológicos. Entretanto, o processo de
aprendizagem encontra-se longe de estar completo. A criança melhora e aprimora
sua linguagem de várias maneiras. Particularmente, ela desenvolve seu vocabulário
e aprofunda sua compreensão do sentido das palavras, processo que parece
prosseguir durante toda a vida (Chevrie-Muller e Narbona, 2005, 62).
21

4.3 DESENVOLVIMENTO DAS CAPACIDADES PRAGMÁTICAS

As capacidades pragmáticas definem-se como o uso adequado que o falante


faz da linguagem para comunicar, em diferentes contextos e com distintos
interlocutores. O termo pragmática é derivado do grego pragma, significando coisa,
objeto, principalmente no sentido de algo feito ou produzido, sendo que o verbo
pracein, significa precisamente agir, fazer. Os romanos traduziram pragma pelo latim
res, o termo genérico para coisa, perdendo talvez com isso a conotação do fazer ou
agir presente no grego.
Geralmente faz-se uma distinção no estudo da linguística entre a pragmática
que considera a linguagem em seu uso concreto, semântica, que examina os signos
lingüísticos em sua relação com os objetos que designam ou a que se referem, e
sintaxe, que analisa a relação dos signos entre si. Mais recentemente, o termo
pragmática passou a englobar todos os estudos da linguagem relacionados a seu
uso na comunicação. Uma outra concepção de pragmática se desenvolveu com
base em correntes na filosofia da linguagem e na lingüística que valorizam a
linguagem comum e o uso concreto da linguagem como a principal instância de
investigação da linguagem, tratando a semântica e a sintaxe apenas como
construções teóricas.
As primeiras pesquisas sobre o desenvolvimento das aptidões comunicativas
foram efetuadas por Piaget (1927). De acordo com suas observações realizadas a
partir de conversas de crianças, ele concluiu pela inferioridade da atualização das
funções de comunicação da criança em relação à do adulto. Segundo ele, a criança
experimenta dificuldade de distanciar-se e de conceber a posição do interlocutor. A
linguagem resultante não contém todas as informações necessárias para a boa
compreensão pelo ouvinte.
Piaget define essa fase como sendo a da “linguagem egocêntrica”. É apenas
entre 6 e 7 anos que a criança desenvolverá sua capacidade de estabelecer uma
diferença entre sua percepção e a dos outros. Muitos pesquisadores realizaram
estudos sobre a evolução das intenções de comunicação ou funções pragmáticas na
criança mais nova. Essas funções referem-se aos indicadores que determinam qual
tipo de linguagem convém a um determinado contexto.
O conhecimento de tais indicadores permite a comunicação eficaz, fazendo a
escolha de expressões apropriadas ou a de atos de fala conciliáveis com o status do
22

interlocutor. Por exemplo, a expressão da criança será diferentemente modelada


conforme ela fale com outra criança ou com seus pais.

4.4 DESENVOLVIMENTO DAS CAPACIDADES METALINGUÍSTICAS

A criança adquire as aptidões metalinguísticas quando é capaz de discernir as


ambiguidades, diferenciar as frases gramaticais e não-gramaticais, controlar e
brincar com sua língua a ponto de fazer rimas, poesia e jogos de palavras.
Pesquisas sugerem que a evolução dos julgamentos metalinguísticos da
criança passa por três etapas. Durante a primeira, ela julga a aceitabilidade da frase
segundo a compreensão que ela tem da mesma. Na segunda, é a aceitabilidade dos
acontecimentos descritos que determina a frase. Em último lugar, a criança pode
avaliar os enunciados a partir de critérios estritamente gramaticais.
Os trabalhos relativos ao desenvolvimento metalinguístico na criança
mostraram a existência de dissociações entre, de um lado, os comportamentos
verbais receptivos e produtivos e, de outro, os julgamentos e raciocínios efetuados
sobre questões de linguagem. Para progredir no plano da linguagem, a criança
efetua constantemente uma comparação entre suas próprias produções e as que
seu meio lhe dirige.
A conscientização da língua não parece intervir no mesmo momento para os
diferentes componentes do sistema linguístico. Entre os 4 e os 8 anos, a criança é
capaz de adaptar determinados aspectos de seu discurso em função do nível
linguístico de seu interlocutor. Essa adaptação manifesta-se segundo um percurso
que continua não bem-conhecido. Os dados atualmente disponíveis parecem atestar
uma notável heterocronia, em termos de conscientização metalinguística, entre os
diferentes componentes do sistema linguístico (fonético, semântico, morfossintático
e pragmático), conforme Chevrie-Muller e Narbona (2005, pág. 62-63).
23

5 CONCLUSÃO

A aquisição da linguagem pela criança processa-se em várias fases e é


condicionada por diversas influências, desse modo, nem todas as crianças do
mesmo nível etário apresentam o mesmo grau de desenvolvimento linguístico.
A análise demonstrou que muitas dificuldades dos jovens alunos na
aprendizagem da língua materna resultam não tanto de deficiências congênitas, mas
de fatores externos que vão interferir na evolução psicológica e mental da criança.
Tais como a forma como foram estimulados a desenvolver a fala nos períodos pré-
linguísticos e linguísticos, se vivenciaram as fases do balbucio, vocalizações e
demais de forma plena e com estímulos por parte dos adultos que conviviam com a
criança, dentre outros.
Outro fator que não deve ser desprezado é o ambiente familiar,
socioeconômico e sociocultural no qual a criança vivia na primeira infância. O
ambiente familiar de uma classe social desvaforecida, onde há numerosas
carências, não pode servir de incentivo às potencialidades infantis. Portanto, as
condições de aprendizagem no início da vida escolar, e antes disso, no início do
processo de aquisição da linguagem, são diferentes para cada criança, conforme a
experiência anterior foi rica ou pobre de estímulos. Isto explica a menor ou maior
facilidade de comunicação, o silêncio sistemático ou a verbosidade, a boa
articulação no discurso ou monossílabos inexpressivos de cada um.
Na prática constante da oralidade irá a criança ascendendo das formas
simples às mais elaboradas, sabendo escolher entre os vários registros da língua,
aquele ou aqueles que melhor se adaptem às situações da expressão verbal dos
diversos momentos. Só num contexto que estimule e se permita a criação verbal
pessoal é possível desenvolverem-se a sensibilidade e a imaginação infantis, que
tanto contribuem par ao enriquecimento da personalidade em evolução.
Para isso, são valiosas as contribuições da psicologia e da linguística sobre
os diferentes processos de aprendizagem que ocorrem durante as fases de
desenvolvimento da criança, assim como das diversas funções da linguagem e do
modo como funciona a língua que todos usamos.
A psicologia, chamando a atenção para os problemas da formação e evolução
da inteligência e da personalidade em termos de construção contínua e dinâmica,
ligada fortemente à atividade criadora da criança, põe em destaque o fato que a
24

criatividade surge quando baseada nos interesses e necessidades profundas


individuais ou coletivas.
A informação dada pela psicologia sobre as fases de aquisição dos
conhecimentos, maturação, funções da sensibilidade, abre novas perspectivas à
pedagogia da língua materna, permitindo evitar intervenções prematuras ou tardias.
Já a linguística ensina que a aprendizagem sistemática das estruturas
sintáticas da língua pressupõe a prática intensiva das regras do seu funcionamento,
interligando-se a aprendizagem com um conceito fundamental de que a língua é um
sistema amplo e complexo, do qual a criança é capaz de compreender e reproduzir
determinados tipos de sistema operatório e verbais de acordo com cada fase de seu
desenvolvimento.
Pode-se concluir que o ser humano inicia sua aprendizagem desde o ventre
materno e a intensifica a partir do momento em que nasce. Nos primeiros contatos
com o ambiente circundante, com a mãe, como meio familiar e, mais tarde, com o
meio escolar e social, estabelece-se uma inter-relação que se vai aprofundando e
modificando, de acordo com o próprio desenvolvimento. Nessa inter-relação atua
tanto a criança que aprende quanto o adulto que ensina.
De acordo com o exposto no presente artigo, pode-se afirmar que além das
características individuais e peculiares da evolução de cada indivíduo, há aspectos
genéricos que predominam nos períodos de desenvolvimento psicogenético e que
especificam as diferentes fases de acordo com as idades. Ou seja, todas as crianças
vivenciam as mesmas fases, dentro das particularidades do desenvolvimento de
cada uma. Sendo assim, ensinar a língua é proporcionar à criança o conhecimento
dos diferentes níveis: fonológico, sintático e semântico e dos diversos registros da
linguagem usados de acordo com o meio social, o lugar, as circunstâncias, as
relações entre as pessoas.
Desse modo, podemos concluir que a criança não inventa a linguagem.
Mesmo se admitirmos que ela possui aptidões inatas, uma espécie de pré-
programação das estruturas da linguagem, nada é construído se ela não for inserida
num meio onde tenha contato com a linguagem. Dessa linguagem que escuta a seu
redor, extrai os modelos, os esquemas a partir dos quais vai construir sua própria
linguagem. Para tanto ela vivencia de forma individual diversas fases como a
produção de sílabas arcaicas, o balbucio, o desenvolvimento dos sistemas lexical e
morfossintático, bem como o desenvolvimento das capacidades pragmáticas e
25

metalinguísticas, para que seja capaz de adquirir uma linguagem oral, de acordo
com sua língua materna.

6 REFERÊNCIAS

AIMARD, Paule. O surgimento da linguagem na criança. Porto Alegre: Artmed,


1988.
AIMARD, Paule. A linguagem da criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.
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normais e patológicos. Porto Alegre: Artmed, 2005.
GOLBERT, Clarissa S. A evolução psicolinguística e suas implicações na
alfabetização. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988.
LENTIN, Laurence. Ensinar a falar: Onde? Quando? Como? Lisboa: Livros
Horizonte, 1981.
MARTINS JÚNIOR, Joaquim. Como escrever trabalhos de conclusão de Curso. 2
ed. Petrópolis, Vozes, 2008.
NÓBREGA, Eliza Viegas Brilhante da. Aquisição da linguagem oral: as vibrantes
intervocálicas e em encontros consonantais, em crianças da creche-escola do
campus I da UFPB. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Paraíba,
João Pessoa, 2008. Disponível em: http://www.cchla.ufpb.br/proling/index.php/produ-
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RABELO, Dulce. Para o ensino e aprendizagem da língua materna. São Paulo:
Altagráfica, 1977.
RE, Alessandra Del (Org.). Aquisição da linguagem oral: uma abordagem
psicolinguística. São Paulo, Contexto, 2009.
TITONE, Renzo. Psicolinguística aplicada: introdução psicológica à didática
das línguas. São Paulo, Summus, 1983.
VAYER, P. & RONCIN, C. Psicologia actual e desenvolvimento da criança.
Lisboa: Instituto Piaget, 1988.

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