O episódio “Primeiras Palavras” da série “Bebês em Foco” da Netflix nos
mostra como a linguagem nos bebês é mais sofisticada do que geralmente se imagina. Segundo a pesquisadora Kathy Hirsh-Pasek, que participa do vídeo, os bebês aprendem bem cedo a melodia e a cadência das falas e os padrões de linguagem. Eles conseguem saber, por exemplo, que o inglês e outras línguas germânicas são parecidas. Assim, pode-se compreender como Hugo e seus irmãos, Adrien e Natasha, abordados no vídeo, conseguem aprender simultaneamente o inglês e o francês; eles sabem diferenciar essas línguas, pois são sensíveis às suas diferenças de padrões de ritmo e de altura. Este tema também é abordado no episódio “Falar” da série da Discovery “O Bebê Humano”. Os estudos de Pat Khul mostraram que crianças que crescem em contato com línguas diferentes podem aprender os sons de ambas. Alguns estudos de Darren Moir comprovaram que os bebês nascem com uma capacidade inata de aprender qualquer língua, uma vez que possuem uma espécie de audição universal, que os torna capazes de distinguir sons de outros idiomas, que não são audíveis a falantes não nativos. Tais estudos também comprovaram que, aos 10 meses de vida, os bebês perdem essa audição universal e passam a filtrar os sons que não são ouvidos regularmente em seu ambiente, tornando-se “especialistas” em uma língua determinada culturalmente. Para Jenny Saffran (série “Bebês em Foco”), professora da Universidade de Winsconsin-Madson, EUA, aprender a língua é um dos maiores desafios dos bebês. O cérebro deles parece estar muito bem equipado para a tarefa de identificar as "peças'' das línguas e descobrir como elas se “encaixam” nos primeiros dois anos de vida. Graças ao aprendizado estatístico e outras habilidades que os bebês possuem, até o final do primeiro ano de vida – ainda que muitos ainda não tenham falado nada –, eles entendem, em média, entre 10 e 50 palavras. No entanto, ainda que os cérebros estejam, nas expressão de Jenny Saffran, “bem equipados” para o aprendizado da língua, a natureza, por si só, não é capaz de explicar todos os aspectos da aquisição da linguagem; a educação, isto é, o ambiente linguístico, tem um papel fundamental. Assim, é muito importante a estimulação realizada pelos cuidadores desde muito cedo. Nesse sentido, o manhês, que é a fala dirigida à criança, constitui uma “estratégia” muito importante. Por meio do manhês, as mães que participaram do vídeo “Bebês em Foco” – buscando tornar a linguagem mais interessante e compreensível às crianças e bebês – conseguiam manter a atenção dos filhos. Nessas interações verbais, as crianças pareciam responder às mães, com balbucios e repetições. Algumas mães relataram, inclusive, compreender algumas dessas intenções vocais. O episódio “Falar” da série da Discovery “O Bebê Humano” também apresenta a importância do manhês para o aprendizado da linguagem nos bebês. Ao ouvirem o manhês, os bebês imitam não somente os sons e as palavras, mas também os gestos e as expressões faciais; e a imitação e a repetição são as chaves para o desenvolvimento da linguagem. Andrew Meftzoff também chama a atenção para o fato de a imitação ser a primeira forma de comunicação entre os bebês e os seus cuidadores. Os estudos desse pesquisador mostram como as crianças imitam o “vai e volta” da comunicação e aprendem a alternar o turno de fala, colocando-o no centro da comunicação. As crianças, agindo por imitação, interagem até mesmo com objeto de pelúcia, fazendo pausas estratégicas para que ocorra alternância entre os turnos de fala, permitindo o estabelecimento da comunicação. Nesse sentido, é surpreendente observar como o bebê londrino, Pascoe, adquiriu muita desenvoltura no decorrer da série. Segundo sua mãe, que o estimulava constantemente, o aprendizado de Pascoe acelerou bastante e seu vocabulário aumentou consideravelmente: com 17 meses, já era capaz de dizer “não”, de nomear as bolhas de sabão, o sapato, a porta (no caso deste último vocábulo, vê-se o erro de extensão, isto é, de estender a significação da palavra para outros conceitos para além do qual ela foi designada; assim, a palavra “porta”, para Pascoe, adquire também o significado de “sair de casa”, de “passear”. No filme “Bebês em Foco”, a pesquisadora Kathy Hirsh-Pasek afirmou que havia presenciado uma cena na qual uma criança de uns três anos contava à mãe como estava chateada por ter sido excluída pelos irmãos de uma brincadeira, empregando uma gramática sofisticada e uma habilidade linguística de um adulto. Esse fato é ilustrativo do quanto as crianças aprendem rapidamente a linguagem. Entre 18 meses e 3 anos, a aquisição das palavras e a construção de sentença se dá muito rapidamente; por volta dos 3 anos de idade, elas já possuem um grande vocabulário, que é de aproximadamente 1.000 palavras. Aos 4 anos de idade, elas já adquirem os fundamentos da estrutura linguística e sintática do adulto. De acordo com o pesquisador Andrew Meftzoff, mostrado no episódio “Falar” (Discovery), esta “explosão de linguagem”, que se dá a partir dos 18 meses de vida, se deve ao fato de que a criança, nesta fase, descobre que tudo no mundo tem um nome e, que ela não souber, basta perguntar: “o que é isso?”. Assim, a criança vai ampliando, cada vez mais, seu repertório linguístico. Segundo Erich Jarvis, professor de neurogenética na Universidade de Rockfeller, EUA, que participa do filme “Bebês em Foco”, um dos aspectos mais cruciais da linguagem é a imitação vocal (que está presente em alguns animais, mas que, nem por isso, os possibilita desenvolver a linguagem). Essa habilidade, segundo o pesquisador, é realmente difícil e surgiu depois na nossa evolução. Ele descobriu que o circuito de fala dos humanos é um circuito motor; desta forma, assim como aprender a andar, a fala vem com um "atraso". Em 2012, de acordo com Erich Jarvis, descobriu-se que os humanos têm uma cópia extra de um gene chamado SRGAP2, que possibilitou que as células cerebrais desenvolvessem mais conexões. Os humanos têm “agora”, portanto, mais células se comunicando e conversando entre si, o que é fundamental no desenvolvimento da linguagem Seja como for, nem a natureza, nem a educação, isoladamente, podem explicar a aquisição da linguagem. Embora sejamos biologicamente pré-configurados a sermos aptos para adquirir a linguagem, nós só o fazemos por meio do aprendizado e o ambiente linguístico desempenha um papel importante nesse processo. Além disso, é preciso levar em consideração que as crianças não são sujeitos passivos, que apenas imitam o que ouvem e veem dos adultos. Após adquirir linguagem, elas conseguem utilizar a imaginação em suas brincadeiras e criar palavras e formas verbais, provando que criatividade e linguagem andam juntas.
Referências
FALAR. “O Bebê Humano”. Discovery
PRIMEIRAS Palavras. Série “Bebês em Foco” (parte 1, episódio 4) da Netflix
STERNBERG, Robert J. Psicologia Cognitiva. 5. ed. São Paulo: Cengage Learning,