Você está na página 1de 8

A LÍNGUA PORTUGUESA E OS ANOS INICIAIS

ESTRATÉGIAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM

Criança descobrindo a língua – anos iniciais


Desde o início da vida o bebê começa a se interagir com a sua língua, pois mesmo que ainda não fale, está de

ouvidos atentos à mãe, ao pai, aos familiares, à televisão, à música. De modo quase que instintivo começa a

querer falar, a provar e descobrir um mundo de conhecimento ao seu redor, pois é tudo novo. Todos os que

estão a sua volta têm uma capacidade incrível de liberar um som, às vezes alto, baixo ou sussurrado. Quando

vai descansar a criança observa o som que acalma, a cantiga de ninar...

Então, percebe que para cada momento existe um som e começa a querer imitá-los. Chora e balbucia quando

está com fome, ri e libera alguns sons de possíveis letrinhas quando gosta de alguma coisa, grita quando algo

dá errado. Os adultos começam a ensinar as primeiras palavras: mamãe, papai, vovó. E assim a criança vai se

formando como falante nativo de sua língua e com o passar do tempo, já sabe liberar o som exato para cada

momento. O falante nativo segue o mesmo princípio da fixação da língua portuguesa como nativa no Brasil, ou

seja, a qual se deu primeiramente com a fala, originada do latim vulgar.

No último ano do ensino infantil e, principalmente, no 1º ano da primeira fase, a criança começa a ter contato

com as letras, com o alfabeto, com a primeira letrinha do nome, e se encanta por este universo de novas

possibilidades. A associação da letra com o som começa nessa fase da alfabetização. A criança começa a

imitar a letra da professora, de livrinhos, a se esforçar para que saia igual à letra do quadro ou da tarefinha.

Mais tarde a criança começa a entender que pode fazer o seu número “2”, o número só dela, que ela criou, ou

escrever seu nome do jeito que gosta com o “l” maior do que a linha. É importante que a criança seja

monitorada, mas sem muita cobrança, já que a fase da educação infantil é a fase de desenvolvimento da

criatividade, do potencial artístico. No entanto, com o passar de alguns meses, a criança vai perceber que as

letrinhas acompanham as linhas do caderno, para ficarem iguais, mais harmônicas. Alguns adéquam ao

caderno de caligrafia, outros vão moldando a letra do próprio modo. As primeiras sílabas são escritas com

muito esforço através do “ditado” da professora. Ao final do ano, a criança já sabe que “macaco” é a junção das

Língua Portuguesa I – Educação Infantil (conteúdo e metodologia) Márcio Lomas Pá gina 1


sílabas ma, ca, co, porque aprendeu as “famílias” de cada uma: a família do “ba” de bolo, do “ca” de cama, e

assim por diante.

Nos anos seguintes, já iniciada a leitura, o aluno desenvolve ainda mais sua escrita e a velocidade motora ao

escrever. Tem facilidades com memória visual e aprendizagem a partir do lúdico, ou seja, jogos pedagógicos

que podem ser feitos em sala de aula ou em casa. Os professores devem incentivar os jogos e também os

pais: jogo da memória, jogo de tabuleiro, de montar, quebra-cabeça, etc. E mais do que incentivar, os pais e

professores devem interagir com a criança.

Sabemos que nos dias de hoje, os pais não tem tanto tempo disponível, mas é muito importante estar em

contato com a criança nesta fase, mesmo que seja aos finais de semana. Pode ser até mesmo para um jogo de

amarelinha, já que o convívio social entre os “coleguinhas” e familiares é também primordial nessa fase. O bom

convívio com os demais oferece à criança maior percepção do mundo ao seu redor e de si mesma, o que

resulta em segurança e autoestima, e melhor entendimento e respeito aos demais.

É importante que pais e professores monitorem as crianças, mas como auxiliadores, facilitadores da

aprendizagem. A criança tem que fazer sua tarefinha, e se for preciso, apagar, fazer de novo, até quando achar

que está de acordo com o que ela é, afinal, o que é a aprendizagem da língua, senão a expressão de si mesmo

em um papel.

COMO SE ENSINA E SE APRENDE A LINGUAGEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL?

Especialista explica as concepções de língua presentes na escola e o papel do professor


para favorecer a aprendizagem
Larissa Teixeira

A linguagem não está restrita apenas à oralidade e à escrita, mas envolve também diferentes modos de
expressão que se relacionam entre si, como as imagens, os movimentos corporais e os sons presentes no
cotidiano. Por isso, é preciso abordá-la em sua pluralidade.

A afirmação é da pedagoga e coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Alfabetização e


Letramento da Faculdade de Educação da USP, Silvia Colello. A pesquisadora esteve presente no “21º
Seminário de Educação Infantil - As Bases e a Base na Educação Infantil: Reflexões Pedagógicas”, promovido
pelo Prisma/Centro de Estudos do Colégio Santa Maria, para falar sobre o processo de ensino e aprendizagem
da língua na Educação Infantil.

Língua Portuguesa I – Educação Infantil (conteúdo e metodologia) Márcio Lomas Pá gina 2


Ela aponta que os professores trazem para a escola diferentes concepções de linguagem, que muitas vezes
não dão conta de explicar todos os seus usos e funções. A primeira concepção é que ela seria um código, uma
associação de palavras. Nela, o professor está mais preocupado com a fala correta, a gramática e a ortografia,
e menos com a funcionalidade da expressão oral, a escrita e a leitura. A segunda concepção é que ela seria a
expressão das ideias, ou seja, o ato de registrar no papel ou falar aquilo que está na nossa cabeça, e vice-
versa.

“A maioria dos professores cai em uma dessas visões monológicas da linguagem, em que não há autores, não
se cria e não se relaciona. Ela se transforma apenas em um instrumento para a aprendizagem. A escola
ensina, mas rouba das crianças o direito de dizer”, aponta.

Para Colello, é preciso entender a linguagem com base em uma terceira concepção, a dialógica, em que as
diferentes expressões da língua são vistas como uma prática social, uma relação entre eu e o outro. “Aquele
que escreve pede para ser lido, aquele que fala pede para ser ouvido, por uma determinada razão e em um
contexto específico. Poucos professores têm clareza disso, mas a natureza da língua é a perspectiva da
interação e da comunicação”, explica.

A especialista afirma que a escola trabalha em um sistema completamente contrário à essa noção, ao seguir
uma linha linear, cumulativa e rígida no processo de ensino. “Ela parte do ponto de vista de que primeiro você
aprende, e um dia você irá usar. Será que as crianças do século 21 estão dispostas a passar anos aprendendo
para depois usar?”, questiona. Para que a aprendizagem ocorra, explica, é preciso criar um vínculo da criança
com a linguagem em um contexto em que ela precisa resolver problemas. “A língua não pode ser vista como
um castigo, mas como uma aventura”.

O paradoxo da língua
E por que é tão difícil ensinar e aprender a escrever? Para a pesquisadora, a dificuldade vem do fato de que a
língua é paradoxal. Por um lado, a escrita é um sistema fechado, com regras que devem ser respeitadas. Mas
por outro, é um sistema bastante aberto, em que tudo é possível de ser dito, que permite a criação e a
reconstrução de significados.

“Os docentes costumam errar pela falta de equilíbrio: ou eles ficam no sistema fechado, ou acreditam que na
linguagem vale tudo. É preciso ensinar as crianças a ser senhores da sua própria palavra, o que é muito
diferente de aprender a ler e escrever. A língua não é apenas um código, mas um processo de comunicação e
recriação de ideias, que se dá em um determinado contexto e com um propósito”, diz.

Quando começa a alfabetização?


Entre os educadores se questiona muito sobre se existe uma idade certa para iniciar o processo de
alfabetização. Na opinião de Colello, esse processo começa assim que a criança nasce e começa a ouvir sons
e observar expressões. Isso porque a linguagem não está restrita apenas à leitura e à escrita, mas a uma série
de elementos que envolvem gestos, movimentos, imagens, ícones, músicas e sinais sonoros.

“Desde o nascimento, você já está convivendo com a linguagem. O que a Educação Infantil deve fazer é
alimentar e incentivar um processo que já está em curso”, explica a pedagoga. Para ela, o papel do professor é
trazer essa pluralidade para a sala de aula, mostrar os usos e funções da língua e as relações entre as
diferentes linguagens, favorecendo um ambiente alfabetizador.

“Os professores têm uma mania de trazer a verdade em vez de questionar e construir ideias novas. A melhor
aula não é a que ensina, mas a que pergunta. Isso faz com que o aluno se abra para a aprendizagem e se
transforme em um sujeito inquisitivo, pesquisador”, afirma.

LINGUAGEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL

A criança participa e é inserida na vida social à medida que aprende a comunicar-se, fazendo uso de diferentes
linguagens para se expressar, nas mais diversas situações cotidianas. Por isso, na Escola Espaço Natural,

Língua Portuguesa I – Educação Infantil (conteúdo e metodologia) Márcio Lomas Pá gina 3


oferecemos diversas experiências, pois, reconhecemos que as crianças, desde pequenas, devem ser
instigadas a observar fenômenos, relatar acontecimentos, formular hipótese e compartilhar conhecimentos.
Na Educação Infantil, além de ser importante para a formação do sujeito, o trabalho com a linguagem é
essencial para a interação das crianças, tanto na orientação das suas ações cotidianas como na construção de
conhecimentos e no desenvolvimento do pensamento.

É nessa fase que se consegue perceber o desenvolvimento das capacidades da criança de expressar-se e
comunicar-se, utilizando a própria linguagem ou outra do meio em que vive.
O trabalho com a linguagem oral na educação infantil deve ser desenvolvido visando tornar práticas
recorrentes no espaço escolar com atividades de contar histórias, cantar, repetir canções ou parlendas, ensaiar
para apresentações etc.
Em vista disso, a Educação Infantil deve propiciar um ensino de linguagem escrita que a criança consiga”
compreender não só o que a escrita representa, mas também de que forma ela representa graficamente a
linguagem”. (Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. P. 122.V.3).

Como formar novos leitores

É importante que o professor busque se alimentar de teorias e práticas voltadas para o aprimoramento do
ensino e da aprendizagem. Antes de se pensar em “como se ensina”, é necessário saber “como se aprende”

Por Lilian Cristine Hübner, da revista Neuroeducação*:

Em todo início de ano letivo, vemos crianças cheias de expectativas, felizes por retornar ao ambiente escolar,
reencontrar seus amigos, conhecer os novos professores e colegas, ver o que de novidade a escola lhes
oferece. Junto com isso, há entre as crianças dos anos iniciais a vontade de dominar um novo código, as
letras, que lhes abrirão as portas à leitura, como uma chave para sua autossuficiência para acessar o
conhecimento que quiserem obter, os jogos – digitais ou não – de que quiserem desfrutar, enfim, alcançar o
acesso independente ao mundo letrado. Aprender a ler e a escrever é, sem sombra de dúvida, um dos maiores
marcos da infância – embora em alguns casos ocorra em momento posterior.

Mas quando e onde ocorre a iniciação da criança à leitura e à escrita? A resposta é simples: na família e na
educação infantil, ambas sustentadas pela valorização social e por políticas de promoção da leitura.

Saber ler e escrever é essencial para o sucesso na escola e ao longo da vida. Assim sendo, não nos
surpreende o destaque dado pela imprensa aos baixos índices em leitura (e em conhecimento matemático) das
nossas crianças e pré-adolescentes na comparação com os índices obtidos em outros países. E, sempre que
há insucesso, buscam-se os “culpados”, quando a corda muitas vezes rompe no professor. No entanto, os
fatores iniciais geradores do baixo desempenho podem estar no convívio familiar e no acesso à educação
infantil, ou seja, bem antes do ingresso no ensino formal da leitura e da escrita.

Em relação à família, em muitos casos de meio socioeconômico baixo, a criança é praticamente privada do
acesso a livros infantis, da contação de histórias, da observação da prática da escrita e da leitura entre as
pessoas que a rodeiam. Nesses casos, ao ingressar no ensino formal, a criança parece estar diante mesmo de
outra língua, quase como se fosse estrangeira, pois a variedade linguística de seu meio pode divergir bastante
daquela com a qual se depara na escola. Há pesquisadores que defendem a existência de dois grupos de

Língua Portuguesa I – Educação Infantil (conteúdo e metodologia) Márcio Lomas Pá gina 4


leitores deficientes nos estágios iniciais da aprendizagem da leitura: leitores com decodificação ineficiente
(caracterizados por uma leitura lenta e inacurada) e leitores cuja deficiência decorre de um reduzido
conhecimento da linguagem oral em termos de vocabulário, de estruturas gramaticais e de outras questões
linguísticas importantes para a compreensão leitora. Essa última deficiência pode decorrer da exposição
reduzida ao tipo de linguagem oral e lida usada na escola. Diversos estudos têm se debruçado e trazido
evidências científicas sobre o impacto na formação do letramento infantil decorrido do acesso à leitura e à
escrita bem antes do ensino formal.

Além da relevância da família, salienta-se o papel importante da educação infantil, cuja atuação como
precursora da alfabetização é ainda desconhecida por muitos pais. Nela são desenvolvidas habilidades que
alavancarão a aprendizagem da leitura, como a consciência fonológica (por meio de jogos lúdicos com rimas e
aliterações), o incremento de vocabulário por meio das histórias infantis, a introdução dos nomes e dos sons de
letras do próprio nome e dos colegas e professores, a manipulação oral de palavras (segmentações de
palavras e supressões de sílabas), entre outras habilidades. A aquisição precoce dessas habilidades formará
os fundamentos para a aprendizagem da leitura e da escrita. Infelizmente, em nosso país ainda há crianças
cujo acesso à educação infantil não é viabilizado, o que faz com que tais habilidades sejam desenvolvidas
apenas mais adiante, concomitantemente ao ensino formal, em especial em crianças advindas de classes
sociais menos favorecidas e/ou de um meio familiar de baixo acesso e uso da leitura e da escrita.

Em suma, tratou-se aqui de enfatizar a importância do acesso ao uso social da leitura e da escrita antes do
ingresso na escola para ressaltar-se que a aprendizagem da leitura é responsabilidade social, não apenas do
professor, mas também da família. Tratou-se também da garantia ao acesso à educação infantil em uma
sociedade que, mais do que suprir necessidades biológicas básicas da criança, deve prover a ela o acesso a
bens culturais, mediados pela leitura e pela escrita.

A escrita surgiu entre os babilônios há aproximadamente 5.400 anos, enquanto o alfabeto não tem mais
de 3.800. Como nossa linguagem estava programada para uma tradição oral, o cérebro teve de se
adaptar para acolher e processar essa invenção cultural, visual, que é a escrita (foto: Shutterstock

Construção da habilidade leitora

Em termos simples, que espécie de habilidade é essa de ler? E a de escrever? Uma teoria surgida nos anos
1970 apregoava que aprender a ler seria tão fácil e natural quanto aprender a falar e que a diferença estaria
nos sinais: na fala os sinais seriam sonoros, enquanto na escrita e na leitura seriam visuais, escritos. Mais
especificamente, assim como ocorre com a aquisição da fala, na aprendizagem da leitura e da escrita a criança
se empenharia para dar ou buscar sentido desde que o contexto fosse interessante e significativo, a exemplo
do que acontece com a fala. De modo similar, o linguista Ken Goodman, nos anos 1980, postulou que o uso da
leitura e da escrita em contexto com significado é algo simples e natural para a criança.

Em oposição a essa ideia pode-se mencionar o pressuposto de alguns linguistas e psicólogos cognitivos que
lembram o fato de que uma criança dificilmente aprenderia a ler e a escrever sem instrução e que, mesmo
recebendo-a, esse processo demandaria esforço e tempo. O que está na base desse pressuposto é o simples
fato de que, enquanto a fala é um processo natural, a leitura e a escrita são processos culturais, portanto
aprendidos. Como afirma o neurocientista Stanislas Dehaene, a escrita surgiu entre os babilônios há
aproximadamente 5.400 anos, enquanto o alfabeto não tem mais de 3.800. Como nossa linguagem estava
programada para uma tradição oral, o cérebro teve de se adaptar para acolher e processar essa invenção
cultural, visual, que é a escrita.

A esse processo de adaptação, Dehaene chamou de “reciclagem neuronal”, em que circuitos cerebrais,
relacionados à linguagem e à visão, se adaptaram para outro fim – a leitura e a escrita – adaptação que
demanda aprendizagem. Ou seja, enquanto ouvir e falar são aspectos inatos, como mencionado pelo linguista
e cientista cognitivo Noam Chomsky, ler e escrever são invenções culturais, aprendidas, as quais demandaram
uma readaptação cerebral para sua aprendizagem. Aí, obviamente, entra o papel do adulto, em geral o
professor, que apresentará à criança, de forma sistematizada, um sistema convencional e arbitrário, de
representação da cadeia sonora da fala. Essa é a faceta linguística da aprendizagem da leitura e da escrita,
fundamental para a formação d

Língua Portuguesa I – Educação Infantil (conteúdo e metodologia) Márcio Lomas Pá gina 5


o leitor, em que lhe devem ser ensinados explicitamente o sistema alfabético e as normas ortográficas, para o
reconhecimento de palavras, o qual deve se tornar automático a partir da prática.

Mais especificamente, deseja-se ressaltar aqui que, sem automatizar o processo de transformar sinais gráficos
lidos – os grafemas – em fonemas, a criança não pode ser considerada uma leitora competente. A
transposição desse estágio inicial de decodificação dos grafemas em fonemas para a identificação
automatizada de palavras, ou seja, o alcance da leitura fluente, é essencial para a formação de um leitor
proficiente. A criança ou jovem que luta com as palavras na tentativa de decifrá-las ao ler sobrecarrega sua
memória de trabalho e sua atenção, reduzindo recursos cognitivos necessários para uma compreensão mais
global do texto. Por isso, a leitura fluente, que se intensifica pelo encontro recorrente com as palavras, deve ser
um dos objetivos fundamentais no início da alfabetização.

Entretanto, ser um leitor competente não se resume a alcançar uma leitura fluente. Como afirma a educadora
Magda Soares, uma das maiores referências do Brasil no tema da alfabetização, essa é apenas uma das
facetas do ensino da leitura e da escrita. Segundo a pesquisadora, para atingir-se o letramento aliam-se a esta
duas outras facetas, tão importantes quanto a primeira: a faceta interativa, que inclui, entre outros aspectos,
habilidades de interpretação, compreensão, produção textual, ampliação de vocabulário e apreensão de
convenções a que textos escritos obedecem, e a faceta sociocultural, em que se inserem o conhecimento e a
prática de usos, funções e valores sociais da escrita em eventos de letramento.

Finalmente, cabe ainda salientar dois aspectos. O primeiro diz respeito ao que se entende por leitura. A
resposta pode variar dependendo do ponto de vista adotado: linguístico, cognitivo, social, literário, entre outros.
Assim, poderia variar desde uma visão simplória, em que ler é reconhecer palavras, ou ainda, apenas atribuir
sentido, até uma visão complexa, agregando aspectos linguísticos, cognitivos e sociais. A visão do que venha a
ser leitura vai determinar a forma como esta será desenvolvida pelo professor em aula. O segundo ponto a
destacar é a diferença entre a própria leitura e a escrita em relação à fala. Ao escrevermos, precisamos adotar
as convenções da escrita, como a pontuação, a distribuição em parágrafos, a observância à estrutura textual,
de modo a tornar nosso texto claro e compreensível, uma vez que não dispomos de recursos da fala, como
gestos, expressões faciais, pausas, hesitações, elementos que facilitam a compreensão de questões
discursivas e pragmáticas que podem, por exemplo, indicar ironia e humor. Na leitura, conseguimos detectar as
convenções da escrita. No entanto, ao escrevermos, precisamos dominar essas técnicas, necessárias para
veiculação do sentido.

Na prática

Enfim, a ponta do funil – a escola e o professor: o que fazer para auxiliar o processo de aprendizagem da
leitura e da escrita? Sugerimos algumas práticas que podem melhorar a eficiência de leitura e de escrita de
crianças e adolescentes.

1 Pontuar diferenças entre a fala e a escrita

Na oralidade, o contexto está posto: conhecem-se os interlocutores e a situação de interlocução, avaliam-se


gestos, tom de voz e expressões faciais, o que auxilia na geração de inferências e na percepção de implícitos.
Já na leitura, muitas vezes nos deparamos com uma ausência do contexto situacional que ampare a
compreensão linguística. Porém, mais ainda do que na leitura, é na escrita que os alunos mais claramente
percebem suas maiores dificuldades, ao verificar que não se pode escrever do mesmo jeito como se fala. É
necessário adequarem-se termos, estruturas frasais, respeitando as características dos gêneros textuais e
incluindo sinalização de aspectos pragmáticos detectáveis sem os recursos de que dispomos na fala (como,
por exemplo, uma piscada de olho para indicar quando estamos sendo irônicos). Nesse sentido, o trabalho de
escrita e reescrita é crucial em sala de aula na busca da instrumentalização do aluno para aprimorar essa
habilidade especificamente.

2 Fazer da tecnologia uma aliada

A leitura hoje se dá em diversos suportes, apresentados de forma digital ou impressa, mas alguns professores,
mesmo mais jovens, resistem à incorporação da internet e de tablets e afins no ambiente escolar. No entanto,
há que se considerar que nossos leitores mudaram: percebe-se que, em especial para muitas crianças mais
velhas e adolescentes, ler um livro de porte médio parece ser enfadonho, uma vez que os textos digitais

Língua Portuguesa I – Educação Infantil (conteúdo e metodologia) Márcio Lomas Pá gina 6


costumam ser mais curtos e apelativos visualmente, com links convidativos à exploração. A tecnologia e a
internet são tão apelativas que até mesmo bebês são atraídos aos celulares e tablets, que funcionam como
calmantes em determinadas situações, como em salas de espera.

Por mais conservador que se seja em adotar computadores e internet em sala de aula, ou ainda, por maiores
que sejam as dúvidas ou as inquietudes quanto ao que será das funções da memória humana e da capacidade
de atenção num mundo bombardeado por informações, há que se concordar que estamos em um caminho
sem volta. Então, o que poderia o professor fazer para lidar com esse novo contexto? Assumi-lo, render-se a
ele, sem, no entanto, deixar seus alunos navegando na internet como ilhas isoladas (como o que vemos nos
ambientes sociais, como em restaurantes, em que em geral as pessoas ficam absortas em seus celulares sem
interagir olho no olho).

O professor poderia apresentar e explorar com os alunos os diferentes gêneros textuais que ali se encontram,
discutindo os elementos micro e macrolinguísticos ali presentes, as escolhas lexicais e suas implicações, o
contexto em que o texto se insere e o público que pretende atingir, o pensamento e objetivos que procura
veicular, entre outros aspectos. Mas para isso é necessário que o professor se desarme e busque se capacitar
para ter na tecnologia uma aliada, e não uma ameaça. Por exemplo, a pesquisa na internet pode
instrumentalizar o aluno com o conhecimento para escrever a respeito de um assunto sobre o qual pouco
conhece – e aqui novamente cabe a atuação do professor para guiar o seu aluno a buscar fontes confiáveis de
pesquisa. Em suma, a leitura e a escrita digitais chegaram para ficar e tomar um espaço cada vez maior entre
nós, por isso devem ser bem empregadas em sala de aula. No entanto, é importante ressaltar que a promoção
da leitura de impressos deve seguir tendo um espaço de relevância em sala de aula, a qual passa a
representar, assim como o ambiente familiar, um espaço em que a leitura de informação e a literária impressas
continuem prestigiadas.

Ler e escrever são invenções culturais, que demandam uma readaptação cerebral para sua aprendizagem. Aí
entra o papel do adulto, em geral o professor, que apresentará à criança um sistema, convencional e arbitrário,
de representação da cadeia sonora da fala (foto: Shuttesrtock)

3 Atuar como mediador entre a linguagem, o conteúdo e o aluno

Mesmo que as crianças pareçam cada vez mais precoces em termos digitais, a importância do professor como
mediador entre elas, o conteúdo e a linguagem (seja ela impressa ou digital) será sempre fundamental, para
discutir implícitos, o dito e o não dito, as implicaturas, os objetivos do interlocutor expressos em suas escolhas
vocabulares e na forma de articular suas ideias. Além disso, antes de se pensar nesses “objetivos maiores” do
professor mediador, cabe ainda a ele a ação mais básica e fundamental no processo de alfabetização – o
acesso à decodificação e codificação das letras rumo à fluência e à autonomia leitora, como discutido acima,
indispensável para a alfabetização em seu sentido mais amplo, incluindo-se aí a noção de letramento,
impresso e digital.

4 Promover uma cultura leitora

O professor e a escola deveriam mostrar aos pais e à sociedade em geral que o desenvolvimento da leitura e
da escrita não é uma tarefa solitária do docente. Ao contrário, o uso social da leitura e da escrita se inicia no
seio familiar e sua promoção deve começar muito cedo, assim que a criança demonstre capacidade de atenção
e interesse por ouvir histórias e manipular livros infantis. A mediação leitora dos pais promove a ampliação do
vocabulário e expõe a criança a variadas formas de textos, em especial os narrativos no início, o que
instrumentalizará a criança para receber o posterior ensino formal. Essa interação com material escrito deveria

Língua Portuguesa I – Educação Infantil (conteúdo e metodologia) Márcio Lomas Pá gina 7


ocorrer também nas famílias com menor poder aquisitivo, para prover oportunidades mais equilibradas a todas
as crianças, independentemente de classe social.

5 Inovar e se qualificar

É importante revisar a própria prática docente, mantendo a preocupação com o como aprendemos. Estimular o
espírito questionador e pesquisador é fundamental num mundo que exige adaptação rápida e constante dos
indivíduos. Mesmo que planejamento de aulas e correções de tarefas dos alunos absorvam bastante tempo, é
importante que o professor busque se alimentar de teorias e práticas voltadas para o aprimoramento do ensino
e da aprendizagem.

Por exemplo, para escolher um método de ensino, é importante, além de ter conhecimento das características
da faixa etária com que se interage, saber como esse aluno aprende, compreendendo quais aspectos
biológicos, sociais, cognitivos e afetivos estão envolvidos no processo de aprendizagem. Ou seja, antes de se
pensar em “como se ensina”, é necessário saber “como se aprende”! Para isso, pode-se buscar amparo, por
exemplo, em recentes descobertas da neurociência, que tem trazido subsídios aplicáveis ao contexto do
ensino.

Entre essas evidências, podem ser citadas algumas como de suma importância: a sesta para a consolidação
da aprendizagem de crianças e adolescentes, as atividades físicas, a criação de um ambiente acolhedor e
respeitador em sala de aula, o ensino por meio de desafios (o cérebro busca soluções quando é desafiado
dentro de um limiar de dificuldade superável), a observação do tempo-limite de concentração considerando-se
as diferentes faixas etárias, o uso de material midiático e interativo que apele não apenas à leitura e à escrita,
ou seja, não apenas material verbal (palavras), mas também ao uso de outros materiais de apoio relacionados
à música e a outras formas de arte. Essas e outras evidências, aplicadas à sala de aula, podem tornar mais
eficaz a aprendizagem. No entanto, para que esse conhecimento esteja disponível ao professor, é necessário
que a academia o disponibilize, saindo de seus muros e traduzindo de forma acessível para a comunidade
escolar os conhecimentos gerados em pesquisas aplicáveis direta ou indiretamente ao ensino.

Muito ainda há por fazer, apesar de a leitura e a escrita estarem no centro das discussões entre pais,
pesquisadores e professores há várias décadas. No entanto, percebe-se uma crescente conscientização das
instituições brasileiras sobre investir na educação e no professor como peças cruciais para o desenvolvimento
da nação, inclusive com iniciativas do terceiro setor, como jamais se viu em nossa história. Por isso,
acreditamos numa reversão muito próxima do atual cenário de desempenho das nossas crianças e jovens em
leitura e em escrita, a partir da participação de pais, educadores, governo e da sociedade.

* Lilian Cristine Hübner é doutora em Letras, professora adjunta da Escola de Humanidades – Curso de Letras
e do Programa de Pós-Graduação em Letras – Linguística da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUCRS). Pesquisadora do CNPq

Língua Portuguesa I – Educação Infantil (conteúdo e metodologia) Márcio Lomas Pá gina 8

Você também pode gostar