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AULA 4 IMPRESSA

Desenvolvimento humano e as práticas educativas

Nesta unidade iremos conhecer e investigar as práticas educativas nos anos iniciais da educação. Trataremos das hipóteses de
alfabetização durante o desenvolvimento da escrita e também conceituaremos o termo letramento no processo de alfabetização
da criança. Apresentaremos o contexto da alfabetização e sua importância, contemplando o letramento como uma ferramenta
importante dentro do processo de alfabetização, no sentido de construção da identidade de um indivíduo que saiba utilizar
socialmente a leitura e a escrita. Neste contexto, abordaremos os métodos de alfabetização e as dificuldades dos professores para
trabalhar com a alfabetização. Dentro desse pressuposto, as concepções acerca da alfabetização estão diretamente ligadas às
necessidades sociais, bem como o avanço do conhecimento exigido por cada época. As investigações sobre a alfabetização
mostram-nos uma abordagem, passando de um enfoque mecanicista para um enfoque cognitivista e cultural. A concepção do
sujeito, dentro de uma abordagem tradicional, mostra-nos o educador como impositor de conceitos rígidos e fechados, processo
em que ele é o detentor de todo o conhecimento, enquanto o aprendiz apenas o recebe (depósito), sem nenhuma possibilidade
de participação concreta no processo de alfabetização. Essa visão mecanicista do sujeito na alfabetização é pautada na crença de
que, para cada som da fala, há uma letra e, para cada palavra, um conjunto de letras. Sob essa forma de pensar, o ato de
alfabetizar assumia que a simples transposição de códigos (oral e escrito) seria o bastante para habilitar o sujeito a construir e
interpretar mensagens, através da codificação (escrita) e da decodificação (leitura). Para compreendermos esse processo,
recorremos ao que denominamos aquisição da linguagem e da comunicação, que se desenvolvem segundo etapas de ordem
constante, ainda que o ritmo de progressão possa variar de um sujeito para outro, respeitando os limites individuais ou
momentâneos de cada um. É falando e ouvindo que as crianças conseguem segmentar e aprender as palavras que lhes
interessam, e isso muito antes de serem capazes de empregá-las em frases. As primeiras palavras das crianças reúnem, sob uma
mesma denominação, vários objetivos e situações que interessam aos que fazem parte de sua experiência. A criança pode usar
uma onomatopeia clássica, como “bruuuu”, para designar o carro que passa pela rua ou qualquer meio de transporte que apareça
em sua frente, pessoas ou animais que se movimentam na rua, brinquedos que se movimentam como também manifestar o
desejo de andar de carro. Essas palavras iniciais têm um forte caráter imitativo e não têm um significado fixo. Como vimos na
unidade anterior,a criança pensa, inicialmente, por imagens e são as imagens que marcam a significação que ela atribui às
palavras. A aquisição da linguagem verbal, que implica o uso de palavras, tem início, em geral, entre os 12 e 24 meses de idade.
Entretanto, antes do aparecimento das primeiras palavras, observa-se o desenvolvimento de um complexo sistema de
comunicação não verbal, com intencionalidade cada vez mais definida e que envolve a expressividade corporal, os movimentos,
gestos, olhares, nuances nas vocalizações, choro e assim por diante.

Mesmo antes de adquirir a linguagem verbal, o bebê já possui uma experiência de comunicação. O desenvolvimento dessas
habilidades pode ser acompanhado ao longo do seu crescimento, servindo, também, de indicativo da formação de uma boa ou má
competência comunicativa. Podemos apontar uma série de fatores que determinam um bom desenvolvimento da comunicação
infantil, como as condições físicas ou orgânicas, a integridade do sistema nervoso e da audição. Ainda, é preciso salientar a
importância do seguinte aspecto: ter o que comunicar. Isso significa que quem comunica quer transmitir uma mensagem, ou seja,
utilizar a fala para demonstrar seus desejos, experiências, conhecimentos, valores e sentimentos. Dessa forma, estamos
considerando a formação de conteúdos mentais e, nesse aspecto, tem um papel fundamental a própria constituição da
inteligência. Não basta ter algo em mente que possa ser comunicado; há que se ter um desejo de transmitir alguma coisa para
alguém, de forma sistemática para que o outro entenda. Ter uma forma para comunicar, possuir algo para ser expresso e querer
fazer com que isso chegue até alguém depende, fundamentalmente, de estar de posse de um meio ou forma que permita a
comunicação.

Ter um interlocutor é fundamental para a completude do processo comunicacional. De que adiantaria ter algo para dizer, um
desejo de dizer e uma forma para fazê-lo, caso não houvesse alguém para ouvir ou interagir? Estamos frente à importância do
papel do outro, não só como nosso ouvinte, mas também como aquele que nos fornece o instrumental simbólico a ser usado na
comunicação. Podemos dizer que a formação dos conteúdos mentais ou de nossa linguagem interior está diretamente ligada ao
desenvolvimento cognitivo. Alterações nesse aspecto podem interferir na aquisição da linguagem, predominantemente em
termos semânticos e de compreensão.

A criança e a escola Chega a hora de a criança ir à escola e ampliar os seus contatos com os valores sociais. Após o período de
desenvolvimento da linguagem, entre os 4 e 6 anos, chega o momento da alfabetização, a hora de ir para a escola para entrar no
processo de aquisição da leitura e da escrita. No Brasil, em meados dos anos 80, chega uma nova teoria causando grande impacto
e revolucionando o ensino da língua nas séries iniciais do Ensino Fundamental, ao mesmo tempo provocando uma revisão no
tratamento dado ao ensino e à aprendizagem em outras áreas do conhecimento. Essa investigação evidencia a atividade
construtiva do aluno sobre a língua escrita, objeto de conhecimento reconhecidamente escolar, mostrando a presença importante
dos conhecimentos específicos sobre a escrita que a criança já tem e que, embora não coincidam com os dos adultos, têm sentido
para ela. Veja como Freire trata a questão da alfabetização: [...] Aprender a ler, alfabetizar-se é, antes de mais nada, aprender a ler
o mundo, compreender o seu contexto, não numa manipulação mecânica de palavras, mas numa relação dinâmica que vincula
linguagem e realidade Freire (2001,p. 8). A escola consolida-se como lugar institucionalizado para o preparo das novas gerações. A
universalização da escola assume um papel de instrumento da modernização e do progresso para “esclarecer as massas iletradas”.
A leitura e a escrita tornam-se fundamentos da escola obrigatórios e objeto de ensino e aprendizagem. A passagem da criança
para o mundo da cultura letrada instaura novas formas de relação dos sujeitos entre si, com a natureza e com a história; um
mundo novo que instaura novos modos e conteúdos de pensar, sentir, querer e agir. Os documentos oficiais da Federação
brasileira também nos ajudam a pensar o papel da escola, quando esta se defronta com a questão da alfabetização e do
letramento, principalmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental I. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1º a 4º séries) da
Língua Portuguesa entendem o letramento como: Letramento, aqui, é entendido como produto da participação em práticas
sociais que usam a escrita como sistema simbólico e tecnologia. São práticas discursivas que precisam da escrita para torná-las
significativas, ainda que, às vezes, não envolvam as atividades específicas de ler ou escrever. Dessa concepção decorre o
entendimento de que, nas sociedades urbanas modernas, não existe grau zero de letramento, pois, nelas, é impossível não
participar, de alguma forma, de algumas dessas práticas (Brasil, 1997. p.21). Quando entramos na escola, já possuímos algum grau
de letramento. De alguma maneira, nossa vida cotidiana colocou-nos diante de alguma forma de texto escrito e sabíamos que ali
estava grafado algo. A escola deverá considerar o conhecimento prévio do aluno para compreender com qual aprendiz está
lidando. O contato que o aprendiz teve com a leitura e a escrita na vida pré-escolar deve ser levado em conta no processo de
alfabetização. Inclusive, atualmente, devemos considerar a experiência com as novas tecnologias que os aprendizes tiveram.

Os métodos de alfabetização no Brasil Para contemplar o processo da alfabetização aplicaram-se alguns métodos específicos, que
foram construídos ao longo da nossa história desde o período Colonial brasileiro, como exemplo, os seguintes métodos: Método
sintético: Com muitas variantes, de forma geral, desenvolve-se da “parte” para o “todo”, apropriando-se da soletração, que parte
do nome das letras, ou da silabação, partindo da emissão de sons das sílabas, sempre em uma ordem crescente. Como método
que valoriza o fônico na alfabetização, parte dos sons correspondentes às letras. Posteriormente, reunidas as letras ou os sons em
sílabas ou conhecidas as famílias silábicas, ensina-se a ler palavras formadas com essas letras e/ou sons e/ou sílabas e, por fim,
ensinam-se frases isoladas ou agrupadas. Em relação à escrita, o método restringe-se à caligrafia e à ortografia, e seu ensino, à
cópia, ditados e formação de frases, enfatizando o desenho correto das letras. A partir de 1890, implementou-se a reforma da
instrução pública no Estado de São Paulo. A base da reforma estava nos novos métodos de ensino, em especial no então novo e
revolucionário método analítico para o ensino da leitura.

Método analítico: De acordo com o método analítico, o ensino da leitura deve ser iniciado pelo “todo”, para depois se proceder à
análise de suas partes constitutivas. Diferentemente dos métodos de marcha sintética até então utilizados, o método analítico,
sobre forte influência da pedagogia norteamericana, baseia-se em princípios didáticos derivados de uma nova concepção — de
caráter biopsicofisiológico — de criança. Por entender a criança de uma maneira mais global, os níveis gerais e satisfatórios para o
desenvolvimento corporal, orgânico, postural e motor têm atenção especial. Aprender significa criar novas estruturas
psicomotoras que são incorporadas ao cognitivo da criança e essas novas experiências motoras adquiridas são ajustadas às já
estabelecidas. Em meados da década de 1920, aumentam as resistências dos professores quanto à utilização do método analítico
e começa-se a buscar novas propostas de solução para os problemas do ensino e aprendizagem iniciais da leitura e da escrita.
Neste sentido, a importância do método de alfabetização passa a ser relativizada, secundária e considerada tradicional. As
cartilhas utilizadas como recurso para alfabetização passam a se basear, predominantemente, em métodos mistos ou ecléticos
(analítico-sintético e vice-versa), com manuais para os professores. Um exemplo é a cartilha Caminho Suave, que predominou na
educação brasileira a partir de 1948, ano de seu lançamento. Também conhecida como uma metodologia de alfabetização pela
imagem, pois associava a letra a uma imagem “a de abelha”

Na década de 1980, essa tradição passa a ser questionada em decorrência de novas urgências políticas e sociais, que se fazem
acompanhar de propostas de mudança na educação, a fim de se enfrentar, particularmente, o fracasso da escola na alfabetização
de crianças. Método Clínico: Associado à teoria piagetiana, este é um método livre de conversação sobre um tema dirigido pelo
interrogador. É uma técnica experimental que orienta o curso do interrogatório, o qual é dirigido pelas respostas do sujeito. Seu
objetivo é análise do conteúdo do pensamento infantil. Esse método inclui uma prática que testa hipóteses sobre o
funcionamento da inteligência de um sujeito enquanto este raciocina. Pouco abrangente na questão da alfabetização, mas
amplamente difundido na educação de forma geral. A Abordagem Construtivista: Nos anos 1980, é introduzido no Brasil o
pensamento construtivista sobre alfabetização, resultante das pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita, desenvolvidas pela
pesquisadora argentina Emília Ferreiro e seus colaboradores. O construtivismo apresenta-se como uma revolução conceitual sobre
a educação, demandando, entre outros aspectos, o abandono das teorias e práticas tradicionais, desmetodizando o processo de
alfabetização e questionando a necessidade das cartilhas. No construtivismo, a maneira de construir o saber é muito ampla,
incluindo, realmente, as ideias de descobrir, inventar, redescobrir, criar, sendo que aquilo que se faz é tão importante quanto o
como fazer e o porquê de fazer. O sujeito tem um papel ativo no processo de aprendizagem, convivendo com textos e pessoas
alfabetizadas, estabelecendo uma ligação cognitiva a partir do que ele já sabe, das suas hipóteses, das suas necessidades e do que
é capaz de problematizar. No contexto da teoria construtivista de caráter interativo, contamos com a Epistemologia genética
proposta por Jean Piaget, entendendo o pensamento e a inteligência como processos cognitivos que têm sua base em um
organismo biológico. Para Piaget, é a partir da herança genética que o individuo constrói sua própria evolução da inteligência, em
paralelo com a maturidade e o crescimento biológico; através da interação com o meio, desenvolve também suas capacidades
básicas para a subsistência: a adaptação e a organização. Abordagem Histórico-social: O enfoque histórico-cultural concebido por
Vygotsky consiste em considerar o indivíduo como resultado de um processo histórico e social, em que a linguagem desempenha
um papel essencial. Para Vygotsky, o conhecimento é um processo de interação entre sujeito e o meio. Esse meio é entendido
social e culturalmente.

Dentro da teoria sócio-histórica, são as condições sociais em que o sujeito está inserido que mediarão o seu desenvolvimento no
processo de aprendizagem, priorizando as interações entre os próprios alunos e entre eles e o professor. O objetivo, então, é fazer
com que os conceitos espontâneos que as crianças desenvolvem em sua convivência social evoluam para o nível dos conceitos
científicos. Nesse sentido, o educador assume o papel de mediador privilegiado na formação do conhecimento. A alfabetização
busca a consoante unindo-se à vogal, mas de uma forma construtivista e não mecânica, como se fazia com as famílias silábicas
(modelo tradicional). O objetivo é ampliar o universo das expressões da criança para facilitar a incorporação da escrita. A ênfase é
na elaboração da fala, da escrita e da leitura como instrumentos simbólicos que repercutem no desenvolvimento mental. A
criança deve contar com um ponto de partida para realizar suas próprias descobertas. Nesse sentido, o oferecimento de modelos
de texto, por exemplo, é uma estratégia válida – desde que resulte numa atividade criativa e não cópia mecânica. Trabalhos em
pequenos grupos facilitam o aprendizado, mas cabe ao educador acompanhar individualmente o aluno. As hipóteses de escrita da
criança Conhecer as hipóteses de escrita da criança é importante para que o professor das séries iniciais tenha melhor
desempenho em seu ofício e compreenda melhor o que o aluno é capaz de fazer em dado momento de seu desenvolvimento,
levando em conta sua maturidade cognitiva

• Silábico,

• Silábico-alfabético

• Alfabético

O quadro apresenta-nos uma ideia do desenvolvimento da escrita e da leitura da criança. Inicialmente a criança não atribui valor à
escrita; paulatinamente, a criança ira valorar as letras, sílabas e palavras. A criança, primeiro, cria hipóteses de sua escrita para,
em seguida, atribuirlhe o significado estabelecido pela sintaxe e gramática adulta e convencional.

Entrando na 4º etapa, a criança começa o processo de fonetização da escrita. Veja o que Emília Ferreiro diz sobre esta questão: A
fonetização da escrita se inicia quando as crianças começam a buscar uma relação entre o que se escreve e os aspectos sonoros da
fala. [...] O período de fonetização da escrita, em caso de línguas como o espanhol, se manifesta com um primeiro período silábico,
seguido por um período silábico-alfabético, e finalmente as crianças abordam o essencial de uma escrita alfabética (Ferreiro, 2003,
p.85). Os períodos de aquisição da escrita e leitura da criança é um contexto trazido por Emília Ferreiro, concebendo a construção
do conhecimento da leitura e da escrita, no tempo de cada aluno, constatando que esse tempo é muito variável e que o
aprendizado não é provocado exclusivamente pela escola. Partindo deste contexto, Emília propõe os períodos de construção da
escrita pela criança. São eles: Período pré-silábico: É a fase da pré-escrita. A criança não consegue relacionar as letras com os sons
da língua falada. Não há reconhecimento do valor sonoro. Não há entendimento da ordem das letras. Neste momento, o aprendiz
acredita que, para ler e escrever, precisa de muitas letras, sem repetição. A criança escreve o que deseja escrever; ela ainda não
percebe a forma escrita como representação da fala.

Período silábico: A criança interpreta a letra à sua maneira, atribuindo valor a sílaba, uma a uma. A letra é como um símbolo.
Ainda há a presença da quantidade de letras, colocando uma letra para cada sílaba.

Período Silábico-alfabético: A criança mistura a lógica da fase anterior com a identificação de algumas sílabas, escrevendo ora
atribuindo a cada sílaba uma letra, ora representando as unidades sonoras menores, os fonemas. O modo silábico-alfabético
precede a escrita regida pelos fundamentos alfabéticos.

Período Alfabético: Neste momento, a criança entende que ler não é apenas adivinhar o que está escrito, que será preciso
reconhecer os fonemas e que, para escrever e ser compreendido em sua escrita, será necessária uma ordem lógica na colocação
das sílabas. Enfim, a criança domina o valor das letras e das sílabas. Os erros de escrita e leitura ainda permanecem, mas o
aprendiz já domina, mesmo que ainda não de forma plena, os códigos da escrita.

Esses níveis são trabalhados em sala de aula para que o educador possa identificar como realizará o trabalho de alfabetização de
acordo com o nível apresentado pelas crianças. A criança, agora, passa a ser vista como sujeito que interage com a escrita como
objeto de conhecimento

Nesse processo de aprendizagem das crianças, devemos considerar, ainda, os saberes sobre os espaços entre as palavras, sobre
quando usar letras maiúscula e minúscula, plurais das palavras, aspas, ponto e vírgula, tempos verbais, etc. e sobre tantas outras
regras da língua, que são complexas de aprender. Não é uma questão de, simplesmente, decifrar códigos de escrita é também
saber usá-los.

A educação e o letramento Conceituar o termo letramento não é tarefa fácil. Podemos partir do princípio que o indivíduo letrado
é aquele que possui o domínio da leitura e da escrita. Nesse sentido, uma pessoa letrada é aquela que domina e utiliza com
competência a escrita e a leitura em seu meio social, pois, só assim, o indivíduo se tornará letrado. Todavia podemos dizer que
uma pessoa é letrada mesmo não sendo alfabetizada, desde que se aproprie das práticas sociais da escrita. Ou seja, podemos
entender o letramento como estado ou condição de quem não sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que
usam a escrita. O outro lado da questão é que é possível também que alguém conheça basicamente os códigos da escrita e da
leitura e suas convenções, mas não faça uso desse código em seu cotidiano. Ou ainda, a pessoa que, embora tenha desenvolvido
as habilidades básicas sobre o ler e escrever, não seja capaz de utilizar a escrita e a leitura em sua vida cotidiana. Essas pessoas
podem ser consideradas analfabetas funcionais: decodificam e codificam os signos escritos, mas não interpretam plenamente
esses signos, dificultando seu uso no cotidiano. Como podemos notar, é complexo aclarar o que seja letramento. O termo surge a
partir da palavra inglesa literacy e pode significar letrado. Magda Soares pode nos ajudar a pensar na dificuldade de conceituar o
termo. ode-se concluir, então, que há diferentes conceitos de letramento, conceitos que variam segundo as necessidades e
condições sociais específicas de determinado momento histórico e de determinado estágio de desenvolvimento. [...] o conceito de
letramento envolve um conjunto de fatores que variam de habilidades e conhecimentos individuais a práticas sociais e
competências funcionais e, ainda, a valores ideológicos e metas políticas (Soares, 2001, p.80 e 81). A autora aponta para a
complexidade de se tentar conceituar o termo letramento. Certamente o letramento está vinculado ao uso que fazemos da
palavra escrita, como levar um simples bilhete da escola para casa ou saber que, à nossa frente, está escrita uma lista de coisas
que indica a rotina de nossa sala de aula ou, ainda, saber que, nas placas de trânsito, estão escritas indicações de como devemos
dirigir um carro. Então, não precisamos, exclusivamente, da leitura e da escrita para sermos letrados. Alfabetização versus
letramento. Para que ocorra a alfabetização e o letramento é necessária a interferência de um adulto que leve a criança a
perceber por que e para que é importante ler e escrever. Por outro lado, a criança tem que entender o uso das tecnologias
presentes na escola. Sobre o letramento e as técnicas empregadas na escola, veja, a seguir, um trecho da entrevista concedida por
Magda Soares a um jornal: Alfabetize letrando sem descuidar da especificidade do processo de alfabetização, especificidade é
ensinar a criança e ela aprender. O aluno precisa entender a tecnologia da alfabetização. Há convenções que precisam ser
ensinadas e aprendidas, trata-se de um sistema de convenções com bastante complexidade. O estudante (além de decodificar
letras e palavras) precisa aprender toda uma tecnologia muito complicada: como segurar o lápis, escrever de cima pra baixo e da
esquerda para a direita; escrever numa linha horizontal, sem subir ou descer. São convenções que os adultos letrados acham
óbvias, mas que são difíceis para as crianças. E no caso dos professores dos ciclos mais avançados do ensino fundamental, é
importante cuidar do letramento em cada área específica. (Soares, 2003).

Existem convenções que precisam ser ensinadas sobre nossa língua escrita. Além de decodificar letras, palavras e sinais, o
aprendiz precisa aprender toda técnica presente na escola, que é muito complicada em seu início: como segurar o lápis, escrever
de cima pra baixo e da esquerda para a direita; escrever numa linha horizontal sem subir ou descer e, ainda, nos dias atuais,
devemos pensar no uso do computador e na internet. Dois pontos devem ser abordados sobre a questão do letramento. O
primeiro é entender que o letramento não é função apenas do professor de Língua Portuguesa; os professores de todas as
disciplinas escolares são responsáveis por letrar seus aprendizes, cada um em sua especialidade. O segundo ponto é que se
deveria apresentar aos aprendizes diversos portadores de texto. Portador de texto é tudo que, normalmente, carrega um texto,
por exemplo: bulas, jornais, revistas, gibis, bilhetes, livros, cadernos,etc. O portador de texto é um suporte para o texto. Desse
modo, o professor tem a importante tarefa de propiciar aos seus alunos contato com uma grande diversidade de texto: textos que
sejam interessantes e desafiadores, que, depois de lidos e compreendidos, possam se revelar como uma conquista capaz de dar
autonomia e independência ao aprendiz. São complexos os conceitos de alfabetização e letramento, todavia é necessário que
tratemos os termos de forma associada. Tentando aclarar a questão, veja o que Magda Soares fala sobre os termos:
ALFABETIZAÇÃO: ação de ensinar/aprender a ler e a escrever. LETRAMENTO: estado ou condição de quem não apenas sabe ler e
escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita. [...] Precisamos de um verbo “letrar” para nomear a ação de
levar os indivíduos ao letramento... Assim, teríamos alfabetizar e letrar como duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao
contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita,
de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado (Soares, 2001, p. 47). O trecho mostra a
importância de se alfabetizar e letrar o aprendiz. Apenas alfabetizar, como fazem alguns métodos ou práticas de professores, não
atende à demanda social da atualidade. É preciso alfabetizar letrando, como diz a autora. Neste sentido, as ações educativas
deveriam prever, em todo seu percurso, práticas educativas que considerassem o letramento do aprendiz. A alfabetização de
adultos Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo e não do
mundo maior dos meus pais. O chão foi meu quadro-negro; gravetos, o meu giz. [...] Eunice continuou e aprofundou o trabalho de
meus pais. Com ela, a leitura da palavra, da frase, da sentença jamais significou uma ruptura com a “leitura” do mundo. Com ela, a
leitura da palavra foi a leitura da “palavramundo”. (Freire, 2001, p.5).

Paulo Freire mostra-nos a importância da alfabetização estar conectada ao mundo, a um mundo culturalmente vivido e que se
amplia com o uso da leitura e da escrita. Eunice, sua primeira professora, foi fundamental nesse processo, como os pais de Paulo,
que iniciaram seu processo de alfabetização ainda em casa. Paulo Freire sugere o termo Palavramundo. A palavra, como
representação do mundo, não pode estar desconectada da realidade. A partir dessa forma de pensar a alfabetização, o autor faz
uma proposição pedagógica para alfabetizar pessoas adultas. Para alfabetizar adultos, Paulo Freire propõe uma abordagem que
consiste em três momentos entrelaçados dentro do diálogo e da interdisciplinaridade. O primeiro Momento: É a investigação
temática. Educador e educando buscam, no universo vocabular do aluno e da sociedade em que ele está inserido, as palavras e
temas centrais de sua vivência. O segundo Momento: É a tematização. Educador e educando irão buscar o significado social,
tomando consciência do mundo em que vivem, descobrindo novos temas geradores, relacionados com os que foram inicialmente
levantados. É nessa fase que serão elaboradas as fichas para a decomposição das famílias fonéticas, dando subsídios para a leitura
e para a escrita. O terceiro momento: É a problematização. É a hora de formar a visão crítica, partindo para a transformação do
aprendiz e do contexto vivido. O contexto apresentado por Paulo Freire consiste no processo de silabação. A silabação: uma vez
identificada, cada palavra geradora passa a ser estudada através da divisão silábica. Cada sílaba se desdobra em sua respectiva
família silábica, com a mudança da vogal. Por exemplo, para a palavra “FOME”, as sílabas são: FA-FE-FI-FO-FU, MA-ME-MI-MO-
MU. E essas sílabas transformam-se em outras palavras que estão no cotidiano do aprendiz, ampliando seu repertório de palavras
e sua consciência de mundo. A discussão sobre erradicar o analfabetismo no Brasil ocorre com mais ênfase na década de 1930,
porém, na década de 1950 se amplia, com a proposta desenvolvida por Paulo Freire para alfabetizar jovens e adultos. Freire
propunha uma educação dialógica que valorizasse a cultura popular e a utilização de temas geradores. Dentro de um contexto de
conscientização, participação e transformação social e prática social, temos resultados satisfatórios. Freire inovou não apenas o
conteúdo, mas também o método tradicional de alfabetização. Para Freire, a alfabetização promove a socialização do indivíduo,
possibilitando trocas simbólicas, culturais e sociais; é um fator propulsor do exercício consciente da cidadania e do
desenvolvimento da sociedade como um todo.
Considerações finais O contexto apresentado mostrou como podemos contemplar a alfabetização de um indivíduo dentro da sua
prática social, compreendendo a amplitude do processo de alfabetização e das dificuldades que os professores encontram para
conseguir estabelecer esse processo. Para que possamos compreender a processo de alfabetização, primeiramente devemos
conhecer alguns aspectos importantes. Antes de aprenderem a ler e escrever, as crianças passam por vários contextos, como, por
exemplo, a aquisição da linguagem até os cinco ou seis anos, estabelecem-se socialmente e, somente após esse processo
concretizado, as elas são encaminhadas para as escolas para serem alfabetizadas. A alfabetização é um processo que não se
resume apenas na aquisição de habilidades mecânicas do ato de ler, baseadas nas regras gramaticais, mas também na capacidade
do indivíduo de interpretar, compreender, criticar, contextualizar e produzir conhecimento e, para que esse processo se configure,
recorremos ao letramento, que é o sentido mais ampliado da alfabetização. Cabe ressaltar que os conceitos apresentados sobre a
alfabetização e o letramento mostram que não podemos deixar de lado as técnicas da alfabetização e trabalhar somente com o
letramento, já que os dois se complementam. Dessa forma, devemos trabalhar com as duas possibilidades para que possamos
chegar ao objetivo de formar um indivíduo que não saiba apenas ler e escrever, mas que também utilize socialmente a leitura e a
escrita, interpretando e contextualizando, respondendo às demandas sociais de leitura e de escrita. Muitos educadores sentem
dificuldades em realizar um trabalho contemplando a alfabetização e o letramento. Talvez isso ocorra por falta de conhecimento
sobre o assunto ou por terem certa resistência em conceber outras possibilidades de alfabetização, contando sempre com o
mesmo método, sem levar em consideração a prática social de cada aluno. Os novos educadores devem conhecer novas
metodologias, novos pensamentos educacionais, novas possibilidades, pois é preciso ter ciência de que, muitas vezes, temos que
abrir mão de fórmulas antigas para contemplar o processo de alfabetização de acordo com as dificuldades apresentadas por
nossos alunos. É preciso destacar a importância de alfabetizar dentro de um contexto em que a leitura e a escrita tenham sentido
para o aluno.

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