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A ESCRITA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Micaele Bariotto

O texto abaixo são ideias parafraseadas dos autores: Emília Ferreiro,


Isabel Solé, Antoni Zabala, Regina Scarpa e Vygotsky com o objetivo de
esmiuçar conceitos e facilitar a compreensão sobre a importância da mediação
do professor na organização de ambientes alfabetizadores que respeite a
infância.

Comecemos a leitura com uma provocação: Devemos ensinar ler e


escrever na educação infantil?

Existe uma constante polêmica sobre ensinar ou não a ler e escrever na


educação infantil. Antes de responder é preciso clarear ideias e conceitos que
possam ajudar a fazer escolhas mais acertadas na prática educativa dentro
desta linguagem.

Quando falamos em escrita, pensamos unicamente na escrita alfabética


e no alfabeto latino. Existem diversos sistemas de escrita, como também
diversos usos sociais. Na história, o controle da escrita sempre esteve ligado
ao exercício de poder.

Infelizmente essa ligação continua a existir, apesar da democratização


das práticas ligadas a educação.

Para pensar no ingresso da cultura escrita, é preciso pensar na sociedade,


mais do que na escola, e é necessário pensar na escrita como objeto cultural
criado por inúmeros usuários.

A escrita não é apenas um sistema de traços ou sinais, ela deve ter


relação com os sons da fala. A leitura é uma atividade permanente importante
na educação infantil, mas, a ação de ler não deixa marcas visíveis no objeto e ,
quando deixa, são sinais de escrita, não de leitura. Assim que a criança
percebe que a fala pode ser representada começa a desenhar letras em suas
produções, principalmente nas ilustrações. Escrever é fazer sinais e deve ser
explorado desde cedo as condições de se dizer algo por escrito. Mas, a escrita
não se limita a tornar visível o que é audível esta é apenas uma das suas
características lingüística. Não é uma fotografia da fala, mas uma
representação. A escrita permite um olhar distanciado da língua, um olhar que
omite uma infinidade de detalhes que são necessários para se fazer entender
por escrito.

Se as escritas desenvolvidas ao longo dos séculos fossem somente


códigos, a tradução automática seria brincadeira de crianças. É justamente por
não ser só códigos que os leitores devem ser interpretes o que é muito
diferente de ser um decodificador. Ao ler para as crianças, o interpretante
informa às crianças que aqueles sinais têm poderes mágicos, ao olhá-los
simplesmente se produz linguagem.

O leitor é de fato um ator: empresta sua voz para fazer com que o texto
se re-presente, isto é, para que volte a se fazer presente.
O caminho de aprender a escrever convencionalmente não é nada fácil,
é cheio de obstáculos, mas se estimulamos a criança desde pequena a querer
vencer este desafio oportunizando situação de leitura e escrita que provoque a
vontade de saber ler e escrever o que facilitará bastante seu desenvolvimento
no ensino fundamental.

O trabalho com o próprio nome da criança é elemento importante na


compreensão da identidade, que também se realiza por escrito.

No início, a descoberta do próprio nome por escrito é fonte de orgulho e de


prazer. Mas, aos poucos depois, transforma-se em fonte de problemas:

• Por que aquelas letras e naquela determinada ordem são usadas para o seu
nome?

• Por que havendo tantas letras nesse mundo devo compartilhar minha inicial
com a de outras pessoas conhecidas e desconhecidas.

• Por que os nomes têm tamanhos diferentes?

• As palavras podem ser decompostas em sílabas?

Quando a criança não conta com um bom interpretante (em casa ou na


escola) começa o drama. Quando a leitura e a escrita são realizadas de
qualquer maneira nas instituições de ensino acontece o Silêncio do Encantado.

Alguns professores acham difícil ensinar recorrendo a magia


desafiadora. Têm a sensação de perder tempo. E precisam de rituais de
grafismos (ma-me-mi-mo-mu), ou cópia de letras e palavras em linhas e mais
linhas do caderno.

Sabemos que não é nada fácil o trabalho com salas lotadas com 35
crianças e essa prática é usada por alguns educadores como estratégia para
manter a ordem, já que passam um tempo enorme tentando fazer os traços (as
letras). Infelizmente ainda não perceberam os que recorrem a essa prática que
estão atrofiando e menosprezando a capacidade de aprender a ler e escrever
das crianças.

Se nem mesmo a proposta de alfabetização no ensino fundamental se


apoia na prática do copismo de letras e sílabas por que algumas instituições de
educação infantil ainda insistem neste trabalho equivocado? Não existem
outras atividades que envolvem a escrita nas outras linguagens infantis que
possam ser exploradas na infância? O que dificulta lidar com esta com esta
linguagem?

Temos professor que não lê e ensina a ler, professor que não escreve e
ensina a escrever. Quando a prática do registro escrito foi incorporada na
formação dos educadores a reação foi de insegurança devido à dificuldade em
expressar suas ideias por meio da palavra.

Oportunizar as crianças experiências tediosas que reduz toda a


capacidade de pensar em um par de olhos, um par de ouvidos e um aparelho
fonador precisa ser revertido aos poucos educadores que ainda insistem em tal
prática pedagógica.

Ler e escrever na educação infantil, é possível. Vivemos num mundo


grafocêntrico. As palavras estão espalhadas por parte. Todas as crianças têm
direito de ser cidadã da cultura escrita.

Ao receberem informações sobre a escrita quando: brincam com a sonoridade


das palavras, reconhecendo semelhanças e diferenças entre os termos,
manuseiam todo tipo de material (nos livros, nos jornais, nas cartas, nos
documentos oficiais, nas publicidades, nos calendários, nos mapas e em vários
outros objetos cuja razão de se é a própria escrita), quando o professor lê para
sua turma ou serve de escriba, as crianças já estão participando de um
ambiente alfabetizador.

Se a educação infantil cumprir seu papel, envolvendo os pequenos em


atividades que os façam pensar e compreender a escrita, no final dessa etapa
eles poderão estar naturalmente alfabetizados (ou aptos a dar passos mais
ousados em seus papéis de leitores e escritores).

Como criar situações motivadoras?

A aprendizagem é motivada por interesse, uma necessidade de saber. Mas,


quem determina este interesse e necessidade? No entanto, um bom caminho a
seguir é compreender que além dos aspectos cognitivos, a aprendizagem
envolve aspectos afetivos-relacionais. Ao construir os significados pessoais
sobre a realidade, constrói-se também o conceito que se tem de você mesma e
também a estima características importantes ao equilíbrio pessoal.

Na concepção construtivista socio-interacionista as crianças chegam à escola


com vários conhecimentos advindos da sua experiência pessoal e a partir
destes conhecimentos a criança construirá e reconstruirá novos significados. A
participação do professor nesse processo é fundamental. A cada sequência
didática bem planejada a criança com ajuda do professor será capaz de
construir novos conhecimentos inclusive sobre a escrita.

A prática apresentada a seguir é um recorte de um conjunto atividades


realizadas. As crianças conversaram, leram, pesquisaram, brincaram,
cantaram, dançaram explorando a cultura popular brasileira e nesta fase da
sequência didática os festejos juninos provocaram diversas curiosidades já que
é um bairro composto na sua grande maioria por moradores nordestinos.

È um bom exemplo de situação que envolve a escrita e leitura na educação


infantil, saindo da reprodução para a construção de conhecimento por meio
escrita e da própria escrita, respondendo a provocação inicial através da
prática. É possível escrever e ler na educação infantil!

Professora: Ivanete Aparecida Souza Anacleto

Crianças: 35 crianças

Idade: 5 anos
Para pensar e contextualizar a ação pedagógica da professora:

A professora sabe quais são os conhecimentos prévios das crianças sobre o


assunto.

Valoriza a importância destes conhecimentos (explicitados ou não/ currículo


oculto).

Aproveita o interesse da turma.

Reconhece que as crianças são capazes de saber mais sobre o assunto.

Planeja situações em que a escrita possa ser vivenciada num contexto


convidativo a querer saber mais sobre a representação de ideias por meio da
palavra.

Oportuniza o contato com outro portador de texto (mapa-cartografia) ampliando


conhecimentos em outras linguagens.

Valoriza os saberes da comunidade e aproveita para fazer da escola um


ambiente educativo para todos.

A professora Ivanete convidou mães para participarem de uma conversa com


as crianças e contar como acontecem os festejos juninos no seu Estado de
Origem.

Ednalva mãe do Felipe contribuiu com os seus saberes relatando sobre a


cultura junina em Pernambuco.

Felipe ficou muito orgulhoso e logo se posicionou ao lado da sua mãe.

Na lousa a professora afixou papéis para o registro das informações. O mapa


do Brasil político novamente foi trazido para uma situação de leitura e
compreensão geográfica.

Ivanete ( professora) conversa com Ednalva (mãe) sobre a proposta do


encontro.

Ednalva timidamente fala sobre sua trajetória pessoal até chegar ao Estado de
São Paulo.

Quanto tempo morou em Pernambuco, quando veio para São Paulo, a quanto
tempo mora no bairro.

Logo foi um alvoroço, outras crianças também disseram que seus pais eram de
Pernambuco e assim, começaram a participar da conversa.

A professora aproveitou a curiosidade latente e mostrou no mapa a localização


do Estado de Pernambuco, por isso, Ednalva levara tantos dias para chegar de
Ônibus em São Paulo.

Conforme as crianças relatavam o Estado de origem de seus pais a professora


fazia o mesmo processo de localização geográfica.

Ednalva falou sobre:


Comidas típicas nas festas juninas de Pernambuco

Brincadeiras

Bebidas

Costumes

A professora foi a escriba enquanto as crianças faziam as perguntas.

Ednalva estava relatando sobre as brincadeiras mais comuns em Pernambuco


quando de repente Gabrielle se levanta e diz: - Eu conheço essa brincadeira
chamada pastoril!

Professora:- De onde você conhece?

Gabrielle:- Quando fui na Paraíba com a minha mãe no ano passado brinquei
com meus primos.

Ednalva: - Como é que vocês brincam?

Conforme Gabrielle ia relatando Ednalva falava sobre as semelhanças e


diferenças no modo de brincar o pastoril.

Foi interessante ver como as crianças se sentem importantes e autoconfiantes


quando seu saberes são valorizados.

Felipe neste momento ficou com ciúmes, mas, logo depois também resolver
fazer uma pergunta a sua mãe.

Agora, Ednalva respondia ao próprio filho.

Felipe: - Que brincadeira você mais gostava, mãe?

Ednalva:- De fazer boneca com sabugo de milho.

As crianças caíram na gargalhada e quiseram saber como era feita a boneca.

Jamilly perguntou: - Na festa junina lá em Pernambuco as pessoas dançam?

Ednalva:- Dançam muito ...

Assim, as crianças foram conhecendo mais sobre a cultura de Pernambuco.

Ivanete registrou tudo em uma folha. No dia seguinte aproveitou as riquezas de


informações coletadas para realizar atividades de leitura e escrita com as
crianças.

Atividades que envolveram:

Leitura das palavras (realizada pela professora)

Exploração da:
Sonoridade.

Quantidade de letras.

Iniciais do nome. Palavras que começam e terminam com a mesma letra mas,
que têm significado diferente.

Escrita das palavras que despertaram maior interesse em conversar como foi
o caso do pastoril.

Uso do alfabeto móvel para escrever algumas das palavras do cartaz.

Localização de palavras.

O que as crianças tiveram a oportunidade de aprender? Você mesmo leitor,


poderá fazer a reflexão e listar quais aprendizagens estiveram presentes nesta
atividade.

Parabéns, a professora Ivanete da EMEI Rumi Oikawa pelo belo trabalho


realizado. Existem professores capazes de fazer a diferença na educação!

Bibliografia

-Scarpa,Regina. Alfabetizar na educação infantil. Pode? Revista Nova Escola

-Faria, Ana Lucia Goulart. (Org). O coletivo infantil em creches e pré-escolas.


Editora Cortez. e -Ferreiro, Emilia. O ingresso nas culturas escritas.

-Vygotsky,LS. Formação social da mente. Editora Martins Fontes

-Coll, César. (Org) O construtivismo na sala de aula. Editora Àtica

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