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Vez e voz às crianças!
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E D IT O R IA L
CHÃO DA ESCOLA NEM SEMPRE ESTÁ FÉRTIL
Por Adriana Pastorello Buim Arena
É no chão da escola que a prática pedagó- Neste boletim vamos conhecer o trabalho da
gica ganha vida, porque nele é possível cultivar o professora Geane Maria Souza de Omena Tenório,
engajamento necessário para a transformação da que não estava absolutamente segura em relação
educação, para a mudança de sentido das ações aos resultados positivos que as mudanças que
pedagógicas e do objetivo que a educação tem fez no chão de sua sala de aula poderiam trazer,
na vida das crianças. Esse conjunto se entrelaça mas, com o apoio de sua coordenadora Gabrielly
nas contradições do dia a dia, entre leituras, refle- Siqueira da Rocha Santos, ela mudou a dispo-
xões e acontecimentos; as pessoas implicadas sição dos móveis, ousou oferecer conjuntos de
nesse processo ouvem as opiniões alheias, de caracteres - e não apenas as letras - para que as
pequenos e grandes, compatíveis ou não com crianças escrevessem, trocou a cartilha pelo texto
suas opiniões. Elas reconhecem que todos podem impresso em dupla caixa para que cada criança
agregar valores à formação da criança em todos experimentasse o primeiro encontro com o texto
os sentidos. Cada manifestação importa, mesmo pelos olhos. Depois, para a discussão, o texto foi
as diferentes das nossas convicções, porque é ampliado e fixado na parede da sala de aula.
assim que se deve conceber a síntese de uma Na seção De professor para professor,
proposta em que criança tenha vez e voz. entenderemos que o conceito de leitura não está
Mas como está o chão de nossa escola? ligado à pronúncia de letras e de sílabas, ou à
Às vezes é preciso varrer o chão, jogar busca pela vocalização bem articulada das pala-
água e sabão, passar cera, sentir e reconhecer vras em uma sequência. Quando Geane estudou
o espaço para depois transformá-lo. Criar as o conceito de leitura e de escrita, o chão de sua
condições físicas é também essencial para que sala de aula ficou desarrumado. Foi necessário
as atividades intelectuais floresçam. Tudo que promover mudanças.
está ao nosso redor são pistas indicadoras do E o chão de sua escola ou de sua sala,
que pensamos e do que oferecemos aos alunos: precisa de faxina? Quando visitamos outra sala de
os móveis, os livros, a lousa, os instrumentos de aula, quando lemos e conversamos sobre certos
escrita, os tipos de papéis, as tintas, o planisfério, temas, podemos encontrar diferenças motivadoras
o globo, o computador, a tela, entre tantos objetos para metodologias que tornam as crianças seres
que a sala de aula abriga. Para dar espaço a boas felizes. Vamos à faxina!!!
práticas, o chão da escola tem de ser transfor-
mado, e as convicções docentes também.
ENSINO DOS ATOS DE LER: DESLIZES ENTRE INTENÇÕES E AÇÕES METODOLÓGICAS
Por Dagoberto Buim Arena
Desde o início dos anos 1990, quando decidi as contradições entre as intenções docentes e as
aprofundar meus estudos, pesquisas e ensaios metodologias aplicadas para ensinar crianças a ler.
de práticas metodológicas a respeito do tema A intenção de qualquer docente não des-
leitura, participava de encontros de formação. preza a esperança de ver uma criança dar pistas
Frequentemente ouvia perguntas de professoras a respeito da temática de um livro que está sendo
alfabetizadoras incrédulas. Por que incrédulas? lido; de perceber que ela compreende dados e
Porque se mostravam perplexas com minhas as perguntas fatais de um problema de matemá-
afirmações de que ensinar a ler não significava tica; de observar que, no silêncio, ela resolve o
ensinar a pronunciar e que aprender a pronunciar problema e, no silêncio, luta com o texto para que
não era uma pista de que a criança sabia ler. Em possa discutir, comentar, apreciar e criticar a his-
resumo, eu queria afirmar que as crianças apren- tória lida. Não há professora que não tenha essas
diam a ler no silêncio! intenções.
A pergunta com ar de incredulidade e per- Nesse cenário, a professora teria de consi-
plexidade era esta: Como é possível ler sem tirar derar que a linguagem escrita, tanto a da história
os sons das letras? Esta também era a pergunta quanto a do problema matemático, teria sido histo-
que eu me fazia quando lecionava para as crian- ricamente criada e organizada para ser vista pelos
ças de 11 a 14 anos. Eu não tinha consciência do olhos e indagada por uma mente inteligente, louca
que era saber ler. Para mim, era apenas saber para fazer perguntas ao mundo do conhecimento
falar alto um texto sem gaguejar. Mas eu fazia coti- que os adultos a ela oferecem.
dianamente exatamente o contrário. Eu lia jornais A unidade virtual da linguagem escrita são
todos os dias, sem mover um músculo da boca e os sentidos. As unidades de sentido compõem o
nenhuma relação entre o martelo e a bigorna de aspecto imaterial do ato de ler. É esse aspecto que
meus ouvidos! recebe a atenção e a intenção das professoras,
Por que eu ensinava as crianças a produzir porque querem elas que as crianças compreendam
sons em vez de ensiná-las a ler como eu fazia, o que veem.
quieto, mas com a mente a fervilhar com pergun- Há, entretanto, outro componente: o mate-
tas em busca de respostas, ávida por ampliar os rial. Esse componente é o visível, composto por
conhecimentos a respeito das relações entre os letras, pontos, espaços, e um punhado de sinais
homens e para melhor compreender o mundo, sua que indicam sentidos. Há dois componentes, então,
organização, seu movimento histórico? vinculados: um material, visível, e outro imaterial,
Este desencontro entre o que eu fazia e o invisível, que é, de fato o mais importante, porque
que ensinava, me levou, anos depois, a me enfiar é ele que promove o desenvolvimento intelectual.
com corpo e alma nas leituras de Frank Smith, Desse ponto de vista, a criança que não tem
Josette Jolibert, Ivany Chenouf, Jean Foucambert, boa audição jamais será excluída, porque tem os
Jacques Fijalkow, Élie Bajard, Anne-Marie Christin, olhos para ver e a mente para compreender. A
Françoise Desbordes, Valentin Volóchinov, Pavel criança impossibilitada, biologicamente, de ver, tem
Medvedev e Mikhail Bakhtin. Tonaram-se eles o dedos sensíveis para perceber os sinais, codifica-
meu porto e deles parti sempre para responder à dos por Louis Braille, vinculados aos caracteres
pergunta incrédula das professoras que passei a visíveis pelas outras crianças. A criança impedida,
ouvir. Nesta seção, entretanto, vou apenas apontar biologicamente, de pronunciar, emprega os olhos
para ler. Todas elas aprendem a ler sem, obriga- organizou em sua mente. Este acervo inclui os
toriamente, passar pela pronúncia. conhecimentos da organização da linguagem
O componente material, isto é, os caracteres escrita e os conhecimentos da cultura criada pelos
que compõem palavras e enunciados, desempenha homens, o conhecimento do mundo.
papéis, entre os quais o de indicar pistas para a Quanto mais cultura, maior o acervo e mais
mente que, de seu lado, pode verificar se está amplas são as condições para que a criança
no bom caminho de encontrar respostas para os aprenda realmente a ler, isto é, a negociar sen-
sentidos que procura, respostas às perguntas que tidos entre os aspectos imateriais e os aspectos
formula, sem cessar. Isso tudo se faz no silêncio, materiais que estão dispostos diante dos olhos,
porque o silêncio é condição necessária para a de maneira fixa, no papel, ou deslizantes, como
mente pensar, escolher, decidir e refazer caminhos. legendas em telas em cortes rápidos. O conheci-
Há, entretanto, contradições entre as inten- mento da cultura do mundo é condição inalterável
ções docentes e as práticas metodológicas oficial- para a negociação entre os sentidos na mente e as
mente recomendadas ou não. O problema nuclear configurações visuais que compõem os enunciados
reside no desprezo do componente material da lin- da linguagem escrita e seus caracteres.
guagem escrita, visível, para, contraditoriamente, Na manobra comum de substituição do com-
destacar o componente material audível da lingua- ponente material da linguagem escrita – os carac-
gem oral e suas unidades, os fonemas e as sílabas. teres - pelo componente da linguagem oral – os
Essa substituição gera consequências sérias. As fonemas -, a criança seria levada a compreender o
crianças passam a entender que aprender a ler não mundo, isto é, o aspecto imaterial dos textos, pelos
é aprender a lidar com o aspecto imaterial, com os ouvidos. Entretanto, em seu percurso de leitor pre-
sentidos, mas com o aspecto material, que não faz visto pela escola, algo surpreendente se dá. As
parte da linguagem escrita: os sons. Aí reside a crianças veem, pronunciam, mas não compreen-
contradição entre intenção e escolhas de práticas dem o que ouviram. Seria melhor construir esta
metodológicas. afirmação de outro modo. Elas não aprendem a
Apresento uma situação comum, já vivida por ver para compreender. Elas aprendem a ver para
todos nós. Quando pedimos a uma criança que pronunciar. A pronúncia passa a ser, nessa situa-
leia o nome de uma história, qual verbo a gente ção contraditória, a ação final do ato de ler.
usa? O verbo ler! Dizemos costumeiramente: Leia Resultado? Essas ações práticas não fazem
isto aqui! O que ela julga que queremos que ela do ato de ler um ato de encontro do aprendiz de
faça? Que pronuncie o nome bem pronunciado, leitor com o aspecto imaterial, de natureza cultural,
certamente! E o que nós, realmente, queremos que da linguagem escrita. Ele não aprende a mobilizar
ela faça? Que ela compreenda o que viu! Há aqui o seu conhecimento de mundo, nem a elaborar per-
um desencontro. Ela executa um ato que lhe foi guwntas para ampliar o seu acervo cultural, funda-
ensinado todos os dias. Para ela, o verbo ler signi- mental para o ato de ler, crucial para humanizar-se.
fica pronunciar. Este conceito foi por ela elaborado A seção Eu faço assim, deste boletim, escrita
quando se submeteu aos modelos observados na pela professora Geane, de São Luís do Quitunde,
escola e em casa. Alagoas, conta, com detalhes, o modo como ela
Talvez a nossa instrução em situações como encaminhou suas alunas e alunos, visualmente,
essa seria a de dizer: O que está escrito aqui? em direção a um texto. Na base desse encami-
Olhe, pense e me diga! Não pronuncie, por favor, nhamento estavam as vivências, as experiências
não retire sons das letras! Não quero ouvir os e o conhecimento do mundo de cada um, tudo
sons! Quero conversar sobre sentidos! compartilhado entre todos, professora e crianças,
O aspecto material, visível, é composto por com diálogos e trocas altamente frutíferas.
caracteres, isto é, por letras e demais sinais. Eles
são figuras, mas dependem, para serem lidos,
do acervo cultural imaterial que cada criança
O USO DOS CARACTERES NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM DA LINGUAGEM ESCRITA
Por Geane Maria Souza de Omena Tenório
Sou educadora há pouco mais de um ano. “O produto que faz parte da economia do nosso
Trabalho na escola Municipal Basileu Meira Bar- Estado e do Município”.
bosa, na zona rural do município de São Luís do A partir do diálogo intenso sobre quais
Quitunde, Alagoas. A experiência que será rela- seriam os produtos produzidos por Alagoas e,
tada foi desenvolvida em 2023, na turma multis- especificamente, por São Luís do Quitunde, as
seriada do 1º ao 4º ano do ensino fundamental crianças expunham em suas manifestações ques-
(Anos Iniciais), com crianças de diferentes faixas tionamentos em torno do tema, que promoviam
etárias e diferentes vivências e experiências. inquietações, despertavam curiosidades e, em
Nesse contexto de diversidade e socialização, os relação à atividade que estava por vir-ler a pala-
educandos são organizados em quartetos com vra escrita, levantavam hipóteses diversas sobre
diferentes saberes para facilitar o diálogo e a o tema debatido. Desta forma, estavam prontos
troca de experiência entre eles. Assim, as crianças para buscar no texto gráfico a comprovação ou
avançam de forma significativa na aprendizagem e não das hipóteses levantadas.
nas relações humanas em sua totalidade, porque Então, apresentei o texto gráfico no movi-
trocam saberes e informações durante o trabalho mento do ato de ler a palavra que dá início à des-
pedagógico. coberta do texto, que é uma proposta pedagógica
de Bajard (2012). O gênero escolhido foi a entre-
vista, pois serviria de suporte para conhecer um
pouco da história da cana-de-açúcar no município.
Desse modo, levei o texto impresso para
todas as crianças realizarem a leitura individual e
silenciosa. Posteriormente, apresentei-o escrito em
dupla caixa no papel 40kg com imagens para dar
pistas às crianças do que se tratava o enunciado.
Referências
BAJARD, Élie. Eles leem, mas não compreendem:
onde está o equivoco? - 1. ed. - São Paulo: Cortez,
2021.
Fonte: Arquivo pessoal da professora Marcia Martins de Oliveira Abreu. Fonte: Última foto: arquivo da coordenadora Maria José dos Santos.