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Como as crianças

aprendem?
A psicogênese da língua escrita: o que mudou quando esta
pesquisa foi publicada?
Miruna Kayano Genoino
Como as crianças
aprendem?
A psicogênese da língua escrita: o que mudou quando esta
pesquisa foi publicada?
Miruna Kayano Genoino1

"Quando uma criança escreve tal como acredita que poderia ou deveria escrever certo
conjunto de palavras, está nos oferecendo um valiosíssimo documento que necessita ser
interpretado para poder ser avaliado. Essas escritas infantis têm sido consideradas,
displicentemente, como garatujas, "puro jogo", o resultado de fazer "como se" soubesse
escrever. Aprender a lê-las - isto é, a interpretá-las - é um longo aprendizado que requer
uma atitude teórica definida."
(Emilia Ferreiro, 1991, p. 17)

A ideia de que é importante conhecer o que uma criança pensa a respeito


dos saberes com os quais lida em seu dia a dia não foi sempre assumida como
essencial dentro da escola. Durante muitos anos, a escola esteve focada em
debater os melhores métodos para se alfabetizar, pensando apenas no viés de
como se ensina, e não de como se aprende a escrever. Foi necessário conhecer a
enorme contribuição da pesquisa realizada por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, no
final dos anos 70, para que a criança passasse a ocupar um lugar central na
reflexão sobre alfabetização.
Estas pesquisadoras argentinas realizaram sua investigação a partir de uma
indagação central naquele momento, sobre o melhor método para se alfabetizar: o
sintético (que parte das unidades menores da língua) ou o analítico (que inicia pela
leitura global de palavras e frases). Entrando nas escolas públicas argentinas,
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Este texto faz parte do percurso de formação "Alfabetização na sala de aula" - curso "Concepção de alfabetização",
disponível na plataforma Polo do Itaú Social, produzido em parceria técnica com a Comunidade Educativa CEDAC.

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analisando as escritas infantis e entrevistando as crianças para conhecer o que
pensavam sobre o sistema de escrita, puderam perceber que havia muito mais a ser
conhecido do que, meramente, analisar métodos de ensino padronizados.
A publicação do livro "Psicogênese da língua escrita" (1979), resultado desta
investigação, provocou, então, uma verdadeira revolução no que se pensava e se
conhecia sobre alfabetização até aquele momento, já que trouxe a necessidade de
analisarmos as crianças e seu processo construtivo de escrita, e não os métodos e
as formas uniformizadas de ensinar os sons da língua. Renovadas ao longo dos
anos, as descobertas da psicogênese já foram validadas em crianças de diferentes
línguas além do espanhol, como o italiano, o português e até mesmo o inglês, e hoje
em dia são um aporte fundamental a qualquer professor alfabetizador que busque
uma alfabetização plena - isto é, que vá além da escrita de palavras sem sentido,
em busca de uma escrita e uma leitura real, que possa ser usada dentro e fora da
escola.
Ainda que a contribuição de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky sobre as
hipóteses das crianças em relação à escrita (pré-silábica, silábica, silábico-alfabética
e alfabética) até alcançarem a escrita convencional tenha ganhado maior relevância,
é importante destacar que essas autoras apresentaram outra conclusão muito
importante, que é a necessidade de compreender que no percurso da alfabetização
a criança atravessa três grandes momentos conceituais, ou seja, aprende três
diferentes e importantes conceitos sobre a língua escrita, que serão essenciais para
seu avanço alfabetizador.
Estes momentos conceituais são: a diferenciação que a criança percebe e
compreende que existe entre a escrita e o desenho, o estabelecimento de critérios
de diferenciação entre as escritas (palavras diferentes precisam ser escritas de
jeitos diferentes) e a fonetização da escrita, ou seja, a compreensão da relação
entre a palavra falada e a representação gráfica usada para escrever. Ainda que
estes conceitos possam parecer bastante "óbvios" para quem já é alfabetizado,
representam importantes conquistas cognitivas para o sujeito em processo de
alfabetização, pois permitem que ele/ela compreenda melhor como é o

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funcionamento de um sistema - o de escrita - bastante complexo para quem ainda
não o dominou.
Por meio de situações significativas de leitura e de escrita, e através das
intervenções cuidadosamente planejadas por professores e professoras, as crianças
vão se apropriando destes conceitos, e expressam este saber por meio das
hipóteses de escrita, que são a forma provisória, mas muito importante, pela qual a
criança vai cada vez mais entendendo a organização de nosso sistema de escrita,
aproximando-se, com isso, de forma ativa e consciente, da escrita convencional.
Não uma escrita feita por meio de repetições, e sem decisões próprias, mas sim
uma escrita autoral, com consciência, e que permitirá que esta criança escreva com
propriedade e qualidade tudo aquilo que deseja.
Conhecer a psicogênese da língua escrita é um processo desafiador para o
educador, mas que permitirá realizar uma alfabetização muito diferente daquela
pensada por meio de métodos repetitivos e mecanizados, nos quais todos realizam
o mesmo, ao mesmo tempo. Nas palavras de Emilia Ferreiro (1994, p. 9), é
importante conhecer o que já se sabe hoje em dia sobre o que colocar em prática
para uma alfabetização plena:

Sabemos que se alfabetiza melhor:


a. quando é permitido interpretar e produzir uma diversidade de textos, (incluindo os
objetos em que o texto é realizado);
b. quando vários tipos de situações de interação com a linguagem escrita são
estimulados;
c. quando se enfrenta uma diversidade de propósitos comunicativos e situações
funcionais ligadas à escrita;
d. quando se reconhece a diversidade de problemas que devem ser enfrentados na
produção de uma mensagem escrita (problemas de grafismo, organização
espacial, ortografia das palavras, pontuação, seleção e organização lexical,
organização textual etc.);
e. quando são criados espaços para assumir várias posições enunciativas frente ao
texto (autor, corretor, comentarista, avaliador, ator etc.);

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f. quando, por fim, se assume que a diversidade de experiências dos alunos permite
enriquecer a interpretação de um texto e ajuda a distinguir entre “a escrita exata”
e “o sentido pretendido”; quando a diversidade de níveis de conceituação da
escrita permite gerar situações de troca, justificativas e conscientização que não
dificultam, mas facilitam o processo; quando assumimos que as crianças pensam
sobre a escrita (e nem todas pensam a mesma coisa ao mesmo tempo).

Sigamos, então, refletindo e estudando este rico e intenso processo de


alfabetização, para com isso planejarmos boas situações de aprendizagem que
considerem todos estes aspectos tão importantes trazidos por Emilia Ferreiro e Ana
Teberosky, e que colocam as crianças no centro do processo de aprendizagem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre:


Artes Médicas, 1986.

FERREIRO, Emilia. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 1991. (Col.
Polêmicas do nosso tempo).

FERREIRO, Emilia. Diversidad y proceso de alfabetización: de la celebración a la toma


de conciencia. Buenos Aires: Revista Lectura y Vida, ano 15, número 3, 1994.

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Realização Parceria técnica

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