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LINGUÍSTICA II

AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

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Olá!
Ao final desta aula, você será capaz de:

1. Conhecer o processo de aquisição da linguagem segundo o Gerativismo;

2. identificar as etapas no processo de aquisição da linguagem;

3. comparar algumas teorias de aquisição da linguagem, a saber: inatismo, behaviorismo e cognitivismo.

1 Aquisição da Linguagem
Quem tem filhos ou convive com crianças sabe que, “num piscar de olhos”, as crianças já começam a falar.

Sabemos que há etapas a serem seguidas, mas temos a certeza de que esse processo acontece de forma bem

rápida.

“Na realidade, a faculdade da linguagem nada tem de trivial. O vocabulário médio de um adulto em

sua língua nativa, por exemplo, alcança em torno de 50 mil palavras, codificadas por cerca de 40

unidades distintivas de som de fala (fonemas). Veja que tanto o vocabulário numeroso quanto o

pequeno inventário de fonemas deveriam ser desfavoráveis à existência da linguagem no homem:

temos poucos códigos para distinguir muitos itens.

Apesar disso, após o curto período de aquisição de linguagem, entre dois e três anos de idade, nos

integramos a uma comunidade linguística e, sem nenhum esforço, usamos essa língua com mais

naturalidade do que um estrangeiro que passou anos tentando aprendê-la depois de adulto.”

Pelo que vimos, segundo o Gerativismo, já nascemos com uma capacidade inata para desenvolver uma língua. No

entanto, por que não saímos da barriga da nossa mãe falando? Poderíamos fazer também outras perguntas:

“Se já nascemos com as nossas pernas completamente formadas, por que não saímos da barriga da nossa mãe

andando?” ou “Se temos um sistema visual, por que não distinguimos todas as cores logo após o parto?”

Assim como o sistema motor e o sistema visual, o nosso sistema linguístico também passa por um processo de

maturação. Podemos perceber que as crianças também vivenciam etapas até conseguirem andar sozinhas, sem a

ajuda de adultos ou sem o apoio em objetos. Com a linguagem, não é diferente. Vamos entender como se dá a

aquisição da linguagem?

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“A acuidade visual se refere à capacidade do sujeito em detectar, separar ou discriminar um objeto

no espaço.

(...) Ao nascimento, a acuidade visual humana é muito reduzida, quando comparada a de um adulto.

Um bebê, ao nascimento, enxerga dez a vinte vezes menos que um adulto. Isso significa que somente

estímulos muito grandes poderão ser vistos pelo bebê. No entanto, há um rápido desenvolvimento

desta função nos primeiros 6-12 meses de vida. (...)

Assim como a acuidade visual, a habilidade de discriminar contrastes de luminâcia está presente ao

nascimento, mas é extremamente pobre em desempenho se comparada com a de um adulto.

Fique ligado
(...) Estudos recentes mostram que até a 4ª semana de vida, o bebê discrimina pobremente um
estímulo colorido de um estímulo branco de mesma intensidade de brilho, ou seja, até o final
do primeiro mês de vida, a visão de cores praticamente inexiste, limitando-se à região laranja-
avermelhada do espectro cromático. Nos três meses seguintes há o aparecimento gradual da
visão de cores.”

2 O Processo de Aquisição da Linguagem


O processo de aquisição da linguagem é algo muito interessante. O fato de as crianças, já por volta dos três anos,

serem capazes de fazer uso da sua língua de modo tão eficiente leva-nos a pensar como essas línguas são

adquiridas. Muito cedo, qualquer criança surpreende os adultos com a sua capacidade de produzir e

compreender os enunciados da sua língua. Podemos dizer que ela:

“Não repete simplesmente o que lhe dizem: com as regras que depreendeu das frases ouvidas, forma inúmeras

outras, inclusive nunca ouvidas. Quer dizer, desde as primeiras etapas a criança ‘cria’ suas frases. Essa

criatividade é justamente o traço característico da gramática que a criança internaliza.

Fique ligado
A ‘graça’ da linguagem infantil não está nos erros que comete, mas nas suas engenhosas
tentativas (com muitas criações individuais) de utilizar o código fornecido pelos adultos.”

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Mamãe, eu fazi isso sim!

Eu pesadelei a noite toda!

Eu vou vassourar a casa!

Certamente, vocês já devem ter ouvido algumas crianças produzirem estruturas assim ou bem parecidas. O que

podemos, então, pensar?

As crianças percebem como a língua a qual foram expostas funciona, elas captam aquilo que é regular em seu

sistema linguístico. A partir daí, criam seus enunciados.

Nesse processo de criação, aparecem elementos que, embora sejam construídos obedecendo às regras de

funcionamento da língua, não foram as formas consagradas pelos seus usuários. Assim, o adulto entende o que a

criança quis dizer e acha graça da forma produzida.

Tomemos como exemplo o verbo “vassourar”. Se temos, em português, o substantivo “pincel” e o verbo

“pincelar”, poderíamos, perfeitamente, ter o verbo “vassourar”, já que temos o substantivo “vassoura”. No

entanto, o uso consagrou a forma “varrer”, embora “vassourar” apresente um processo de formação produtivo

na língua.

De fato, enunciados assim levam-nos a crer que há um componente genético inato, específico para desenvolver

uma língua, como vimos na nossa aula passada. Esses e outros exemplos corroboram a ideia de que o cérebro

humano não nasce como um “quadro em branco”, uma “tábula rasa”, como afirmam os behavioristas – se você

quiser rever esse assunto, volte à aula 2.

Por conta da questão do inatismo, Chomsky (1981) considera mais apropriado falar em “crescimento da

linguagem” e não em “aprendizado” ou “aquisição”. Afinal de contas, apenas adquirimos algo que não temos.

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Como vimos na aula passada, a criança não nasce com uma capacidade para desenvolver a língua X ou a língua Y.

A predisposição biológica do ser humano vai permitir que ele desenvolva uma língua a partir dos dados

linguísticos do ambiente que o cerca. A exposição a esses dados faz com que o indivíduo acione um certo valor de

parâmetro para que a criança componha a gramática de sua língua particular.

Fique ligado
Vale destacar que a exposição a esses dados linguísticos acontece de modo natural: na fala
espontânea de adultos, há enunciados truncados, hesitações, falhas em geral. No entanto,
apesar disso, a criança consegue perceber o que é ou não regular na sua língua.

3 As Etapas do Processo de Aquisição da Linguagem


Em relação ao processo de aquisição da linguagem, as pesquisas mostram que a criança vai internalizando o

sistema gramatical de maneira gradual, por etapas. Independentemente da língua a que a criança está exposta,

todas elas, em fase de aquisição da linguagem, adquirem primeiro as palavras de conteúdo (“formais”:

substantivos, adjetivos, verbos), só depois as palavras gramaticais (“estruturais”: pronomes, preposições etc.).

Tudo acontece aos poucos. A criança desenvolve a capacidade de nomear e faz uso de substantivos. Em seguida,

começa a fazer uso de elementos mais abstratos como verbos e adjetivos. Ela começa, então, a produzir

estruturas sintáticas simples até chegar às estruturas mais complexas. Aproximadamente, aos 5 ou 6 anos, a

criança já é, como diz Chomsky, um “adulto linguístico”. Essa uniformidade no processo de aquisição é, para os

gerativistas, um indicativo de uma faculdade da linguagem, comum à espécie humana.

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NENÊ PAPÁ

AUAU MORDE

BONECA

ÁGUA

Assim, podemos dizer que as crianças não nascem com a gramática da sua língua pronta para ser usada. Se um

bebê, filho de pais americanos for criado por pais japoneses, desenvolverá o japonês. Se criado por pais

brasileiros, desenvolverá o português. E se a criança não for exposta a uma língua durante a infância? E o caso

das chamadas “crianças selvagens”?

Vimos que a explicação behaviorista da aquisição da linguagem não consegue explicar o fato de os sistemas

linguísticos terem como uma de suas características essenciais a produtividade e a criatividade. Assim, podemos

dizer que o processo de aquisição não depende da imitação. Sabemos que todo indivíduo, exceto aquele com

alguma complicação patológica, irá desenvolver uma língua. Isso independe de sua condição social. No entanto, é

preciso estar exposto a um sistema linguístico.

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Há, na literatura, uma série de relatos de casos de crianças que, em virtude de motivos de natureza diversa,

tiveram o acesso aos dados de um sistema linguístico negado. Por isso, não desenvolveram sua língua natural no

período da infância, como, normalmente, acontece.

A história de Mogli, personagem da Disney inspirado no livro de Rudyard Kipling, menino criado por lobos,

ilustra casos reais como o da menina Genie, um dos casos mais conhecidos na literatura.

Essa criança, que havia sido afastada de qualquer exposição à língua dos 20 (vinte) meses aos 13 (treze) anos e 7

(sete) meses de vida, quando inserida novamente no convívio social, teve o desenvolvimento da linguagem em

dois aspectos bastante diferenciados do de crianças normais, ou seja, daquelas crianças que adquirem linguagem

durante o período normal de aquisição de linguagem.

Se por um lado Genie apresentou uma rápida aquisição do vocabulário, mostrando uma habilidade semântica

superior àquela alcançada por crianças normais em igual período de tempo, por outro lado, ela apresentou uma

pobre elaboração morfológica e um reduzido emprego de estruturas sintáticas complexas em sua fala,

mostrando uma habilidade sintática bastante defasada em relação às crianças normais.

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A partir dessas observações e da análise de testes neuropsicológicos aplicados a Genie, que revelaram seu

amadurecimento conceptual e sensorial-motor, pode-se concluir que o conhecimento cognitivo apresentado por

Genie não foi suficiente para sua aquisição sintática e morfológica.

Saiba mais
Cognitivo
1. Ref. à cognição, capacidade de aquisição de conhecimento, ou ao conhecimento:
desenvolvimento cognitivo humano.
2. Ref. à função e ao processo mental do tratamento das informações (percepção, memória,
raciocínio etc.)
3. Psi. Ref. aos processos da mente envolvidos na percepção, na representação, no pensamento,
nas associações e lembranças, na solução de problemas etc.
[F.: Do lat. cognitus + -ivo.] (Fonte: Dicionário on-line Caldas Aulete)

Para conhecer mais sobre a história da Genie, assista ao vídeo Genie – A menina selvagem.

https://www.youtube.com/watch?v=u97ii-aInF8

4 Algumas teorias de aquisição

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INATISMO – Chomsky, com sua hipótese inatista, assume que há um componente inato para a

aquisição da linguagem e independente da cognição. Para ele, a experiência


Noam Chomsky
funciona apenas como um “gatilho” (do inglês, trigger) para acionar uma

capacidade que é inata.

Para B. F. Skinner, behaviorista, todo comportamento/aprendizado linguístico ou

não é resultado de um processo de reforço e privação. Segundo a proposta

BEHAVIORISMO behaviorista, “a criança vê a mamadeira (estímulo) e diz ‘papá’. Se ela conseguir

– B. F. Skinner que lhe deem a mamadeira, será reforçada positivamente, ‘aprenderá’ que quando

quiser comida deve dizer ‘papá’”. (SANTOS, Raquel. A aquisição da linguagem.

In: FIORIN, J. L. (org.) Introdução à linguística, vol. 1. São Paulo: Contexto, 2002.).

O cognitivismo vincula a linguagem à cognição. Essa proposta foi desenvolvida

por Jean Piaget. Segundo ele, desde o seu nascimento, a criança constrói o

conhecimento a partir do contato com o meio. Pode-se perceber que a teoria


COGNITIVISMO
atribui um grande valor à experiência, mas não chega a ter base empirista, pois,
– Jean Piaget
de acordo com Piaget, a criança é responsável por construir o conhecimento com

base na experiência com o mundo físico, ou seja, o conhecimento está na ação

sobre o ambiente.

Saiba mais
“O conhecimento linguístico de uma criança em um determinado momento reflete as
estruturas cognitivas que foram desenvolvidas antes e que determinam esse conhecimento.
(...) A linguagem é vista como porta para cognição.” (SANTOS, Raquel. A aquisição da
linguagem. In: FIORIN, J. L. (Org.) Introdução à linguística. vol. 1. São Paulo: Contexto, 2002.)

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5 Debate Chomsky-Piaget
Em 1975, houve um debate entre Chomsky e Piaget sobre aquisição do conhecimento. Para saber mais, leia o que

disse Piaget sobre a psicogênese dos conhecimentos e qual foi a resposta de Chomsky: https://www.ufrgs.br

/psicoeduc/piaget/chomsky-para-piaget/

O que vem na próxima aula


Na próxima aula, você vai estudar:
• O Gerativismo;
• a faculdade da linguagem;
• a Gramática Universal (GU);
• o conceito de princípios e de parâmetros.

CONCLUSÃO
Nesta aula, você:
• Reviu o conceito de Linguística;
• discutiu a relação entre Linguística e doutrina gramatical;
• conheceu, brevemente, algumas correntes teóricas da Linguística, a saber:
• Gerativismo, Sociolinguística e Funcionalismo;
• compreendeu a importância da Linguística na formação do futuro professor de Língua Portuguesa.

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