Você está na página 1de 39

O SURGIMENTO

DA LINGUAGEM
NA CRIANÇA
Prof. Felipe Sampaio
CERTAS PROPRIEDADES DA
AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM
Há um conjunto de fatos relacionados à aquisição da linguagem
pelas crianças que merecem destaque:
Todas as crianças adquirem (pelo menos) uma língua;
As crianças adquirem uma língua quando são ainda muito
novinhas. Dito de outro modo, o processo de aquisição de
linguagem, além de ser universal, é também rápido.
As crianças, quando no processo de aquisição de uma língua
natural, o fazem aparentemente sem esforço algum, sem
nenhum treinamento especial e sem um input linguístico
sequenciado, ou seja, sem nenhuma preocupação com a
ordem em que as sentenças são faladas às crianças.
CERTAS PROPRIEDADES DA
AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

A aquisição da linguagem é praticamente involuntária.


O fato de que todas as crianças em situação de normalidade
adquirem uma língua sem esforço e sem instrução é
conhecido como universalidade da linguagem.
Apesar as línguas naturais serem muito diversas, o curso de
aquisição de linguagem é o mesmo em qualquer língua.
Outro ponto que deve ser observado é quanto aos dados
linguísticos primários - a experiência linguística da criança,
com a qual ela adquire a linguagem (ex: muita exposição aos
adultos ou não).
CERTAS PROPRIEDADES DA
AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

A uniformidade é outra característica da aquisição da


linguagem. Crianças de uma mesma comunidade, em
sociedades de classes, têm experiências linguísticas
distintas e por isso cada criança ouve sentenças que são
diferentes das que outras crianças ouvem (ex: filhos de
professores universitários e filhos de pessoas que nunca
tiveram acesso à educação). Mesmo com a diversidade de
input, todas elas acabam adquirindo grosso modo a mesma
língua.
CERTAS PROPRIEDADES DA
AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

Crianças que aprendem mais de uma língua o fazem sem


maiores problemas.
A aquisição da linguagem é função do input (perspectiva
mais gerativista), ou seja, a língua dos pais não determina
que língua a criança falará; o que determina a língua da
criança é aquela que é falada ao seu redor.
Além de universal e uniforme, o processo de aquisição é
muito rápido. Por volta dos 5 anos, as crianças já dominam
quase todos os tipos de estruturas usadas na sua língua.
Estágios/Fases de desenvolvimento
da linguagem
É preciso ressaltar que as crianças progridem através dos
mesmos estágios de aquisição, embora a rapidez com que
uma criança muda de um estágio para outro seja variável.

Cada criança progride no seu próprio ritmo.

A depender da teoria de aquisição que se adote, a ideia de


estágios de desenvolvimento pode ser compreendida de
maneira diferente:
Estágios/Fases de desenvolvimento
da linguagem

1. Para perspectivas gerativistas, a linguagem se dá de


maneira independente de outras aquisições (modularidade);
2. Para perspectivas interacionistas, o conceito de estágio é
dinâmico e não estático. A sucessão de estágios não se dá
linearmente, mas como no formato de espiral.
3. Além disso, ainda para perspectivas não modularistas, a
linguagem é considerada em bloco no conjunto das
aquisições da criança: atenção, sentimentos, motricidade,
percepções. É impossível compreender a linguagem isolada
do resto.
Desde que nasce, a criança já é inserida num mundo simbólico, em
que a fala do outro a interpreta e lhe imprime significado. Por outro
lado, segundo alguns trabalhos, com alguns dias de vida, a criança tem
uma reação positiva aos sons da fala, que lhe são confortadores e
gratificantes. A partir de algumas semanas de vida, a criança já
consegue discriminar a fala de outros sons, rítmi cos ou não. Com 3,4
meses de idade, os bebês começam a balbuciar seqüências de sons
que se aproximam da fala humana. A freqüência do balbucio aumenta
e este começa a ser cada vez mais padronizado até cerca de 10
meses. O ritmo, a entonação, a intensidade, a duração da fala, que no
início são assistemáticos, começam a ser recorrentes e estruturados.
As sílabas começam a se estruturar (discriminação entre C e V) e se
repetem (reduplicação).
OS PRIMEIROS MESES DE VIDA

Nos primeiros meses, a criança chora e começa a


balbuciar, emitindo sons que não têm nenhum
significado.
Desde os primeiros dias de vida, os bebês já mostram
uma sensibilidade impressionante às propriedades e
estruturas da fonologia das línguas naturais.
Inicialmente o bebê produz gritos que são
interpretados como sinais de desconforto ou de
chamado; diminuem à medida que a criança começa a
utilizar sua voz de maneira diferente.
em torno dos 6 meses

Ao princípio, pequenas produções vocais são emitidas


um pouco por acaso, como se os órgãos da fonação
simplesmente entrassem em funcionamento.
Por volta dos 6 meses, as crianças balbuciam um maior
número de sons. Elas produzem várias sílabas
diferentes, que são repetidas à exaustão como "ba, ba,
ba", "bi, bi, bi".
Nessa etapa, os bebês gostam de repetir sons que
acabaram de produzir, por prazer e para exercitar.
Crianças adquirindo línguas diferentes apresentam o
mesmo balbucio.
em torno dos 6 meses

Aparentemente, os sons que a criança balbucia no


começo são universais: os sons do balbucio inicial não
são específicos de sua língua materna.

O fato mais marcante é que até mesmo crianças surdas


balbuciam neste estágio, embora elas não ouçam
nenhum input linguístico. Isso indica que o balbucio não
é uma resposta à estimulação externa, mas um
comportamento guiado internamente.
em torno dos 10 meses

Aos 10 meses, o balbucio das crianças muda e elas


começam a balbuciar somente os sons que ouvem.
Nessas produções, elas usam o acento e contornos
entoacionais de sua língua.

Conforme o balbucio se padroniza, antes do


aparecimento das primeiras palavras, a sequência e o
acervo de sons passam a se assemelhar mais às
características fonéticas da língua materna.
em torno dos 10 meses

Por volta dessa idade, os bebês começam a mapear som


a significado, baseando-se, por exemplo, na forma
prosódica das palavras, informação fonética e
restrições fonotáticas.

Também nessa etapa, a criança continua a brincadeira


com formas repetidas, juntando dois fonemas - a
reduplicação silábica.
"Desde muito cedo também vemos esboços de trocas
precoces dos parâmetros temporais: o adulto fala com o bebê,
fazendo pausas. Isso parece introduzir um convite, como se o
adulto esperasse que o bebê tomasse a palavra [...]. Mesmo
se o bebê não produz nenhum som, esse diálogo deixa
lacunas, que aparecem como pré-formas de diálogos
posteriores." (AIMARD, 1998, p. 61)
AO REDOR DE 1 ANO

Segundo uma perspectiva gerativista, os bebês


começam como falantes potenciais de qualquer língua
humana e sua capacidade para linguagem pode se
adaptar a qualquer input linguístico.
Depois de um ano, suas capacidades ficam mais
refinadas.
Nesta idade, além de balbuciar, as crianças também
começam a produzir suas primeiras palavras -
geralmente usam palavras que nomeiam objetos
comuns em seu ambiente.
AO REDOR DE 1 ANO

"No fim do período do balbucio, começam a aparecer na


fala da criança as primeiras palavras reconhecíveis
como tais pelo adulto. Para algumas crianças, o balbucio
cessa quando as primeiras palavras aparecem, mas
outras crianças continuam a produzir sequências
balbuciadas junto com as palavras."
(SCARPA, 2007, p. 226)
AO REDOR DE 1 ANO

Nesta etapa, os enunciados das crianças são compostos


por apenas uma palavra, chamados de "holófrases".
Exemplo: a criança pode dizer /eit/ e ser "traduzida"
pela mãe que então diz: "Isso, você está tomando leite."
A criança também pode usar gestos para se comunicar,
numa combinação de gestos e palavras.
A compreensão das crianças já está mais adiantada do
que a própria fala.
AO REDOR DE 1 ANO

Balanço final do primeiro ano:

balbucio bastante rico;


brinca bastante com a voz, os ruídos e fonemas que adquiriu;
imita algumas entoações do adulto e ruídos;
utiliza gestos significativos;
reconhecem o papel da prosódia, desde muito cedo, nas
comunicações com o adulto;
aparecimento das primeiras palavras.
AO REDOR DE 1 ANO e 6 meses

Por volta de 1 ano e meio, as crianças começam a


combinar duas palavras isoladas, por exemplo, "auau...
água".
O padrão de entoação usado pela criança ainda é o de
palavra isolada, com uma pausa entre elas.
Nesta idade, o vocabulário aumenta rapidamente.
Após um breve período, a criança entra no próximo
estágio, em que ela combina duas palavras num único
contorno entoacional - considerando tais enunciados
como "sentenças".
AO REDOR DE 1 ANO e 6 meses

Nessas aquisições, o adulto desempenha diversos papeis.


Em primeiro lugar, é o provedor de modelos.

A criança repete o fim da nossa frase, ou as últimas


palavras, como se fosse um eco (ecolalia).

Ao repetir, a criança memoriza a forma das palavras e


adquire o hábito de utilizá-las.
entre 2 e 3 anos

Aos 2 anos de idade, a criança tem um vocabulário de


aproximadamente 400 palavras e já produz sentenças
simples com mais de 2 palavras.

Neste estágio, algumas palavras gramaticais como


artigos e conjunções ainda não são usados, mas entre 2
anos e meio e 3 anos, a criança terá um vocabulário de
aproximadamente 900 palavras e começaram a usar
palavras gramaticais como artigos e conjunções.
entre 2 e 3 anos

As crianças ainda não são capazes de produzir discursos


longos. Simplificam, encurtam ou "engolem" o final de
algumas palavras.

A criança simplifica porque tem dificuldade de encadear a


pronúncia de diversas sílabas.

A aquisição do léxico é muito diversa e rápida:


onomatopeias, sons de animais, nomes de
pessoas/animais, nomes de alimentos, bebidas e roupas,
alguns verbos, palavras da vida social e alguns adjetivos.
entre 2 e 3 anos

É no período que compreende os 2 e os 3 anos que a


criança apresenta "erros" como as formas de passado "eu
fazi" e "eu trazi".

Para a perspectiva gerativista, tais "erros" indicam que a


criança já conhece a regra de formação do passado em
português. Ela não aprendeu ainda é que alguns verbos
são irregulares e são feitos de forma diferente.
entre 2 e 3 anos

A criança não produz aleatoriamente formas que diferem


daquela usadas pelos adultos: quando a criança produz
uma forma diferente, ela está se baseando em
regularidades de fato encontradas na língua.

Outras características dessa fase: uso da primeira pessoa


do singular; perguntas; ordem das palavras nos
enunciados.
entre 2 e 3 anos

O que também se observa, na transição de enunciados de


uma ou mais palavras, é a não-segmentabilidade de
sequências de sons em palavras. Muitas vezes, frases
inteiras são incorporadas da linguagem adulta, sem que
haja nelas evidência de que a criança analisa o sinal em
unidades discretas.

Exemplo: tatente (está quente!)


entre 2 e 3 anos

Coincidentemente, as primeiras sentenças espontâneas


da criança são justaposições de enunciados mono
vocabulares (de “uma palavra”) que ela produz à maneira
de fala telegráfica.

Exemplo: babadoi (gravador)


chão
põe babadoi chão (põe o gravador no chão).
entre 2 e 3 anos
entre 2 e 3 anos

"Vai lá" (observando o pica-pau de brinquedo descendo a


haste, bicando-a).
"Vailô" (observando a chegada do pica-pau na base da haste).

A colocação do morfema fora de seu lugar usual indica


que um processo de análise está se efetuando e que a
criança reorganiza seu sistema para passar para outros
níveis de análise e aquisição.
MAIS DE 3 ANOS

A partir dos 3 anos, em geral, a criança já consegue


contar muitas coisas, misturando pedaços da realidade,
lembranças. Toma a iniciativa de contar; o adulto não é
mais obrigado a interpretar e a traduzir ou sugerir
palavras como na época das palavras isoladas ou dos
enunciados de duas palavras.
MAIS DE 3 ANOS

Entre 3 anos e 3 anos e meio, o vocabulário da criança


gira em torno de 1200 palavras. Preposições e outras
palavras gramaticais continuam a ser adquiridas.

Entre 3 anos e meio e 4 anos, as crianças já começam a


usar sentenças com mais de uma oração, como orações
relativas e orações coordenadas.

Entre 4 e 5 anos, as crianças tem um vocabulário de quase


2 mil palavras e já usam orações subordinadas com
termos temporais, com itens como "antes" e "depois".
MAIS DE 3 ANOS

Importante observar que, por volta dos 5 anos de idade,


as crianças já adquiriram a grande maioria das
construções encontradas em sua língua materna.

Apesar do seu input ser constituído por um número finito


de sentenças, a criança é capaz de produzir um número
infinito delas, pois não adquire uma lista de sentenças,
mas um conjunto de regras que lhe permitirá gerar
sentenças novas, que ela nunca ouviu antes.

Você também pode gostar