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Capítulo 3

Exercícios Utilizados na Terapia de Motricidade Orofacial


(quando e por que utilizá-los)

Adriana Rahal

Introdução

Inicio este capítulo introduzindo e diferenciando duas linhas de ra-


ciocínio dentro da Área de Motricidade Orofacial, as quais têm como objetivo
o restabelecimento das funções orofaciais.
A primeira destas, que é utilizada desde os primórdios da Motrici-
dade Orofacial, é a mioterapia, a qual visa modificar o comportamento mus-
cular por meio da execução de exercícios. A segunda linha, terapia miofun-
cional, começou a ser utilizada para atuar na modificação muscular por meio
do restabelecimento das funções orofaciais. Ambas têm um objetivo comum:
adequar tais funções, como respiração, sucção, mastigação, deglutição e fala.
É, no entanto, importante esclarecer que são linhas terapêuticas completa-
mente diferentes; é necessário que, ao eleger uma destas, o terapeuta tenha
total conhecimento do porquê dessa escolha.
Antes de o terapeuta escolher os exercícios que trabalhará, é funda-
mental que se realize a avaliação fonoaudiológica que compreende anamne-
se e exame clínico. Atualmente, faz-se uso de protocolos específicos de ava-
liação na área de Motricidade Orofacial, como o protocolo MBGR (Genaro et
al., 2009) que auxiliam muito o diagnóstico clínico e também o planejamento
terapêutico. Além disso, recentemente na Fonoaudiologia, têm se realizado
exames complementares, como a eletromiografia de superfície (EMG), que é
um exame considerado objetivo, uma vez que quantifica a atividade elétrica
de um músculo durante a contração muscular (Rahal e Goffi-Gomez, 2009).
O exame clínico, em conjunto com os dados eletromiográficos, auxilia o fono-
audiólogo em seu diagnóstico.
O sistema estomatognático é formado por estruturas ósseas, den-
tárias, vasculares, articulares e músculos orofaciais, dentre os quais estão os
mastigatórios, supra-hioideos, infra-hioideos, língua, palato mole, faringe e to-
dos da expressão facial. Como todo sistema, tem características que lhe são
próprias, mas depende de um bom funcionamento de outros sistemas, como o
nervoso e o circulatório, pois é parte integrante do organismo. Para o fonoaudi-
ólogo que trabalha na área de Motricidade Orofacial, é de extrema importância
o conhecimento de todo o sistema estomatognático para que possa identificar
quando há uma inadequação e assim trabalhar adequadamente.
Considero importante que conversemos sobre isso, pois percebo
que muitos terapeutas utilizam os exercícios como um meio de preencher
o vazio da terapia, sem uma meta determinada. O exercício não deve ser o
objetivo da terapia, mas sim uma maneira para que possibilite ao paciente
melhorar sua percepção e adequar seu tônus. Quando se começa a realizar
exercícios diversos sem se saber a razão e trabalhar com todos os músculos
simultaneamente, com certeza se está no caminho errado.

Aplicabilidade dos Exercícios na Clínica

Antes de se pensar na realização de exercícios, fazem-se necessá-


rias algumas considerações:
• O terapeuta deve ter conhecimento anatômico e fisiológico de todos
os músculos orofaciais.
• A realização de exercícios e/ou massagens deve seguir sempre a direção
de contração das fibras musculares quando se pretende aumentar o tô-
nus e, na direção oposta, quando a intenção é alongar a musculatura.
• A terapia miofuncional não deve ser preenchida com exercícios, uma
vez que, para o músculo sofrer transformações, será necessário reali-
zar exercícios diários, duas ou três vezes ao dia, durante um período de
três meses (é um tempo suficiente para que o músculo sofra mudança
em seu estado, comprovado por meio da eletromiografia de superfície)
• Não é necessário solicitar ao paciente que faça vários tipos de exercícios
para um único músculo. A mudança constante de exercícios leva a uma
resposta mais lenta das fibras musculares e de suas unidades motoras.
Dessa maneira, é prudente manter os mesmos exercícios por um perío-
do que compreende dois a três meses.
• A escolha de exercícios deve estar relacionada aos músculos orofaciais
que serão importantes para adequar determinada função orofacial.
• É necessário que o paciente compreenda por que realizar determinado
exercício, pois isso pode garantir que ele o fará no seu dia a dia.
• É fundamental que os exercícios comecem a fazer parte das ativida-
des de vida diária do paciente. Como sugestão, pode-se associá-los aos
momentos de escovação dentária.
• Sempre que há uma assimetria entre os lados da face, um lado com tô-
nus melhor, devem ser feitos exercícios seguindo a proporção dois para
um, isto é, duas vezes para o lado pior e uma vez para o lado melhor.
• É importante orientar o paciente a deglutir no final da série de exercí-
cios para que relaxe sua musculatura.

Neste momento, é fundamental diferenciar os tipos de exercícios


que podem ser utilizados. Existem exercícios isotônicos, que têm como ob-
jetivo melhorar a mobilidade do músculo e são indicados para aumentar a
oxigenação e o aumento da amplitude dos movimentos. Normalmente são
realizados com maior velocidade; exercícios isométricos, que têm como ob-
jetivo aumentar a força dos músculos e são efetuados de modo mais lento
e, muitas vezes, mantendo a contração; exercícios isocinéticos, que são co-
nhecidos como exercícios de contra resistência, isto é, resistência contrária ao
movimento, fazendo com que ocorra um trabalho mais intenso na ativação
das unidades motoras e, consequentemente, há um aumento da força e tam-
bém da mobilidade. É importante ressaltar que todos os músculos orofaciais
têm possibilidade de serem trabalhados das três maneiras. É fundamental es-
colher o tipo de exercício de acordo com as necessidades do paciente. Cabe
ressaltar que quando há necessidade de fazer os três tipos de exercícios, é
interessante iniciar pelo isotônico, seguido pelo isométrico e, por fim, o isoci-
nético. Esta ordem está relacionada ao grau de dificuldade, afinal, não é indi-
cado solicitar a um paciente realizar um exercício isocinético se seu músculo
está flácido. Será preciso que antes ele trabalhe com exercícios isométricos
para melhorar seu tônus.
As massagens podem ser indicadas com objetivos distintos. Para
aumentar o tônus muscular, devem ser feitas, externamente, no sentido da
contração das fibras musculares. Visando ainda o fortalecimento muscular,
podem-se fazer as massagens indutoras, isto é, realizadas com o músculo
em contração. Por exemplo, para fortalecimento do músculo bucinador,
mantém-se os lábios abertos retraídos e realizam-se massagens com os de-
dos externamente, iniciando nas comissuras labiais e seguindo em direção as
orelhas. Para alongar o músculo, podem ser feitas dois tipos de massagens
sempre no sentido contrário a contração do músculo. O primeiro externa-
mente e o segundo de modo bi-digital, ou seja, um dos dedos é colocado
na fibra muscular que se pretende alongar internamente e o outro segue na
mesma direção só que externamente.
Para se obter resultados positivos, a terapia miofuncional deve
seguir alguns passos. O primeiro a ser trabalhado é a conscientização, isto
é, o terapeuta deve explicar ao paciente qual seu problema, quais funções
orofaciais estão alteradas, qual será seu prognóstico e quanto tempo deverá
permanecer em terapia. Além disso, o paciente precisa entender o proces-
so fisiológico normal de uma determinada função orofacial. Por exemplo, é
fundamental que um paciente respirador oral entenda o que significa ser um
respirador nasal, quais as diferenças entre ser respirador oral e nasal e o que
isso pode acarretar em seu desenvolvimento ósseo e/ou muscular. Além do
mais, é crucial que o terapeuta esclareça os limites do tratamento. Digo isso
porque muitas vezes o fonoaudiólogo não tem condições de curar o paciente
por uma série de variáveis, mas pode minimizar suas alterações, auxiliando-
-o muito. Em seguida, deve-se trabalhar com a percepção, que a meu ver,
é o passo mais difícil e mais importante para o sucesso terapêutico. Difícil
porque o paciente precisa perceber e sentir o que faz errado para que possa
começar a se corrigir. Este é um processo que ocorre inicialmente nas ses-
sões terapêuticas para que possa gradativamente ser transferido para seu
dia a dia. Costuma ser demorado e muitas vezes o fonoaudiólogo abandona
esta etapa. Simultaneamente ao trabalho com percepção, devem-se realizar
exercícios que auxiliam o trabalho com a percepção. Desta forma, o pacien-
te vai aos poucos percebendo as diferenças na musculatura que está sendo
trabalhada. E por fim, o trabalho com a automatização. Neste momento, o
paciente já tem condições para realizar determinada função adequadamente
e deve ser capaz de espontaneamente se auto corrigir.
Poderia ter escrito um capítulo com uma lista enorme de exercícios,
mas antes de dar qualquer um deles, julguei melhor esclarecer esses aspec-
tos, que considero muito mais importantes do que passar exercícios que na
maioria das vezes não faz sentido algum para o paciente. Que fique claro:
não sou contra os exercícios, desde que eles façam sentido para o tratamento
miofuncional. É ainda mais importante discutir que cada paciente é único,
com uma alteração específica e que jamais se pode generalizar os exercícios.
Tudo está relacionado às condições estruturais e funcionais de cada paciente.

A seguir vou exemplificar para, alguns grupos musculares, dois ti-


pos de exercícios:

Músculos levantadores da mandíbula (temporal, masseter e pteri-


goideo medial):
• Objetivo de fortalecer: lábios para dentro com massagem in-
dutora no sentido da contração muscular (oito repetições).
• Objetivo de alongar: dentes entreabertos realizar massagens
externas no sentido contrário a contração muscular (10 vezes).

Músculo bucinador:
• Objetivo de fortalecer: com os dentes fechados, o paciente deve
colocar o dedo indicador na região interna da bochecha e forçá-
la para fora. Em seguida deverá forçar o fechamento da boche-
cha fazendo um bico com os lábios. (cinco vezes de cada lado).
• Objetivo de alongar: massagens bi-digitais no sentido con-
trário à contração, isto é da orelha em direção a comissura
labial ( cinco vezes de cada lado).

Músculo orbicular da boca:


• Objetivo de fortalecer: lábios para dentro, manter três segun-
dos e estalar (repetir oito vezes).
• Objetivo de alongar: com massagens bi-digitais alongar o
filtro e orbicular da boca, iniciando na região do nariz para
baixo (8-10 vezes).
Músculos supra-hioideos:
• Objetivo de fortalecer: varredura com a ponta da língua
primeiro com a boca aberta e em seguida com a boca fecha-
da (10 repetições).
• Objetivo de fortalecer: forçar ponta da língua na região
da papila palatina durante três segundos e relaxar (8-10
repetições). O tempo de contração pode ir aumentando gra-
dativamente, podendo chegar até dez segundos.

Musculatura extrínseca da língua:


• Objetivo de fortalecer: língua sugada em palato, manter três
segundos e estalar (8-10 repetições). O tempo de contração
pode ir aumentando gradativamente, podendo chegar até 10
segundos.
• Objetivo de fortalecer: forçar com a ponta do dedo indica-
dor o terço anterior da língua dentro da boca manter três
segundos e relaxar (5-8 repetições). O tempo de contração
pode ir aumentando gradativamente, podendo chegar até
oito segundos.

Musculatura intrínseca da língua:


• Objetivo de fortalecer: língua afilada manter três segundos
e relaxar (5-8 repetições). O tempo de contração pode ir au-
mentando gradativamente, podendo chegar até oito segun-
dos.
• Objetivo de fortalecer: levar a língua afilada para as comis-
suras labiais lentamente sem encostar em dentes incisivos e
lábio inferior (cinco vezes para cada lado).

Considerações finais

É importante que o fonoaudiólogo antes de pensar em exercício te-


nha em mãos o planejamento terapêutico que só poderá ser realizado depois
de seu diagnóstico clínico. E, jamais se esquecer de que cada paciente é único
com suas particularidades e limitações. Portanto, não é admissível realizar o
mesmo tipo de exercício com todos os pacientes. Vale sempre lembrar isso.
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