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ATUALIZAÇÃO EM

TRANSTORNOS DOS SONS DA FALA

Fga. Dra. Caroline Rodrigues Portalete


CRFa 7 - 9938
MÓDULO 2

TSF de origem fonológica

- Fonologia Gestual
- Transtorno Fonológico x Erros Persistentes / Residuais de Fala
- Avaliação dos TSF fonológicos
- Processo terapêutico dos TSF fonológicos
FALA
• Representação motora da linguagem;
• Depende do desenvolvimento cognitivo;
• Relaciona-se com a organização de conceitos, formulação e
expressão simbólica.
Subsistemas da produção da fala
Respiração

 Desenvolvimento fonológico
Prosódia Fonação  Produção motora da fala
 Sistema neurológico
Fala  Controle motor rápido

Articulação Ressonância
Aspectos cognitivo-linguísticos e motores
Processamento cognitivo:
- Ideação
- Intenção comunicativa

Processamento linguístico:
- Recuperação de palavras
- Estruturação sintático-gramatical
- Mapeamento fonológico

Planejamento e programação
sensoriomotores

Alvos acústicos e Especificação de parâmetros de movimentos:


configurações espaciais - Seleção de grupos musculares
(“seleção fonêmica”) - Contração de músculos no momento certo
- Movimentação de estruturas com amplitude,
força, velocidade e direção corretas

Execução do movimento
Teorias fonológicas
• Estruturalismo: fonema como um som com função de unidade distintiva.
• Fonologia Gerativa: matriz de traços distintivos - propriedades mínimas de
caráter acústico e articulatório e binárias que compõem simultaneamente os
sons da fala.
São atributos fonéticos que distinguem os fonemas uns dos outros (sonoridade,
ponto de articulação, modo de articulação,...)
/’fɔ.to/ x /’vɔ.to/ /f/ x /v/ [-vozeado] x [+vozeado]
/’ma.la/ x /’fa.la/ /m/ x /p/ [+soante] x [-soante]
[-contínuo] x [+contínuo]
[+nasal] x [-nasal]
[+vozeado] x [-vozeado]
É suficiente para descrever os sons da fala?
VOGAIS
CONSOANTES
Fonologia Gestual - FonGest Não há dissociação entre
fonologia e fonética

Fonologia

Fonética ≠ Fonologia
Fonética

Browman e Goldstein (1992), Albano, 2001


Fonologia Gestual - FonGest
Modelo teórico dinâmico baseado no ato motor que explica a aquisição fonológica
típica e desviante.

O foco não está na representação linguística GESTOS ARTICULATÓRIOS


tempo/velocidade e magnitude de movimentos e configurações dos
órgãos fonoarticulatórios durante a produção dos sons da fala

Os padrões de movimentos para a produção dos sons são compostos por


combinações (sequenciais ou sobrepostas) de diversos gestos COARTICULAÇÃO
Para um movimento se tornar um gesto ele deve ser muito praticado.
Gestos articulatórios
Unidades básicas de contraste entre itens lexicais e unidades de ação articulatória.

Natureza abstrata - Gestos individuais; - O gesto é um sistema


- Utilizados para neuromotor dinâmico;
distinguir ou contrastar - Guia a coordenação de
significados na língua. diversos articuladores e

Natureza física
músculos na formação
das constrições do trato
vocal.

Representados por pautas gestuais


FonGest – Variáveis do trato e articuladores

BROWMAN e GOLDSTEIN, 1992


FonGest - Pauta gestual
COARTICULAÇÃO

BROWMAN e GOLDSTEIN, 1992


FonGest - “Erros” de fala
FonGest + avanço tecnológico no desenvolvimento de instrumentos de avaliação
de fala (USG, ressonância magnética, EPG,...) comprovou que os “erros” de fala não
se restringem a substituições categóricas de unidades segmentares.

GOLDSTEIN e FOWLER, 2003;POUPLIER e GOLDSTEIN, 2005


“Erros” de fala
Os “erros” cometidos pelas crianças durante o processo de aquisição de linguagem
são tradicionalmente classificados por omissão, inserção, substituição ou
assimilação, mas avaliações ultrassonográficas permitiram visualizar que:

Em processos como simplificação ou semivocalização das líquidas, as crianças


buscam atingir contrastes fônicos entre os elementos envolvidos, por meio de um
ajustamento do seu controle neuromotor (ajuste do timing entre os gestos
articulatórios ou do grau de constrição dos gestos envolvidos).

BERTI, 2013
“Erros” de fala
Desenvolvimento fonológico: padrões de coordenação entre os gestos
consonantais e vocálicos são apreendidos, diminuindo o grau de sobreposição.

Por exemplo:
Os processos de simplificação de EC ocorrem tanto na aquisição fonológica típica
como atípica. Como o padrão CCV exige maior grau de complexidade articulatória e
fonológica, algumas crianças não conseguem adquirir o padrão CCV na idade
esperada, reduzindo o alvo CCV para a sílaba-alvo CV.

Sobreposição dos gestos adjacentes e/ou redução da magnitude dos


gestos relativos à produção de C2.
OLIVEIRA, 2018
Transtorno Fonológico (TF)
 A criança não consegue superar as dificuldades e acrescentar fonemas ao seu
inventário fonológico.
- atraso na produção de fonemas, especialmente consoantes e encontros
consonantais, em idade de aquisição fonológica ou posterior a ela;
- possível presença de processos fonológicos atípicos;
- ininteligibilidade de fala (moderado a grave);
- prejuízo na comunicação e interação social devido à ininteligibilidade de fala
ou estigmatização.
Causas
Genética: histórico familiar. Crianças que têm membros da família (pais ou irmãos)
com dificuldades de fala e/ou linguagem têm maior probabilidade de desenvolver
transtornos de fala.
- Comum em crianças com transtornos do neurodesenvolvimento, como TEA
e TDAH.
Causas
Fatores ambientais:
- Problemas pré e perinatais – estresse materno ou infecções durante a
gravidez, complicações durante o parto, parto prematuro e baixo peso ao
nascer, etc.
- Otite média persistente com efusão.
- Fatores socioeconômicos podem influenciar a aquisição das habilidades
fonológicas e comprometer o desenvolvimento fonológico.
Ocorrência
- Incidência dos 4:0 aos 8:11
- Prevalência difícil de mensurar, variando entre 8% a 20%
- Tende a ser maior em crianças de escola pública para idades
- Maior no sexo masculino do que no sexo feminino

E SE A CRIANÇA COMPLETA 9 ANOS E


AINDA APRESENTA ERROS NA FALA?
Erros Persistentes / Residuais de Fala
Alguns erros representam “resíduos” de atrasos na fala, isto é, que não foram
totalmente resolvidos na terapia – ERROS RESIDUAIS DE FALA.

Erros superficiais, predominantemente de distorção, que não foram tratados –


ERROS PERSISTENTES DE FALA.

FLIPSEN, 2015
Avaliação
Anamnese
• Nomeação e imitação de palavras isoladas;
• Fala encadeada;
Fala • Inteligibilidade de fala;
• Estimulabilidade;
• SPAA-C;

• Consciência fonológica;
Linguagem • Linguagem expressiva e compreensiva
• Discriminação fonológica;

• Exame orofacial;
MO e Praxias • Praxias articulatórias e bucofacias;

• Audiometria comportamental
(tonal e vocal);
Avaliação auditiva • Imitanciometria + reflexos
acústicos;
• PAC.
Análise dos dados de fala
- Produção correta: produz o fonema em várias posições da palavra (onset
inicial, medial, coda…) e em diferentes contextos; faz combinações de sons
(combinações de vogais, encontros consonantais…); produz estruturas silábicas
mais complexas (VC, CCV);

- Erros: trocas consistentes e sistemáticas; tipos de erro e distribuição (posição)


de erros na palavra;
- Padrões de erro (padrões fonológicos) — mudanças ou simplificações
sonoras sistemáticas que afetam uma classe de sons, combinações de sons
ou estruturas silábicas (sílabas complexas ou palavras multissilábicas).
- Grau de severidade: PCC-R.
ASHA
Provas de fonologia - ABFW*
Têm o objetivo de verificar o sistema fonológico de crianças falantes do PB.
Detectam as dificuldades de fala (nível fonético-fonológico) e permitem
caracterizar a gravidade e a inteligibilidade de fala.

PCC-R:
• Leve > 85%
• Leve a moderado: 65 – 85%
• Moderado a grave : 50 – 65%
• Grave ≤ 50%

Andrade C, Befi-Lopes D, Fernandes F, Wertzner H. ABFW: Teste de linguagem infantil nas áreas
de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática. São Paulo: Pró-Fono. 2000
Amostra de fala encadeada
Contar ou recontar histórias, descrever imagens, conversa normal sobre um tópico
de interesse;
- Variedade de parceiros de comunicação (fono, pais, professores, colegas,...).
Inteligibilidade de fala*
Análise da fala espontânea por meio de narrativa de três sequências lógicas.

RESULTADOS:
1 - Insuficiente (incompreensível): quando a maior parte das palavras não é
compreensível e hádificuldade em compreender o tópico principal da mensagem;
2 - Regular (pouco compreensível): quando é possível compreender pelo menos
metade das palavras e compreender o tópico principal da mensagem.
3 - Boa (compreensível): quando foi possível compreender praticamente todas as
palavras e entender o conteúdo da mensagem

Rosado, 2017
Teste de estimulabilidade*
Avalia a estimulabilidade para a produção de sons ausentes do inventário fonético,
através da imitação de palavras.
A criança é estimulável quando produz mais que 10% dos estímulos.

Castro e Wertzner, 2011


SPAA-C
SPAA-C
PCFO*
Avalia a habilidade de manipular os sons da fala, expressando oralmente o
resultado dessa manipulação.
Dez componentes da consciência fonológica: Síntese Silábica; Síntese Fonêmica;
Rima; Aliteração; Segmentação Silábica; Segmentação Fonêmica; Manipulação
Silábica; Manipulação Fonêmica; Transposição Silábica e Transposição Fonêmica
10 subtestes, cada um contendo 4 itens e 2 exemplos iniciais.
Para cada resposta correta, a criança recebe 1 ponto (máximo de 40 pontos).

SEABRA, Alessandra Gotuzo; CAPOVILLA, Fernando César. Prova de consciência


fonológica por produção oral. Avaliação neuropsicológica cognitiva: Linguagem
oral, v. 2, p. 117-122, 2012.
PCFO*
Teste de Vocabulário Auditivo - TVAUD-33*
Avalia o desenvolvimento do vocabulário receptivo da criança, composto por 33
figuras apresentadas por meio de pranchas em que uma figura-alvo está disposta
junto com quatro distratores.
A criança deve apontar a figura correspondente ao enunciado do avaliador.
O parâmetro de normalidade o valor médio de 31 a 33 pontos.

CAPOVILLA, F. C.; NEGRÃO, V. B.; DAMÁZIO, M. Teste de Vocabulário Auditivo e Teste de


Vocabulário Receptivo: validados e normatizados para o desenvolvimento da compreensão da
fala dos 18 meses aos 6 anos de idade. São Paulo:Memnon, 2011.
Teste de discriminação fonológica
Avalia a habilidade de discriminação dos fonemas entre pares lexicais mínimos.

CAPOVILLA, Alessandra Gotuzzo Seabra e CAPOVILLA, Fernando


César. Teste de discriminação fonológica: caderno de aplicação.
Teoria e pesquisa em avaliação neuropsicológica. Tradução . São
Paulo: Memnon, 2007
AMIOFE-E*
Protocolo objetivo para detecção e graduação de distúrbios miofuncionais
orofaciais, validado para crianças, jovens e adultos, com boa sensibilidade e
especificidade.

- dados da avaliação de aparência e postura;


- dados de avaliação de mobilidade;
- dados relativos às funções;
- dados da avaliação funcional da oclusão.
Teste de Praxias articulatórias e bucofaciais

HAGE, 2000
Teste de Praxias Orofaciais

BEARZOTTI, 2007
Avaliações instrumentais
• USG
• Nasometria
• EGG
• EPG
Terapia
Objetivo:
• Reorganização do sistema fonológico e GENERALIZAÇÃO.
Modelos de terapia
 Modelos clássico com base nos processos fonológicos ou no contraste de sons
 Estratégias fonológicas associadas a pistas táteis, visuais, auditivas e sinestésicas
 Terapia com base gestual (Multigestos®)
 Pistas multissensoriais (principalmente o uso de gestos manuais)
 Programa de intervenção práxico-produtivo (PIPP)
 Estimulação auditiva e de habilidades práxicas
 Biofeedback instrumental
 percepção e produção da fala
MÉTODO MULTIGESTOS®
• Percepção da fala: estímulos visuais e auditivos.
• Atentar-se aos movimentos articulatórios promove ao ouvinte um
planejamento motor do qual ele poderá utilizar quando reproduzir o
movimento observado.
• Produção da fala: treino de fala.
• Alguns estudos sugerem que os comandos motores estão associados às
experiências de produção de fala.

SKIPER et al., 2005, 2007


Princípios básicos
P1. Uso de pistas multissensoriais (FISH, 2016; RUSIEWICZ; RIVERA, 2017) – gestos
articulatórios previamente estipulados pelo método;
P2. Palavras alvo motivacionais e funcionais (RODRIGUES; BEFI-LOPES, 2013;
PETER, 2018;) – hierarquia baseada na aquisição fonológica;
P3. Uso de gesto tanto pelo terapeuta quanto pelo paciente (RUSIEWICZ; RIVERA,
2017; VAINO, 2019) – o gesto deve ser unificado pelo terapeuta e o paciente, e
deve ser usado em todos os ambientes de terapia;
P4. Treino de planejamento motor dos sons da fala através de vídeos
direcionados (RIZZOLATTI et al., 2008; FERRARI et al., 2003; LUZZINI-SEIGEL et al.,
2015) – com o objetivo de conseguir a produção correta das palavras-alvo;
P5. Lentificar a produção da palavra (THOMAS et al., 2016; FISH, 2016) –
facilitando a melodia, auxiliar na coarticulação das palavras e favorecer,
gradativamente, o ritmo de fala adequado;
Princípios básicos
P6. Ritmo de fala (THOMAS et al., 2016; FISH, 2016) - utilizar o efeito de coarticulação, com o
objetivo de auxiliar na prosódia e facilitar gradativamente a junção das sílabas;
P7. Treino sistemático e intensivo (PRESTON et al., 2016; MORGAN et al., 2018) – as sessões
acontecerão duas vezes na semana, com duração aproximada de 50 minutos e o treino ocorrerá
durante toda a sessão, utilizando as cartelas do método, espelho, entre outros;
P8. Feedback para criança sobre sua produção articulatória (FISH, 2011; FISH, 2016;) – durante
toda a sessão a criança receberá feedback positivo quando sua produção for correta, e
motivacional quando a produção não for adequada;
P9. Motivação na terapia (AHMED et al., 2018) – o treino de fala será realizado durante jogos,
brincadeiras e atividades lúdicas.
P10. Estimular a consciência fonológica (FISH, 2011; LEWIS et al., 2011) –é importante traçar
objetivos de consciência fonológica durante todo o processo de tratamento.
P11. Abordar a alfabetização (TIERNEY et al., 2012; ASHA, 2007) – a alfabetização é uma pista
possível para a programação motora da fala
AZEVEDO;SILVA,2016; SILVA, AZEVEDO, GUBIANI, 2021
Exemplo de estrutura de sessões
Percepção do som alvo

Produção por imitação do som alvo –


NÍVEL DE PALAVRA

Produção por nomeação espontânea


do som alvo – NÍVEL DE PALAVRA

Produção por nomeação espontânea


do som alvo – NÍVEL DE SENTENÇA

Sondagem
GUBIANI, 2021
TERAPIA COM BIOFEEDBACK INSTRUMENTAL
• APLICÁVEL PARA DIVERSOS TSF: ERF, TF, distúrbios articulatórios.
• Foco na reorganização do gesto articulatório (USG ou EPG) ou nas propriedades
acústicas (nasalância) ou fisiológicas (EGG)
USG no tratamento do /r/
10 palavras - SENTENÇA

10 palavras - NARRATIVA

BARBERENA, 2016
USG no tratamento de oclusivas
USG no tratamento de /ʃ/, e /ʒ/

ROSADO, 2019
USG no tratamento dos ERF
USG no tratamento dos ERF
Princípios para tratamento dos ERF
• Basicamente os mesmos para o TF, respeitando a idade da criança e
o seu desenvolvimento cognitivo.
• Abordagem deve envolver terapia articulatória + treinamento
perceptivo auditivo + e princípios de aprendizagem motora.
• Maior eficácia com abordagens instrumentais (biofeedback) e
terapia intensiva.

SHIELDS e HOPF, 2022

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