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Avaliação Fonoaudiológica da Paralisia Cerebral

A avaliação fonoaudiológica no paciente portador de paralisia cerebral é muito importante


porque as condutas terapêuticas deverão ser indicadas e realizadas de acordo com os dados
assim obtidos. Desta forma, o terapeuta deve estar ciente de todas as alterações apresentadas
pelo paciente quanto a: tono, sensibilidade e movimentação muscular, posturas, reflexos,
funções de sucção, mastigação, deglutição e respiração, voz, sistemas fonético-fonológico,
sintático e semântico.

Existem três pontos de fundamental importância que deveriam fazer parte do dia-a-dia do
terapeuta:

• a observação: através desta, o terapeuta identifica os padrões patológicos, primitivos e


mesmo normais que estão presentes na criança e de que maneira estão agindo.

• a análise: através desta, o terapeuta procura entender o porquê da presença destes padrões
e movimentações alterados.

• o raciocínio: este proporciona, objetivamente, a busca de uma solução para a correção das
alterações.

I) DESENVOLVIMENTO MOTOR-ORAL:

Para que se identifique uma alteração motora e se compreenda a sua atuação no paciente, é
importante que o Fonoaudiólogo conheça o desenvolvimento motor geral normal e do
especificamente relacionado com os mecanismos de fala. O desenvolvimento motor segue, em
sua evolução, um padrão ordenado, que caminha do geral para o específico e que se dá com o
desenvolvimento dos mecanismos de fala.

O bebé apresenta, ao nascer e durante alguns meses seguintes, padrões de postura e reflexos
que são vitais para sua sobrevivência. O lábio superior está retraído para possibilitar a
protusão da língua, tornando possível a passagem aérea para a faringe, que não seria possível
se existisse um padrão amadurecido de postura: lábios ocluídos e língua retraída.

Os reflexos de procura, de sucção e de deglutição são vitais para o bebê com relação à sua
alimentação. Já os reflexos de mordida e de vômito terão caráter de proteção, inibindo o
reflexo de deglutição de um pequeno objeto ou pedaço maior de alimento.

Um reflexo não desaparece para dar lugar a outro, o que acontece é que um já está presente
enquanto o outro ainda não desapareceu, mas está mascarado. Ex.: o reflexo de mordida é
mascarado pelo de sucção que no início é muito mais forte, mas a medida que vai sendo
inibido, o de mordida começa a atuar.

Com a inibição ou modificação gradativa dos reflexos, será possível uma dissociação de
movimentos permitindo, então, o aparecimento de uma movimentação voluntária. No início o
bebê abria a boca logo que sentia o toque do mamilo. Com mais ou menos 4 meses já é capaz
de fazê-lo, usando a visão, da mesma forma que consegue parar de sugar mantendo o mamilo
ou bico de mamadeira na boca para descansar e voltar, em seguida a sugar. Esta inibição é
feita naturalmente e a própria criança mostra uma ativa auto-estimulação sensório-motora
colocando objetos, tecidos e as mãos na boca e região peri-oral.

O aparecimento dos dentes traz modificações na região oral. A mandíbula cresce no sentido de
trás para frente e para baixo o que permitirá uma postura mais amadurecida, isto é, a língua
fica contida na cavidade oral e os lábios ocluídos.

A mastigação evolui de maneira ordenada. No início a criança faz somente movimentos no


sentido vertical, enquanto a língua trabalha da frente para trás. A partir do momento em que
começa a manipular sólidos (mais ou menos 7 meses) e mesmo antes dos 18 meses, ela já
apresenta uma função mais amadurecida, realizando movimentos de lateralização da língua.
Com 3 anos espera uma mastigação com um padrão totalmente amadurecido: lateralização da
mandíbula e língua trabalhando com os movimentos ondulatórios, isto é, a ponta repousa na
papila palatina e o dorso vai tocando o palato duro até que o bolo alimentar seja introduzido
na orofaringe. Os lábios e dentes devem permanecer ocluídos e sem a participação dos
primeiros.

Da mesma forma, a criança, durante todo esse período, vem apresentando evolução nas suas
emissões, do ponto de vista articulatório, sintático e semântico e desenvolvendo uma boa
coordenação entre a respiração e a fonação.

II) AVALIAÇÃO GERAL DA CRIANÇA:

Nesta avaliação, deverão ser observados, pelo Fonoaudiólogo, os reflexos e as posturas


primitivas da criança quando colocada em supino, em prono, na lateral e sentada, ficando
atento se ela apresenta abdução ou adução, extensão ou flexão, rotação interna ou externa
dos braços e pernas, hipotonia ou hipertonia, sustentação e controle da cabeça, dissociação
dos movimentos ou reações associadas. Feito isto, deverá ser determinada uma postura
inibitória para quebrar os reflexos patológicos, determinado-se uma postura inversa a que ela
apresenta, sempre estimulando-a e baseando-se nas reações de retificação e equilíbrio.
A retração da cabeça impede que a criança possa rolar e, consequentemente dissociar seus
movimentos. Irá favorecer a permanência de uma postura oral em padrão primitivo,
encontrando-se assim lábios hipotônicos e separados, língua hipotônica e solta no soalho da
boca além de protuída, na maioria das vezes apresenta baba e, geralmente, hipertonia na
região sublingual.

A presença do reflexo tônico cervical assimétrico leva a uma alteração do esquema corporal
porque impossibilita a criança a manter-se numa postura simétrica e sentir-se e ver-se
constituída de dois dimídios corporais, entre outros fatores. A atuação deste reflexo impede a
criança de levar a mão à boca, impossibilitando-a de se auto-estimular sensório-motoramente.
Acarreta também uma assimetria de mandíbula do lado facial, trazendo dificuldades na
mastigação e gerando a possibilidade de uma subluxação da articulação têmporo-mandibular.

O reflexo tônico labiríntico, caracterizado por um padrão total de flexão ou extensão, não
permite o controle da cabeça, tanto na posição prona quanto na supina. Dessa forma, impede
a dissociação dos movimentos dos órgãos fonoarticulatórios e a auto-estimulação desta
mesma região.

Resumindo, observamos, que a alteração do tono e sensibilidade e consequentemente da


propriocepção leva a uma alteração da imagem corporal da criança.

III) AVALIAÇÃO ESPECÍFICA DA CRIANÇA:

De posse de uma visão global da criança, o terapeuta deverá partir para uma avaliação
específica detalhada da criança para que sejam determinados os procedimentos terapêuticos.
Por meio da avaliação específica poderão ser avaliados: as estruturas duras, o tono muscular, a
sensibilidade, a mobilidade e as funções dos órgãos fonoarticulatórios, a articulação e o
sistema sintático semântico.

A) Estruturas duras:

Na avaliação das estruturas duras, o Fonoaudiólogo deverá estar atento ao estado, tamanho e
implantação dos dentes, tipo de oclusão dental e conformação do palato duro (que
geralmente, na criança com PC, encontra-se em ogiva devido a postura de repouso oral, a falta
de sustentação dada pelos lábios e língua e a respiração oral).

B) Tono muscular:
Através da observação da postura em repouso dos órgãos fonoarticulatórios, o Fonoaudiólogo
tem uma indicação do tono presente em cada uma das estruturas moles. Por ex.: lábios curtos,
retraídos e estreitos apresentam geralmente tono aumentando; lábios grandes e volumosos
são na maioria das vezes, hipotônicos; mentalis contraído deixa o queixo cheio de pequenos
“buraquinhos”.

Através da palpação ele terá a confirmação dos dados obtidos pela observação, tirando
conclusões a respeito do tono postural dessas estruturas. Se as estruturas (lábios, língua,
mentalis e bochechas), apresentam-se pouco consistentes e flácidas, constata-se uma
hipotonia.

Caso apresentam-se como massas musculares rígidas, indicam uma hipertonia.

Pode-se encontrar diferenças de tono nas estruturas moles orais de uma mesma criança. Por
ex.: o lábio superior encontra-se com aumento de tono enquanto o lábio inferior está com o
tono diminuído: ou ambos os lábios estão hipotônicos, mas a língua apresenta aumento de
tono.

Outro ponto a ser observado é a simetria do tono, ou seja, se ambos os lados de uma mesma
estrutura, ou se as estruturas de um lado apresentam o mesmo tipo de tono da estrutura
contralateral. Da mesma forma, deverá ser analisado o tono de ação.

C) Sensibilidade:

A sensibilidade será avaliada externamente através de materiais de diferentes texturas e


temperaturas, aplicados com variação de velocidade, direção e força e internamente usando-
se materiais de diferentes consistências, sabores e temperatura. O aumento de sensibilidade é
indicado por uma diminuição de tolerância ou mesmo não aceitação da estimulação feita. Por
outro lado, a inabilidade em discriminar o material usado e em localizar a estimulação, como
também a não observação de qualquer tipo de reação frente a esta estimulação, podem
indicar uma diminuição da sensibilidade.

Serão estimulados: as bochechas, os lábios, mentalis, gengivas, língua e palato duro e


determinados os pontos desencadeadores de cada reflexo patológico (de procura, de sucção,
de mordida e de vômito) presente, analisando-se a ação de cada um deles ou se está ausente.
No caso de ser verificada a ausência, o Fonoaudiólogo deverá analisar se está inibido e
aparecendo como ato voluntário.
Bochechas, lábios e mentalis serão estimulados por pincéis macios e duros, esponjas grossas e
finas, espátulas, algodão, cabo d colher frio e ligeiramente aquecido e mesmo a mão e dedos
do terapeuta e, sempre que possível, solicitando uma discriminação por parte da criança
quanto ao material usado, direção, força, velocidade e temperatura. Em casos de não
obtenção de respostas e quando a criança não apresentar reações, o terapeuta deve procurar
identificar se a criança não se incomodou com a estimulação dada ou se não a sentiu. As
gengivas, na parte interna das bochechas, a língua e o palato duro poderão ser estimulados
com manobras digitais e com alimentos como: leite e chocolate em pó, açúcar fino, farinha de
rosca, açúcar cristal, além de salgados e amargos. Usa-se também, materiais como espátula,
chupeta e mordedor, além de testar a sensação de temperatura. A estimulação interna é feita
no sentido ântero-posterior.

D) Mobilidade dos Órgãos Fonoarticulatórios:

Será avaliada através da solicitação verbal de movimentos com cada estrutura ou pedindo à
criança que imite o movimento feito pelo examinador com ou sem a presença do espelho.

O exame inicia-se partindo-se dos movimentos básicos para cada estrutura, observando-se o
tono de ação e comparando-o com o tono de repouso além da observação da simetria quanto
ao tono e a amplitude do movimento.

É importante também avaliar-se a inserção do freio lingual que pode estar impedindo a
mobilização adequada da língua e o aspecto morfológico e a mobilidade do palato mole com
intuito de se determinar malformações anatômicas interferentes.

Avaliados os movimentos isolados parte-se para a movimentação em seqüência para cada


estrutura e, depois envolvendo-se várias estruturas.

E) Funções dos Órgãos Fonoarticulatórios:

1) Sucção:

O terapeuta deverá investigar como a criança protui, de que forma ela pressiona, faz a
movimentação do esfíncter com os lábios, como atuam língua e bochecha e como ela
coordena respiração e deglutição ao estar sugando através do uso do dedo do terapeuta, do
canudo, do copo, da mamadeira e da chupeta.

2) Mastigação:
Aqui o Fonoaudiólogo deverá observar como a criança morde o alimento, como ela o manipula
na boca e como o mastiga. Se a criança for alimentada somente com pastosos, deve-se
verificar como é a manipulação deste alimento.

3) Deglutição:

Durante esta fase, deverão ser observados durante a deglutição: a atuação da língua, se a
criança deglute mantendo o u não os lábios ocluídos, se a língua tem movimento de projeção
anterior, se há participação da musculatura peri-oral, se ao deglutir os alimentos são triturados
ou inteiros entre outras coisas.

4) Respiração:

Através do sopro, poderá ser avaliado a postura dos órgãos fonoarticulatórios, a qualidade do
sopro, a movimentação e a tonicidade da musculatura torácica e abdominal e a coordenação
entre o sopro e a deglutição da saliva.

5) Alimentação:

Deverão ser avaliados o tipo de alimentação dada à criança, o tipo de bico da mamadeira
usado e o tamanho de seu furo e a manipulação da colher para que o terapeuta tenha uma
idéia prévia das condições dos órgãos fonoarticulatórios e da execução das funções
neurovegetativas.

F) Articulação:

O desempenho da criança ao articular os fonemas está intimamente relacionado com a


funcionalidade dos órgãos fonoarticulatórios durante a realização das suas funções.

G) Sistema Sintático Semântico:

A criança com Paralisia Cerebral deverá ser avaliada da mesma forma que qualquer outra
pessoa que apresente um distúrbio de comunicação, verificando a adequação das funções
básicas, da recepção e da emissão.

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