Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A história da literatura vem, em nossa época, se fazendo cada vez mais mal afamada –
e, aliás, não de forma imerecida. Os patriarcas da história da literatura tinham como
meta suprema apresentar, por intermédio da história das obras literárias, a ideia da
individualidade nacional a caminho de si mesma.
Já a pesquisa levada a sério, por sua vez, encontra registro em monografia de revistas
especializadas (...) que se contentam com uma abordagem histórico-literária. Seus
autores, porém, veem-se expostos a uma dupla crítica. Dá ótica das disciplinas vizinhas
(...) desenhados como um saber puramente antigo. Tampouco a crítica oriunda da teoria
literária revela-se mais complacente em seu juízo. Tal crítica tem a objetar à história
clássica da literatura que ela apenas se pretende uma forma da escrita da história, mas,
na verdade, move-se numa esfera exterior à dimensão histórica e, ao fazê-lo, falha
igualmente na fundamentação do juízo estético que seu objeto demanda.
A qualidade e a categoria de uma obra literária não resultam nem das condições
históricas ou biográficas de seu nascimento, nem tão-somente de seu posicionamento no
contexto sucessório do desenvolvimento de um gênero, mas sim dos critérios da
recepção, do efeito produzido pela obra e de sua fama junto à posteridade, critérios estes
de mais difícil apreensão.
II
As citações não constituem apenas um apelo a uma autoridade (...) elas podem também
retomar uma questão antiga visando demonstrar que uma resposta já tornada clássica
não mais se revela satisfatória, que essa própria resposta se fez novamente histórica,
demandando de nós uma renovação da pergunta e de sua solução.
III
Comum a essas duas escolas é a renúncia ao empirismo cego do positivismo, bem como
à metafísica estética da história do espírito. Por caminhos opostos, ambas tentaram
resolver o problema de como compreender a sucessão histórica das obras literárias
como o nexo da literatura, e ambas mergulharam, por fim, numa aporia cuja solução
teria exigido que se estabelecesse uma nova relação entre a contemplação histórica e a
contemplação estética. A teoria literária marxista entendeu ser sua tarefa demonstrar o
nexo da literatura e seu espelhamento da realidade social. Desnecessário seria determo-
nos aqui nos resultados ingênuos obtidos pela historiografia literária praticada pelo
marxismo vulgar.
IV
Os primeiros passos dos formalistas deram-se sob o signo de uma rigorosa ênfase no
caráter artístico da literatura. A teoria do método formalista alçou novamente a literatura
à condição de um objeto autônomo de investigação, na medida em que desvinculou a
obra literária de todas as condicionantes históricas e, à maneira de nova linguística
estrutural, definiu em termos puramente funcionais a sua realização específica, como a
soma de todos os procedimentos artísticos nela empregados. O caráter artístico da
literatura deve ser verificado única e exclusivamente a partir da oposição entre
linguagem poética e linguagem prática. A diferenciação entre as duas conduziu ao
conceito de percepção artística. Assim, o processo de percepção da arte surge como um
fim em si mesmo, tendo a perceptividade da forma como seu marco distintivo e o
desvelamento do procedimento como o princípio para uma teoria que, renunciando
conscientemente ao conhecimento histórico, transformou a crítica de arte num método
racional e, ao fazê-lo, produziu feitos de qualidade científica duradoura.
VII
Essa tese volta-se contra o ceticismo disseminado quanto a possibilidade de uma análise
do efeito estético chegar a alcançar a esfera de significação de uma obra literária, em
vez de, em suas tentativas, resultar, na melhor das hipóteses, simplesmente uma
sociologia do gosto.
Wellek argumenta não ser possível, por meios empíricos, determinar um estado de
consciência, quer seja o individual, quer seja o coletivo.
Há, entretanto, meios empíricos nos quais até hoje não se pensou – dados literários a
partir das quais, para cada obra, uma disposição específica do público se deixa
averiguar, disposição esta que antecede tanto a reação psíquica quanto a compreensão
subjetiva do leitor. Assim como em toda experiência real, também na experiência
literária que dá a conhecer pela primeira vez uma obra até então desconhecida há um
‘’saber prévio’’. Ademais, a obra que surge não se apresenta como novidade absoluta
num espaço vazio. Ela desperta a lembrança do já lido.
Dom Quixote cria a expectativa dos antigos e tão populares romances de cavalaria, e
entrega uma parodia de cavaleiro. Jacques le fataliste evoca o horizonte de expectativa
do então em voga romance de ‘’viagem’’ para contrapor provocativamente um amor
inteiramente não-romanesca.
VIII
A maneira pela qual uma obra literária, no momento histórico de sua aparição, atende,
supera, decepciona ou contraria as expectativas de seu público inicial oferece-nos
claramente um critério para a determinação de seu valor estético. A distância entre o
horizonte de expectativa e a obra, entre o já conhecido da experiência estética anterior e
a ‘’mudança de horizonte’’ exigida pela acolhida à nova obra, determina, do ponto de
vista da estética da recepção, o caráter artístico da uma obra literária.
A relação entre literatura e público não se resolve no fato de cada obra possuir seu
público específico, histórica e sociologicamente definível; há obras que, no momento de
sua publicação, não podem ser relacionadas a nenhum público específico, mas rompem
tão completamente o horizonte conhecido de expectativas literárias que seu público
somente começa a formar-se aos poucos. O poder do novo cânone estético pode vir a
revelar-se no fato de o público passar a sentir como envelhecidas as obras até então de
sucesso, recusando-lhes suas graças.
Madame Bovary e Fanny são, do ponto de vista temático, ambos os romances que
atendiam à expectativa de um novo público. Os dois tratavam de um tema trivial –
adultério em um ambiente burguês ou provinciano. Contudo, para além dos previsíveis
detalhes das cenas eróticas, ambos os autores souberam dar uma guinada sensacional no
triangulo amoroso entorpecido pela convenção. Lançaram uma nova luz sobre o
desgastante tema do ciúme, invertendo a já esperada relação dos três papeis clássicos.
IX