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OS VAMPIROS EXISTEM!

UMA INCURSÃO À HISTÓRIA DO VAMPIRISMO

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LUIZ HENRIQUE TORRES

OS VAMPIROS EXISTEM!
UMA INCURSÃO À HISTÓRIA DO VAMPIRISMO

PLUSCOM
RIO GRANDE
2018

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

O811 OoOs vampiros existem: uma incursão à história do vampirismo/ Luiz Henrique
Torres.Rio Grande: Pluscom Editora, 2018.

322p.
Bibliografia
ISBN: 978-85-9491-033-2

1. História.2. Vampirismo3. Literatura vampírica. I. Torres, Luiz Henrique. II.


Título

CDU : 821.111.09 CDD:990

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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO/9
VAMPIROS/15
LILITH/19
A MÁ E A BOA MORTE/20
O VAMPIRO ENQUANTO ENTIDADE DEFINIDA/24
DIVERSIDADE DE DENOMINAÇÕES/26
OS ESLAVOS/31
ESPACIALIDADE VAMPÍRICA/33
A PALAVRA VAMPIRO/35
O VAMPIRO ARQUEOLÓGICO/36
A PRODUÇÃO ESCRITA/50
RERUM ANGLICANUM/51
O PRIMEIRO RELATO DA ELIMINAÇÃO DE UM VAMPIRO/52
PRIMÓRDIOS DA VAMPIROLOGIA: LEO ALLATIUS/54
VALVASOR E O PRIMEIRO VAMPIRO MODERNO DOCUMENTADO/56
MERCURE GALANT (1663)/58
PHILIP ROHR E A MASTIGAÇÃO DOS MORTOS (1679)/59
JOSEPH PITTON TOURNEFORT (1700)/61
A DIFUSÃO DO TEMA VAMPIRISMO/67/
MAGIA POSTHUMA – VON SCHERTZ (1704)/68
MICHAEL RANFT (1725)/71
O CASO PETER PLOGOJOWITZ (1725)/74
VAMPIROS NA HUNGRIA (1730)/76
O DOCUMENTO DE 1732: VISUM E REPERTUM/78
TESTEMUNHO DE JOHANNES FLUCHINGES (1732)/82
O MARQUES d’ARGENS (1732)/83
LETRES JUIVES (1732)/86
ALDEIA DO RADOJEVO – SÉRVIA (1732)/88
GLANEUR DE HOLLANDE (1733)/90

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JOHANN CHRISTOPH HARENBERG (1733)/94
LETRES JUIVES (1738)/96
GUISEPPE DAVANZATI E A IMAGINAÇÃO DE ALDEÕES (1744)/100
AUGUSTIN CALMET – TRATADO SOBRE AS APARIÇÕES (1746)/103
DISSERTAÇÃO SOBRE A INCERTEZA DA MORTE (1742)/109
GERONYMO FEYJOO (1753)/111
PROFANAÇÕES DE TÚMULOS (1755)114
DISSERTAÇÕES CIENTÍFICAS/115
O PENSAMENTO ILUMINISTA/117
VOLTAIRE E O RACIONALISMO/120
PERSONAGENS “CONVERTIDOS” AO VAMPIRISMO LITERÁRIO/123
VLAD III, O EMPALADOR/124
VLAD III - SOBRE O CRUEL TIRANO VOIVODE DRACULYA (1488)/129
ELIZABETH BATHORY/136
OS VAMPIROS NA LITERATURA/139
A LITERATURA DE HORROR/145
O HORROR GÓTICO EM WALPOLE/147
ANTECEDENTES POÉTICOS/151
O PRIMEIRO POEMA (1748)/152
A NOIVA DE CORINTO/154
CHRISTABEL/155
DICIONÁRIO INFERNAL (1818)/157
LORDE BYRON/159
JOHN POLIDORI E O VAMPIRO: O NASCIMENTO DA CRÔNICA/162
OS VAMPIROS E O TEATRO/167
E.T.A. HOFFMANN – VAMPIRISMUS/AURELIA (1821)/170
BARÃO LAMOTHE-LANGON E A VAMPIRA HÚNGARA ALINSKA/173
WALTER SCOTT/176
THÉOPHILE GAUTIER “LA MORTE AMOUREUSE” (1836)/180
ALEXEI TOLSTOY - A FAMÍLIA DE VURDALAK, 1847/183

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VARNEY, O VAMPIRO (1845-1847)/185
EDGAR ALLAN POE/188
CHARLES BAUDELAIRE/189
O VAMPIRO (1842)/191
O ESTRANGEIRO MISTERIOSO (1854)/199
O ESTRANGEIRO MISTERIOSO – O CONTO/201
RICHARD BURTON: VIKRAM (1870)/208
CARMILA DE SHERIDAN LE FANU/212
DRÁCULA - BRAM STOKER/219
FONTES PARA ELABORAÇÃO DE DRÁCULA/229
A RELIGIÃO EM DRÁCULA/231
LUCY – UMA HISTÓRIA IRREAL?/233
OUTRAS PERSPECTIVAS/235
TRANSILVÂNIA/238
O VAMPIRO DE HIGHGATE/244
MARX E OS VAMPIROS/246
VAMPIRISMO E TRANSGRESSÃO/251
CINEMA VAMPÍRICO/253
NOSFERATU (1922)/254
UNIVERSAL FILMES/257
DRÁCULA DE 1931 –BELA LUGOSI/258
HAMMER FILMES/265
CRISTOPHER LEE, O VAMPIRO DA NOITE/268
TERENCE FISHER, O MESTRE DO GÓTICO COLORIDO/271
NOSFERATU DE HERZOG/276
DRÁCULA DE BRAM STOCKER/278
ENTREVISTA COM O VAMPIRO/279
HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E GRAPHIC NOVEL/281
SIMBOLOGIAS CRISTÃS E PAGÃS/289
AS ESTACAS E A DESTRUIÇÃO DE UM VAMPIRO/292

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MORCEGOS HEMATÓFAGOS/294
INTERPRETAÇÕES DO SABER MÉDICO/297
EXPLICAÇÕES FORENSES/300
AS PSICOPATIAS DO COTIDIANO E O VAMPIRISMO/301
OS VAMPIROS EXISTEM?/312
BIBLIOGRAFIA/315
O AUTOR/323

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INTRODUÇÃO

Meu primeiro contato com este multifacetado mundo dos vampiros ocorreu em 1979. Naquele ano
assisti ao filme “As Noivas de Drácula” (1960), produção do estúdio Hammer Films que me fez despertar o
interesse pelo horror gótico colorido. Na seqüência vieram às leituras de revistas em quadrinhos como
“Spektro” – Especial dos Vampiros e o romance “Drácula” de Bram Stooker (numa edição de bolso). Estas
foram às primeiras experiências escritas sobre o tema seguidas até o presente de outras centenas de filmes,
revistas em quadrinhos/graphic novel, livros, artigos, dissertações e teses sobre o tema. Quatro décadas
depois, estas incursões reflexivas acabaram virando este livro, que se somou a experiências pessoais de
conviver com pessoas “reais e não fictícias” que possuem um comportamento vampiresco na vida em
sociedade. Estou me referindo aos psicopatas do cotidiano e sua atuação vampirizadora.
Este livro procura fazer alguns esclarecimentos para a compreensão do mito do vampiro, considerando
que não necessariamente estas conclusões sejam óbvias a um público não especializado. Ou seja, será
contextualizada referências históricas ao vampiro, sua expressão literária e cinematográfica, enquanto
caminhada inteligível e que se funda num processo complexo e não linear. A primeira observação necessária
é de que não existe a expressão histórica do vampiro enquanto unicidade, mas sim, expressões múltiplas de
vampiros em espacialidades geográficas/culturais diferenciadas. A generalização já é o primeiro erro a ser
evitado. A própria caracterização do vampiro eslavo, enfoque do livro, será feita enquanto um recorte de um
conjunto de seres em que a ritualização da morte não se cumpriu e que voltaram para atormentar os vivos.
A cultura pagã com crenças vampíricas não será uma transposição coerente para a literatura da Europa
Ocidental: vai ocorrer releituras e adaptações para tornar o vampiro eslavo “palatável” a modernidade

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europeia. Recordo que ao fazer a primeira leitura do livro “Drácula” (1897) fiquei com a ideia de que tudo
nascia ali: o vampiro se resumia a versão apresentada neste livro e que recuava no tempo até o governante
romeno Vlad Tepes III no século XV. Na época, com surpresa, fiz a leitura do livro “Carmilla” (1872) de
Sheridan Le Fanu e constatei que a temática dos vampiros era abordada numa obra literária 25 anos antes
de Stooker. Com a descoberta do conto “O Vampiro” de John de Polidori (1819) e de “Varney, o Vampiro”
(1845-1847) entre tantas outras obras literárias, ficou claro que os vampiros na literatura ocidental, em
poemas, contos e romances, recuam em mais de um século a obra de Stoker. É o caso dos escritos poéticos
e literários a partir de 1748 (com a primeira poesia vampírica escrita pelo alemão Ossenfelder).
Desde o século XII, mas especialmente no século XVIII, temos muitos registros históricos sobre
vampiros. As fontes lendárias em escritos ocidentais e orientais, recua os relatos ou escritos sobre a
existência dos vampiros a mais de 4.000 anos, estando presente nas mais diferentes culturas como a grega,
romana, chinesa, indiana etc. O vampirismo é um fenômeno de longa duração temporal e de ampla difusão
geográfica e cultural. Vampiras e vampiros, como a “Lilith” das escrituras hebraicas ou o “Baikal” indiano,
fazem parte do processo histórico muito tempo antes da apropriação literária ou das incursões
cinematográficas do século XX – as quais foi o mais eficiente fator de difusão no mundo Ocidental desta
antiga presença milenar.
Neste livro, faremos um rastreamento de algumas destas referências aos vampiros buscando uma
seqüência básica de eventos para demonstrar a persistência temporal destes relatos e a fundamental
intervenção literária na preservação e interesse por este tema. Neste sentido, visitaremos as literaturas
gótica, romântica e fantástica.
Uma breve incursão ao vampirismo buscará informações sobre a manifestação histórica deste
fenômeno especialmente com um recorte no vampiro eslavo; no vampiro arqueológico, no vampiro na
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documentação histórica; no vampiro na literatura e no cinema. O tema transcendeu ao tempo e as diversas
culturas chegando até o presente enriquecido pelas narrativas literárias e pela linguagem cinematográfica
que difundiu o próprio vampiro histórico eslavo -que está em extinção em seus países de origem- mas se
mantém vivo na linguagem da Sétima Arte. Uma temática atual que tem sido reposta nas narrativas e na
linguagem cinematográfica hoje enfatizada na saga “Contos Vampirescos” de Anne Rice, em “True Blood” de
Alan Ball, no “Diário de Vampiros” de L.J. Smith, em “The Originals”, em “Penny Dreadful” etc. E também tem
sido enriquecido pelo avanço dos estudos neurológicos e psiquiátricos no campo da mente dos psicopatas e
sociopatas.
A fundamentação do tema dimensionando sua relevância foi buscada em obras contemporâneas ao
debate setecentista dentro do espírito investigativo iluminista; em explicações do saber médico da época ou
nas interpretações religiosas que buscavam negar o fenômeno. Publicações com análises mais amplas ou
mais específicas no tempo e no espaço possibilitaram uma movimentação e uma filtragem mais acurada dos
múltiplos e descontínuos enfoques encontrados. As obras publicadas para discorrer sobre o vampirismo são
inúmeras, mas análises com fundamentação documental e revisão crítica ainda precisam ser garimpadas.
Entre os autores de referência para uma “ritualização acadêmica” do vampirismo foram utilizados Claude
Lecouteux, Melton, Arturo Branco, Radu Florescu, Maytê Vieira, Cid Ferreira, Andrezza Rodrigues, Raymond
Mcnally, Radu Florescu, Wayne Bartlett, Idriceanu, Paul Barber, Wachtel, Francisco Pérez entre vários outros
autores citados ao longo do livro.
Essencial também são as obras literárias e os documentos que se referem à existência de vampiros
como os documentos austríacos do século XVIII, os escritos de Voltaire e de Rosseau. Em 1776, D. Agustin
Calmet, padre beneditino e abade de Senóvia, redigiu o seu “Tratado sobre as aparições dos espíritos,
reencarnações, anjos, demônios, e vampiros da Silésia e da Morávia”, um estudo basilar para a compreensão
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do fenômeno vampírico no século XVIII e que retoma parte da historiografia precedente. Essa investigação é
essencial para diferenciarmos o vampiro histórico da apropriação/reconstrução literária. Além dele, foi
realizado um longo percurso dos autores que levantaram o tema vampirismo que num crescendo foi
interessando a intelectualidade da Europa Ocidental no século XVIII.
A compilação da matéria-prima literária foi feita em várias fontes dispersas em sites e bibliotecas
disponíveis na internet. Impresso em “papel” destaco a leitura de Martha Argel e Humberto Moura Neto (“O
Vampiro antes de Drácula”), Bruno Berlendis de Carvalho (“Antologia do Vampiro Literário”), Cid Vale Ferreira
(“Voivode”), Alberto Manguel (“Contos de Horror do século XIX”), Bruno Costa (“Contos Clássicos de
Vampiro”), Richard Dalby (“Herdeiros de Drácula”) etc.
Na análise da psicopatia e analogias com o vampirismo foram utilizados os livros de Ana Beatriz
Barbosa Silva, Katia Mecler e Martha Stout, Kerry Daynes, Jessica Fellowes e Robert Hare.
Neste livro o leitor é convidado a fazer uma viagem aos fundamentos históricos do vampirismo e ao
final, talvez, se surpreender ao descobrir que os vampiros de fato não se restringem a lendas, literatura e
cinema, mas que de fato eles estão a nossa volta. Basta termos flexibilidade interpretativa para
selecionar/distinguir criticamente a ficção da realidade e centrar nossa sensibilidade nas experiências com
os atores cotidianos.
*Em tempo: este livro digital foi elaborado com o objetivo de ser um panorama geral e introdutório do
conteúdo programático da disciplina “História e Terror” dos Cursos de História da Universidade Federal do
Rio Grande. Ou seja, um material paradidático que não será comercializado! A disciplina trabalha temáticas
voltadas à “história do vampirismo e suas expressões documentais, literárias, cinematográfica e psíquica”.
Neste sentido, se buscou reproduzir documentos de época e trabalhar com a historiografia pertinente a

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partir de uma preocupação paradidática. O material está disponibilizado gratuitamente a todos os
interessados no blog:historiaehistoriografiadors.blogspot.com.br

Cartaz do filme “As Noivas de Drácula” (1960).

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Antone Wiertz, 1854. The Premature Burial. Muitos supostos vampiros eram as vítimas de enterramento prematuro.

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VAMPIROS
Desde a Antiguidade, seres lendários que se alimenta do sangue ou da carne dos vivos tem sido
relatado em muitas culturas e em diferentes continentes. Associar linearmente estas fontes com os vampiros
é um reducionismo incorreto e que não contempla diversidades culturais. Comedores de carne e bebedores
de sangue estavam relacionados ao diabo, demônios e divindades, apresentando nuances e diferenciações.
Formalizar conceitualmente estes seres enquanto “vampiros” que só foram definidos a partir da transição
dos séculos XVII para o XVIII é incorrer em generalizações infundadas.
A diversidade espacial das manifestações se traduz em culturas muito diferenciadas em termos de
espiritualidade e ritualização do cotidiano. Entre os indianos, o conto “Baital Pacisi” se refere aos lendários
“vetalas”, espíritos malignos que habitam corpos e a “pisaca”, espíritos maldosos que retornam ao convívio
humano para fazerem o mal. Entre os persas, seres bebedores de sangue ficaram registrados em cacos de
argila encontrados em escavações arqueológicas. Entre os babilônios e assírios lendas relativas ao demônio
feminino “Lilitu” está associado a chupar o sangue de bebês. Outro demônio feminino era a “Estria” uma
criatura bebedora de sangue que atacava pessoas durante a noite. “Lilitu” está ligada a demonologia dos
hebreus assim como “Lilith” que será tratada posteriormente.
Entre os gregos e romanos, as “empusas”, “lâmias” e “estirges” faziam parte da mitologia. A “empusa”
era uma criatura demoníaca que seduzia os homens durante o sono antes de lhe sugar o sangue. As “lâmias”
atacavam noturnamente às crianças em suas camas para deleitar o sangue. As “estirges” (corpo de corvo)
atacavam crianças e também rapazes jovens. A mitologia romana integrou as “estirges” a um pássaro
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noturno que se alimentava de carne e sangue humanos: o “comostrix”, sendo mais tarde o termo “strix”
associado a sugadores. Antes de surgir a palavra “vampiro” o termo está relacionado a criaturas que bebiam
sangue no Leste Europeu e eram denominados na Romênia “strigoi ou striga”. “A expressão tem raízes
latinas e vem de strix, esta ave noturna que segundo os romanos se alimentava de sangue e carne humana.
A palavra sobrevive em italiano como strega: bruxa” (SUANO, 2010:52).
Vampiros é um termo que só aparece no século XVIII, derivado das línguas eslavas “vampir ou uípir”. A
associação de vampiros com morcegos só ocorreu no século XIX quando são identificadas três espécies de
morcegos hematófagos na América do Sul e América Central: o Desmodus rotundus, o Diaemus youngi e o
Diphylla ecaudata, os morcegos-vampiros.
Apesar da longevidade de mais de dois milênios nos relatos de seres bebedores de sangue, os
vampiros -como são conhecidos no mundo ocidental nos últimos três séculos- são originários da Europa
Centro-Oriental, especialmente oriundos das lendas dos países eslavos. Remontando a origem da palavra, o
vampir remete ao idioma sérvio e apresenta alterações em diferentes países ou regiões: “upyr” na Ucrânia;
“vepir” na Bulgária; “upior” na Polônia; “upír” na República Tcheca, Eslováquia e Bielorrússia; “lampir” na
Bósnia. Nas primeiras décadas do século XVIII, os relatos de ataques de vampiros estão disseminados na
Europa Ocidental e alguns casos famosos são originários da Sérvia. Em 1725, na vila de Kisilova próximo a
fronteira com a Romênia foi considerado como um vampiro pelos camponeses do local o falecido morador
Peter Plogojowitz; na mesma época Arnold Paole próximo a Belgrado, foi apontado como um vampiro que
atacava os próprios familiares, o que era comum acontecer nos relatos. Uma comissão de médicos e
militares austríacos que investigaram os casos e emitiram um relatório (1732), consideraram como
verdadeiros os ataques e os supostos vampiros foram desenterrados, decapitados e queimados.

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Posteriormente, nos deteremos nestes relatos históricos dos casos de vampirismo e também na
historiografia setecentistista e oitocentista que abordou o tema.
Lâmia. Herbert Drape, 1909. Lilith. Michelangelo, 1510.

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A diversidade de manifestações de criaturas relacionadas ao retorno da morte e do consumo de sangue
é ampla e recua a antiguidade. Neste sentido, os reducionismos devem ser evitados para buscar uma
definição única para o vampirismo ou interpretar as diferentes manifestações com base no referencial da
Europa Oriental/Balcãs. A busca neste livro é da caracterização do vampiro eslavo histórico e suas
adaptações literárias e cinematográficas.
Não se buscará tratar das manifestações diversificadas em outros países e continentes. Em parte, por
sua amplidão e pela dificuldade de sistematização. Além disso, a documentação mais volumosa e que
produziu uma grande produção escrita e visual está associada ao vampiro europeu. Isto não esgota as
possibilidades de pesquisa e análise de outras manifestações. Apenas para citar um exemplo: o “jiangshi” é
um vampiro que não se alimenta de sangue e sim da energia vital. É também conhecido como fantasma ou
zumbi saltador chinês consistindo num cadáver reanimado do folclore chinês. O “jiangshi" é conhecido como
“goeng-se” em cantonês, “cuong thi” em vietnamita, “gangshi” em coreano e “kyonshí’ em japonês. A
descrição tradicional é de um cadáver vestido com roupas de mandarim da dinastia Qing que mantém os
braços estendidos e se move aos saltos. Permanece durante o dia em seu caixão ou em lugares escuros,
matando seres vivos durante a noite através da absorção de sua energia vital ou qi.
O fundamento das raízes dos vampiros é uma morte não consumada por uma série de fatores. A não
realização do passamento da vida terrena através da morte é que constitui o surgimento de um morto-vivo devido a
ter ocorrido uma má-morte. O consumo de sangue é uma das características destas criaturas mas não a única. Suas
expressões culturais, fisiológicas e fenotípicas são múltiplas e há o registro de mais de 700 tipos diferentes de
vampiros citados em fontes escritas no planeta (conforme o site http://www.shroudeater.com).

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LILITH
Lilith. John Collier, 1892.
Lilith foi cultuada na Babilônia e também dentro da
Alta Magia. Na tradição judaica e islâmica ela aparece
como um demônio noturno e como a primeira mulher
de Adão. A partir do Alfabeto de Ben-Sira (século XVII)
foi acusada de ser a serpente que levou Eva a comer o
fruto proibido com a perda do paraíso e a implantação
do pecado original. Miquelangelo (1510), Rafael Sanzio
(1508) e outros artistas a retraram artisticamente. Ela
era cultuada na Babilônia onde os hebreus eram
escravos o que pode ter acentuado a visão negativa e a
noção de demônio. A dimensão vampírica está na lenda
de que Lilith tinha cem filhos por dia, súcubus quando
mulheres e íncubus quando homens. Súcubos e íncubus
se alimentavam da energia sexual e de sangue humano,
que os levavam a morte. Esta dimensão de sugar o
sangue e a energia colocam Lilith como a primeira
expressão vampírica que remete a suposta primeira
criação feminina de Deus, que antece Eva.
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A MÁ E A BOA MORTE
A maioria dos relatos míticos/lendários do surgimento de mortos vivos ou de criaturas trevosas, está
relacionado à forma como ocorreu a morte e a ritualização fúnebre que foi realizada. Daí que entender a
“má e a boa morte” é essencial!
A morte está ligada a um preparo para esta passagem e a uma necessária ritualização que garanta
segurança na transição para o além. O nascimento de muitas crenças sobrenaturais está ligado a
transitoriedade da vida e ao medo em enfrentar a morte. Os mortos vivem entre os vivos (VOVELLE, 2004, p.
126) e a aparição de fantasmas, entidades ou vampiros pode ser consequência da forma como a ruptura da
vida ocorreu:

“Desde que existe, o homem tem se atormentado por grandes questionamentos sobre sua origem, seu futuro e fim. Ele
apresentou algumas respostas que se encontram em toda parte, sejam quais forem os povos e as épocas, e se evoluíram em
aparência por causa dos progressos da ciência, ainda estruturam nosso pensamento e encontraram uma expressão particular
nas religiões. A espantosa unanimidade das reflexões, para além de todas as variantes, prova que o problema da vida e da morte
é realmente fundamental, o que não é nada espantoso já que, em função das respostas apresentadas, o homem pode conhecer o
desespero ou a esperança, encontrar um sentido para sua existência ou conhecer o absurdo” (LECOUTEUX, 2005:39).

Lecouteux destaca que desde a Antiguidade Clássica os eruditos defendiam que a duração da vida era
preestabelecida. A interrupção antecipada da vida poderia ter consequências nefastas pois o destino
concedido pelos deuses não teria sido cumprido e a passagem para o além-túmulo não se consumaria. A
morte precisa vir acompanhada dos ritos de passagem que são os ritos de separação como a partida para o
cemitério; os ritos marginais que é a vigília do corpo e os ritos de agregação, a socialização com a ceia

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funerária. A boa morte necessita destes passos de ritualização que tiveram diferentes práticas nas inúmeras
culturas.
A má morte é fundamentada no princípio de que “toda pessoa que não tenha vivido até o termo
prescrito não transpassa, permanece bloqueada entre este mundo e o além” o que remete a maioria dos
fantasmas aos suicidas. Também os indivíduos de má índole, os que apresentam um traço físico particular
ou de nascença, os que vieram ao mundo em certas datas ou horas, “os marginais, os sacrílegos, os
ciumentos, os que foram maltratados em vida e sentem vontade de se vingar, aqueles cuja morte foi
estranha ou cuja inumação não ocorreu segundo os ritos, os que ficaram sem sepultura (insepulti)”, além de
várias outras situações, “todos esses indivíduos não se agregam à comunidade dos mortos e se juntam, às
vezes, àquelas hordas que formam a Caça Infernal” (LECOUTEAUX,2005:43).
Como os defuntos formam uma comunidade próxima à dos vivos, a boa morte é essencial para a
harmonia nas sociedades. Desde os gregos até os opúsculos cristãos da Idade Média, passando pelos
romances medievais, a preocupação com a morte está presente. Um exemplo é o mago Merlin em diálogo
com o rei Uther Pendragon: “Pense bem que todas as honrarias que os homens podem adquirir neste mundo
são menos úteis do que uma boa morte. E se você ganhou todos os bens deste mundo e tiver uma morte
má, corre o risco de perder tudo, ao passo que se fez muito mal durante a vida e tiver uma boa morte, tudo
isso lhe será perdoado” (citado por LECOUTEAUX, 2005:44).
O enterramento em campo sagrado também é essencial pois “não há nada pior do que ser enterrado
em terra selvagem, em terra má ou nos campos, porque a sepultura em terra bendita nem sempre é
concedida” (LECOUTEAUX, 2005:45). Ou seja, a boa morte deve estar acompanhada de ritos consagrados
para evitar que o morto não retorne. Segundo antigas crenças, “a alma permanece perto do corpo durante
certo número de dias: a psicostasia, o julgamento da alma, em geral só ocorre quarenta dias após a morte”
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daí o relato de inúmeras manifestações post mortem pois para os cristãos, a alma ainda não se afastou do
corpo” (LECOUTEAUX, 2005:46). Constata-se que boa morte não é nada fácil e também não é concedida a
todos.
O cristianismo buscou combater a profanação das sepulturas e a destruição dos cadáveres. A tentativa
de atenuar o medo da morte fez com que os cemitérios fossem construídos junto as igrejas e no seu
interior, aproximando os vivos e os mortos e atenuando as profanações. Assim, “contra a angústia da
morte, deslocou os defuntos para colocá-los à vista de todos, ao redor dos vivos” (ROUCHE, 1989:529).
Porém, práticas tradicionais persistiram e foram combatidas por religiosos. Mantinha-se os receios com os
mortos
“Não as almas penadas que voltam para mendigar humildemente os sufrágios dos vivos, mas mortos
maléficos, próximos daqueles descritos pelas sagas escandinavas;[...] aterrorizam seus parentes e toda a
vizinhança, fazem os cães uivar à noite, são acusados de corromper o ar, de provocar epidemias e mesmo de
beber o sangue dos homens. Dois deles são explicitamente qualificados de vampiro (sanguisuga) e, quando
sua sepultura é aberta, é encontrada maculada de sangue e o cadáver todo inchado, o rosto rubicundo, a
mortalha rasgada. [...] Em todos os casos, a solução finalmente proposta pelos clérigos consiste em abrir a
sepultura e em depositar uma fórmula escrita de absolvição sobre o peito do morto. Inversamente, os clérigos
consideram "indecente e indigno" o método que os habitantes, e sobretudo os "jovens" que vencem seu terror,
empregam: alguns deles (até dez) dirigem-se ao cemitério, desenterram o cadáver, fazem-no em pedaços e
queimam tudo em uma fogueira fora da aldeia. Antes, um deles retirou o coração, pois sua presença impediria
o cadáver de queimar” (SCHMITT, 2006:101).

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O vampiro se enquadra exemplarmente neste morto maléfico, consistindo em um morto-vivo que
transita entre o mundo dos mortos e dos vivos, necessitando do sangue humano e de animais para
sobreviver e perdurar temporalmente superando a finitude dos humanos.

Nosferatu (1922).

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O VAMPIRO ENQUANTO ENTIDADE DEFINIDA
“O vampiro faz parte da história desconhecida da humanidade, desempenha um papel e tem uma função; não brotou do
nada no século XVII ou XVIII. Ele se inscreve num conjunto complexo de representações da morte e da vida, que
sobreviveu até nossos dias, certamente com uma riqueza bem menor do que naquele passado distante que tendemos a
confundir com séculos de obscurantismo, aquelas épocas remotas e ignorantes que baniram as Luzes da Razão”
(LECOUTEUX, 2005: 15).

Conforme Argel e Moura Neto (2008), o vampire folclórico eslavo, ancestral do vampiro
contemporâneo, não nasceu simplesmente do nada. Ele evoluiu a partir de criaturas que o precederam,
provenientes da Europa e da Ásia. Para os autores, o vampiro passou a existir como entidade bem definida
(“espécie”) ao adquirir seu conjunto único de atributos, a partir de criaturas ancestrais que exibiam algumas
características vampíricas, mas não todas. Baseando na classificação de Norbert Bormann (1999), cinco tipos
diferentes de seres sobrenaturais amalgamaram-se para resultar no vampiro sérvio ancestral:

►os mortos-vivos ou revenant, como os Nachzehrer alemães, que se alimentam dos corpos de parentes já
mortos;
►Espíritos que fazem visitas noturnas, como os íncubos e súcubos da igreja católica romana;
►Seres tomadores de sangue, como as estriges (strix), bruxas da Roma antiga;
►Os bruxos eslavos e balcânicos, que fazem malefícios mesmo após a morte;

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►os licantropos ou lobisomens, pessoas que se transformam em lobos, e depois de mortas voltam para
tomar sangue alheio, como o vrykolakas grego.
Estas criaturas não desapareceram da mitologia europeia mas forneceram atributos para a criação do
vampiro eslavo que foi amplamente difundido na Europa Ocidental ao longo do século XVIII.

Francisco de Goya, aquarela, cerca de 1814, www.artribune.com

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DIVERSIDADE DE DENOMINAÇÕES
Na cultura ocidental a palavra vampiro se consagrou para definir os sugadores de sangue. Porém, a
diversidade de denominações e de morfologias física e cultural foi uma característica na manifestação
histórica do vampirismo. Claude Lecouteux pode nos guiar numa primeira aproximação de uma
terminologia ligada a diferentes espacialidades.
Conforme Lecouteux (2005:101-111) na Istria (Croácia), o vampiro é chamado de strigon (derivado de
“feiticeira”). Nos Balcãs, temos vampir e wampir, em polônes; nos Cárpatos, opyr que em russo significa
“morto em sursis”. Os kachoubes utilizam upor e os tchecos, upir. O búlgaro dedejko e na Dalmácia,
vukodlak, ukodlak, vuk que possuem o sentido de “pele de lobo”. Na Ucrânia e na Bielorrússia se associava
vampiros enquanto homens que foram lobisomens durante a vida.
Outras denominações:
Vârkolac – espectro composto de um cadáver e um demônio. Suga o sangue de humanos e deixa uma
mancha vermelha no braço esquerdo da vítima. Pode se transformar num animal observando-se uma
estreita relação entre os lobisomens e os eslavos do sul.
Grobnik – termo utilizado na Bulgária com sentido de “sombra” e “tumba”. Outros termos são lepir
(morto de origem desconhecida), ustrel (demônio que habita os túmulos) e morava (demônio das doenças
que atacam a noite).

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Opyr – utilizado por Sheridan Le Fanu como upyre com sentido próximo ao sérvio piriti (inflar) e do
turco pir (voar) e na Turquia do Norte uber (vampiro). O termo vampiro está relacionado/confunde-se com
morto, tumba, defunto, feiticeiro, lobo e lobisomem.
Vurdalak – é um vocábulo croata e dálmata que foi difundido pela literatura russa assim como
vudkodlak e upyr no sentido de mortos que saem de seus túmulos e sugam o sangue dos vivos.
Brucolaque – termo grego (também usado vrikolakas) designando um zumbi ou fantasma que ataca os
rebanhos. Citado por Lecouteaux, o bispo de Abranches em 1721 define a palavra brucolaque oriunda do
grego moderno bourcos, que significa “lama” e de laucos que significa “fossa”. Os túmulos onde são
colocados esses corpos encontram-se repletos de lama. Os russos ucranianos utilizam o termo mjertovnec
(morto que anda). Acreditavam que o corpo era de um lobisomem, feiticeiro, excomungado, amaldiçoado
pelo clero: “ele caminha ou cavalga, faz barulho com seus ossos, aterroriza os vivos e desaparece ao terceiro
canto do galo; quando se abre sua tumba, reconhece-se sem dificuldade sua natureza, porque ele está
deitado de bruços. Quando alguém o encontra, identifica-o imediatamente por seu nariz, cujo osso está
ausente, e por seu lábio inferior fendido” (LECOUTEUX, 2005: 106).
Nosferat – para os romenos o nome está associado a um fantasma. Bram Stoker utilizou Nosferatu e F.
W. Murnau tornou o nome célebre em seu filme de 1922. No filme “Nosferatu” de Murnau, diferentes
personagens da mitologia romena foram misturados: o murony da Valáquia, o strigoi, o moroiu, o stafia e o
nosferat. O resultado foi a criação de um Conde Drácula repugnante e não sedutor interpretado pelo ator
Max Schreck.

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Murony – semelhante ao nosferatu, o “murony” da Valáquia é o fruto ilegítimo de dois filhos ilegítimos,
ou o espírito nefasto de uma pessoa morta por um vampiro. “De dia, ele fica deitado em seu túmulo; de
noite, vai livremente para onde seu desejo o leva e suga o sangue dos vivos. Ele é imortal e só pode ser
eliminado se o seu corpo, reconhecido por apresentar um aspecto sadio no caixão, for desenterrado e lhe
atravessarem o coração com uma estaca de madeira, ou se for queimado”. Outras características do
“murony” é o poder de se metamorfosear em cão, gato, sapo, aranha etc além de não deixar sempre marca
no pescoço da pessoa cujo sangue ele sugou. O nosferatu é uma criança natimorta que deixa a sua cova
transformando-se em cão, gato, escaravelho etc. Suga o sangue dos velhos e copula com as mulheres
fazendo com que suas vítimas emagreçam, declinem e morram. “Quando nasce uma criança dessas relações
contra a natureza, ela é peluda, horrível e, depois que morre, torna-se um “moroiu” (LECOUTEAUX, 2005:
107).
Strigoi – oriundo do romeno apresenta o sentido de “feiticeira” (mulheres vivas) e “fantasmas” (homens
mortos que não se decompõem). O aspecto dos fantasmas é semelhante ao que tinham quando vivos
somado a olhos vermelhos, unhas iguais a foices, cauda peluda, boca larga e dentes grandes. Saem de seu
túmulo à meia-noite, carregando seu caixão na cabeça ou nas costas. “Devoram o coração dos homens e
dos animais, sugam seu sangue, aspiram a alma de seus parentes e se, metamorfoseando em mosca, se um
deles pousar sobre uma pessoa, ela morrerá. Gostam de permanecer em casas, cemitérios, debaixo de
pontes, nas encruzilhadas e nos lugares ermos. Eles dançam sobre os túmulos, voam em torno dos
campanários, cantam e gritam, e as feiticeiras participam dessas atividades” (LECOUTEAUX, 2005:108). Estas

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reuniões de “strigoi” resultam em luta entre os fantasmas sendo a principal reunião na noite de Santo André.
Voltam ao túmulo na aurora, pois, se ficarem ao nascer do sol eles explodem em dois pedaços ou ficam
indefesos e podem ser mortos.
Moroiu – o espírito de uma criança morta sem batismo ou natimorta. Se não for batizada aos sete anos,
a criança morta se transformará numa chama de dois metros de altura que matará aqueles que foram
tocados. Os túmulos devem ser irrigados por sete anos seguidos. O “moroiu” é pior que um demônio porque
não desaparece diante do sinal-da-cruz. Os romenos do sudoeste não distinguem o “moroiu” do fantasma.
Para eliminar estas criaturas é preciso desenterrá-las, retirar o coração e jogar para os cães devorarem. O
escrito Paul Wilson ressuscitou e atualizou esta crença no livro “A Fortaleza Negra” (“O Fortim”/1981)
adaptado para o cinema no filme “Fortaleza Infernal” (1983).
Stafia – entidade maléfica associada a um fantasma que se assemelha a uma mulher nua ou vestida de
branco cujos cabelos tocam o solo e que possui um tórax de ferro longo e amplo. Apagam as velas e
procuram comida nas casas fazendo com que os homens deixem alimentos e bebida para a “stafia”.
Vampir – a palavra foi registrada pela primeira vez em 1732 por W.S.G.E. numa publicação de Leipzig.
Na Inglaterra uma publicação de 1745 (redigida em 1734) utiliza “vampyre” no livro “As viagens de três
cavalheiros ingleses de Veneza a Hamburgo” trazendo referências a casos de vampirismo na Sérvia, Banat,
Rússia, Polônia e Lituânia, citando Johann Heinrich Zopf (autor de Dissertatio de vampyris Serviensibus.
Duisburg, 1733). Para Zopf, “esses vampiros supostamente são cadáveres de pessoas falecidas, animadas
por maus espíritos que saem de suas tumbas à noite e sugam o sangue de muitos viventes, o que lhes causa
a morte”.

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Não apenas diferentes nomenclaturas envolvem o vampiro, mas, também distintas origens
culturais, mitos criadores, espacialidades, características de ataque, aparência física e extermínio pelos
humanos. Claude Lecouteaux, que nos orientou nesta caracterização, ressalta a necessidade de um olhar
crítico para evitar simplificações:

“Se fosse preciso fazer um balanço de tudo o que precede, diríamos que todos esses indivíduos de nomes diversos
apresentam entre si alguns pontos comuns, certamente, mas também muitas diferenças. A fronteira entre eles
permanece flutuante; há mais de um cruzamento que se explica primeiro pelas origens geográficas de cada um e depois
pela confusão que reina nos espíritos. À medida que o tempo passa, os dados precisos perdem seus contornos e
confirma-se a tendência que já constatamos a propósito dos precursores dos vampiros: os amálgamas e as associações
tendem a ignorar as dessemelhanças e a apagar as diferenças. Resta o fato de que esses sanguessugas humanos são
considerados existentes e é preciso eliminá-los a fim de viver em paz” (LECOUTEAUX, 2005:111).

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OS ESLAVOS
O vampirismo ou criaturas que poderíamos chamar de protovampiros estão presentes em inúmeras
culturas. A dificuldade em caracterizar expressões tão diferenciadas e homogeneizar numa definição é no
mínimo temerosa para não dizer inviável cientificamente. Além dos riscos de reducionismo e
descaracterização do folclore popular de diferentes grupos humanos, a generalização deve ser evitada e os
estudos com maior especificidade de manifestação é um caminho mais seguro. Por toda a trajetória
documental, relatos históricos e seu desdobramento na cultura ocidental, o vampiro eslavo é o melhor
“documentado” destas expressões vampíricas.
Uma caracterização histórica dos eslavos se mostra necessária para uma aproximação com o objeto em
foco. Porém, se os estudos vampíricos são complexos, a historicidade dos eslavos também é de difícil
caracterização devido a sua multiplicidade.
Um esclarecimento inicial: a Romênia é tida com a terra do vampiro Drácula, porém, 85% da população
da Romênia são de ancestralidade dácia e romana. A presença eslava é minoritária, mas nem por isto não há
relatos de expressões culturais vampíricas. Ou seja, o país está inserido numa ampla área de manifestações
pagãs e contrapontos da presença da Igreja Romana do Oriente e da Igreja Grega. Não é por acaso, que a
maioria de sua população rejeita a associação da Romênia com os vampiros!
Os Eslavos é um termo generalizante que busca caracterizar uma ramificação étnica e linguística de
povos indo-europeus que ocuparam a Europa Central e Oriental. Estes povos se difundiram a partir do

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século VI e passaram a ocupar também os Balcãs, posteriormente, povoaram a Sibéria e a Ásia Central. A
diversidade genética e cultural destes povos eslavos não possibilitam pensar em unidade e sim em relações
que vão da afinidade até a hostilidade.
Os povos eslavos podem ser classificados a partir de categorias geográficas e linguísticas em Eslavos
Ocidentais (poloneses, eslovacos, tchecos, morávios, silesianos e sórbios); Eslavos Meridionais (búlgaros,
croatas, macedônios, sérvios, eslovenos, montenegrinos, bosníacos) e Eslavos Orientais (russos, ucranianos
e bielo-russos).
O último estágio da língua que precedeu a separação geográfica das línguas eslavas históricas, ou seja, o
protoeslavo, era falado no sul da Grécia (nos séculos VI e VII). Já a terra natal eslava foi geneticamente
identificada no território da Ucrânia. As tribos eslavas compunham muitas confederações multiétnicas da Eurásia
(império sármata, huno e gótico) e a grande migração eslava dos séculos V e VI começam a torná-los
conhecidos na Boêmia, Morávia, Áustria, na fronteira bizantina, Peloponeso, Alpes Orientais, Ásia Menor, nos
Balcãs etc. O contato entre eslavos e outros grupos levou a contato e assimilação de povos não-eslavos. É o caso
dos trácios e ilírios que foram absorvidos com exceção dos romenos que mantiveram cultura romana.
As crenças pagãs sofreram um declínio entre os séculos VI e X devido a conversão ao cristianismo de
orientação ortodoxo (católicos gregos) ou católicos romanos, porém, o paganismo persistiu sendo uma das
formas de explicação para os fenômenos sobrenaturais. Não fosse isto, os relatos e práticas associadas ao
vampirismo tão difundidos desde o século XVII, comporia, apenas algumas das tantas histórias que se perderam
no passado.

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ESPACIALIDADE VAMPÍRICA
Relatos de vampiros estão espalhados por muitos países. A documentação histórica permite identificar
a manifestação cultural eslava. A construção do discurso literário e da linguagem cinematográfica também
são inteligíveis a partir desta caracterização que se torna mais nítida a partir do século XVII.
A delimitação espacial é complexa pois ao longo do tempo as linhas de fronteira e a denominação dos
países sofreu alterações além das áreas de dominação do Império Otomano e mais tarde do Império Austro-
Húngaro, acabou homogeneizando a multiplicidade de culturas e nacionalidades.
Em termos gerais a área clássica para estas manifestações está na Europa Centro-Oriental e Sul.
Poderia se referir a sua presença nos Balcãs, mas, isto excluiria vários países com documentação histórica
e/ou sítios arqueológicos com rituais anti-vampíricos. Citando alguns países (sem esgotar) na perspectiva
das denominações políticas atual: Bulgária, Hungria, Polônia, República Tcheca, Romênia, Grécia, Áustria,
Alemanha, Itália, Sérvia, Croácia, Ucrânia, Albânia e Rússia.
Os mapas a seguir ajudam a visualizar o cenário complexo em que ficou registrada na documentação
inúmeras manifestações vampíricas.

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Península Balcânica. Foto: depositphotos.

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A PALAVRA VAMPIRO
O caso do suposto vampiro (Arnold Paole) foi preservado na documentação da década de 1720
divulgando a palavra sérvia “вампир/vampir”. Outras fontes interpretam que a palavra pode ter se difundido
a partir da Hungria. Do sérvio passou a ser usado no alemão como “vampir” e pelo francês como “vampire”.
Do francês chegou a Portugal ainda como “vampire” em 1784 passando a ser escrito como “vampiro” em
1815. A forma sérvia está presente nas línguas eslavas como o búlgaro e macedônio (“vampir”), croata
(“upir”), checo e eslovaco (“upir”), polaco (“wapierz ou upiór”), ucraniano (“upyr”), bielo-russo (“upyr”), turco
(“ubyr – bruxo”) etc. Um documento de 1047 escrito em russo arcaico por um padre registrou “upir likhyi”
(vampiro malvado) evidenciando a persistência do paganismo. Também em russo arcaico o tratado
antipagão “Diálogos de São Gregório” registra “upyri” entre os séculos XI e XIII.

Ou seja, a palavra é muito antiga e faz parte de manifestações pagãs anteriores a chegada do
cristianismo e que persistiu na cultura popular eslava. Para esclarecer, o morcego hematófago que foi
catalogado e pesquisado pelo naturalista francês g. L. Buffon em 1774, recebeu o nome popular de vampiro
devido ao interesse sobre o vampirismo que foi despertado na Europa Ocidental no século XVIII.

Fundamental é considerar que o vampiro eslavo foi constituído a partir de


uma complexa mutação de criaturas sobrenaturais oriundas de diferentes
culturas eslavas e de outras procedências.

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O VAMPIRO ARQUEOLÓGICO
Os vestígios materiais, artefatos e esqueletos encontrados nas escavações arqueológicas são outra
fonte científica que comprova a existência dos rituais anti-vampiros. São evidências marcantes pois foram
lapidadas em corpos que hoje constituem esquelos com aquelas cicatrizes: foices, estacas de ferro, pregos,
tijolos, pedras pesadas no peito etc. Inúmeros corpos que foram queimados e que ficaram registrados na
documentação oficial a partir de oralidades ou investigações formais, não deixaram registro material para
serem estudados (no caso de serem encontrados por pesquisadores). As centenas de esqueletos em que se
evidenciou a presença de rituais vampíricos fazem parte de um conjunto muito maior que podem estar em
cemitérios informais, já destruídos ou a serem descobertos.
Vejamos alguns exemplos destes achados que fortalece a dimensão do fenômeno vampírico na Europa
Oriental.

No vilarejo de Celakovice, 25 km de Praga (República Tcheca), um fazendeiro descobriu enterramentos


ao escavar em suas terras. O ano era 1966 e a descoberta se ampliou nos anos seguinte totalizando 14
esqueletos masculinos cujas sepulturas recuavam aos séculos X a XI. Parte dos esqueletos estavam com o
crânio decepado do corpo e as mãos e pés amarrados por cintas de couro e fivelas de ferro. Todos estavam
enterrados de bruços (para não encontrar o caminho de volta para o mundo dos vivos). Os indícios de ritual
anti-vampiro tornaram o vilarejo famoso por ser considerado um “cemitério de vampiros”. Estudos

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posteriores, trazendo nova hipótese, indica que o cemitério era destinado a párias, ou seja, excluídos
sociais. Porém, a forma de enterramento remete a muitos outros já encontrados na Europa Central que
foram associados aos vampiros! O brasileiro Cícero Moraes, em 2016, realizou a reconstrução facial de um
crânio de um dos vampiros de Celakovice. O resultado remeteu a um homem europeu, com cerca de 30-40
anos e com a aparência reproduzida na imagem construída por Moraes.
Na República Tcheca, em julho de 2008, arqueólogos do East Bohemian Museum, na região de
Pardubice (povoado de Mikulovice) escavaram uma sepultura da Idade do Bronze com cerca de 4 mil anos. O
enterro anti-vampiro se evidenciava em duas pesadas pedras colocadas, uma no topo da cabeça e outra,
sobre o peito do esqueleto. Desta forma o amaldiçoado não poderia sair da tumba.

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Vampiro de Celakovice. Imagem elaborada por Cícero Moraes.

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Centenas de outros esqueletos já foram encontrados durante escavações com sinais de sepultamento
anti-vampiro. Além da República Tcheca, os sítios arqueológicos estão na Bulgária, Polônia, Hungria,
Romênia, Itália, Inglaterra etc.
As descobertas evidenciam materialmente que a crença em vampiros e superstições sobre a volta dos
mortos está enraizada em vários países e que se fazia presente na ritualização ligada ao passamento.
Estacas, amarramentos, metais, pedras pesadas, tijolos na boca, faziam parte do instrumental utilizado para
o “não retorno” daqueles considerados possíveis vampiros. Outra constatação é de quase todos os
esqueletos eram de homens.
Esqueleto em Celakovice. Escavação ocorrida por volta de 1966.

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Crânio encontrado em Mikulovice.
Esqueleto no cemitério dos vampiros de Celakovice.

40
Crânio de uma mulher com tijolo na boca para não morder os vivos durante uma epidemia.
Veneza, 1576. Itália, Reuters.

41
Estaca de ferro no coração. Bulgária. AFP.

42
Escavação na Hungria sendo encontrado um vampiro com uma
Vampiro de 700 anos com estaca de ferro na Bulgária (cidade de Sozopol, Mar
estaca de ferro no coração. AFP.
Negro). Descoberta em junho de 2012. Fonte: AP.

43
Esqueleto em Sofia (Bulgária) século XII. Antigo templo dePerperikon. A barra de ferro tem cerca de um quilograma. In: Revista Galileu.

44
Esqueleto na Bulgária (necrópole de mosteiro na cidade de Veliko Tarnovo, centro do país). Outro esqueleto já havia sido
encontrado com as mãos amarradas neste sítio. Encontrado em 2014. Ritual pagão antivampiro com pedras segurando pernas e
tórax, além de estar recoberto com carvão queimado. Acervo: Nikolay
Ovcharov.

45
Vampiro na Polônia (Gliwice) com a cabeça decapitada e colocada nos pés. Também foi imobilizado com ferro. In: www.terra.comarqueologia.

46
Vampiro na Polônia (cidade de Drawsko Pomorskie) escavado em 2009. No pescoço foi colocado um gancho de ferro para evitar os passeios fora do túmulo. Seis
esqueletos foram encontrados com a foice e a hipótese é de que morreram de epidemia de cólera (entre os séculos XVII e XVIII). O cólera pode ter sido associado a
manifestações vampíricas.

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Mulher (45-49 anos) com pedra na boca na Polônia (cidade de Drawsko
Pomorskie). Possível Morte por cólera e no mesmo cemitério dos corpos com foices.

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Vampiro na Polônia (Kamiem Pomorsk) século XVI. Pedra colocada na boca. Fonte: Daily Mail.

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A PRODUÇÃO ESCRITA
O tema vampirismo deixou pistas ou estudos sistemáticos em fontes que recuam ao século XII (“Rerum
Anglicanum”) e se intensificam no século XVIII. Isto não significa - que de forma difusa - outras fontes
escritas não tenham trazido informações sobre a ocorrência do fenômeno desde a antiguidade Greco-
romana e Oriental.
Será no século XVII que o vampirismo começa a se tornar um tema a ser explorado em livros voltados a
explicações plausíveis ou a desmitificações enfáticas. O nascimento remete ao grego Leo Allatius em livro de
1645 seguido de Philip Rohr em 1679. A primeira metade do século XVIII se encarregará de difundir as
práticas antivampíricas de populações eslavas e ao fazer isto, alimentou ainda mais a curiosidade sobre a
existência dos vampiros. Karl Ferdinand von Schertz em 1704, Michael Ranft (1728), “Visum et Repertum”
(1732), Marques d’Argens (1732), Johann Christoph Harenberg (1733), Guiseppe Davanzati (1744) e
Augustin Calmet (1746), são algumas das fontes sobre o assunto.
A seguir, será feita uma breve contextualização destas obras evidenciando que as práticas culturais
buscam ser explicadas e desconstruídas em seu significado nativo e repostas a luz de explicações cristãs ou
iluministas. É uma tentativa de racionalizar expressões culturais milenares e ao trazer à tona estas
manifestações extraordinárias e o vampirismo, acaba-se dando voz a um personagem marginal nos escritos
intelectuais da Europa Ocidental. Estas discussões também alimentarão a imaginação literária que passara a
dar novo sentido as lendas e as práticas das comunidades rurais eslavas.

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RERUM ANGLICARUM
A partir das lendas surgidas no Leste Europeu é que se construiu o vampiro moderno. No século XII,
dois clérigos ingleses, Walter Map e William de Newburgh (1136-1198), registraram a crença local em
mortos que saíam de suas tumbas em busca de alimento. Estas crônicas chamadas de “Historia Rerum
Anglicarum”, menciona casos de mortos que voltam à vida em narrativas fundadas na obediência ao
catolicismo. Numa passagem diz: “É verdade – e sei bem- que, se não fosse por muitos casos ocorridos em
nossos dias e pelo confiável testemunho de pessoas responsáveis, não seria possível acreditar em tais fatos,
isto é, que os corpos de mortos pudessem levantar de seus túmulos, revividos por alguma força
sobrenatural, andando pelos locais e causando pânico e até mesmo matando os vivos, e que, retornando às
suas covas, estas estariam abertas para recebê-los – Crônicas, Livro 24” (SUANO:53).

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O PRIMEIRO RELATO DA ELIMINAÇÃO DE UM VAMPIRO
Uma crônica escrita no século XII é o mais antigo relato de eliminação de um vampiro. Ao se espalhar
uma peste na cidade, alguns homens decidem que o responsável é um morto, considerado vampiro. Vão até
sua a sepultura e o desenterram, levando-o para a floresta onde arrancam e despedaçam o coração, cortam
a cabeça e queimam os restos (LECOUTEUX, 2005:141-142). Nesta crônica William de Newbury (1136-1198)
deixou registrado os procedimentos para eliminar um vampiro que neste caso, é um marido traído que volta
depois de morto:

“À noite, com efeito, saindo de seu túmulo por obra de Satã, perseguido por um bando de cães soltando latidos horríveis, ele
voltava às praças públicas e rondava as casas... Infectado pelas emanações deste corpo repelente, o ar enchia todas as casas de
doentes e mortos, porque respiravam essa pestilência. Todos se reuniram em assembléia a pedido do padre local.
Enquanto essas pessoas comiam, dois irmãos, que tinham perdido o pai por causa dessa epidemia, tomaram a palavra e se
encorajaram mutuamente: “esse monstro, diziam eles, causou a perda de nosso pai, e logo causará a nossa se não tomarmos
cuidado. Pratiquemos um ato viril, não só por prudência para nos salvar, como para vingar a morte violenta de nosso pai. Nada
nos impede, aproveitemos que na casa do padre estão no meio da refeição e toda cidade está calma como se estivesse deserta.
Vamos desenterrar este flagelo e queimá-lo!”. Então, pegando uma enxada bem afiada, chegaram ao cemitério e se puseram a
cavar. Depois de tirar muito pouca terra, quando pensavam dever cavar mais profundamente, o cadáver subitamente apareceu.
Ele estava inchado a ponto de apresentar uma dimensão enorme, com um rosto vermelho e inflado para além de qualquer
medida. A mortalha que o envolvia parecia ter sido dilacerada de dentro. Nada assustados, os rapazes animados pela cólera
aplicaram um ferimento nesse corpo inanimado: imediatamente saiu tal quantidade de sangue que ficou evidente que ele tinha
sido a sanguessuga de muitas pessoas. Os jovens arrastaram, então, o cadáver para fora da cidade e armaram rapidamente uma

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fogueira. Um deles disse que um cadáver portador de peste não podia queimar enquanto o seu coração não fosse extraído, então o
outro abriu o flanco do corpo com repetidos golpes de sua enxada afiada, enfiou a mão e arrancou o coração maldito que foi feito
em pedaços na mesma hora... A partir desse momento, após a destruição desta besta infernal, a peste que fazia furor entre a
população se acalmou, como se o fogo, que tinha feito desaparecer o cadáver de maneira terrível, tivesse purificado o ar das
impurezas devidas às perambulações do fantasma pestilento” (NEWBURY, reproduzido por LECOUTEAUX:141).

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PRIMÓRDIOS DA VAMPIROLOGIA: LEO ALLATIUS
Leo Allatius, também conhecido como Leone Allacci, foi, provavelmente, ainda no século XVII, o
primeiro vampirologista do mundo, e, provavelmente, o primeiro autor moderno de um livro sobre
vampiros. Nascido em 1586 em Chios, uma ilha grega, foi morar em Roma em 1600 para estudar no Colégio
Grego e, após o encerramento dos seus estudos, ele retornou a Chios como assistente do bispo
católico Marco Giustiniani. Alguns anos depois ele voltaria à Itália para estudar medicina e retórica,
chegando a trabalhar vários anos na biblioteca do Vaticano. Em 1661 ele foi nomeado curador, vindo a
morrer, em Roma, em 19 de janeiro de 1669.
Em 1645 Allatius terminou a obra “De Graecorum Hodie Quirundam Opinationibus“, que discutia as
crenças e tradições dos povos da Grécia, fazendo uma cobertura detalhada das tradições vampíricas de seu
país. Um dos pontos altos da obra é a descrição do vrykolakas, corpo não-decomposto tomado por
demônio, e os procedimentos da Igreja grega quanto às providências a serem tomadas. Pouco depois, o
próprio Allatius confirmou suas crenças na existência de vampiros, narrando casos surgidos em Chios.
Apesar de sua crença na existência de vampiros, Allatius não se esforçou em aprofundar mais sobre o
tema. Mesmo assim, sua obra popularizou o vampirismo na Europa e o relacionou à Grécia, relação esta que
foi alimentada até o final do século XIX, quando o mito do vampirismo foi deslocado mais para o Leste
europeu (muito por causa da obra “Drácula“, de Bram Stoker).
Também podemos notar que a obra de Leo Allatius não faz julgamentos severos quanto aos mitos que
descreve, principalmente o vampirismo, e tal não se deve apenas pelo fato dele acreditar em vampiros: um
dos esforços de Allatius foi o de unir as Igrejas grega e romana, o que deixou suas apresentações das

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crenças locais mais delicadas, pois, de acordo com suas convicções, elas precisavam ser aceitas em Roma
como uma extensão da cultura local, e não como heresias.

Leon Allatios. Lit. Fili. Doyen, Torino, 1872.

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VALVASOR E O PRIMEIRO VAMPIRO MODERNO DOCUMENTADO
O historiador esloveno Johann Weikhard Freiherr von Valvasor (esloveno Janez Vajkard Valvasor) ou
simplemente Valvasor (Carniola, 28 de maio de 1641-Krško, Carniola, setembro de 1693) em seu livro “O
Horror do Ducado de Crain” (“Die Ehre dess Hertzogthums Crain - 1689) escreveu sobre o vampiro Jure
Grando Alilovic (1579-1656) na localidade croata de Kringa na Istria. Jure (ou Giure) Grando era um
camponês que morreu em 1656, retornando como vampiro e tendo abusado sexualmente da própria viúva.
O relato é de um padre que tentou afugentá-lo com um crucifixo e não funcionou. Moradores abriram sua
tumba e encontraram o corpo intacto. Tentaram cravar estacas de madeira em seu coração, mas não
obtiveram êxito e como vingança o vampiro matou familiares dos atacantes nos meses seguintes. Apenas
em 1672 um padre e nove moradores conseguiram degolar “Grando” enquanto dormia em seu caixão. A
decapitação provocou a perda de muito sangue e resultou na morte do vampiro, colocando fim a 16 anos de
horror para os moradores de Kringa.

Valvasor escreveu sobre os “strigoi” ou “strigon” (feiticeiro morto-vivo) que se alimentava de sangue,
especialmente de crianças e animais, levantando-se de suas tumbas e atacando as aldeias à noite. O
“strigoi” ia até a porta de uma casa e chamava o morador (antigos vizinhos ou familiares) ocorrendo alguma
morte nos dias seguintes. Na região da Istria os “strigoi” introduziam-se secretamente na casa de mulheres
solteiras ou viúvas para violentá-las.

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Valvasor em 1689. http://www.portraitindex.de/documents/obj/67101665

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MERCURE GALANT (1663)
Na transição do século XVII para o XVIII, o vampirismo enquanto tradição popular eslava sofre uma
reconstrução discursiva para a linguagem iluminista, jornalística e acadêmica.
O jornal parisiense “Mercure Galant”, em sua edição de maio de 1663, traz uma matéria sobre o
vampirismo na Polônia e na Rússia. É feito referência de que o diabo tira o sangue do corpo de uma pessoa
viva ou do gado para alimentar um cadáver o qual se enche de sangue até a altura das orelhas quando
deitado no túmulo. De fato, este demônio se manifesta num cadáver que passa a atormentar pessoas
durante à noite e sugar o seu sangue. A solução seria cortar a cabeça, abrir o coração do cadáver e as
pessoas comerem pão com o sangue do vampiro. Segundo o jornal, estas ocorrências eram tão comuns na
Rússia que até padres atestariam de sua veracidade.
O tema voltou a ser tratado em janeiro de 1664 no Mercure Galant com um longo escrito assinado por
Marigner, Senhor de Plessis e advogado no parlamento de Paris. O autor argumenta que as almas
condenadas ao purgatório como os “cruéis striges da Rússia” podem causar distúrbios e que os espíritos
vagantes não são pessoas vivas, mantendo suas más inclinações em vida após sua morte. Marigner enfatiza
que os espíritos malignos recebem ordens do diabo se metamorfoseando com bruxas, bruxos e lobisomens.
Um longo período depois, o mesmo jornal “Mercure Galant” em fevereiro de 1694, retoma a discussão
com base numa carta do primeiro-secretário da Rainha da Polônia, Sr. Desnoyers, que relatou da veracidade
destes eventos relacionados aos defuntos que sugam o sangue dos vivos e dos animais o que foi refutado
por médicos.

58
PHILIP ROHR E A MASTIGAÇÃO DOS MORTOS (1679)

Uma fonte para a discussão dos vampiros é a “Dissertação Histórico-Filosófico de Mastigação


Mortuorum” (“De Masticatione Mortuorum”) do teólogo protestante Philip Rohr. O livro foi publicado em
1679 pela Universidade de Leipzig e analisa o retorno à vida de alguns cadáveres e a crença de que
devoravam suas mortalhas fúnebres, seus próprios corpos e cadáveres enterrados. Rohr associou estes
mastigadores como expressão maligna e acreditava na possessão demoníaca dos cadáveres. A criatura
retratada por Rohr é o “Nachzehrer”1 alemão, espécie de vampiro que se acreditava mastigar em seu túmulo.
Nachzehrer atacando um religioso. Século XVII.

“Os surtos de histeria de vampiros ocorrem, estima-se,


de 1672 a 1772. Eles iniciam na Alemanha, que se torna
a pioneira nos estudos e discussões universitárias
sobre o tema e suas tentativas de explicação e
entendimento. Por ser precursora das investigações, a
Alemanha também é a precursora das obras literárias
sobre vampiros embora, na maior parte delas, ainda
não houvessem sido denominados assim” (VIEIRA,
2015: 52).

1
Tipo de vampiro encontrado em áreas germânicas e polonesas incluindo Silésia e Baviera. O nachzehrer não é um sugador de sangue mas um devorador de corpos já
mortos. Estão relacionados com doenças e epidemias, devorando preferencialmente seus familiares.

59
Christian Gotthold Wilisch, 1737. O livro reproduz os escritos
de Andreas Moller de 1653 os quais fazem um relato das
mastigações de cadáveres durante a peste de 1552 em
Hermsdorff-Alemanha. Os cadáveres tinham a cabeça
cortada e queimada. Estes relatos indicam a associação da
peste com a eclosão de casos de mastigadores.

60
JOSEPH PITTON TOURNEFORT (1700)
O livro “Relação de uma Viagem ao Levante” (1717), do botânico Joseph Pitton de Tournefort (atuava
com a cátedra de Medicina e Botânica no Collège Royal em Paris e faleceu em 1708), traz um relato da ação
de um vampiro “vrykolakas” na Ilha de Mykonos (ilha grega no Mar Egeu). Este naturalista francês realizou
viagens/pesquisas nas ilhas do Mar Egeu, Constantinopla e Mar Negro entre 1700-1702. Sua detalhada
narração dos acontecimentos ligados a um “vrykolakas” ou “voucrolacas” (espectro composto por um corpo
morto e por um demônio) traz elementos da vida cotidiana na Ilha de Mykonos nos primórdios do século
XVIII e o imaginário vampírico entranhado na população.
O relato dos acontecimentos e a incredulidade do cientista frente ao fenômeno do medo coletivo é um
documento que remete a dezembro do ano de 1700.

“Vimos uma cena bem diferente e bem trágica na mesma ilha [i.e., em Mykonos] por ocasião de um desses mortos que se
acredita regressarem depois do seu enterramento. Vamos contar a história de um paisano de Mykonos, de seu natural tristonho e
quezilento; há uma circunstância que deve notar-se relativa a casos deste tipo: [ele] foi morto no campo, não se sabe por quem,
nem como. Dois dias depois de ter sido inumado numa capela da aldeia, correu o rumor de que o viam de noite calcorrear os
caminhos a grandes passadas, que entrava nas casas e virava os móveis, que apagava as lâmpadas, que abraçava as pessoas por
detrás, e fazia mil partidas. Inicialmente provocava sorrisos apenas; mas a coisa tornou-se séria quando as pessoas mais
importantes começaram a queixar-se: os próprios Papas [i.e., padres] concordaram que era sério e nisto sem dúvida que teriam as

61
suas razões. Rezaram-se missas: o paisano continuou, contudo, com a sua vidinha, sem se corrigir. Depois de várias reuniões das
autoridades, dos padres e dos religiosos, concluiu-se que era preciso, de acordo com não sei qual cerimonial antigo, esperar que
decorressem nove dias depois do enterro.
No décimo dia rezou-se uma missa na capela onde estava o corpo, afim de expulsar o demónio, que se acreditava nele estar
metido. O corpo foi desenterrado depois da missa, e tratou-se de lhe arrancar o coração. O carniceiro da cidade, já velhote e
muito desajeitado, começou por abrir o ventre em vez do peito: procurou nas entranhas por bastante tempo, sem nelas encontrar
o que procurava: finalmente alguém lhe disse que era preciso furar o diafragma. O coração foi arrancado com a admiração de
todos os presentes. O cadáver, porém, fedia tanto, que foi necessário fazer arder incenso; mas a fumarada, misturada com as
exalações desta carniça, apenas fazia aumentar a pestilência, e começou a aquecer os miolos desta pobre gente. A sua imaginação,
agudizada pelo espetáculo, encheu-se de visões. E disse-se que saía deste corpo uma fumarada espessa: nós não ousávamos dizer
que era do incenso. Gritava-se Vroucolacas na capela e no largo fronteiro: é esse o nome que se dá a estes pretensos mortos-vivos.
O barulho alastrou para as ruas como em vagas grunhosas, parecendo que este nome fora inventado de propósito para abalar a
cúpula da capela. Diversos assistentes asseguravam que o sangue deste infeliz era bem vermelho: o carniceiro jurava que o corpo
estava ainda quente; de onde se conclui que o morto fizera bem mal em não ter continuado morto, ou, melhor dizendo, por se ter
deixado reanimar pelo diabo; é essa precisamente a ideia que fazem do Vroucolacas. Fazia-se então ressoar este nome de uma
maneira espantosa. Apareceu nesse momento um punhado de pessoas, que protestavam em voz alta dizendo que se tinham
apercebido muito bem que este corpo não ficara rígido, quando o levaram do campo para a Igreja para o enterrar, e que por
consequência era um verdadeiro Vroucolacas: era esse o refrão.

62
Não duvido que nos acabariam por garantir que ele não fedia, se não tivéssemos estado presentes, de tal maneira estava esta
pobre gente aturdida com a situação, e enfatuada com o regresso dos mortos. Nós, que nos colocáramos junto do cadáver para
observar com mais exatidão, quase desmaiámos com o enorme fedor que dele saía. Quando nos perguntaram o que pensávamos
deste morto, respondemos que achávamos que estava bem morto; mas como queríamos curar, ou pelo menos não ofender, a sua
imaginação ferida, dissemos que não era surpreendente que o carniceiro tivesse notado algum calor ao mexer nas entranhas que
apodreciam; que não era extraordinário que delas saíssem alguns vapores, que saem de um fumeiro que se remexe; que, quanto a
este pretenso sangue vermelho, e que se via ainda nas mãos do carniceiro, não era mais do que um limo muito fedorento.
Depois de todas estas considerações, acordou-se ir até à marina, queimar o coração do morto, o qual, apesar desta operação,
se mostrou menos dócil, e fez mais barulho do que antes: acusaram-no de bater em pessoas à noite, de rebentar as portas, e
mesmo os terraços; de partir as janelas, de rasgar as roupas; de entornar os jarros e as garrafas. Tratava-se de um morto bastante
alterado: creio que apenas poupou a casa do cônsul na qual pernoitávamos. No entanto não vi nada de mais lamentável do que o
estado em que se encontrava esta ilha: toda a gente tinha a imaginação transtornada: mesmo as pessoas de melhor espírito
pareciam tão atacadas como as demais: era uma verdadeira doença do cérebro, tão perigosa como a mania ou a raiva. Viam-se
famílias inteiras abandonar as suas casas, trazendo das extremidades da cidade até a Praça as suas enxergas, para passar a noite.
Todos se queixavam de novas ofensas: e só se ouviam gemidos ao tombar da noite; os mais sensatos partiram para o campo.
Neste estado tão geral de prevenção, tomámos a decisão de nada dizer. Porque não só nos teriam tratado de ridículos, mas
também de infiéis. Como fazer cair em si toda uma população? Os que acreditavam no seu íntimo que nós duvidávamos da
veracidade dos factos, vinham até nós para nos censurar pela nossa incredulidade, e pretendiam provar que há Vroucolacas, por
meio de uma qualquer citação retirada do Escudo da Fé do padre Richard, missionário jesuíta. Era latim, diziam, e por

63
consequência deveis acreditar nele. Nada lucraríamos se negássemos a consequência: contavam-nos todas as manhãs a comédia,
por um relato fiel das novas loucuras cometidas por esta ave noturna: acusavam-no mesmo de ter cometido os pecados mais
abomináveis.
Os cidadãos mais zelosos do bem público acreditavam que se tinha errado no ponto mais essencial da cerimónia. Bastaria,
segundo eles, celebrar a missa depois de ter arrancado o coração deste infeliz; e pretendiam que, com esta precaução, não teriam
deixado de surpreender o diabo, e que sem dúvida este não encontraria forma de voltar, em vez de, tendo-se começado pela
missa, ele ter tido, diziam eles, todo o tempo para fugir e poder regressar depois à sua vontade.
Não obstante todos estes raciocínios, as pessoas encontravam-se no mesmo embaraço que no primeiro dia; reuniam-se à
tarde e de manhã, faziam procissões durante três dias e três noites, obrigavam os Papas a fazer jejum, viam-nos a andar pelas
casas com o hissope na mão, a lançar água-benta e a lavar as portas; e enchiam mesmo de água-benta a boca desse pobre
Vroucolacas.
Dissemos muitas vezes aos administradores da cidade que, em caso similar, não se deixaria na Cristandade de exercer
vigilância durante a noite, para se observar o que se passaria na cidade; que talvez se devessem prender alguns vagabundos, os
quais certamente teriam algo a ver com todas estas desordens: aparentemente não seriam os seus principais autores, ou então
libertaram-nos demasiadamente cedo; porque dois dias depois, para se compensarem do jejum que lhes tinha sido imposto na
prisão, recomeçaram a esvaziar os jarros de vinho dos que eram suficientemente tolos para terem abandonado as suas casas
durante a noite: foram assim obrigados a regressar às orações.
Um dia em que se recitavam certas orações, depois de se terem enterrado já não sei quantas espadas nuas na fossa deste
cadáver, o qual se desenterrava três ou quatro vezes por dia, segundo o capricho do primeiro recém-chegado; um albanês que

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por essa ocasião se encontrava em Mykonos, achou por bem dizer num tom de doutor que era perfeitamente ridículo em tais
casos usar as espadas dos cristãos. Não vêdes, pobres cegos, dizia ele, que a guarda dessas espadas, ao desenhar uma cruz com o
punho, impede o diabo de sair desse corpo? Porque não usais ao invés os sabres dos turcos? O conselho deste homem hábil de
nada serviu: o Vroucolacas não parecia mais tratável, e toda a gente permanecia numa estranha consternação: não sabiam a que
santo se voltar, quando, de uma só voz, como se uma ordem tivesse sido transmitida, se puseram a gritar por toda a cidade, que já
era demasiada a espera, que era preciso queimar o Vroucolacas inteiro: que depois disso impediriam o diabo de a ele regressar:
que era melhor recorrer a esse extremo, que deixar deserta a ilha. Com efeito, havia já famílias inteiras que empilhavam as
bagagens, com o propósito de se retirarem a Sira ou a Tinos. Levou-se, pois, o Vroucolacas por ordem dos administradores à ponta
da Ilha de São Jorge, onde se preparara uma grande fogueira com alcatrão, com o receio de que a madeira, por mais seca que
fosse, não queimasse tão depressa por si mesma: os restos deste infeliz cadáver foram lá deitados e consumidos em pouco tempo:
era o primeiro dia de janeiro de 1701. Vimos este fogo ao regressar de Delos; bem lhe podíamos chamar um verdadeiro fogo
celebratório, pois não se ouviram mais queixas contra o Vroucolacas; as pessoas contentaram-se em dizer que o diabo fora bem
apanhado dessa vez e fizeram-se algumas canções para o ridicularizar.
Em todo o arquipélago acredita-se que só aos gregos do rito grego é que o diabo reanima os cadáveres: os habitantes da ilha
de Santorini apreendem bem estas espécies de lobisomens: os de Mykonos, depois de as suas visões se terem dissipado, receavam
também as perseguições dos turcos e as do bispo de Tinos. Nenhum Papa quis permanecer em São Jorge, quando se queimou este
corpo, com receio de que o bispo exigisse uma quantia por terem desenterrado e queimado o morto sem a sua permissão. Quanto
aos turcos, é verdade que, logo na sua primeira visita, obrigaram a comunidade de Mykonos a pagar o sangue deste pobre diabo
que se tornou desta maneira a abominação e o horror da sua terra. Depois disto não é mister confessar que os gregos de hoje não

65
são grandes Gregos, e que só há entre eles ignorância e superstição?” Tradução retirada de
https://afrescuradarelva.wordpress.com/tag/vampiros/

Pitton de Tournefort. Morreu com 52 anos atropelado por uma


carroça.

66
A DIFUSÃO DO TEMA VAMPIRISMO

O Dr. Björn Forsén (docente em história no Departamento de Filosofia, História, Cultura e Estudos
Artísticos da Universidade de Helsinque), contextualizou a Grande Guerra Turca como o pano de fundo
histórico que propiciou que as práticas culturais anti-vampíricas fossem conhecidas na Europa Ocidental
(além de sua difusão na Áustria).
Conforme o prof. Forsén:
“Durante e após a Grande Guerra Turca de 1683 a 1699, o contato entre as partes leste e oeste da Europa aumentou
consideravelmente. Centenas de milhares de soldados de toda a Europa lutaram na guerra nos Bálcãs e na Grécia. Como resultado
desta e das guerras subsequentes, as regiões ortodoxas gregas ficaram sob o domínio Habsburgo (Sérvia e Transilvânia) e Venetian
(o Peloponeso e Dalmácia, entre outros). Essa nova exposição a seguidores da fé ortodoxa grega espalhou contos de vampiros
como um incêndio. Em inglês, a palavra "vampiro" apareceu pela primeira vez em 1688 e em francês em 1693.
Embora descrições de vampiros já tivessem surgido anteriormente (o “De quorundam Graecorum Opinationibus”, de Leo
Allatius, em 1645 continha a primeira menção de vampiros no mundo grego), não foi até o início do século XVIII que a Europa
católica e protestante ficou inundada de relatos como o de Tournefort. Embora algumas contas de viagem semelhantes às de
Tournefort tenham sido traduzidas e amplamente divulgadas em grandes edições, alguns casos muito divulgados na Sérvia
tiveram o maior impacto. As autoridades de Habsburgo nomearam comissões oficiais para investigar esses casos, e os relatórios
foram publicados, traduzidos e freqüentemente citados na imprensa europeia (In: Boletim da Finlândia, 2014, Biblioteca Nacional
da Finlândia https://www.kansalliskirjasto.fi/extra/bulletin/hi5.html).

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MAGIA POSTHUMA – VON SCHERTZ (1704)

“Magia Posthuma” é um livro escrito pelo advogado católico Karl Ferdinand von Schertz (?-1723)
em 1704. Von Schertz relata o caso de um espectro que vagava na Morávia e prejudicava os moradores além
de outras referências a ação de redivivos. O abade Calmet no capítulo VII do seu livro “Tratado sobre a
Aparição de Espíritos” traz um relato sobre o livro de Von Schertz e desta forma divulgou a sua existência.
Atualmente, raros exemplares ainda existem da obra.
Em “Magia Posthuma” é relatado
“que em certa aldeia uma mulher morreu munida de todos os sacramentos, foi enterrada no cemitério da maneira
habitual. Quatro dias após o seu falecimento, os habitantes da aldeia ouviram um grande barulho e um tumulto
extraordinário, e viram um espectro que aparecia, às vezes sob a forma de um cão, às vezes sob a de um homem não para
uma, mas para várias pessoas, e lhes causava grandes dores, apertava-lhes a garganta e comprimia-lhes o estômago até
sufocar: destruía quase todo o corpo e os reduzia a uma fraqueza extrema, de modo que eles viviam pálidos, magros e
extenuados. O espectro atacou até mesmo os animais, e foram encontradas vacas abatidas e meio mortas, às vezes ele
atacava uma ou outra pelas costas. E os mugidos dos animais deixavam clara a dor que sentiam. Viam os cavalos cansados,
suados principalmente sobre as costas excitados, ofegantes como após uma longa e penosa corrida. Essas calamidades
duraram vários meses.
O autor que nomeei, examina a coisa judicialmente, e pensa muito sobre o caso e sob à luz do direito. Ele pergunta,
assim supondo que estas perturbações, estes boatos, estes vexames vêm desta pessoa suspeita, se ela pode ser queimada,

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como faz-se com os corpos dos outros revividos que são prejudiciais aos vivos. Traz vários exemplos de aparecimentos
similares, e de outros mais que se seguiram, como um pastor da aldeia de Blow, perto da vila de Kadam na Boemia, que
apareceu depois de algum tempo, e que chamava algumas pessoas, que não escapavam à morte em oito dias. Os camponeses
de Blow desenterraram o corpo deste pastor, e o fixaram na terra com uma estaca atravessando o corpo.
Ele zombou do tratamento que lhe deram e agradeceu por terem lhe dado uma vara para defender-se contra os cães.
Na mesma noite ele levantou-se e assustou com sua presença várias pessoas, e sufocou mais do que havia feito até então.
Logo após o nascer do sol, puseram-no sobre um carro para transportá-lo para fora da aldeia e queimá-lo. O cadáver gritou
furioso e agitou os pés e as mãos como vivo, no momento em que o furaram, soltou muitos gritos e derramou sangue muito
vermelho e em grande quantidade. Por último, queimaram-no e esta execução pôs fim aos aparecimentos e às infestações
deste espectro.
Usou-se do mesmo método em outros lugares, onde foram visto revividos semelhantes, e quando os tiravam da terra
pareciam vermelhos, tendo os membros flexíveis e maleáveis, sem corrupção do corpo, mas não sem grande mau-cheiro. O
autor cita diversos outros escritores que atestam o que se diz destes espectros, que aparecem ainda, diz-se, frequentemente
nas montanhas da Silésia e Moravia. São vistos de noite e de dia, percebe-se as coisas que lhes pertenceram mexer e mudar
de lugar, sem que nenhuma pessoa toque. O único remédio contra estes aparecimentos é cortar a cabeça e queimar o corpo
dos que retornam.
Contudo, não se procede sem alguma forma de justiça: citam-se e escutam-se os testemunhos, examinam-se as razões,
consideram-se os corpos exumados, para ver se são encontradas as marcas comuns, que fazem pensar que estes molestam os
vivos, como a mobilidade e a flexibilidade dos membros, a fluidez do sangue, a incorrupção da carne. Se estas marcas são
encontradas, são entregues ao carrasco que queima-os. Algumas vezes os espectros aparecem ainda durante três ou quatro

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dias após a execução. Às vezes prorrogam por seis ou sete semanas o enterro das pessoas suspeitas. Quando não se
corrompem e seus membros permanecem flexíveis e maleáveis, como se estivessem vivos, então são queimados. Garantem
que os objetos destas pessoas movem-se sem que nenhuma pessoa viva os toque, e foi visto recentemente em Olmuz,
continua ainda nosso autor, um espectro que gritava das pedras causando grande perturbação aos habitantes” (reproduzido
de VIEIRA, 2015:93-95).
http:// digilib . phil . muni . cz / bitstream / handle / 11222 . digilib / 125920 / 1 _Slavic
aLitteraria _ Magia posthuma per iuridicum ilud pro et sus suspensa nonnulli iudicio
investigata. 1704. Arcebispado de Olomouc - Museu Arquidiocesano de
Kroměříž. Karl Ferdinand Schertz.

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MICHAEL RANFT (1725)
“É uma crença comum na Alemanha, que certos mortos mordem em suas tumbas, e devoram o que se encontra ao
redor deles”. Ranft.

“De Mastigatione Mortuorum en Tumulis” (“Da Mastigação dos Mortos em suas Tumbas”) foi escrito por
Michael Ranft (1700-1774) um filósofo e pastor evangélico alemão. O livro foi escrito entre 1725-1728 e
investigou o costume de enterrar os mortos colocando moedas de prata em seus olhos, pedras na boca e
cravar uma estaca no coração para evitar que o morto se levante do túmulo. Não é um estudo sobre
vampiros, mas, remete ao tema da volta dos mortos de suas sepulturas.
Uma das motivações da escrita foi criticar a obra de Philipp Rohr que acredita no caráter maligno dos
mastigadores. Ranft refuta o poder do demônio em possuir um cadáver e busca os fatores naturais e o
poder da imaginação para explicar os relatos de mastigadores. Explicações estariam relacionadas a enterros
prematuros (fome e desespero para sair do caixão); o barulho da mastigação poderia ser do processo de
decomposição e também dos ratos que cavavam túneis para devorar os cadáveres – mastigação seria fruto
da imaginação humana!
Rohr considerava que o mito do revivente não passava de fecunda imaginação e de superstições
arraigadas em populações. Ele debocha da crença da Igreja Católica frente a incorruptibilidade dos corpos e
seu sentido de santidade. A não putrefação de corpos deveria ser explicada pela observação dos fenômenos
e não pela crença em que eram santos (sempre que estivessem ligados a obras morais da Igreja e não
manifestassem os sintomas do vampirismo/mortos ambulantes).
Com pertinência Gabriel Braga (2015:61-62) destacou:

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“Apesar da perspectiva da observação do fenômeno Ranft colocou um grande peso na imaginação: como exemplo, a
imaginação de mulheres grávidas tinha poderes para afetar o feto. Doenças poderiam ser contraídas apenas pelo medo.
Os rituais mágicos, as poções e os encantamentos não teriam outro efeito a não ser o de excitar a imaginação das
pessoas. Nisto residiam os seus efeitos. Aplicando isso ao caso dos vampiros, quando um parente morria a família
entrava em estado de luto e essa tristeza poderia causar diferentes efeitos nas pessoas. Juntando à tristeza a crença no
purgatório e as histórias sobre aparições de mortos e os vampiros, alucinações poderiam ser criadas, tão fortes que
poderia até mesmo levar uma pessoa à morte (...) Se por um lado “De Masticatione Mortorum in Tumulis” (1728) nega a
influência divina ou demoníaca no que diz respeito aos vampiros e afirma que essas explicações eram devido à
ignorância e ausência da Razão para explicar os fenômenos, por outro ele admite que existem forças escondidas na
natureza, as quais ele, por utilizar a Razão, não ignorava. A imaginação também possui um papel completamente
fantástico. O morto conseguia influenciar na vida dos vivos mesmo dentro do caixão. Como a morte só estava
completamente consolidada com a decomposição do corpo, para Ranft era completamente natural que as aflições
cessassem com a decapitação e incineração do suposto vampiro”.

72
“Tratado de Mastigar os Mortos”, edição impressa em Leipzig, 1734.

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O CASO PETER PLOGOJOWITZ (1725)

Um dos mais clássicos relatos de vampiros ocorreu na vila de Kisilova, na Sérvia quando ocupada pela
Áustria. O assunto obteve divulgação pois o relatório do médico Frombald do Distrito de Gradisker (enviado
pelo Imperador da Áustria para a região) foi publicado no “Diário de Viena” de 21 de julho de 1725 e
reproduzido em outros jornais europeus.
O personagem central é agricultor Peter Plogojowitz com aproximadamente 60 anos de idade, que
faleceu e supostamente retornou do túmulo. Dez semanas após sua morte ele passou a ser visto por
familiares e vizinhos. Nove pessoas afirmaram terem visto o falecido que tentara inclusive estrangulá-los.
No prazo de uma semana dos contatos estas pessoas morreram. Inclusive a viúva de Plogojowitz foi visitada
pelo falecido que lhe pedira seus sapatos para ir até outra vila. Foi relatado que ele pediu comida ao filho e
que os aldeões que faleceram, se sentiram cansados devido à perda de sangue. Durante o sonho eram
visitados por Plogojowitz que sugava sangue dos seus pescoços.
Com o clamor dos moradores de que a vila seria destruída pelo vampiro, as sepulturas foram abertas
e Peter apresentava aparência normal com pele fresca, tendo seu cabelo e unhas crescido, estando a sua
boca suja de sangue fresco. Foi introduzida uma estaca no coração o que fez o sangue jorrar copiosamente
da boca e das orelhas. O último passo, acompanhado também de um padre, foi os aldeões queimarem o
corpo. Frombald conclui seu relatório sobre o caso com o pedido de que, caso essas ações fossem erradas,

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ele não deveria ser culpado por elas, pois os aldeões estavam "fora de si com medo". As autoridades
aparentemente não consideraram necessário tomar quaisquer medidas em relação ao incidente.
Os relatórios de autoridades e posteriormente de militares austríacos serão essenciais para a
divulgação do vampirismo nos grandes centros intelectuais europeus.
Cena do filme Nosferatu (1922).

Diario de Viena com matéria sobre vampirismo no Distrito de


Gradisken.

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VAMPIROS NA HUNGRIA (1730)
Um vampiro que se sentou à mesa de uma família dez anos depois de falecido é um caso
ocorrido na Hungria em 1730 e foi relatado por Augustin Calmet em seu livro “Dissertação”... de 1746.

“Cerca de quinze anos atrás, um soldado que estava alojado na casa de um camponês Haidamagne, nas fronteiras da
Hungria, como ele estava um dia sentado à mesa perto de seu anfitrião, o dono da casa viu uma pessoa que ele não
conhecia entrar. E sente-se a mesa também com eles. O dono da casa estava estranhamente assustado com isso, assim
como o resto da companhia. O soldado não sabia o que pensar, ignorando o assunto em questão. Mas o dono da casa
estava morto no dia seguinte, o soldado perguntou o que significava. Disseram-lhe que era o corpo do pai de seu
anfitrião, morto e enterrado há dez anos, que assim se sentara ao lado dele e anunciara e causara sua morte.
O soldado informou o regimento dele em primeiro lugar, e o regimento deu aviso disto aos oficiais gerais, que
comissionaram o Conde de Cabreras, capitão do regimento de infantaria de Alandetti, para fazer informação acerca
desta circunstância. Tendo ido para o local, com alguns outros oficiais, um cirurgião e um auditor, ele ouviu os
depoimentos de todas as pessoas que pertencem a casa, que atestada por unanimidade, que o fantasma era o pai do
dono da casa, e que tudo o que o soldado havia dito e relatado era a verdade exata, confirmada por todos os habitantes
da aldeia.
Em consequência disso, o cadáver desse espectro foi exumado e encontrado como o de um homem que acabou de
expirar e seu sangue como o de um homem vivo. O conde de Cabreras mandou que sua cabeça fosse cortada e fez com
que ele fosse colocado novamente em seu túmulo. Ele também tomou informações sobre outros fantasmas semelhantes,
entre outros, de um homem morto há mais de trinta anos, que havia voltado três vezes para sua casa na hora da
refeição. A primeira vez ele sugou o sangue do pescoço de seu próprio irmão, a segunda vez de um de seus filhos, e o

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terceiro de um dos criados da casa; e todos os três morreram instantaneamente e no local. Após este depoimento, o
comissário retirou este homem de seu túmulo e descobriu que, como o primeiro, seu sangue estava em estado fluido,
como o de uma pessoa viva, ele ordenou que eles passassem um grande prego em seu templo,
Ele causou a queima de um terço, que havia sido enterrado há mais de dezesseis anos, e sugou o sangue e causou
a morte de dois de seus filhos. O comissário, tendo feito o seu relatório para os oficiais gerais, foi transferido para o
tribunal do imperador, que ordenou que alguns oficiais, tanto de guerra e justiça, alguns médicos e cirurgiões, e alguns
homens instruídos, deveriam ser enviados para examinar as causas de esses eventos extraordinários. A pessoa que
relatou esses detalhes para nós os ouvira de Monsieur, o conde de Cabreras, em Friburgo, Brigau, em 1730”.

77
O DOCUMENTO DE 1732: VISUM E REPERTUM

. Em 3 de março de 1732 a revista “Le Glaneur Hollandais”, que circulava na corte de Versalhes,
publicou em detalhes um caso que daria início, na França, à discussão sobre a existência ou não dos
vampiros. A publicação também passou a utilizar pela primeira vez em francês “vampire”, que até então era
grafado “vampyre”. A história de Arnold Paul teve repercussão imediata em toda a Europa. A investigação do
caso foi comandada “pelo médico militar Flückinger e endossado por vários oficiais da Companhia do
arquiduque e o documento final foi apresentado ao conselho de guerra de Belgrado” (DEL PRIORE,
2000:108). O relatório intitulado “Visum e Repertum” - ver e repetir (LECOUTEUX, 2005:180-184), informava
sobre a abertura dos túmulos, exumação dos corpos e condições em que foram encontrados:

“Uma vez assinalado que, na aldeia de Medvegia (norte de Belgrado, numa área da Sérvia então pertencente ao
Império Austríaco), os chamados vampiros tinham matado algumas pessoas sugando seu sangue, o muito honrado Alto
Comando ordenou-me examinar a questão a fundo. Parti com dois oficiais e dois cirurgiões e realizei esse inquérito em
presença do capitão Gorschitz, da Companhia dos heiduques de Stallhaltar, do Hadnagi Bariactar e dos anciões da
aldeia. Ouvi o que diziam.
De suas declarações unânimes, destacou-se que um heiduque do lugar, chamado Arnold Paole, quebrara o
pescoço ao cair de uma carroça de feno havia mais ou menos cinco anos. Quando era vivo, ele dizia freqüentemente
que um vampiro o tinha perseguido perto de Gossowa, na Sérvia turca, e que tinha, então, engolido terra do tumulo do
referido vampiro e se untado com seu sangue, para livrar-se desse flagelo. No vigésimo ou trigésimo dia depois de sua
morte, várias pessoas se queixaram de ter sido atormentadas por Arnold Paole. Seja como for, quatro indivíduos
morreram por sua causa. Para acabar com esse flagelo, a conselho do Hadnagi, que já tinha assistido a acontecimento

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semelhante, exumaram Arnold Paole quarenta dias após seu falecimento; descobriram que ele estava em perfeito estado
e não decomposto. Sangue fresco escorreu de seus olhos, nariz, boca e orelha; sua camisa, mortalha e caixão estavam
todos ensangüentados. As unhas das mãos e dos pés tinham caído com a pele, e outras tinham crescido, daí deduziram
que se tratava de um verdadeiro vampiro. Conforme o costume, atravessaram-lhe o coração com uma estaca; então, ele
emitiu um suspiro bem perceptível e sangrou. Depois disso incineraram o corpo no mesmo dia e jogaram suas cinzas no
túmulo.
As referidas pessoas acrescentaram que todos aqueles que o vampiro perseguiu e matou devem tornar-se, por
sua vez, vampiros. Então, exumaram e trataram da mesma forma as quatro pessoas evocadas. Afirmam, ainda, que
Arnold Paole não atacou apenas as pessoas, mas também os animais do quais sugou o sangue. Como as pessoas
comeram a carne desses animais, resulta mais uma vez que alguns vampiros estão aqui, razão pela qual dezessete
pessoas, entres jovens e velhos, sucumbiram em três meses, algumas das quais em dois ou três dias no máximo, sem
terem estado doentes.
O heiduque Jowiza declara que sua nora, chamada Stanacka, deitou-se saudável e disposta há quinze dias, mas
por volta de meia-noite, acordou gritando horrivelmente e tremendo de medo, queixando-se de que Milloe, o filho de
um heiduque, morto nove semanas antes, a tinha estrangulado, depois do que ela sentiu uma grande dor no peito; ela
definhou de hora em hora até falecer no terceiro dia.
Em seguida, em companhia dos anciãos da aldeia do heiduque, dirigimo-nos todos ao cemitério à tarde para
mandar abrir os túmulos suspeitos e examinar os corpos que aí se encontravam. Exumamos:
1. Uma mulher chamada Militza, de 60 anos de idade, morta de doença ao fim de três meses e enterrada havia dez
dias. Muito sangue líquido se encontrava em seu peito; as vísceras estavam em bom estado, como na pessoa examinada
anteriormente. Por ocasião da autópsia, todos os heiduques presentes se admiraram muito de ver o corpo gordo, declarando
todos que conheceram aquela mulher desde a juventude e que, quando viva, tinha sido magra e seca, daí a estupefação de

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constatar que ela havia engordado no tumulo. Segundo suas declarações, ela era a causa dos vampiros atuais. Por acaso não
tinha ela devorado a carne dos carneiros que os vampiros precedentes haviam matado?
2. Um menino de oito dias enterrado noventa dias antes. Ele possuía todas as características de um vampiro.
3. O filho do heiduque, de 16 anos de idade, enterrado havia nove semanas depois de morrer de doença ao fim de três
dias. Foi encontrado no mesmo estado que os outros vampiros.
4. Joachim, também filho de um heiduque, com a idade de 17 anos, que sucumbiu a uma doença de três dias. Foi
exumado depois de repousar na terra por oito semanas e quatro dias e a autópsia revelou que ele também era um vampiro.
5. Uma mulher de nome Ruscha, falecida de doença ao fim de dez dias e enterrada havia seis semanas. Muito sangue
fresco se achava não só no seu peito, mas também no fundo dos ventrículos; constatou-se situação idêntica com seu filho de
dezoito dias e morto havia cinco semanas.
6. Ocorreu algo semelhante a uma menina de 10 anos morta havia dois meses, ela estava em estado idêntico, inteira,
não putrefata, com muito sangue no peito.
7. Fizemos exumar a esposa do Hagnagi e seu filho de oito semanas. Ela estava morta havia sete semanas e ele, 21 dias.
Ambos estavam completamente decompostos, embora tendo repousado na mesma terra e nos mesmos túmulos que os
vampiros mais próximos.
8. Um criado do cabo do heiduque local, chamado Rhode, de 23 anos de idade, que sucumbira pela doença em três
meses. Exumado cinco semanas mais tarde, encontrava-se perfeitamente decomposto.
9. A mulher de Bariactar e seu filho, mortos seis semanas antes: ambos estavam perfeitamente decompostos.
10. Em Stanache, um heiduque de 60 anos, morto seis semanas antes, encontrei, como nos outros muito sangue no
peito e no estômago. Todo o corpo estava no mesmo estado que os dos vampiros evocados.
11. Millo(v)e, um heiduque de 25 anos havia repousado na terra havia seis semanas, também apresentava as
características de um vampiro.

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12. Uma mulher chamada Stana (ou Stanoicka), de 20 anos morta havia dois meses após uma doença de três dias por
causa de um parto. Antes de morrer, ela declarou ter-se untado com o sangue de um vampiro, depois do que ela e seu filho,
morto pouco depois do nascimento e metade devorado pelos cães em razão de uma inumação superficial, deveriam
transformar-se em vampiros. O corpo estava intacto e inteiro. Na autopsia, foi encontrada certa quantidade de sangue
extravasado no peito; os vasos artérias e veias, assim com os ventrículos do coração não estavam, como de hábito, repletos de
sangue coagulado. Todas as vísceras – pulmões, fígado, estômago, baço e intestinos – estavam ainda frescas, como num
homem sadio; o útero, entretanto, estava muito dilatado e inflamado exteriormente, porque a placenta e os lóquios tinham
permanecido aí e se encontravam, então, em plena decomposição. As peles das mãos e pés, inclusive as unhas velhas,
destacavam por si sós, mas uma nova pele fresca e novas unhas eram visíveis.
Acabado o exame, alguns ciganos presentes cortaram a cabeça dos vampiros e as queimaram assim como os corpos, e
depois jogaram as cinzas no rio Morava; recolocaram os corpos putrefatos nos seus túmulos. Tal fato atesto com o cirurgião-
adjunto que me assistiu. Actum ut supra.
Johannes Fluchinger, cirurgião-mor do honorável Regimento de Infantaria de Fürstenbuschl.
Nós, abaixo assinados, atestamos pela presente declaração que tudo o que o cirurgião do honorável Regimento de
Infantaria de Fürstenbuschl, assim como seus dois assistentes co-signátarios, constataram anteriormente a propósito dos
vampiros, corresponde à realidade em todos os pontos, e que eles, em nossa presença, investigaram e examinaram. Para
confirmar, assinamos de próprio punho.
Belgrado, 26 de janeiro de 1732,
Büttener, primeiro-tenente do honorável Regimento de Alexandre (de Wutemberg).
J. H. de Lidenfels, porta-bandeira do honorável Regimento de Alexandre (de Wutemberg) » (In : LECOUTEAUX, 2005 : 180-
184).

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TESTEMUNHO DE JOHANNES FLUCHINGES (1732)
O relatório do médico militar austríaco Johannes Fluchinges foi publicado no “Visum e Repertum”. O
título é “Sobre os assim chamados Vampiros ou Sanguessugas, fato acontecido em Medvegia, na Sérvia,
fronteira com a Turquia no dia 7 de janeiro de 1732”. É o mesmo caso citado anteriormente com alguns
detalhes com a observação de marcas no pescoço.

“Stanacka, a esposa dum heiduque com vinte anos de idade, havia falecido após uma doença de três dias e fora
enterrada havia dezoito dias. Por ocasião da necropsia, encontrei o seu rosto com uma cor rosada e vívida, conforme
relatado acima. Ela havia sido sufocada pela garganta pelo filho dum heiduque, cujo nome é Milloe, ao redor da meia-
noite, e ficou evidente que ela apresentava, no lado direito abaixo do ouvido, uma marca azulada de hematoma com
uma extensão duma polegada [*primeira referência a marcas no pescoço]. Ao exumá-la do túmulo, fluía grande
quantidade de sangue fresco pelo nariz. Após terminar a necropsia, encontrei, como já muitas vezes em ocasiões
anteriores, grande quantidade de sangue fresco e balsâmico, e não somente na cavidade torácica, mas também no
ventrículo e todas as vísceras se encontravam em estado bom e totalmente saudável. A parte subcutânea do corpo por
inteiro, incluindo as unhas das mãos e dos pés, estava toda ela num estado renovado. Em seguida aos exames realizados,
os ciganos aqui estabelecidos cortaram as cabeças, que foram cremadas junto com o resto dos corpos, e as cinzas foram
jogadas no Rio Morava. Os corpos em estado de decomposição, porém, foram enterrados novamente nos túmulos que
anteriormente ocupavam. Testemunhado por mim e pelos submédicos de campo adjuntos. Johannes Fluchinges,
Cirurgião de Campo de Batalha de Regimento de Infantaria de B. Furstenbusch. Belgrado, 26 de janeiro de 1732”.

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O MARQUES d’ARGENS (1732)
O Marques Jean-Baptiste Boyer d’Argens (1703-1771), escritor francês e defensor da filosofia do
ceticismo e anti-catolicismo, era amigo de Voltaire e publicou alguns casos de vampirismo na revista
“Glaneus Hollandais” (n. 18, 3 de março de 1732). O caso de Arnold Paole se faz presente. Os relatos
provocaram debates entre os iluministas franceses e contribuíram para difundir ainda mais o tema:

“Num determinado lugar da Hungria, entre o rio que irriga o solo afortunado de Tockay e a Transilvânia, as
pessoas conhecidas pelo nome de Heiduque acreditam que alguns mortos, os quais nomeiam Vampiros, sugam todo o
sangue dos vivos; de maneira que estes se esgotam a olhos vistos, ao passo que os cadáveres, como sanguessugas,
enchem-se de sangue em tal abundância que se vê o líquido escorrer pelos orifícios e mesmo pelos poros. Esta opinião
acaba de ser confirmada por diversos fatos, dos quais parece que ninguém pode duvidar considerando-se a qualidade
das testemunhas que os atestam. Traremos aqui alguns dos mais notáveis. Há aproximadamente cinco anos, um certo
heiduque habitante de Medvegia, chamado Arnold Paole, morreu esmagado, pela queda de uma carroça de feno. Trinta
dias após sua morte, quatro pessoas morreram subitamente, e de maneira como morrem, segundo a tradição do país,
aqueles que são molestados pelos Vampiros. Recordaram então que Paole frequentemente narrava que perto de
Gossowa, na fronteira da Sérvia turca, tinha sido atormentado algumas vezes por um Vampiro, e acreditavam que
aqueles que haviam sido Vampiros passivos durante a vida tornavam-se ativos após a morte, isto é, que aqueles que
foram sugados por sua vez passam a sugar. Ele, porém, havia encontrado um meio de se curar, comendo a terra do
sepulcro do Vampiro e se esfregando com seu sangue. Entretanto, essa precaução não impediu sua transformação após
a morte, uma vez que foi exumado quarenta dias depois de enterrado, sendo encontrado em seu cadáver todas as
marcas dum arquivampiro. Seu corpo estava corado, os cabelos, unhas e barba estavam regenerados, e do corpo,

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manchando o lençol no qual fora envolto. O magistrado da região, que havia presenciado tal exumação e era tido como
especialista em Vampirismo, ordenou que fosse cravada no coração do defunto Arnold Paole, seguindo o costume, uma
estaca bem afiada, a qual atravessou o corpo de lado a lado; o que se fez, dizem, lançar um grito assustador, como se
estivesse vivo. E assim se fez; depois cortaram-lhe a cabeça e queimaram o resto, lançando em seguida as cinzas no rio.
O mesmo processo foi efetuado nos cadáveres doutras quatro pessoas mortas por Vampirismo, temendo que elas
provocassem mortes semelhantes a outros à sua volta. Todo esse procedimento, entretanto, não impediu que por volta
do final do ano passado, ou seja, após cinco anos, estes fenômenos funestos recomeçassem, e que vários moradores do
mesmo vilarejo infelizmente fossem mortos. No período de três meses, dezessete pessoas de sexo e idades diferentes
morreram de Vampirismo; alguns sem sequer estarem doentes, e outros após dois ou três dias de apatia. Trazemos, entre
outros, o caso duma moça chama Stanacka, filha do heiduque Milloe, morto há nove semanas, tentara estrangulá-la
durante o sono. Desde esse momento, ela nada fez além de definhar, e ao final de três dias, morreu. O que a moça disse
sobre o filho de Milloe fez com que este fosse tomado por um Vampiro. Ele foi exumado e encontraram como tal. As
autoridades locais, os médicos e os cirurgiões, examinaram como o Vampirismo pode reaparecer, apesar das precauções
que haviam sido tomadas nos anos anteriores. Descobriram enfim, após uma boa procura, que o defunto Arnold Paole
não havia sugado somente quatro pessoas sobre as quais já falamos, mas também diversos animais, os quais teriam sido
comidos pelos novos Vampiros, entre eles, o filho de Milloe. Diante desses indícios, resolveram desenterrar todos os que
haviam morrido ha um certo tempo, e em meio a uns quarenta, encontraram dezessete com todos os sinais mais
evidentes de Vampirismo. Então, trespassaram seus corações e cortaram-lhes a cabeça; em seguida os queimaram e
lançaram suas cinzas no rio. Todas as informações e execuções, sobre as quais estamos falando, foram feitas
juridicamente, obedecendo às regras e atestadas por vários oficiais que estavam em guarnição naquele país, pelos
principais cirurgiões dos regimentos e pelos principais moradores do lugar. Guoschitz, capitão em Stallath”. *Fatos
ocorridos entre 1729-1730.

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Marquês d’Argens 1737.

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LETRES JUIVES (1732)
Um caso de vampirismo ocorrido na Hungria foi publicado nas “Letras Judaicas” e reproduzido no livro
do abade Calmet. É um caso ocorrido em Graditz com exumação de cadáveres feito por autoridades.
“Isto é o que lemos na "Lettres Juives", nova edição, 1732, Carta 137.
Nós acabamos de ter nesta parte da Hungria uma cena de vampirismo, que é devidamente atestada por dois
oficiais do tribunal de Belgrado, que desceram aos lugares especificados; e por um oficial das tropas do imperador em
Graditz, que era uma testemunha ocular do processo.
No início de setembro, morreu na aldeia de Kiv Siloa, a três léguas de Graditz, um velho de sessenta e dois anos de
idade. Três dias depois de ter sido enterrado, apareceu de noite ao filho e pediu-lhe algo para comer; o filho lhe dando
alguma coisa, ele comeu e desapareceu. No dia seguinte, o filho relatou aos vizinhos o que havia acontecido. Naquela
noite o pai não apareceu; mas na noite seguinte ele se mostrou e pediu algo para comer. Eles não sabem se o filho lhe
deu alguma coisa ou não; mas no dia seguinte ele foi encontrado morto em sua cama. No mesmo dia, cinco ou seis
pessoas adoeceram repentinamente na aldeia e morreram uma após a outra em poucos dias.
O oficial de justiça do lugar, quando informado do que tinha acontecido, enviou uma carta para o tribunal de
Belgrado, que despachou para a aldeia dois oficiais e um executor para examinar esse caso. O oficial imperial de quem
temos esse relato foi para lá de Graditz, para ser testemunha de uma circunstância que ele tanto ouvira falar.
Eles abriram as sepulturas daqueles que estavam mortos há seis semanas. Quando chegaram àquela do velho
homem, encontraram-no de olhos abertos, de boa cor, com respiração natural, imóvel como os mortos; de onde eles

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concluíram que ele era mais evidentemente um vampiro. O carrasco jogou uma estaca em seu coração; eles então
levantaram uma pilha de madeira e reduziram o cadáver a cinzas. Nenhuma marca de vampirismo foi encontrada no
cadáver do filho ou nos outros.
Graças a Deus, não somos de modo algum crédulos. Nós admitimos que toda a luz que a física pode lançar sobre
este fato não descobre nenhuma das causas disso. No entanto, não podemos nos recusar a acreditar que isso seja
verdade, o que é juridicamente atestado, e por pessoas de probidade. Vamos aqui dar uma cópia do que aconteceu em
1732, e que inserimos no Gleaneur. Glaneur, nº XVIII, reproduzido por Calmet em 1746.

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ALDEIA DO RADOJEVO – SÉRVIA (1732)

Ainda nos quadros da epidemia vampírica, foi registrado por uma Comissão Imperial de Belgrado, a
ocorrência de outro caso envolvendo a morte de onze aldeões em Radojevo (Sérvia) na fronteira com a
Romênia. O documento foi publicado por Robert Ambelain no livro "Le Vampirisme - de la Légende au réel"
(1977) e reproduzido em https://www.shroudeater.com/ccluj.htm.

“Segundo o Sr. Ambelain, este é um relatório oficial, entregue pelo cirurgião-chefe Jozsef Faredi-Tamarzski à
Comissão Militar Imperial de Belgrado, em outubro de 1732. - Em julho de 1732, Jozsef Faredi-Tamarzski, sob ordens
do príncipe de Wurtemberg, foi enviado para a aldeia de Radojevo para investigar a morte de onze aldeões, que haviam
morrido todos em janeiro e fevereiro daquele ano. De acordo com o povo de Radojevo, eles foram vítimas de um
vampiro chamado Miloch. Durante sua vida, este Miloch tinha a reputação de ser algum tipo de feiticeiro. O fato de ele
ter mantido um pássaro que aprendera a falar, além do fato de ter capturado e domesticado um lobo selvagem, que ele
mantinha como animal de estimação, parecia confirmar seus poderes mágicos. Faredi-Tamarzski fez uma tentativa de
convencer os aldeões de que os vampiros não existiam. Mas depois de várias discussões, ele chegou à conclusão de que
eles não iriam ouvir seus argumentos. Ele decidiu então exumar alguns dos cadáveres. Eles começaram desenterrando
Miloch, que havia sido enterrado há 15 meses. Quando eles removeram a terra e levantaram a tábua de madeira que
cobria o homem morto, o cadáver de Miloch parecia completamente intacto. Mas seus olhos estavam bem abertos,

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apesar do fato de que sua viúva os havia fechado depois de sua morte. Um lento, mas constante fio de sangue vinha de
sua boca. Sangue também foi encontrado na tábua de madeira embaixo do cadáver e também na terra abaixo dele.
Como os moradores insistiram, Faredi-Tamarzski ordenou que o cadáver fosse empalado. Depois disso, temendo que
eles pudessem desenterrar o vampiro novamente após a sua partida, ele teve o cadáver coberto com cal antes de fechar
o túmulo novamente.
Ao interrogar os parentes das 11 vítimas, o médico descobriu que a maioria deles havia morrido em 6 a 10 dias.
Durante a noite eles tiveram pesadelos horríveis e dois deles tinham duas marcas azuladas no pescoço. Então Faredi-
Tamarzski decidiu também abrir os túmulos das vítimas. Oito deles pareciam cadáveres decentes que estavam
decompostos corretamente. Dois deles pareciam bem preservados, embora o braço e as pernas estivessem rígidos e não
pudessem ser movidos. E a última, uma mulher, parecia estar dormindo. Seus membros eram perfeitamente
flexíveis. Faredi-Tamarzski declara que aqueles três pareciam suspeitos o suficiente para ele, então ele permitiu que os
aldeões lhes dessem o mesmo tratamento que o primeiro vampiro. Apesar dessas medidas, os aldeões ainda eram da
opinião de que os vampiros deveriam ser cremados” (julho de 1732).
Miloch teria morrido em abril de 1731 e suas vítimas entre janeiro e fevereiro de 1732.

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GLANEUR DE HOLLANDE (1733)
O periódico é uma publicação francesa editada na Holanda. Foi fundamental na difusão da temática do
vampirismo e foi inclusive usado em debate travado em tribunal referente a autenticidade dos casos. Nesta
matéria é feita uma longa exposição sobre a epidemia vampírica enfatizando a ignorancia dos aldeões, mas
de fato difundindo o sobrenaturalismo e atraindo leitores.

“O Glaneur Hollande, que de modo algum é crédulo, supõe a verdade desses fatos como certa, não tendo bons motivos para
disputá-los, e raciocina sobre eles de uma maneira que mostra que ele pensa levemente no assunto; ele afirma que as pessoas,
entre as quais os vampiros são vistos, são muito ignorantes e muito crédulos, de modo que as aparições de que estamos falando
são apenas os efeitos de uma fantasia preconceituosa. O todo é ocasionado e aumentado pela má nutrição dessas pessoas que, na
maior parte de seu tempo, comem apenas pão feito de aveia, raízes e casca de árvores - alimentos que só podem gerar sangue
grosseiro, o que é consequentemente muito disposto à corrupção e produz ideias sombrias e ruins na imaginação.
O “Glaneur” compara essa doença com a mordida de um cachorro louco, que comunica seu veneno à pessoa que é
mordida; assim, aqueles que estão infectados pelo vampirismo comunicam este veneno perigoso àqueles com quem se
associam. Daí a vigília, sonhos e aparições fingidas de vampiros. Conjectura que esse veneno não é nada mais do que um verme,
que se alimenta da mais pura substância do homem, constantemente morde seu coração, faz o corpo morrer e não o abandona
nem mesmo nas profundezas da sepultura. É certo que os corpos daqueles que foram envenenados, ou que morrem de contágio,
não ficam rígidos após a morte, porque o sangue não coagula nas veias; pelo contrário, da mesma forma como em vampiros, cuja

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barba, cabelo e unhas crescem, cuja pele é cor de rosa, que parece ter crescido de gordura, por causa do sangue que incha e
abunda.
Quanto ao grito proferido pelos vampiros quando a estaca é conduzida através de seu coração, nada é mais natural; o ar
que ali está confinado e, assim, expelido com violência, produz necessariamente esse ruído ao passar pela garganta. Os cadáveres
frequentemente fazem o mesmo sem serem tocados. Ele conclui que é apenas uma imaginação que é perturbada pela melancolia
ou superstição, que pode imaginar que a enfermidade de que acabamos de falar possa ser produzida por corpos de vampiros, que
vêm e sugam, até a última gota, todo o sangue o corpo.
Sabe-se que em 1732 foram descobertos alguns vampiros na Hungria, na Morávia e na Servia Turca; que este fenómeno
está muito bem previsto para ser ignorado; que vários médicos alemães compuseram volumes bem grossos em latim e alemão
sobre esse assunto; que as Academias e Universidades Germânicas ainda ressoam com os nomes de Arnald Paul, de Stanoska, filha
de Sovitzo, e de Heyducq Millo, todos vampiros famosos do bairro de Médreiga, na Hungria.
Aqui está uma carta que foi escrita para o abade Dom Calmet. É sobre o assunto dos fantasmas da Hungria e o escritor que
assina pensa de forma muito diferente do “Gleaner” sobre o tema da existência dos vampiros.
"Em resposta às perguntas do Abbé dom Calmet sobre os vampiros, o signatário tem a honra de assegurar-lhe que nada é
mais verdadeiro ou mais certo do que ele, sem dúvida, leu sobre isso nos atos ou atestados que foram tornados públicos, e
impresso em todas as Gazetas da Europa, mas entre todos esses atestados públicos que apareceram, o abade deve fixar sua atenção
como um fato verdadeiro e notório no da delegação de Belgrado, ordenada por sua falecida majestade Carlos VI, e executado por
sua Alteza Sereníssima o falecido duque Charles Alexander de Wirtemberg, então vice-rei ou governador do reino de Servia, mas
não posso, no momento, citar o ano ou o dia, por falta de documentos que não tenho agora por mim.

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Aquele príncipe mandou uma delegação de Belgrado, metade formada por oficiais militares e metade civil, com o auditor
geral do reino, para ir a uma aldeia onde um vampiro famoso, vários anos morto, estava causando grande estrago entre seus
parentes; por nota bem, que é apenas em sua família e entre suas próprias relações que esses sugadores de sangue tem prazer em
destruir nossa espécie. Esta delegação foi composta de homens e pessoas bem conhecidas pela sua moralidade e até mesmo suas
informações de caráter irrepreensível, e havia até mesmo alguns homens instruídos entre as duas ordens: eles foram colocados
para o juramento, e acompanhados por um tenente dos granadeiros do regimento do príncipe Alexander de Wirtemberg, e por
vinte e quatro granadeiros do dito regimento.
Tudo o que era mais respeitável, e o próprio duque, que então estava em Belgrado, juntou-se a essa delegação para ser
espectador ocular da prova verídica prestes a ser feita.
Quando chegaram ao local, descobriram que no espaço de uma quinzena o vampiro, tio de cinco pessoas, sobrinhos e
sobrinhas, já havia despachado três deles e um de seus próprios irmãos. Ele havia começado com sua quinta vítima, a bela jovem
filha de sua sobrinha, e já a tinha chupado duas vezes, quando uma parada foi dada a esta triste tragédia pelas seguintes
operações.
Eles conversaram com os comissários de uma aldeia não muito longe de Belgrado, e isso publicamente, no cair da noite, e
foram para o túmulo do vampiro. O cavalheiro não podia me dizer a hora em que aqueles que morreram tinham sido sugados. As
pessoas cujo sangue foi sugado encontraram-se num estado lastimável de langor, fraqueza e lassidão, tão violento é o tormento.
Ele havia sido enterrado por três anos, e eles viram nesta sepultura uma luz parecida com a de uma lâmpada, mas não tão
brilhante.

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Eles abriram o túmulo e encontraram ali um homem inteiro e aparentemente tão sadio quanto qualquer um de nós que
estivéssemos presentes; seus cabelos e os cabelos em seu corpo, unhas, dentes e olhos tão firmes quanto agora nós que existimos e
o seu coração palpitante.
Em seguida, eles começaram a tirá-lo da cova, o corpo na verdade não sendo flexível, mas não querendo carne nem osso;
então eles perfuraram seu coração com uma espécie de lança redonda e pontiaguda de ferro; saiu um líquido esbranquiçado e
fluido. Depois que eles cortaram a cabeça com uma machadinha, como o que é usado na Inglaterra em execuções, saiu também
sangue como o que acabei de descrever, mas mais abundantemente em proporção ao que fluía do coração.
E depois de tudo isso, eles o jogaram de volta em seu túmulo, com lima rápida para consumi-lo prontamente; e daí em
diante sua sobrinha, que havia sido duas vezes sugada, melhorou. No lugar onde essas pessoas são sugadas, um ponto muito azul é
formado, a parte de onde o sangue é retirado não é determinada, às vezes é em um lugar e às vezes em outro. É um fato notório,
atestado pelos documentos mais autênticos, e passado ou executado à vista de mais de 1.300 pessoas, todas dignas de crença.
Mas eu reservei, para satisfazer mais plenamente a curiosidade dos eruditos Abbé dom Calmet, o prazer de detalhando a ele
mais longamente o que vi com meus próprios olhos sobre este assunto, e vai dar para o Chevalier de St. Urbain para enviar a ele,
muito feliz em que, como em tudo o mais, para encontrar uma ocasião de provar a ele que ninguém é com tão perfeita veneração
e respeito como o seu servo muito humilde e muito obediente, L. de Beloz, capitão no Regimento de sua Alteza Sereníssima o
falecido Príncipe Alexander de Wirtemberg, e seu Assistente de Campo, e neste momento Primeiro Capitão de Granadeiros no
Regimento de Monsieur, o Barão Trenck”.

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JOHANN CHRISTOPH HARENBERG (1733)
O teólogo e historiador protestante alemão Johann Christoph Harenberg (1696-1774) se dedicou a
escrita de estudos bíblicos. Estudou línguas clássicas e orientais, filosofia, teologia, história e pesquisou em
arquivos eclesiásticos para elaboração de seus livros. Também escreveu um tratado sobre vampiros
“Vernünftige und christliche Gedancken Uber die Vampirs oder Bluhtsaugende Todten” publicado em 1733.
Sua tradução é “Pensamentos Sensatos e Cristão sobre os Vampiros...”. Harenberg defendeu que estes seres
sobrenaturais não matavam os vivos e os relatos se prendiam a imaginação dos enfermos. Relatou que o
empalamento aplicado em assassinos (uma estaca penetrando o coração), que o mesmo procedimento era
feito com os supostos vampiros que eram considerados chupadores de sangue. Em sua pesquisa, ele
documenta sobre empalamentos ocorridos em 1337 e 1347 e enfatizou que a imaginação levava a crença
nos vampiros. O abade Calmet usou Harenberg como uma de suas fontes para pesquisar o tema. Nos anos
posteriores à publicação do livro, Harenberg foi nomeado para membro da Academia de Ciências de Berlim e
em 1745 foi nomeado professor honorarius do Collegium Carolinum em Brunswick.

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LETRES JUIVES (1738)
O abade Augustin Calmet em sua “Dissertação sobre as Aparições...” (1746) reproduziu parte de um
suplemento publicado em “Letres Juives” (1738) e o comentou a luz de suas interpretações sobre a
ocorrência de casos de vampirismo. Portanto é uma análise do que Calmet leu no “Letres Juives”.

“Há duas maneiras diferentes de apagar a opinião a respeito desses fantasmas fingidos, e mostrar a
impossibilidade dos efeitos que são produzidos por cadáveres totalmente desprovidos de sensação. A primeira é explicar
por causas físicas todos os prodígios do vampirismo; a segunda é negar totalmente a verdade dessas histórias; e o
segundo significa, sem dúvida, o mais certo e o mais sábio. Mas como há pessoas a quem a autoridade de um certificado
dado por pessoas em um determinado lugar parece uma demonstração da realidade da história mais absurda, antes de
eu mostrar o quão pouco eles devem contar com as formalidades da lei em assuntos que dizem respeito somente à
filosofia, eu suponho que por um momento, várias pessoas realmente morrerão da doença que eles chamam de
vampirismo.
Eu tenho visto nos jornais de Leipzig um relato de uma pequena obra intitulada “Philosophicæ et Christiane
Cogitationes de Vampiriis”, de Joanne Christophoro Herenbergio ("Pensamentos Filosóficos e Cristãos sobre os Vampiros,
de John Christopher Herenberg," em Gerolferliste, em 1733). O autor nomeia um grande número de escritores que já
discutiram esse assunto; ele fala, en passant, de um espectro que lhe apareceu ao meio-dia. Ele afirma que os vampiros
não causam a morte dos vivos, e que tudo o que é dito sobre eles deve ser atribuído apenas à fantasia conturbada dos

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inválidos; ele prova, por meio de experimentos diversos, que a imaginação é capaz de causar desordens muito grande
no corpo e nos humores do corpo; ele mostra que em Sclavonia eles empalaram assassinos e enfileiraram uma estaca no
coração do culpado; que eles usaram o mesmo castigo para os vampiros, supondo que eles sejam os autores da morte
daqueles cujo sangue eles diziam que sugam. Ele dá alguns exemplos desse castigo exercido sobre eles, aquele no ano de
1337, e o outro em 1347. Ele fala da opinião daqueles que acreditam que os mortos comem em seus túmulos; um
sentimento do qual ele se esforça para provar a antiguidade pela autoridade de Tertuliano, no início de seu livro sobre a
ressurreição, e pelo de Santo Agostinho, b. viii. c. 27, na “Cidade de Deus” e no Sermão xv, nos santos.
Foi-me observado que esses vestígios encontrados no solo foram mergulhados em terra virgem que nunca havia
sido perturbada, e perto de certos vasos ou urnas cheios de cinzas, contendo alguns pequenos ossos que as chamas não
podiam consumir; e como se sabe que os cristãos não queimaram seus mortos, e que estes vasos de que estamos falando
estão colocados sob a terra perturbada, na qual se encontram as sepulturas dos cristãos, inferiu-se, com grande
semelhança de probabilidade, que esses vasos com comida e bebida enterrados perto deles não eram destinados a
cristãos, mas a pagãos. O último, então, pelo menos, acreditava que os mortos comiam na outra vida. Não há dúvida de
que os antigos gauleses foram persuadidos disso; eles são muitas vezes representados em seus túmulos com garrafas em
suas mãos, e cestas e outros comestíveis, ou vasos de beber e taças; eles levaram consigo até os contratos e títulos para o
que lhes era devido, para que fossem pagos a eles no Hades (“Relação Negotífera, etiam exactio crediti deferebatur ad
ínferos”).

97
Agora, se eles acreditassem que os mortos comiam em seus túmulos, que poderiam retornar à Terra, visitar,
consolar, instruir ou perturbar os vivos, e prever para eles a próxima morte, o retorno dos vampiros não é impossível
nem inacreditável na vida, era opinião destes antigos.
Mas como tudo o que se diz sobre os homens mortos que comem em seus túmulos e fora de seus túmulos é
quimérico e muito provavelmente, e a coisa é até impossível e incrível, qualquer que seja o número e a qualidade
daqueles que acreditaram nela, ou pareceu acreditar, eu sempre direi que o retorno (à terra) dos vampiros é
insustentável e impraticável.
Deponho a princípio, que pode ser que haja cadáveres que, embora enterrados em alguns dias, derramem sangue
fluido pelos canais de seu corpo. Acrescento, além disso, que é muito fácil para certas pessoas se imaginarem sugadas
por vampiros, e que o medo causado por essa fantasia deveria fazer uma revolução em sua estrutura suficientemente
violenta para privá-los da vida. Ficam ocupados o dia todo com o terror inspirado por estes fantasmas ou revenantes. É
extraordinário que, durante o sono, a ideia desses fantasmas deva se apresentar à sua imaginação e causar-lhes um
terror tão violento? Que alguns deles morrem instantaneamente e outros pouco depois? Quantas vezes não vimos
pessoas que morreram de medo em um momento? E até a alegria às vezes produziu um efeito igualmente fatal?
Mas Santo Agostinho, em vários lugares, fala do costume dos cristãos, sobretudo os da África, de levar para as
tumbas as carnes e o vinho, que lhes colocaram como uma refeição de devoção, e para as quais os pobres foram
convidados. Em cujo favor essas ofertas foram principalmente instituídas. Essa prática é fundamentada na passagem do
livro de Tobias: "Coloque seu pão e seu vinho no sepulcro dos justos e tenha cuidado para não comer ou beber dele com
os pecadores". Santa Mônica, a mãe de Santo Agostinho, desejando fazer em Milão o que ela estava acostumada a fazer

98
na África, Santo Ambrósio, bispo de Milão, declarou que não aprovava essa prática, que era desconhecida em sua
igreja. A santa mulher se conteve a levar para lá um cesto cheio de frutas e vinho, do qual ela comeu muito sobriamente
com as mulheres que a acompanhavam, deixando o resto para os pobres. Santo Agostinho observa, na mesma passagem,
que alguns cristãos intemperantes abusaram dessas oferendas bebendo vinho em excesso. Agora, se fosse verdade que os
mortos podiam comer em seus túmulos, e que eles tinham um desejo ou ocasião para comer, como é acreditado por
aqueles de quem fala Tertuliano, e como parece ser inferido do costume de carregar frutas e vinho para serem
colocados nas sepulturas dos mártires e outros cristãos, acho que até tenho boas provas de que em certos lugares eles
colocavam perto dos corpos dos mortos, fossem enterrados nos cemitérios ou nas igrejas, carne, vinho e outros
licores. Eu tenho em nosso estudo vários vasos de barro e vidro, e até mesmo pratos, onde podem ser vistos pequenos
ossos de porco e galinha, todos encontrados em profundidade na igreja da Abadia de St. Mansuy, perto da cidade de
Toul”.

99
GUISEPPE DAVANZATI E A IMAGINAÇÃO DE ALDEÕES (1744)
Gioseppe Davanzati (1665-1755) era arcebispo da cidade de Trani e Patriarca de Alexandria, foi
indicado pelo Papa Bento XIV a fazer uma pesquisa (que durou cinco anos) sobre o tema. O objetivo era
refutar o vampirismo e defender o catolicismo.
Conforme Curran (2008, 137):

“Ele conclui que vampiros (“strigoii”) não existiam, era resultado da febril imaginação humana. As epidemias que
varreram partes da Europa Oriental, especialmente a região hoje conhecida como Romênia, resultavam da histeria e
fantasia dos camponeses iletrados e crédulos. Tais crenças, advertiu Davanzati, não eram compartilhadas por homens
sofisticados e educados. Sua tese gerou um amplo interesse e o arcebispo emergiu como autoridade principal em
vampiros tanto na Igreja como nas esferas seculares, com seu trabalho sendo reeditado em 1789. Entretanto, foi
obscurecido pelo trabalho de outro teólogo, o francês dom Antoine Augustin Calmet que alcançou conclusões
diferentes”.

A “Dissertazione Sopra I Vampiri” foi escrita em 1743 e editada em Napoli em 1744, tendo a sua edição
mais conhecida publicada em 1774 (FERREIRA, 2002:135). A seguir, um trecho da obra:

“Gostaria, por curiosidade, de perguntar a tais senhores Vampiristas, por que estas tão ruidosas aparições, sejam elas de
diabos ou de homens já mortos, acontecem somente naquelas partes, ou seja, em alguma aldeia da Morávia e da
Hungria. Assim como por que eles somente se fazem ver por homens e mulheres simples, rudes e de classes inferiores, e
não se manifestam noutras partes principais da Europa, para pessoas nobres e respeitadas, ou então para cientistas e

100
quaisquer outras pessoas dignas? Se não me derem qualquer resposta, eu direi a razão: ou não sabem se explicar e nem
acreditaram de fato em tais aparições, ou escandalosamente enganam dos velhos às crianças, sabendo que a verdadeira
causa não provocaria impressão alguma no povo. Dizemos isso abertamente. Sendo essa gente, donde se diz
acontecerem tais aparições, entes estúpidos, ignorantes e simplórios, dedicados muito ao vinho – falo das pessoas que
obstruem mais que outras a mente e confundem as espécies, tomadas, sobretudo, pelo temor e pelo medo de
semelhantes temores – mantidas igualmente na crença supersticiosa de párocos igualmente crédulos e ignorantes,
facilmente acontece que sua imaginação, impregnada de tais medos e espantos, conceba fantasmas por si mesma, e faça
que estes apareçam aos olhos dos que acreditam, os quais, sem precisar mentir, enxergam com os próprios olhos
aqueles mortos que aparecem, conversam e tratam com eles da exata maneira que sugere a própria imaginação
desgastada e corrompida”.

Conforme MELTON (2008: 112) Davanzati concluiu que os relatos vampíricos eram fantasias humanas
de origem diabólica:

“Grande parte do argumento de Davanzati girava em torno da tendência do vampiro em aparecer para os analfabetos e
camponeses de classes mais baixas – pessoas que se acreditava serem mais facilmente enganadas por tais aparições do
que pessoas mais letradas. Davanzati surgiu como uma autoridade italiana proeminente em vampiros. Seu trabalho foi
reimpresso em 1789, e suas opiniões vieram a ser aceitas pela maioria das pessoas que exerciam o poder, tanto no seio
da igreja como no controle político. Entretanto, seu trabalho logo foi ofuscado pelo tratado de seu erudito colega Dom
Augustin Calmet. O trabalho acadêmico de Calmet, publicado apenas dois anos depois do tratado de Davanzati, não
apoiava as duras conclusões de seu colega. Através de Calmet, o assunto de vampiros alcançou tanto a comunidade
intelectual como os responsáveis pela política na Europa de uma forma que a tese de Davanzati não poderia ter feito”.

101
102
AUGUSTIN CALMET – TRATADO SOBRE AS
APARIÇÕES (1746)
“Neste século (XVIII), um novo cenário tem se oferecido aos nossos olhos já há cerca de sessenta anos, na Hungria,
Morávia, Silésia e Polônia, onde se tem visto, ou ouvido, de homens mortos há vários meses que retornam, falam,
caminham, infestam as vilas e maltratam homens e animais, chupam o sangue de entes queridos até deixá-los enfermos
e enfim causar-lhes a morte. De tão fortes, a única maneira das pessoas se protegerem de suas perigosas visitas e suas
pragas é exumando seus corpos, empalando-os, cortando-lhes a cabeça, arrancando-lhes o coração e incinerando-os.
Esses redivivos são conhecidos pelo nome de Oupires, ou Vampiros, ou seja, sanguessugas; e deles são relatadas tantas
particularidades tão singulares, detalhadas, repletas de circunstâncias prováveis e informações jurídicas, que
dificilmente poderíamos refutar a crença existente naqueles países, de que tais redivivos se levantam de seus túmulos e
perpetram os efeitos atribuídos a eles”. Augustin Calmet no prefácio do “Tratado sobre as Aparições...” (1746).

O livro fundamental para a compreensão dos registros históricos do vampirismo no século XVIII foi
escrito pelo monge beneditino francês Dom Calmet (1672-1757). Ele lecionou Filosofia e Teologia na Abadia
de Moyen-Moutier e escreveu livros de interpretação da Bíblia e outros estudos históricos. Seu livro
“Dissertation sur les apparitions des anges, des demons et des esprits, et sur les revenans et vampires de
Hongrie, de Bohême, de Moravie et de Silésie” (1746 – sendo a edição mais divulgada a de 1751) analisou,
apesar de ser considerado um tratado vampírico, ocorrências envolvendo a aparição de anjos, demônios,
mortos e “inclusive” vampiros. Calmet buscou esclarecer os casos a partir de explicações que se afastem da
superstição e aproxime da religião católica. Para ele, o sobrenatural se expressa em alguns momentos
103
desejados por Deus enquanto lição sagrada para os vivos, mas não com a banalização supersticiosa das
aparições sistemáticas de seres trevosos.
Calmet se volta aos relatos da cultura popular sobre os “revenans, oupires ou vampires” considerando
que as particularidades e singularidades que são relatadas pelos populares, evidencia a crença real nestas
manifestações. A existência dos “brucolaques” gregos fora disseminada pelos eclesiásticos da Igreja
ortodoxa grega:
“A crença dos novos Gregos, que reivindicam que os corpos dos Excomungados não se deterioram dentro de seus túmulos, é
uma opinião que não possui nenhum fundamento, nem na Antiguidade, nem na boa Teologia, nem mesmo na História. Esse
sentimento parece não ter sido criado pelos novos Gregos Cismáticos, a não ser para se autorizar e crescer em sua separação da
Igreja Romana. A Antiguidade Cristã acreditava o contrário, que a incorruptibilidade de um corpo era mais uma marca provável
da santidade da pessoa, é uma prova da proteção de particular de Deus sobre um corpo que havia sido durante a vida templo do
Espírito Santo, e sobre uma pessoa que conservou na justiça e inocência o caráter do Cristianismo” (CALMET, 1751:VIII).
O retorno a vida seria fruto de um milagre divino. Nesta direção, Calmet acreditava que muitas pessoas
que se consideravam mortas estavam em letargia ou adormecidas, em morte aparente. Ao mesmo tempo em
que refutava os casos de vampirismo, o abade faz um exercício de investigação lançando perguntas sobre
os relatos e buscando construir uma explicação racional: “Se tudo isso não passa de imaginação da parte
daqueles que são molestados, de onde vem que esses Vampiros se encontram em seus túmulos sem
corrupção, cheios de sangue, flexíveis e maleáveis; que encontram-se com os pés enlameados no dia
seguinte do dia que eles correram e assustaram as pessoas da vila, e que não se percebe nada parecido em

104
outros cadáveres enterrados ao mesmo tempo no mesmo cemitério? De onde vem que eles não voltam mais
e não infestam mais, quanto são queimados ou empalados?” (CALMET, 1751:212).
O abade francês formula cinco hipóteses, sistematizados por Gabriel Braga, para explicar os casos:
“Revenants enquanto algo miraculoso; casos de retorno dos mortos como efeitos de imaginations frapées;
os supostos mortos não estariam mortos; os revenants enquanto obra do Demônio; e os que afirmavam que
não eram os cadáveres que mastigavam suas vestes e mesmo sua própria carne, mas sim os animais como
ratos, toupeiras e lobos”. Na hipótese da mastigação, “os corpos das vítimas de peste tinham maior
dificuldade na coagulação do sangue”. A distribuição geográfica dos relatos vampíricos investigados -
Hungria, Morávia e Silésia – coincidia com os “locais onde a peste é mais comum, isto somado a
especificidades do solo, da alimentação e do clima”. Outro fator fundamental era o “preconceito, a
imaginação e o medo das pessoas destas regiões” (BRAGA, 2015:92).
Como resultado da investigação dos casos a partir da leitura documental/bibliográfica e das
visitas/entrevistas nas áreas de ocorrência, Calmet propõe algumas conclusões: a ressureição de um corpo
já corrompido, ou com sinais de decomposição, somente poderia se dar a partir de um milagre divino;
indivíduos que caíram em síncope e são enterrados precipitadamente podiam retornar sem nenhum milagre,
mas sim pelas “forces de la Medicine” ou mesmo por meio natural; os vampiros, não representam a
realidade; os mortos-vivos sugadores de sangue eram apenas fruto da imaginação; o medo confundia os
sentidos; nenhum dos testemunhos sobre os vampiros foram feitos por pessoas não amedrontadas ou que
tivessem refletido seriamente sobre o assunto” (BRAGA, 2015: 93).

105
Outras conclusões do investigador francês: as “verdades da medicina” e as “verdades da natureza” não
anulariam a “verdade religiosa”, mas as “complementariam no sentido de verificar, de selecionar as
manifestações sobrenaturais verdadeiras das falsas”; os vampiros, portanto, eram “criaturas potencialmente
verdadeiras, e ao mesmo tempo, potencialmente falsas”; os mortos-vivos “eram teologicamente possíveis,
logo não se poderia negar um relato sobre eles, contudo sendo tais relatos proferidos por pessoas
visivelmente alteradas pelo medo eram passíveis de dúvida”; a pesquisa empiricamente conduzida poderia
esclarecer a questão; cabe aos homens ilustrados, desacreditar as superstições e comprovar as verdades;
não cabe comprovar a existência ou não existência de vampiros, (Deus tinha poder para realizar a
ressureição) mas investigar a veracidade de cada relato específico (BRAGA, 2015:94)
A pesquisa empírica - tão cara aos iluministas- e a busca de conciliação entre as concepções médicas e
da religião fizeram parte da busca do abade francês. Investigar as aparições buscando a verdade e o uso da
razão foi seu guia. A impossibilidade de os vampiros serem reais é que no catolicismo a corporalidade
dependeria da permissão divina, e um ser retornar da morte para praticar o mal contradiz esta permissão.
As ressureições “perpetradas pelos apóstolos, por Cristo e a própria ressureição de Jesus são tidas como
fatos reais, momentos em que o plano divino se liga com o plano material/corpóreo. Somente a partir desta
interação é que os milagres podem efetivar-se”. Desta forma Calmet buscou diferenciar o plano terreno do
divino refutando ao vampirismo uma explicação teológica e sim fruto do medo que produzia a imaginação,
de um período de letargia do corpo, por fatores naturais explicáveis pela medicina, por enterramento
precoce entre outros fatores a serem empiricamente estudados (BRAGA, 2015: 96).

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Maytê Vieira ressalta que Calmet foi um dos maiores responsáveis pela propagação das histórias e pelo
mito do vampiro. Ao tentar desmistificar o vampiro e provar a sua inexistência “a enorme compilação de
casos que fez acabou por promover a crença e colocar de vez o vampiro no mundo moderno” (VIEIRA, 2015:
44).
Calmet é um homem que se movimenta nos quadros da cristandade e é um teólogo da Igreja. Mas seu
espírito de investigação é muito apurado e precisou ser auto restringido na escrita do livro. Na carta enviada
por Calmet para M. de Bure (bibliotecário em Paris) ele está relatando críticas que recebeu do abade Lenglet
du Frenoy (“Tratado Histórico e Dogmático sobre Aparições, Visões e Revelações particulares, com
Observações sobre as Dissertações do Reverendo Padre Dom. Calmet, abade de Sénones, em aparições e
fantasmas”. Avignon, 1751). Calmet faz o seguinte comentário: “o que me impediu principalmente de dar
regras e prescrever um método para discernir aparições verdadeiras e falsas é que estou bastante
convencido de que o modo como elas ocorrem é absolutamente desconhecido para nós; que contém
dificuldades intransponíveis; e que, consultando apenas as regras da filosofia, eu deveria estar mais
disposto a acreditar que elas são impossíveis do que afirmar sua verdade e possibilidade. Mas sou contido
pelo respeito pelas Sagradas Escrituras, pelo testemunho de toda a antiguidade e pela tradição da Igreja”
(CALMET, 1850).

107
Gravura alemã mostrando um Vampiro ourevenant atacando cristão século XV
(ARACIL, 2003).

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DISSERTAÇÃO SOBRE A INCERTEZA DA MORTE (1742)
A Dissertation sur l'Incertitude des Signes de la Mort, & l’Abus des Enterremens Précipités, escrita por Jacques Vinslow, pode, na visão de
Calmet, esclarecer muitos pontos sobre o vampirismo. O médico comenta em seu trabalho sobre as pessoas que eram enterradas como
mortas por algum engano ou precipitação e que, após certo tempo, acordavam e se viam sepultadas. Vinslow é elogiado por Calmet, pois
também busca um esclarecimento, busca como definir se a morte é verdadeira ou apenas um estado de letargia ou síncope. Vários relatos
são trazidos para sustentar que ao longo da história diversas pessoas foram precipitadamente enterradas (BRAGA, 2015: 91).

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GERONYMO FEYJOO (1753)

O frei beneditino Benito Geronymo Feijoo (1676-1764), destacado filósofo e teólogo espanhol,
destacou-se por seus escritos que buscavam “desfazer enganos comuns de seu tempo” relacionados a
superstições e seres sobrenaturais. A questão da existência de vampiros difundiu-se com a dissertação de
Don Calmet e gerou interesse na Corte portuguesa. A Rainha Maria Bárbara de Portugal pede a Feijoo estes
esclarecimentos sobre os redivivos. A Carta XX do livro “Cartas Eruditas y curiosas Del Teatro Critico
Universal”, contempla o tema em que foram reproduzidas brevíssimas passagens, tomo 4, de um texto
muito maior.

Reflexiones Criticas sobre las dos Disertaciones, que en orden à Apariciones de espíritus, y los llamados
Vampiros dio à luz poco ha el celebre Benedictino, y famoso Expositor de la Biblia Don Agustin Calmet –
Geronymo Feyjoo (1753).
“Asi el Padre Calmee, como el Misionero atribuyen la vana creencia de el Vampirismo unicamente á la alterada imaginativa
de aquellas gentes. Pero yo estoy per suadido á que se debe agregar á este otro principio, ó concausa que no tiene menos parte,
acaso tiene mas que aquel en el fenomeno. Quiero deci, que este error no es solo efecto de la ilusion, mas tambien de el embuste.
No solo interviene en él engaño pasivo, mas tambien activo. Ay, no solo engañados, mas tambien engañadores. Convengo en que
ay en aquellas regiones, á donde se bate la especie de el Vampirismo 3 muchos mentecaptos, á quienes ya un terror pánico, ya
cierta conturbacion de la imaginativa representan la existencia de los Vampiros. Pero creo que ay cambien en -igual, y mayor

111
cantidad embusteros, que sin creer que ay Vampiros cuentan mil casos de Vampiros, diciendo, levestidos de todas las
circunstancias que íl ios se Ies antoja (...). Huvo en los tiempos, y territorios , en que reynó esta plaga , mucha credulidad en los
que recibian las informaciones: mucha necedad en los delatores, y testi gos, mucha fatuidad en los mismos que eran tratados
como delinquentes: los delatores, y testigos eran por lo comun gente rustica : entre la qual , como se vé en todas partes , es
comunisimo atribuir á hechicerias mil cosas que en ninguna manera exceden las Facultades de la Naturaleza , ó de el Arte (...)
Estoy firme en el juicio de que las mismas causas han concurrido en la especie de los Vampiros. Aigun embustero inventó esa
patraña, otros le siguieron, y la esparcieron. Esparcida, inspiró un gran terror á las gentes. Aterrados los animos, no pensaban en
otrj cosa, sino en si venia algun Vampiro á chuparles la sangre, ó torcerles el pescuezo; y puestos en ese estado, qualquiera
estrepito nocturno, qualquiera indisposicion que les sobreviniese atribuían á la malignidad de algun Vampiro. Supongo que
algunos, y no pocos advertidamente inventaban, y referian Historias de Vampiros, dandose por testigos oculares de los hechos.
Infectada de esta epidemia toda una Provincia, cómo podian faltar materiales para muchas informaciones juridicas?”.

112
Feijoo em 1780 retratado por Juan Bernabé Palomino.

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PROFANAÇÕES DE TÚMULOS (1755)
O Jornal “Berlinische Priviligirte Zeitung” (Viena) de quinta-feira, 2 de abril de 1755 publica a notícia de eventos
ocorridos em fevereiro do mesmo ano em Hersmsdorf na Alta-Silésia: Rosina Polakin era uma bruxa que praticava
curandeirismo e reapareceu como vampira dois anos e meio depois de sua morte atacando muito aldeões que se
transformaram em vampiros. Trinta túmulos foram escavados e foram identificados vinte vampiros que apresentavam
sangue depois de um ano de sua morte. Suas cabeças foram cortadas, os corações perfurados e os corpos queimados até
virarem cinzas.
A rainha da Áustria Maria Teresa mandou publicar um “decreto vampiro” (em 1 de março de 1755) para proibir a
profanação de cadáveres e combater a superstição ligada aos mortos-vivos que resultava em inúmeras profanações em
cemitérios. Retomando o tema, o jornal Berlinische Priviligiren Zeitung do dia 8 de maio de 1755 declara apoiar a rainha
Maria Teresa no combate aos violadores de túmulos para que estes fossem punidos com rigor pois nova profanação ocorreu
em Hersmsdorf.

114
DISSERTAÇÕES CIENTÍFICAS
bayer.Staatsbibliothek

115
Discussões sobre mortos, fantasmas e vampiros se constituíram em espaços acadêmicos de confronto
de ideias envolvendo conhecimentos científicos e crenças pagãs.

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O PENSAMENTO ILUMINISTA
O Iluminismo “é a saída dos homens do estado de minoridade devido a eles mesmos. Minoridade é a
incapacidade de utilizar o próprio intelecto sem a orientação de outro. Essa minoridade será devida a eles
mesmos se não for causada por deficiência intelectual, mas por falta de decisão e coragem para utilizar o
intelecto como guia. “Sapere aude”!' “Ouse usar seu intelecto!” É o lema do Iluminismo." Imanuell Kant é o
autor desta passagem que exalta a racionalidade como caminho para o crescimento humano. As “luzes da
razão” ocupariam o espaço das trevas do obscurantismo e permitiriam que a humanidade superasse
mazelas de conflitos e sadismos no convívio em sociedade. França, Alemanha, Inglaterra difundem este
ideário que será utilizado junto com o pensamento do liberalismo político para as emancipações frente ao
Antigo Regime e a condição de subordinação colonial nas Américas.
A razão é o guia da experiência humana. Crenças e conhecimentos deveriam ser pensados a partir da
crítica, a fim de promover a melhoria das condições de vida dos homens e mudanças na ordem política
(republicanismo). Características: a razão é um poder limitado que não chega a “coisa em si” mas guia até o
conhecimento dos fenômenos O empirismo iluminista exigia que a edificação de verdades deveria ser
questionada com a experimentação científica que deveria também abarcar o campo da moral, política e
religião (campos até então não questionáveis). No campo científico enfatiza ciências da natureza sendo a
Física a “verdadeira filosofia”, a química e a ciências biológicas como campos essenciais para a aplicação da
razão; a intervenção divina nos eventos humanos e a expectativa da chegada do juízo final, o cotidiano
terreno é palco de ação dos próprios homens que agindo racionalmente promoveriam o progresso
civilizatório; não aceitava a manutenção da tradição como força da verdade, pois, estava repleta de
preconceitos e crenças não racionais. Nesta direção racionalizam o governo e a organização social e também
117
propõem o deísmo (a razão do homem pode levar ao conhecimento da divindade ou de Deus); o
pensamento iluminista foi fundamental para o desenvolvimento da Revolução Industrial com a valorização
da ciência e da laicidade (conhecimento independente da religião) e pela ideia de progresso civilizatório
frente ao avanço da racionalidade domesticadora da natureza.
O tema vampirismo permite uma reflexão sobre as luzes e as trevas da modernidade. No século XVIII
se tentou elucidar sobre os fenômenos relatados na Europa Central sobre a ocorrência de ataques de
nosferatus (grande onda vampírica da década de 1730). Manifestações na Áustria, Sérvia, Polônia, Bulgária,
Hungria, Romênia faziam a imaginação dos franceses, ingleses e alemães voltar-se a realidade destas
manifestações. Relatórios elaborados por autoridades austríacas atestando a veracidade da existência de
mortos-vivos acendem o interesse em explicar os fenômenos. Tratados são escritos para desacreditar os
relatos orais, mas, são vacilantes: o melhor tratado, elaborado pelo abade francês Calmet (enviado como
pesquisador àquelas regiões infestadas com o objetivo de desmistificação em nome da cristandade e da
ciência), acabou sendo vago em suas conclusões, deixando portas abertas à imaginação popular. Esta
literatura acabou servindo para divulgar ainda mais as crenças milenares dos povos eslavos que conviviam
com esta mitologia. O filósofo Voltaire (em seu “Dicionário Filosófico”), buscando trazer “luzes” ao tema é
irônico e desenvolve uma crítica social e a instituição da Igreja: “Portanto, os reis não são, falando
propriamente, Vampiros. Os verdadeiros vampiros são os monges, que se banqueteiam as custas tanto dos
reis quanto do povo”. Voltaire será abordado no próximo capítulo como exemplo da discussão iluminista.
A tentativa de desmistificação do vampirismo é uma interessante manifestação pedagógica da razão
iluminista que buscava divulgar luzes racionais para sufocar crenças tidas como primitivas que compunham
o imaginário de populações camponesas da Europa Central. A crença de que o conhecimento racional tudo
poderia explicar é testada nestas discussões que trazem um projeto de civilização que contrapunha o atraso
118
sobrenatural frente ao progresso intelectual do ocidente europeu. Porém, ao negar o fenômeno vampírico
com destituído de cientificidade, o iluminismo acabou por divulgá-lo e tornado conhecido, amplificando seu
eco para espaços desconhecidos e gerando novas apropriações e reconstruções como é o caso da literatura.

Empalamento de uma mulher. Varney, 1845.

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VOLTAIRE E O RACIONALISMO
Voltaire é um dos grandes nomes da divulgação do cientificismo iluminista. Sua reputação intelectual é
incontestável na Europa e as temáticas por ele tratadas eram polêmicas e tinham uma dimensão de crítica a
certos poderes constituídos como a Igreja, ao absolutismo e aos agiotas. A seguir, está o trecho completo
do verbete “vampiros” de sua obra de maior divulgação “Dicionário Filosófico”.

"Pois bem! Dentro de nosso século XVIII há quem acredite na existência de Vampiros! Depois dos reinados de Locke,
Shafterbury, Trenchard e Collins. E durante os reinados de D'Alembert, Diderot, Saint-Lambert e Duclos, ainda se acredita na
existência de Vampiros, e o reverendo Dom Augustin Calmet - padre beneditino da congregação de Saint-Vannes e de Saint-
Hidulphe, abade de Senones, uma abadia de cem mil rendas livres, vizinha de duas outras abadias do mesmo rendimento -
imprimiu e reimprimiu a história dos vampiros com a aprovação da Sorbonne, assinada por Marcilli!
Os vampiros eram defuntos que saíam à noite de seus túmulos no cemitério para sugar o sangue dos vivos, através da
garganta ou do ventre, e depois retornavam às suas covas. Os vivos que tinham sido sugados, emagreciam, tornavam-se pálidos e
iam se consumindo; enquanto os mortos que haviam chupado tornavam-se gordos, com a pele corada e tinham excelente apetite.
Foi na Polônia, Hungria, Silésia, Morávia, Áustria e Lorena que os mortos fizeram suas melhores refeições. Jamais ouvimos falar de
Vampiros em Londres, nem mesmo em Paris. Admito que nestas duas cidades existiam agiotas, comerciantes e homens de
negócios que sugavam o sangue do povo à luz do dia; porém, não estavam mortos, ainda que corrompidos. Estes sugadores
verdadeiros não habitavam cemitérios, mas sim confortáveis palácios.
Quem acreditaria que a moda dos Vampiros nos veio da Grécia? Não aquela Grécia de Alexandre, de Aristóteles, Platão,
Epicuro e Demóstenes, mas a Grécia cristã, infelizmente cismática.

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Há muito tempo, os cristãos do rito grego acreditam que os corpos dos cristãos do rito latino, enterrados na Grécia, não se
decompõem jamais porque foram excomungados. É exatamente o contrário do que nós, cristãos do rito latino, pensamos. Nós
acreditamos que os cadáveres que não se decompõem são aqueles que têm impresso o selo da beatitude eterna. E enquanto se
paga cem mil escudos a Roma pela canonização de cada santo, tributamos a este uma adoração de anjos.
Os gregos estão convencidos que seus mortos são feiticeiros, e lhes dão o nome de broucolacas ou vroucolacas, dependendo
da pronúncia da segunda letra do alfabeto. Os cadáveres gregos visitam as casas para chupar o sangue de crianças, servir-se da
janta dos pais e das mães, beber o vinho e quebrar todos os móveis. Só é possível trazer-lhes à razão quando são queimados,
depois de capturados. Porém, é preciso ter o cuidado de colocá-los no fogo somente depois de ter-lhes arrancado o coração, que
precisa ser queimado separadamente.
O célebre Tournefort, enviado ao Oriente por Luís XIV, como tantos outros virtuosos, testemunhou alguns truques sujos
atribuídos a um desses broucolacas, e as citadas cerimônias. Depois da maledicência, nada se espalha tão rapidamente quanto a
superstição, o fanatismo, o sortilégio e as histórias de aparições. Logo existiam broucolacas na Valáquia, Moldávia e dentro da
Polônia, nações pertencentes rito romano. Não era necessária mais esta superstição, mas ela espalhou-se por toda a parte oriental
da Alemanha. Não se falou doutra coisa além de vampiros entre 1730 e 1735: espreitamo-los, arrancamos seus corações e os
jogamos no fogo; mas, semelhantes aos antigos mártires, quando mais os queimávamos, mais eles apareciam.
Calmet enfim tornou-se seu historiador, e dedica-se aos Vampiros com antes havia se ocupado do Velho e do Novo
Testamento, referindo-se fielmente a tudo que havia sido dito sobre o assunto antes que ele. Deve ser, penso eu, uma coisa muito
curiosa examinar os processos verbais legalmente estabelecidos contra os mortos que abandonavam suas covas para chupar o
sangue de meninos e meninas da vizinhança. Calmet relata que na Hungria dois oficiais nomeados pelo imperador Carlos VI,
ajudados pelo meirinho e um carrasco, cuidaram da investigação dum Vampiro, morto seis semanas antes, que chupava o sangue
de toda a vizinhança. Encontraram-no em seu caixão fechado, fresco, robusto, de olhos abertos e esfomeado. O meirinho leu a
sentença. O carrasco arrancou o coração do Vampiro e o queimou; depois disso, ele não chupou o sangue de mais

121
ninguém. Depois deste caso, ninguém deve atrever-se a duvidar dos mortos ressuscitados que infestam nossas lendas antigas, nem
todos os milagres relatados por Bollandus e pelo sincero reverendo Dom Ruinart!" (VOLTAIRE, 1764, tradução de Maytê Vieira).

O irônico relato de Rousseau


Rosseau escreveu uma carta ao Arcebispo de Paris
(Beaumont) o qual havia repreendido a obra Emílio (a
qual foi proibida de circular). Nesta carta ele aproveita
para debochar dos princípios sobrenaturais da Igreja e
ressaltava a filosofia iluminista. Erroneamente, ao tentar
ridicularizar o termo vampiro, os iluministas acabam
ajudando a difundir o mito e a crença:
“Se existe no mundo uma história bem documentada,
essa é a dos vampiros. Nada lhe falta: relatos orais,
certificações de pessoas proeminentes, de cirurgiões, de
sacerdotes e de magistrados. Conforme se vê, quem
acreditaria em vampiros?”
Rousseau JJ. Letter to Christopher de Beaumont.
Amsterdam: M.M. Rey; 1763. 97-102.

122
PERSONAGENS “CONVERTIDOS” AO VAMPIRISMO LITERÁRIO
Fora do contexto da eclosão das discussões
.
racionalizadoras/explicativas de viés religioso ou
iluminista, outros personagens passaram a ser
associados ao vampirismo e tiveram suas biografias
reviradas. Um deles é Vlad III que se tornou o
personagem central do romance epistolar “Drácula” e
que sofreu uma leitura vampiresca de sua
historicidade no século XV. Sua presença está
difundida na cultura pop desde a Belle Époque inglesa
e sobreviveu a duas Guerras Mundiais e a uma Guerra
Fria: parece realmente um sanguinário imortal cujas
leituras não foram esgotadas.
Outra personagem é a condessa Elizabeth
Bathory (século XVI) que sofreu releituras em livros,
filmes, graphic novel etc. Os casos poderiam ser
multiplicados pela apropriação discursiva feita pela
literatura ou pelo cinema dos mais diferentes
personagens históricos: vamos nos deter em apenas
dois exemplos. Ao lado, Vlad III em folheto alemão de
1499. 123
VLAD III, O EMPALADOR
Vlad III (nascido em 1431, Sighisoara na Transilvânia –atual Romênia e falecido em Bucarest – Romênia
em 1476) foi um voivode (governador militar ou príncipe) da Walachia (1448, 1456-1462, 1476). Também
foi chamado de Vlad III Dracula, Vlad, o Empalador, Vlad Tepes. O codinome Drácula (filho do Dragão) está
relacionado com a criação pelo Sacro Imperador Romano “Sigismund” da Ordem do Dragão que deveria
defender a Europa cristã contra o Império Otomano. Seu pai, Vlad II, foi o primeiro seguidor da Ordem do
Dragão perdurando até 1442 quando é obrigado a enviar dois filhos ao tribunal do sultão otomano Murad II
como garantia de subordinação ao domínio do sultão. Vlad III retornou em 1448, sendo informado da
execução de seu pai e irmão mais velho por nobres da Valáquia (boiardos). Vlad deu início a campanhas
militares para retomar o poder de voivode para sua família tendo de lutar contra os boiardos e os otomanos.
O tempo que permaneceu entre os otomanos teria sido de violências e aprendizado da arte militar e
também de modalidades de tortura. Nas campanhas militares ele cometeu atrocidades que o notabilizaram.
Os empalamentos não foram criados por ele mas ficaram como uma marca muito divulgada pelos
opositores. Os prisioneiros ou inimigos eram transpassados por estacas e morriam agonizando lhe valendo
o reconhecimento do apelido Vlad, o Empalador (Vlad Tepes). Após uma batalha em 1462, milhares de
otomanos foram empalados causando horror nas tropas inimigas. O equilíbrio entre o espaço cristão e o
islâmico era tênue e os pactos eram feitos para evitar a aniquilação militar frente ao poderoso exército
Otomano. O avanço de exército fez com que, ainda em 1462, Vlad fugisse para a Transilvânia e apelasse

124
para o Rei da Hungria, Matias Corvino, por ajuda militar: porém, o Rei aproveitou sua debilidade militar para
prendê-lo. Neste contexto é que a esposa de Vlad, para não cair na mão dos otomanos, cometeu suicídio
pulando das torres do castelo e se lançando nas águas do rio Arges. Vlad, foi preso neste ano de 1462 e as
fontes são contraditórias: teria ficado encarcerado até 1474 e outras fontes se referem a 1466 (McNALLY e
FLORESCU). Em 1476, Vlad foi morto em batalha contra os otomanos no dia 14 de dezembro. Ele foi
decapitado e sua cabeça foi colocada numa estaca ficando em exposição em Constantinopla durante alguns
anos.
Vlad teve suas ações contextualizadas por frentes civilizatórias em conflito: a expansão do Império
Otomano (Islã) e a Hungria (católica). A disputa pelo poder na região e a fragilidade dos nobres (que
buscavam pactos de sobrevivência frente a estas pressões otomano/húngaras), a presença de outras etnias
contrárias a política de Vlad e a extrema brutalidade do voivode, dificultaram uma coesão de forças e a
construção de uma identidade.
Vlad III foi inspiração histórica para que Bram Stoker contextualiza-se na Transilvânia o seu
personagem-título do romance “Drácula”. O voivode seria a referência para o vampirismo mesmo que não
havendo detalhamentos de empalamentos ou torturas no romance. O historiador Hermann Bamburger
conversou com Stoker e pode ter dado orientações sobre o nobre romeno utilizadas por Stoker.
O comportamento sanguinário de Vlad III foi bem trabalhado divulgando seus atos e o fazendo
conhecido nos anos seguintes a sua morte. Os panfletos, ao tentar destruir a sua imagem, acabaram
contribuindo para criar um mito. Atualmente, na Romênia e na Moldávia, Vlad III é reconhecido como um

125
herói nacional por sua luta contra o Império Otomano e o expansionismo do Islã na Europa Oriental. A
defesa de uma fronteira da cristandade também marcou para os romenos a importância do voivode.
A frieza e o distanciamento em relação ao sofrimento, foram ressaltados na documentação que
evidencia que podemos estar frente ao psicopata mais bem documentado do período medieval.
Vlad III, gravura de 1560.
http://utopia.utexas.edu/project/portraits/tzepesh

126
Xilogravura alemã de 1499. Vlad faz sua refeição em meio a empalados.

127
Sebastian Munster, 1598, Viena,
Kunsthistorisches Museum

128
VLAD III - SOBRE O CRUEL TIRANO VOIVODE DRACULYA (1488)

O panfleto alemão do ano de 1488 busca “demonizar” a memória do governante Vlad III que prejudicou
comerciantes e alemães que viviam na Transilvânia, Valáquia e Morávia. A reprodução foi feita da publicação
de Cid Vale Ferreira “Voivode” (2002:117-120) e a tradução é de Thiago Tamosauskas e Carlos Primati.

“No ano do Nosso Senhor de 1456, Draculya fez muitas coisas horríveis e peculiares. O antigo governante ordenou a morte
do Dracul mais velho, então Draculya e seu irmão abandonaram a fé e juraram defender a fé Cristã Ortodoxa.
No mesmo ano ele foi designado senhor da Valáquia. Imediatamente mandou matar o Voivode Lasla, que fora senhor deste
país. Logo depois, queimou aldeias na Transilvânia e numa cidade conhecida pelo nome de Benesti, em Tara Birsei. Sucumbiram
homens e mulheres, jovens e velhos. Alguns ele levou para sua casa na Valáquia, onde empalou todos.
Ele ordenou que todos os garotos que haviam sido enviados à sua terra para aprender o idioma fossem confinados numa
câmara e os incendiou; havia quatrocentos.
Ele declarou trégua e, durante esse mesmo período, mandou empalar muitos comerciantes e camponeses de Wurtzland.
Também ordenou que uma grande família fosse extinta e empalada, dos menores aos maiores, tanto jovens quanto velhos.
Ele condenou alguns de seus próprios súditos a serem enterrados nus até o umbigo e fuzilados. Ele também ordenou que
alguns fossem assados e esfolados.
Ele capturou o jovem Dan, cavou-lhe uma sepultura, encomendou-lhe um serviço funerário de acordo com o costume
Cristão e o decapitou ao lado do sepulcro.
Cinquenta e cinco embaixadores dos reinos da Hungria, Saxônia e Transilvânia foram enviados à Valáquia. Draculya os
manteve esperando por cinco semanas e colocou estacas para empalamento em seus alojamentos. Com isso, eles ficaram numa
grande angústia. Ele fez isto porque temia deslealdade. Enquanto isso, foi para Wuntzland, destruiu as plantações, queimou as

129
colheitas e conduziu a população em cativeiro para a cidade chamada Brasov. Então Draculya descansou perto da Capela de São
Jacó e depois a queimou. No dia seguinte, logo pela manhã, mandou matar homens e mulheres, jovens e velhos, todos empalados
ao redor da colina da capela; sentou-se entre eles e comeu seu café da manhã com prazer.
Ele também queimou a Igreja de São Bartolomeu (em Brasov) e todas as vestimentas e cálices foram levados de lá. Além
disso, enviou um de seus capitães a uma grande aldeia chamada Coblea para que a queimasse. Mas este mesmo capitão não quis
queimar a aldeia por causa da resistência dos aldeões. Voltou para casa e foi prestar contas a Draculya, dizendo: ‘Eu não pude
fazer o que você ordenou’. Ele empalou o capitão imediatamente.
Comerciantes e outras pessoas que somavam seiscentos vieram com seus bens de Wurtzland rumo a Tunau e Pregel.
Draculya os empalou e confiscou suas posses.
Ele mandou fazer uma grande panela com buracos nas bordas e prendeu as cabeças de pessoas em cada um destes buracos.
Ordenou que enchessem a panela de água e a colocou sobre um grande fogo, e assim deixou as pessoas clamando
lamentavelmente até que fossem fervidas totalmente até a morte.
Ele inventou tormentos terríveis, pavorosos, indizíveis – como empalar mães junto dos bebês que se alimentavam de seus
seios, deixando as crianças esperneando violentamente até a morte sobre o peito das mães. De maneira semelhante, ele abria os
peitos das mães e enfiava a cabeças dos bebês, empalando-os juntos a seguir.
Ele ordenou que pessoas de todo tipo fossem empaladas lateralmente: cristãos, judeus, pagãos, e assim eles mexiam-se,
contorciam-se e choramingavam em confusão por muito tempo, como rãs. Depois ele também empalava as mãos e os pés e
frequentemente falava em seu idioma: ‘Oh, com que grande habilidade eles se movem’. Era deste modo que ele se divertia.
Ele tinha capturado um cigano que havia roubado, então outros ciganos vieram e imploraram a Draculya que o libertasse.
Ele então disse: ‘Ele deve ser enforcado, e vocês mesmos o executarão’. Responderam que esse não era seu costume. Então,
Draculya ferveu o cigano numa panela e os outros ciganos foram obrigados a comer sua carne e seus ossos.

130
Também houve um nobre enviado a ele que o encontrou entre pessoas que ele havia acabado de empalar. Então Draculya
caminhou entre os corpos e olhou-os; formavam uma imponente floresta de cadáveres. Então o homem enviado a Draculya
perguntou por que ele caminhava em meio ao fedor. Draculya perguntou se cheirava mal para ele. Ele disse sim, e então Draculya
imediatamente empalou–o bem no alto, para que o cheiro dos outros corpos não o incomodassem.
Um clérigo pregou dizendo que os pecados não seriam perdoados a menos que uma injustiça fosse desfeita. Draculya então
o convidou para sua asa e sentou-se com ela à mesa. Draculya separou para si pedaços de pão que pretendia comer. Depois de
algum tempo, o clérigo pegou um dos pedaços e comeu. Draculya disse: ‘Sobre o que você pregou hoje? Que um pecado não seria
perdoado a menos que uma justiça compensasse a injustiça? O padre respondeu que sim, então Draculya perguntou: ‘Por que
você comeu o pão que cortei para mim?’ E empalou o padre imediatamente.
Além disso, Draculya chegou a Kalmotz, na Transilvânia. Lá, ele próprio cortou as pessoas como ervas daninhas; voltou
para casa e empalou o resto.
Ele convidou todos os seus principais vassalos e os nobres de sua terra para um banquete. Ao final do jantar, virou-se ao
mais velho e perguntou de quantos voivodes ele lembrava que haviam governado aquela terra. Assim, foi perguntando de um em
um. Cada um diz tantos quantos sabia. Um lembrou-se de cinquenta, outro de trinta. De forma que não houve nenhum entre eles
que falou em sete, então ele empalou a todos. Havia quinhentos convidados.
Ele ordenou que pessoas fossem esmagadas até a morte em rebolos, e cometeu muitas outras ações desumanas que são
relatadas por muita gente.
Ele teve uma amante que fingiu estar grávida. Então, Draculya mandou a mulher para ser examinada por parteira, que
afirmaram que ela não esperava filho algum. Ele então cortou a amante da barriga até os seios, dizendo que queria ver onde
estava sua semente, ou onde tinha estado.
Mensageiros foram enviados de Hermannstadt para a Valáquia. De volta para casa relataram a angústia que sentiram
quando viram uma imponente floresta de pessoas mortas e empaladas.

131
No ano do Nosso senhor de 1462, Draculya adentrou na grande cidade de Schiltau. Draculya ordenou então a morte de
mais de vinte e cinco mil pessoas, de todos os tipos: cristãos, judeus, pagãos. Entre elas estavam as mais belas mulheres e donzelas,
capturadas pelos criados de sua corte, que imploraram a Draculya que as tornasse suas esposas legítimas. Então Draculya cortou
os homens com sabres e espadas, junto com as mulheres e donzelas, como ervas daninhas. Fez isto porque a terra estava sujeita a
impostos do sultão turco, e este lhe exigia frequentemente tributo. Ele então disse ao mensageiro que queria pagá-lo
pessoalmente. Cavalgou para dentro do país, onde outras pessoas cavalgaram em sua direção por causa do tributo, pretendendo
levá-lo até o imperador.
Um grupo de homens seguiu o outro. Quando Draculya viu que era hora, golpeou todos aqueles que tinham cavalgado em
sua direção, e que não esperavam por isso. Draculya queimou toda a cidade de Wulgerey e mandou empalar todos os homens que
haviam cavalgado ao seu lado. Eram vinte e cinco mil, além de muitos outros que pereceram nos fogos.
Ele viu um homem que trabalhava usando uma camisa curta demais. Perguntou-lhe se ele tinha esposa e o homem
respondeu que sim. Draculya ordenou que trouxessem a mulher diante dele e perguntou-lhe que tipo de trabalho ela fazia. Ela
disse: ‘Eu lavo, arrumo e cozinho’. Ele a empalou imediatamente, por ela não ter feito para o marido uma camisa longa. Deu outra
esposa ao homem e instruiu-a para costurar uma camisa longa, ou também seria empalada.
Aproximadamente trezentos ciganos entraram em seu país. Então ele selecionou os três melhores, assou-os e obrigou os
demais a comê-los. E então disse: ‘Vocês todos devem comer uns aos outros, ou então irão lutar contra os turcos’. Os ciganos
ficaram contentes em combater os turcos. Então foram até os turcos, os cavalos dos inimigos assustaram-se com o couro e fugiram
para um lago. Muitos e muitos turcos se afogaram lá. Assim os ciganos se retiraram.
No caminho ele encontrou um monge duma ordem mendicante montado num burro. Então Draculya empalou o burro e o
monge, um em cima do outro.
Alguns embaixadores italianos foram enviados a ele. Em sua presença, curvaram-se e removeram seus chapéus, mas
mantiveram os turbantes embaixo deles. Então ele perguntou-lhes por que não haviam retirado os turbantes também. Disseram

132
que esse era o costume e que eles não os retiravam nem mesmo para o imperador. Draculya disse: ‘quero reforçar isto para vocês’.
Ele imediatamente mandou que os turbantes fossem pregados firmemente em suas cabeças, de forma que não cairiam e o costume
permaneceria. Foi assim que ele reforçou o costume.
Dois monges entraram no seu país e ele chamou-os a vir diante dele. Isto fizeram. Então chegou a um monge e lhe
perguntou o que as pessoas boas falavam ao seu respeito. O monge estava muito assustado e disse: ‘As pessoas falam coisas boas a
seu respeito, que você é um governante muito piedoso; é também o que digo de você’. Ele ordenou ao monge que ficasse
esperando, enquanto traziam o outro monge até ele, que foi questionado como o primeiro. Então o segundo monge pensou: ‘Eu
serei morto de qualquer jeito, então contarei a verdade’, e disse: ‘Você é o maior tirano que existe no mundo. Jamais encontrei
alguém que falasse algo bom sobre você, e sem dúvida você comprovou isto’. Então, Draculya disse: ‘Você me contou a verdade,
então deixarei que viva’. Ele o deixou só e chamou novamente o primeiro monge, a quem interrogou como antes. Então Draculya
disse: ‘Levem-no embora e o empalem por amor à verdade’.
Ele assou crianças e obrigou suas mães a comê-las. E cortou os seios das mulheres e forçou os maridos a comê-los. Depois
disso, ele empalou todos.
Ele preparou uma bela refeição para todos os mendigos de sua terra. Após a refeição, trancou-os nos abrigos onde haviam
comido, e lá queimou a todos. Ele achava que estavam consumindo a comida do povo de graça e jamais poderiam pagar por ela.
Pouco depois disso, o rei da Hungria o capturou e o manteve por muito tempo em rígido cativeiro. Em seguida, ele deixou
ser batizado publicamente como Católico Romano e fez grande penitência. Logo após, o rei nomeou o Voivode Draculya um
governante, como fora antes. E as pessoas dizem que ele fez muitas boas ações a partir de então”.

133
Vlad III, xilogravura, Nuremberg, 1520. Raymand MACNALLY e Radu FLORESCU, Radu em
seu livro “Em busca de Drácula e outros vampiros”
afirmaram: “Em uma galeria de bandidos, Drácula
certamente competiria pelo primeiro lugar com César,
Bórgia, Catarina de Médicis e Jack, o Estripador,
ganhando não apenas pela quantidade de suas vítimas,
mas pelo refinamento de sua crueldade. Para seus
contemporâneos a história de sua maldade foi
amplamente divulgada – em certos casos por algumas de
suas futuras vítimas. A história de Drácula, de fato, foi
um best-seller que correu a Europa quatrocentos anos
antes de Stoker escrever a sua versão. Muitos dos
registros de origem alemã do século XV da lenda de
Drácula foram encontrados em arquivos empoeirados de
mosteiros e bibliotecas.
Drácula era de fato um autêntico príncipe da
Valáquia do século XV, que foi frequentemente descrito
em documentos alemães, bizantinos, eslavos e turcos do
seu tempo, e em histórias de horror populares como um
governante cruel, egoísta e possivelmente louco. Ele se
tornou mais conhecido pela quantidade de sangue que
indiscriminadamente derramou, não apenas o sangue
dos turcos infiéis – os quais pelos padrões de seu tempo
fariam dele um herói – mas pelo de alemães, romenos,
húngaros e outros cristãos. Sua mente engenhosa
concebeu todas as espécies de torturas físicas e mentais,
e sua maneira favorita de matar fez com que se tornasse
conhecido pelo nome de “o Empalador” (MCNALLY &
FLORESCU, 1995:18).
134
Empalamento de turcos ocorridos na Transilvânia. Gravura de Gabriel Bethlen, 1617.

135
ELIZABETH BATHORY
Elisabete Báthory (Nyírbátor, 7 de agosto de 1560 — Csejte, 21 de agosto de 1614) é atualmente
apontada como uma das maiores psicopatas da história. Uma das mulheres mais bonitas da época, teria
participado de centenas de crimes com requintes de crueldades e teria se banhado no sangue das vítimas. A
condessa fazia parte de uma das famílias mais ricas e antigas da Hungria. Elisabete (também chamada de
Erzsébet), foi criada na Transilvânia num período de guerras contra o Império Otomano envolvendo a Áustria
dos Habsburgos, sendo a Hungria um campo de batalhas. Com apenas 11 anos, Elisabete ficou noiva do
Conde Ferenc Nádasdy, um militar destacado na luta contra os otomanos, casando aos 15 anos (1575) com
ele. O castelo da família Nádasdy passou a ser administrado por Elisabete que infringia castigos sádicos e
tortura aos criados. Seu marido também se deleitava nestas sessões de punição. Com a morte do Conde em
1604 ela alterna moradia em duas residências na atual Eslováquia, onde ocorreram centenas de crimes com
a ajuda de Anna Darvulia, uma praticante de magia negra e sua amante. Com a morte de Darvulia ela se
volta para a viúva Erzsi Majorova ao lado de quem intensificou a matança de camponesas que serviam no
castelo. Majorova estimula a busca de mulheres da nobreza para tomar banho e beber o sangue o que foi
um grande erro. Quatro serviçais ajudavam nas torturas e no ocultamento de cadáveres. As motivações para
os crimes seria preservar a beleza com o sangue e evitar o envelhecimento.
O conhecimento destes eventos se deram graças ao padre jesuíta László Turoczy, que um século
depois dos acontecimentos, pesquisou documentos do julgamento e conversou com pessoas que ainda

136
relatavam os fatos ocorridos na região de Čachtice. Turoczy estava escrevendo uma história da Hungria que
foi publicado em 1720, trazendo à tona a vida de Elisabete e seus assassinatos num período em que o
Ocidente passava a ter grande interesse no vampirismo.
Os fundamentos da história de Bathory estão ligados a uma investigação a mando do rei Matias II sobre
as denúncias envolvendo o desaparecimento de mulheres na região. No andamento da investigação
Elisabete foi presa em 26 de dezembro de 1610, tendo sido encontrado vários cadáveres insepultos no
castelo. A prova maior do envolvimento da “condessa de sangue” foi uma caderneta com 650 nomes de
mulheres que foram mortas e que estava escrita com sua letra. Seus cúmplices foram torturados e
executados (decapitação, corte de dedos e lançamento vivos na fogueira) e ela foi condenada à prisão
perpétua em aposento do Castelo de Cachtice, sem porta ou janela, apenas uma pequena abertura para
passagem do ar e comida. Três anos depois ela foi encontrada morta no aposento. O governo húngaro
mandou lacrar os autos do processo e referências a condessa foram proibidas. Não fosse o padre Turoczy e
a história teria caído em total esquecimento. Paira dúvidas sobre o apressado processo e seu sumiço pois
haviam interesses políticos e econômicos em tirar o poder de Elisabete que era proprietária de 2/3 das
terras da Hungria.
A Condessa de Sangue foi uma referência na arte gótica. Foi retratada em livros, filmes e música. Um
exemplo é a atuação da atriz Ingrid Pitt no filme “A Condessa Drácula” (Hammer, 1970).

137
Castelo de Cachtice. Foi o principal local das torturas e assassinatos. Atual Elisabete Bathory. 1585.
Eslovênia. Wikipedia.

138
OS VAMPIROS NA LITERATURA
Iniciemos com um alerta: a documentação histórica traz uma narrativa das expressões das crenças
pagãs do vampirismo. Estas descrições estão repletas de juízos de valor e de visões civilizatórias na relação
Ocidente e Oriente. O documento não é neutro, mas a sua leitura pode ser feita a contrapelo para identificar
no relato oficial as vozes dos aldeões e as visões que tinham dos vampiros. A persistência na repetição
ritualística das ações de combate aos vampiros já nos fornece permanências e padrões coletivos de atuação.
Isto apazigua, mas, não exclui o pressuposto de que as fontes históricas são fontes com historicidade,
construída num espaço constituído por lugares sociais e visões de mundo!
Quando adentramos no discurso literário o alerta se faz ainda mais incisivo. A construção literária
pressupõe um espaço de liberdade maior para o exercício da imaginação e da construção de representações.
O vampiro histórico poderá ser reconstruído com percepções ainda mais distantes das raízes originais. As
falas não se fazem com os atores crentes da veracidade do fenômeno, mas, por procedimentos intelectuais
fundados na conjuntura política e ideológica e no olhar daquilo que busca ser do interesse do público leitor.
Nesta direção é que o processo das manifestações escritas sobre o vampirismo não constitui apenas uma
continuidade para as narrativas literárias, mas sim em processos de seleção, imaginação criação de
tipologias vampíricas e de domesticação palatável ao cânone literário e ao momento histórico vivido pelo
literato.

139
Neste sentido, é muito pertinente a citação a seguir:
“Se NÃO há dúvida de que, de um ponto de vista folclórico, o vampiro tem raízes na cultura eslava, isso não o explica
de forma alguma. Está claro que o vampiro folclórico é algo radicalmente diferente do vampiro literário. Esse último
será forjado de modo peculiar entre os séculos XVIII e XIX, e nesse processo ganha contornos distintos daqueles que
porventura tenham lhe servido de fonte. A apreciação linguístico-etimológica da palavra ‘vampiro’ é a que remete mais
facilmente ao universo da cultura e das crenças eslavas; vêm à tona figuras lendárias em que certamente reconhecemos
aquela que atende hoje por esse nome, mas esta não é de modo algum redutível às primeiras, nem nelas se encaixa de
forma perfeitamente congruente. Trata-se, enfim, de dois universos diversos, embora nada estanques. Pois existe
comunicação entre eles.
É curioso observar que, se de fato encontramos matizes vampirescas em figuras folclóricas dos Balcãs, nos Cárpatos e
nas regiões adjacentes, não foi em absoluto ali que o vampiro encontrou suas primeiras manifestações artísticas e
literárias.
É como se o vampiro estivesse fadado a pertencer ao outro, ao exótico – idealmente, ele um elemento estranho
(oriental) que se insinua num milieu europeu. Ainda do ponto de vista de uma abstração ideal, o narrador do vampiro
tem de ser um estrangeiro, tem de ser um ‘indivíduo’ que observa, atônito, a materialização da crença coletiva de povos,
que em certa medida parecem ‘bárbaros’ ao seu olhar racionalista” (CARVALHO, 2010: 208).

ARGEL e MOURA NETO (2008:21) explicitam que o vampiro pré-literário de meados do século XVIII “era
um ser repugnante, que dificilmente seria convidado para um jantar ou roda social: unhas compridas, barba
malfeita, boca e olho esquerdo abertos, rosto vermelho e inchado, envolto em sua mortalha”. Ao escrever o
romance “Drácula”, menos de dois séculos depois da epidemia vampírica das décadas de 1720-1730, para

140
Bram Stoker a imagem do vampiro “já havia mudado de pobre campônio de aparência tosca e hálito do
além-túmulo para um aristocrata sedutor, cujos traços repugnantes eram pouco perceptíveis à primeira
vista, e francamente aceitável em sociedade. Em sua notável ascensão social, o vampiro percorreu um longo
caminho, ao longo do qual pegou carona com ilustres figuras literárias dos séculos XVIII e XIX”.
Uma abordagem destas obras fundadoras da literatura vampírica foi realizada por ARGEL e MOURA
NETO (2008:22 e segs.). Segundo os autores, os românticos alemães é que passaram a trazer o vampiro
para a literatura poética. Inicialmente com o poema de Ossenfelder em 1748, onde o vampiro personifica as
religiões não-cristãs e afronta os valores cristãos. Em 1773, Gottfried August Bürger, publica o poema
“Lenore” sobre um cavaleiro que volta da guerra para buscar sua noiva e a leva para uma cavalgada
fantasmagórica: de fato ele havia morrido e revelava-se como a morte. Daí veio a passagem “os mortos
viajam ligeiro” usado por Bram Stoker em “Drácula”. Em 1797, Johann Wolfgang Von Goethe publicou “A
Noiva de Corinto”, baseado no poema dos gregos Flegon de Trales e Filóstrato (a noiva era uma lâmia). O
tema é de uma noiva prometida a um jovem ateniense que viaja até Corinto. De fato, ela havia morrido e
saia do túmulo a cada noite para seduzir homens jovens e aspirar o “sangue do seu coração”. O poema
trabalha o conflito religioso pagão x cristão, a sedução da mulher fatal, o amor além da morte e a
sensualidade exacerbada da vampira.
Samuel Taylor Coleridge introduziu o vampiro na poesia britânica num poema inacabado chamado
“Christabel” (1797-1801). A personagem Lady Geraldine é a vampira que seduz a donzela Christabel. A
palavra vampiro está ausente do poema, mas vários elementos remetem ao tema. Em “Carmilla” (1872) Le

141
Fanu retoma Coleridge com a “alusão ao amor lésbico e o poder obscuro de Lady Geraldine, que fascina e
enfeitiça a heroína”. Robert Solte, conhecido por sua obra de “História do Brasil”, gostava do sobrenatural e
dos mortos redivivos. Ele escreveu “Thalaba the destroyer” (1801), poema onde um vampiro se apossou do
corpo da noiva de Thalaba. Southey também fez referências a pesquisas de vampiros em suas notas
explicativas. Ainda na Inglaterra, mais dois autores; John Herman Merivale escreveu sobre um demônio
chamado “vampire” que extermina uma aldeia sugando o sangue dos moradores (“The dead men of Pest” –
1807); John Stagg, que no livro “Minstrel of the North” (1810) incluiu a balada “The vampyre”, sobre um
homem que retorna durante a noite para sugar o sangue de um amigo. No epílogo o vampiro é morto com
uma estaca.
Continuando a interpretação dos autores sobre estas raízes do vampirismo na literatura, um lugar
especial é conferido a John Keats que escreveu “La belle dame sans merci” (1819) sobre uma mulher com
olhos selvagens que seduz os caminhantes e também em “Lamia”, que implicitamente remete a ação dos
vampiros (1820). Boa parte dos personagens precursores poéticos da literatura vampírica são mulheres. A
mulher fatal será colocada para uma dimensão secundária nas décadas seguintes (sendo retomado em
Carmilla) quando o foco central será o vampiro aristocrata desenvolvido por John Polidori.

“Os poetas românticos alemães e ingleses estavam voltados para a Antiguidade, e em geral ambientavam suas obras em
lugares distantes e épocas remotas, inspirando-se em escritos da Grécia e Roma antigas ou em baladas medievais.
Autores como Southey, Merivale, Stagg e Byron procuravam atestar, por meio de notas, prefácios e apêndices, toda a

142
pesquisa que haviam feito entre os autores do século XVIII, para criarem seus poemas” (ARGEL e MOURA NETO,
2008:22).
A caminhada para a construção do vampiro em prosa passou por Lord Byron que escreveu o esboço de
uma história de vampiros em 1816. Este fragmento poético serviu de base para que John Polidori escrevesse
o conto “The Vampyre” (1819) que projetou o vampiro na prosa ficcional. O conto afasta o vampiro do
folclore eslavo com seu caráter repugnante de morto-vivo e o transforma num monstro aristocrático,
sedutor e perverso. O romance gótico já em declínio, recebe um novo alento com a temática vampírica. No
ano seguinte, surge um livro com autoria anônima chamado de “Lord Ruthwen” ou “Les Vampires”, dois
volumes de um romance que utiliza a ideia de Polidori e leva o cenário sangrento para várias cidades
deixando por toda parte “donzelas desonradas”. “Lord Ruthwen viria a ser o primeiro romance de mortos-
vivos a fazer sucesso com o público, dando início a meteórica carreira ascendente do vampiro nas letras e
nos palcos franceses” (ARGEL e MOURA NETO, 2008:29).
Samuel Coleridge. Historiador Robert Southey. Thalaba, 1801.

143
Richard Francis Burton. Vikram, 1870.

Théophile Gautier, em 1856.

144
A LITERATURA DE HORROR

Alberto Manguel (2005:9-11) pode nos conduzir numa primeira aproximação com a literatura de
horror. Ele faz traz referências que nos aproxima do objeto onde será inserido o vampiro. Para ele o medo
ao desconhecido leva a construção de muralhas e fronteiras que dote de segurança a caminhada humana,
mas, “nostálgicos, contamos histórias para não esquecer sua pálida presença”. As regras científicas,
filosofias empíricas, leis ou a própria linguagem buscam racionalizar o incompreensível através do uso da
inteligência. “Basta uma noite escura, um ruído insuspeitado, um momento de descuido em que percebemos
com o rabo do olho uma sombra passageira, para que nossos pesadelos nos pareçam possíveis e para que
busquemos na literatura a dupla satisfação de saber que o medo existe e que ele tem forma de conto”. A
chegada da noite tira a luz dos contornos diurnos e as muralhas que amenizam o desconhecido começam a
ruir. “É a hora das sombras furtivas, dos ruídos suspeitos, quando basta um momento de descuido para que
nossas apreensões e pesadelos ameacem ganhar presença palpável. É esse o domínio do conto de horror,
que flerta com essa zona cinzenta e incerta de nossas vidas e a transforma em literatura” (MANGUEL, 2005).
Conforme Manguel, as temáticas do horror, as trevas, os seres monstruosos, os fantasmas, os
cemitérios, a magia, os bosques impenetráveis, as ruínas, os mistérios da ciência e o ocaso da morte, são
elementos essenciais para as escritas de horror. Os escritos recuam a Mesopotâmia, Egito, Índia, Japão,
China Grécia, Roma..., porém, foi no mundo anglo-saxônico que as regras do gênero de horror foram
estabelecidas. A literatura gótica se funda na estética do horrível! A partir da década de 1830, o norte-

145
americano Edgar Allan Poe “estabelece os primeiros terrores profissionais” nos contos “A Queda da Casa de
Usher”, “O Barril de Amontilado”, “O Gato Preto” e o “Coração Delator”. Poe estabelece o terror explícito com
a “aparição horripilante, o cadáver ressuscitado, a podridão visível, são espantosos, porém definíveis” pois
constituem uma realidade tangível. Seu discípulo H. P. Lovecraft vai “refinar” o terror e recorre ao que “não
se pode dizer” onde o leitor é levado a aplicar “seus próprios pesadelos”.
Manguel enfatiza uma distinção necessária entre o “horror” e “terror”. Ele reproduz a literata Ann
Radcliffe que no final do século XVIII discutiu a distinção entre estes gêneros:
“Que possuem características tão claramente opostas que um dilata a alma e suscita uma atividade intensa de
todas as nossas faculdades, enquanto o outro as contrai, congela-as, e de alguma maneira as aniquila. Nem Shakespeare
nem Milton em suas ficções, nem Mr. Burke em suas reflexões, buscaram no horror puro uma das fontes do sublime,
embora reconhecessem que o terror é uma das causas mais elevadas do sublime. Onde situar, então, essa importante
diferença entre terror e horror senão no fato de que este último se faz acompanhar de um sentimento de obscura
incerteza em relação ao mal que tanto teme?” (RADCLIFFE In: MANGUEL, 2005).

O “terror” está ligado ao temor, ao perigo iminente e ao medo psicológico. Já o “horror” está voltado à
repugnância frente ao grotesco, a ameaça física explícita, ao recurso ao visual sanguinário, à cadáveres
mutilados e outras imagens assustadoras.
A seguir analisaremos o surgimento do horror gótico e sua relevância para a temática dos vampiros.

146
O HORROR GÓTICO EM WALPOLE
“Firmemente decidida, tomou uma tocha que queimava ao pé da escada e rumou correndo para a passagem secreta. A parte subterrânea do
castelo era escavada numa série de vários claustros interligados e não era fácil para alguém em tal estado de ansiedade encontrar a porta
que abria para a caverna. Um silêncio assustador reinava nessas regiões subterrâneas, exceto quando, vez por outra, algumas rajadas de
vento sacudiam as portas pelas quais ela havia passado e os gongos de ferro ecoavam através daquele longo labirinto de trevas”. Walpole, O
Castelo de Otranto.

As noções de progresso, razão, revolução, realismo e os mitos iluministas, são fatores em sintonia com
o surgimento na Inglaterra do movimento literário gótico. A base reflexiva se volta ao sujeito e a
subjetividade, e o horror, a morte e o sobrenatural se tornam os cenários mais próximos da vida real.
O primeiro romance gótico ou romance de terror que se tornaria o Gothic Novel foi publicado há mais
de 250 anos: “O Castelo de Otranto” autoria de Horace Walpole. O ano era 1764 e o autor um diplomata
oriundo de uma aristocrática família inglesa. O sub-título da obra é ‘Uma História Gótica’, definindo bem os
referenciais de um novo estilo literário: uma fuga do presente em direção aos cenários medievais;
ambientação em castelos obscuros e assombrados; abadias sinistras e decadentes; cemitérios encobertos
pela neblina; paisagens lúgubres e desoladoras; florestas assombradas; o mundo como espaço caótico,
contingente e não racional (não fundado nas luzes iluministas); as trevas obscurecendo a razão; segredos e
maldições; personagem feminina, como em Walpole, fugindo de um sanguinário príncipe; ênfase no
sobrenatural, no inexplicável, no misterioso, no sublime e nas forças invisíveis.

147
Conforme Rossi (2008), “O Castelo de Otranto” definiu os elementos discursivos e os cenários góticos
para obras posteriores. O enredo conta a história de um príncipe que perde seu filho, único herdeiro ao
trono, morto em situação sobrenatural (atingido por um elmo que flutuava) no castelo localizado em
Otranto. Uma maldição se lançou sobre a família e a perseguiu por gerações até promover a insanidade. A
obra apresenta algumas características que ainda se fazia presente no romance “Drácula”. Entre elas o
espaço insólito de castelos, florestas e cemitérios; o medo do desconhecido fundado nos estrangeiros de
terras distantes; toda ou parte da trama se volta à Idade Média; passionalidade e vinganças; a psicologia do
medo etc.
A literatura gótica usa o recurso de criar uma atmosfera narrativa que tenta internalizar o leitor na
história o conduzindo ao enredo fundado no medo e num horror prazeroso. Grande parte das histórias de
terror e horror atuais tiveram sua origem nesta estratégia narrativa. Surgido no século das luzes e da razão,
o gótico rompe com o ideal estético neoclassicista de unidade e ordem na natureza. As forças sobrenaturais
e o obscuro da existência humana, contrapõe a lógica iluminista da racionalidade sem limite.
O período de apogeu do gênero gótico foi entre 1770 e 1820, quando foram publicadas cerca de 4.000
novelas ou romances. Menos de 2.000 sobreviveram nas prateleiras de antigas bibliotecas e poucos autores
tiveram destaque significativo: William Beckford, que escreveu “Vathek” (1786); Clara Reeves “The Old
English Baron” (1778); Ann Radcliffe, “The Mysteries of Udolpho” (1794); Matthew Gregory Lewis, “O Monge”
(1796); E. T. Hoffmann “As Drogas do Diabo” (1816); Mary Shelley “Frankenstein” (1818) e tantos outros
autores e obras, como é o caso de Lorde Byron. Inúmeras obras posteriores a 1820 foram escritas com

148
influência gótica como Edgar Allan Poe, Le Fanu e Bram Stooker, havendo muita intimidade do gênero gótico
com a novela de terror e os contos de fantasmas. No Brasil, Alvares de Azevedo escreveu o clássico “Noite na
Taverna” (1855), nos quadros de um ultra-romantismo.
Interessante é que em Rio Grande foi publicado o livro “O Castelo de Otranto” no ano de 1856 pela
Tipografia do Rio-Grandense de B. Berlink. Fica como hipótese que pode ser a primeira edição brasileira do
romance gótico fundador do gênero. Outro aspecto é que o lançamento coincide com o ano em que uma
epidemia de cólera havia provocado grande devastação e pelo menos quinhentos mortos em Rio Grande. O
estado de espírito estava muito propício a uma leitura gótica!

“o antiquíssimo e arruinado castelo gótico (mais fiel à imaginação do escritor do que à


realidade), com todas as suas misteriosas salas, quadros que mudam de figura, objetos
sinistros, barulhos inexplicáveis, corredores sombrios, escadas labirínticas, adegas e
subterrâneos que guardam mortos-vivos, além de fantasmas que insistem em visitar os
novos inquilinos. Tudo isso emoldurado pelo vento da noite e pelas sombras que habitam o
grande jardim da propriedade” (VIDAL, 1996, p. 8).

149
150
ANTECEDENTES POÉTICOS

A literatura poética vampírica teve como base inicial o romantismo alemão. O marco fundador está em
Heinrich August Ossenfelder em 1748. Em 1773, Gottfried August Burger, publicou “Lenore” e em 1797
Goethe lança “A Noiva de Corinto.” A temática romântica da sedução feminina e do amor além da morte está
presente e será uma inspiração literária no século XIX.
Na poesia britânica tivemos Coleridge, Southey, Merivale, Stagg, Keats etc.
As personagens femininas em obras vampíricas estão presentes nas primeiras incursões literárias que
modelaram o tema em Ossenfelder, “A Noiva de Corinto” em Goethe; “Geraldine” em Christabel, de
Coleridge, “Carmilla”, em Sheridan Le Fanu, Lucy Westenra em “Drácula”, Clarimunda em “A morta Amorosa”
de Theophile Gautier.
Mas vejamos o começo de tudo: o poema alemão “Der Vampir”.

151
O PRIMEIRO POEMA (1748)
Considerado o primeiro poema moderno sobre vampiros, “Der Vampir” foi escrito por Heinrich August
Ossenfelder (1725-1801). Publicado em 1748, o poema foi solicitado a Ossenfelder pelo editor (Christlob
Mylius) do jornal alemão “Der Naturforscher”. A partir das lendas húngaras foi elabora o poema fundado na
tensão entre desejo e morte. A história é narrada pelo vampiro que conta como invade o quarto de uma
jovem cristã e a seduz. Em contraponto, a jovem foi educada pela mãe nos preceitos do cristianismo. O
vampiro é colocado como o antagonista corruptor da inocência e dos princípios religiosos cristãos
personificados na jovem seduzida. Além disto, é incluído no poema a sensualidade que se tornará um tema
inerente ao vampiro literário.

Der Vampir

“Minha amada jovem crê


Constante, segura e firme
Nos ensinamentos herdados
Da sempre piedosa mãe.
Como as gentes do Tisza
Que em vampiros mortais
Crêem firmes com heiduques (antigos nobres húngaros).
Aguarda então Cristina,
Pois que amar-me não desejas;
Anseio de ti vingar-me,
152
E hoje brindo um tocai
Beber a saúde de um vampiro.

E quando tranqüila dormires


De tuas formosas faces
Sorver o fresco purpúreo.
E enquanto te amedrontares
Conforme eu te for beijando
Tal qual um vampiro beija;
E quando enfim tu tremeres
E enfraquecida em meus braços
Caíres qual foras morta;
Então te perguntarei:
Não são minhas lições melhores
Que as de tua bondosa mãe?”

153
A NOIVA DE CORINTO
Um poema de Johann Wolfgang Goethe alcançou popularidade entre os leitores além de ser um
motivador para escritores que se voltaram aos temas vampíricos. Escrito em 1797, “A Noiva de Corinto” (“Die
Braut Von Korinth”) foi elaborada a partir de uma releitura do folclore grego na obra de Flégon de Trales no
“Tratado de Mirabilibus” (século II). O enredo do poema é a história da jovem Filinion, que após a morte,
retornou para satisfazer os prazeres que lhe foram negados em vida.
Goethe, ao escrever “A Noiva de Corinto”, trouxe duas inovações que se desdobrariam no século XIX:
usou de forma direta um personagem vampírico e do gênero feminino; o poema também introduziu o
elemento sexual do vampiro. “A partir deste ponto, cria-se um fosso entre a imagem do vampiro folclórico,
traduzida em um cadáver ambulante vestindo farrapos, e a representação literária de um ser sedutor de
sexualidade inquieta e aflorada. Além da introdução do elemento sexual, a importância do poema de Goethe
pode ser medida pelo fato que foi esta obra a base para a criação de “Christabel”, poema este que
apresentou o vampiro à Literatura Inglesa e criou a temática do relacionamento lésbico-vampírico” (SILVA,
2013:15).
“Da sepultura lançaDa à viDa,
À procura do anelado bem,
Por perdido ser inda querida
aspirar toDo o sangue que tem” (A noiva de corinto).

154
CHRISTABEL
Samuel Taylor Coleridge (1772-1834), um dos fundadores do romantismo na Inglaterra, escreveu um
longo, mas, incompleto poema dividido em duas partes, entre os anos de 1797 e 1800. A pretensão do
autor de publicar o poema no ano de 1800 no livro “Lyrical Ballads” acabou não acontecendo. O enredo está
voltado a personagem feminina Christabel que está num bosque e se depara com uma jovem estranha que é
Geraldine, a qual teria sido raptada por homens a cavalo mas conseguiu fugir. Christabel a leva para casa e
passam a noite juntas num clima de erotismo. O poema transcorre com num sonho envolto num erotismo
sutil que encaminha o leitor para interpretar Geraldine como uma vampira, apesar desta nomenclatura não
ser utilizada. “Christabel” es uma obra gótica y decorada con motivos vampíricos, que presenta a una joven
cuya energía y voluntad se ven atacadas por otra joven también bella” (PÉREZ, 2011:849).
Christabel foi publicado em panfleto em 1816 e influenciou Edgar Allan Poe (poema Sleeper, 1831) e
Sheridan Le Fanu em “Carmilla”, personagem que tem semelhanças com Geraldine de Christabel. O poema
foi interpretado como um conto gótico de vampiros e de demônios; como uma alegoria da expiação cristão;
como um pictorialismo pagão e epifania do mal.

155
Christabel. Edição de 1891 do The Blue Fairy Book com ilustrações
de H. Ford e Lancelot Speed.

Ilustrações de Christabel.

156
DICIONÁRIO INFERNAL (1818)
O "Dicionário Infernal" de Jacques-Albin-Simon Collin de Plancy (1794-1881) foi publicado pela
primeira vez em 1818 e sua principal edição e a mais difundida foi a sexta (publicada em 1863) com o
acréscimo de dezenas de ilustrações de demônios e sua adaptação aos cânones da Igreja Católica. Plancy
publicou outros livros com temáticas de fantasmas, espectros, bruxaria etc, mas a sua obra máxima foi esta.
Alguns casos de vampirismo no século XVIII são publicados pelo autor retomando o interesse pelo
assunto na França. Um dos textos, referente aos mastigadores em túmulos, é reproduzido a seguir.

"Os antigos acreditavam que os mortos comem em suas sepulturas. Nós não sabemos se eles os ouviram mastigar; mas é
certo que será atribuído à ideia de que os mortos preservam o direito de comer, o hábito de comer no funeral recua a tempos
imemoriais, e entre todos os povos, no túmulo do falecido no início, os sacerdotes comiam durante a festa à noite, o que reforçou a
opinião acima mencionada. A opinião de que os espectros se alimentam ainda é predominante no Levante. Há muito tempo que os
alemães estão persuadidos de que os mortos mastigam como porcos em seus túmulos, e é fácil ouvi-los grunhir, esmagando o que
devoram. Philippe Rehrius, no século XVII, e Michel Raufft no início do século XVIII, publicaram seus Tratado sobre o mastigar
dos mortos em seus túmulos. Dizem que em algumas partes da Alemanha, para evitar que os mortos mastiguem, colocam no
caixão um torrão de terra sob o queixo; em outros lugares eles são colocados em suas bocas com um pequeno pedaço de prata, e
outros apertam suas gargantas com um lenço. Eles citam vários mortos que devoraram sua própria carne em seu sepulcro. É
preciso ficar surpreso ao ver os sábios encontrarem algo prodigioso em tais fatos naturais. Durante a noite depois do funeral do
conde Henri de Salm foi ouvido na igreja da Abadia de Haute-Seille, onde foi enterrado, um choro abafado que os alemães
provavelmente confundem com o ronco de uma pessoa que mastiga; e no dia seguinte, quando o túmulo do conde foi aberto, ele

157
foi encontrado morto, mas de cabeça para baixo e de bruços. Ele foi enterrado vivo. Uma causa semelhante deve ser atribuída à
história relatada por Raufft de uma mulher boêmia que, em 1345, comeu metade de sua mortalha sepulcral em seu túmulo. No
século passado, um pobre homem que foi enterrado às pressas no cemitério, foi ouvido durante a noite o barulho em seu túmulo é
aberto no dia seguinte, se descobriu que ele tinha comido a carne do braço. Este homem, tendo bebido conhaque excessivamente,
tinha sido enterrado vivo. Uma jovem de Augsburg tendo caído em letargia, ela foi considerada morta, e seu corpo foi colocado
em uma abóbada profunda, sem estar coberto de terra. Algum ruído foi logo ouvido em sua tumba; mas nós não prestamos
atenção. Dois ou três anos depois, alguém da família morreu: o cofre foi aberto e a entrada foi fechada. Ela tentou
desnecessariamente perturbar essa pedra e não tinha mais dedos em sua mão direita, que ela havia devorado em desespero”.
Dicionário Infernal, edição de 1826, Paris
Librairie Universelle.

158
LORDE BYRON
O inglês Lord Georg Gordon Byron (1788-1828) teve uma vida atribulada que se encerrou com apenas
36 anos. Foi um dos mais extravagantes e notórios poetas românticos sendo odiado e exaltado por suas
habilidades poéticas e temáticas narrativas.

“Lord Byron teve uma vida pessoal bastante conturbada: homossexualismo, dezenas de casos sexuais e
também foi um dos primeiros escritores a descrever os efeitos da maco nha. Em meio a toda essa
agitação existencial, que se tornou o paradigma do homem romântico que busca a liberdade, Byron
escreveu uma obra riquíssima, em que não faltam elementos autobiográficos, e depois revelou uma
faceta satírica e satânica que apresent a em poemas como Don Juan. Byron usou com igual mestria o
verso curto de Walter Scott, o verso branco, a oitava -rima e a estrofe spenseriana. Seu aristocratismo se
reflete na escolha de um estilo classicista pelo qual tratou uma temática fundamentalmente r omântica.
O cinismo e o pessimismo de sua obra haveriam de criar, juntamente com sua mirabolante vida, uma
legião de jovens poetas "byronianos" por todo o mundo, chegando até o Brasil na obra de grandes
escritores, como Álvares de Azevedo”
(http://www.letras.ufrj.br/veralima/romantismo/poetas/byron.html ).

A temática do vampirismo está presente no poema “O Giaour” (“O Renegado”): fragmento de uma
história turca que foi publicado em 1813 por T. Davison. É uma de suas incursões ao Oriente (Turquia) e
trata de como o giaour matou Hassan e foi condenado a se tornar um vampiro depois de sua morte

159
(matando seus familiares e bebendo o seu sangue): “Falso infiel, tu hás de sucumbir/À foice vingativa de
Monkir/ […] Teu corpo será da tumba arrancado: Como vampiro à terra retornado,/ No teu próprio rincão
hás de baixar/ E o sangue da tua raça ali chupar./ À meia-noite, esposa, filha, irmã/ Dar-te-ão, sugadas, o
vital elã;/ Mas deteste o banquete que alimente/ Teu corpo morto, lívido vivente”.
O vampiro é um amaldiçoado que ataca seus familiares recordando os relatos de Calmet e outras
fontes setecentistas. O vampiro é um excomungado que foi condenado ao isolamento: “Vai, pois, assim de
volta à tumba escura. Com os demônios entrega-te à loucura. Até que eles se afastem, de ar aflito, com
horror do teu espectro ainda mais maldito”.
O poema foi bem acolhido pelo público aumentando a reputação de Byron como escritor. Em 1816, foi
escrito “Fragmento de um Romance” obra inacabada que teria inspirado o médico pessoal de Byron, John
William Polidori a escrever “The Vampyre”, obra referencial na construção do vampiro moderno. O
personagem Lord Ruthven, o aristocrata devasso, teria sido baseado em Lord Byron.

160
Lord Byron. Pintura de Thomas Phillip, 1835.
“Testemunha da renovação de uma
civilização, lorde Byron foi o intérprete mais
poderosamente inspirado por todos os
sentimentos, todas as paixões, resumindo, por
todos os frenesis que se manifestam no
intervalo tempestuoso onde se confundem as
primeiras experiências de uma sociedade
nascente, e as convulsões de uma sociedade
que declina” (NODIER apud MARCHETTI,
2000:352).

161
JOHN POLIDORI E O VAMPIRO: O NASCIMENTO DA CRÔNICA
“Naquele tempo, apareceu no meio da agitação de um inverno em Londres, e nas numerosas reuniões que a moda ali conciliava nessa época, um lorde
mais notável ainda por suas singularidades do que por sua posição. [...] Sua figura era regularmente bela, não obstante a coloração sepulcral que reinava
em seus traços, a qual nunca era animada nem pelo amável rubor fruto da modéstia, nem pelas fortes emoções engendradas pelas paixões”. “O
Vampiro”, John Polidori.

A erupção do vulcão Tambora em Java (Indonésia), em abril de 1815, provocou muitos dias nublados,
frios e chuvosos em parte da Europa no verão de 1816. O resfriamento causado pelo fenômeno teve
consequências críticas em muitos países, inclusive na Suíça, ao longo de três anos.
Cinco amigos ingleses, entre os dias 15 e 17 de junho daquele ano, ficaram isolados na mansão Villa
Diodati, às margens do Lago Genebra na Suíça. Sem saber viviam um momento climático de extrema
gravidade e também um momento histórico literário de relevantes desdobramentos. O grupo era formado
pelo poeta romântico lorde Byron (que alugou a mansão), pelo médico e escritor John William Polidori, pelo
renomado poeta Percy Shelley, por Mary Godwyng (amante de Percy e com quem se casaria no ano seguinte
aos 19 anos de idade) e sua meia-irmã Claire Clairmont (também amante de Percy).
A mansão já havia recebido intelectuais de renome como John Milton, Rousseau e Voltaire. O encontro
rumou para a expressão literária com a leitura de contos de terror e o desafio lançado por Byron para que os
presentes escrevessem sua própria história fantasmagórica. O resultado superou qualquer previsão e
surgiram dois clássicos da literatura: o vampiro e Frankenstein. O filme Gothic, de Ken Russel, se passa
neste encontro intelectual.

162
O responsável pela elaboração de “O Vampiro” (publicado em 1819) foi o dr. John Polidori que edificou
o primeiro vampiro contextualizado nos padrões europeus: o lorde Ruthven. Poemas e contos de vampiros
circulavam, ao lado de relatos documentais, desde o século XVIII, porém, o componente europeu oriental
ainda é muito forte naqueles escritos. A ocidentalização do vampiro está explícita em Polidori e será
desenvolvida com maestria no romance “Drácula” de Bram Stoker em 1897. O conto suscitou polêmicas e foi
creditado a Lorde Byron quando de seu lançamento. Como Polidori e Byron romperam relações de amizade
(1816) pairou a dúvida de quem realmente havia sido o autor de “O Vampiro” (porém, Byron reconheceu
publicamente que Polidori o havia escrito). Os dois autores tiveram finais trágicos com Polidori se
suicidando em 1821 e Byron morrendo em 1824 (de malária quando lutava contra os turcos e ao lado dos
carbonários na Grécia).
Outra obra clássica surgida naqueles dias de claustro numa mansão repleta de inspiração gótica foi
“Frankenstein”. Escrito pela novel escritora Mary, que ao iniciar a obra tinha apenas 18 anos. Enquanto
“Frankenstein” persiste como uma obra extremamente reflexiva no campo da história da ciência, o
personagem vampiro continua a apresentar leituras multifacetadas e que tiveram uma de suas melhores
construções na obra de John William Polidori (1795-1821).

Em “O Vampiro” (publicado em abril de 1819 no New Monthly Magazine) o enredo é constituído por
Aubrey, um jovem inglês e Lord Ruthven, um homem de origens misteriosas que entrou na sociedade
londrina. Aubrey acompanha Ruthven a Roma, mas a deixa depois deste seduzir a filha de um amigo em
comum. Em viagem a Grécia, Aubrey escuta relatos sobre lendas vampíricas. A desconfiança em relação a

163
quem é Ruthven vai aumentando frente às tragédias ou sofrimentos ocorridos em pessoas que se
relacionaram com o aristocrata. O Lord passa a assediar a irmã de Aubrey, suga o seu sangue até a morte e
desaparece. Audrey tem um colapso nervoso e morre. O vampiro triunfa e as resistências a ele são
infecundas. A ausência de punição e o triunfo do mal atingiu as sensibilidades mas deixou em aberto o
retorno de um personagem perverso.

Como Ruthven continua vivo surge uma versão apócrifa em 1820 inicialmente atribuída a Charles
Nodier (que negou publicamente a autoria) com o título “Lord Ruthwen ou Les Vampyres” (foi colocado w no
lugar de v). Nodier, aproveitando o sucesso e as possibilidades do personagem, adaptou para uma peça de
teatro “Le Vampire” que foi fundamental para a difusão popular do tema. Adaptações para óperas foram
realizadas por Heinrich Marschner (“Der Vampyr”) e Peter Josef von Lindpaintner (“Der Vampyr”), ambos em
1828. O nome Rutven se torna tão popular que Alexandre Dumas faz referência ao Lord em seu clássico “O
Conde de Monte Cristo”.

O vampirismo será um dos temas encaminhados pelo romantismo (com ênfase no gótico) em seu
confronto com os cânones do racionalismo clássico. O protótipo do vampiro teve a sua forma literária fixada
de modo definitivo no mundo de fala inglesa com Polidori e com a produção que o sucede. “O Vampiro” é
um referencial que separa as lendas e histórias de vampiros – como as compiladas por Dom Calmet que
tinham como protagonistas homens do povo: aldeões, soldados, camponeses-, para o modelo de vampiro
aristocrata, sofisticado e que trazia a tradição de um passado de poder já decadente. Este princípio será

164
retomado em “Drácula” de Bram Stoker, onde o Conde é um “gentleman” de uma existência secular fundada
na exploração dos camponeses.

“Desse modo, ele transformou o espectro que só


aparecia à noite para sugar o sangue dos vivos
num ser complexo e crível, que convivia em
sociedade e viajava a seu bel-prazer, escolhendo
suas vítimas em vários países. Além disso, o foco
mudou do herói passivo para o vilão, que passou
a desencadear a ação. A justaposição de detalhes
de um realismo clínico (o vampiro sendo morto
por balas comuns, os protagonistas entrando em
depressão nervosa) com eventos fantásticos
terminou por acentuar o clima sobrenatural. “The
Vampyre” estabeleceu de uma vez por todas o
protótipo para o vampiro da literatura, do teatro
e posteriomente do cinema. Lord Rutheven foi,
para o século XIX, aquilo que o Conde Drácula
seria para o século XX” (ARGEL e MOURA NETO
(2008:27-28).

165
John Polidori. Capa da primeira edição inglesa de "The vampyre", 1819.

Ilustração de “The Vampire” adaptado para o teatro.

166
OS VAMPIROS E O TEATRO
Um dos nomes essenciais para a difusão da literatura vampírica foi Charles Nodier que adaptou a obra
de Polidori para o teatro (com o título de “Le Vampire”) construindo um melodrama que atraiu grande
público aos teatros franceses a partir de sua estréia em 1820. O vampiro aristocrata Lord Ruthven definirá o
perfil do morto-vivo que se afasta da cultura pagã e das manifestações folclóricas para se adaptar a um
perfil ocidental fundado na maldade de um homem que frequenta a sociedade da época.
Conforme (CAMARANI, 2012:97):

“Charles Nodier foi um dos grandes responsáveis pela divulgação do romance gótico ou roman noir na França, o qual
passou a denominar “frenético”, remetendo ao exagero que caracterizaria esse tipo de literatura. No início do século
XIX, no romantismo francês, uma intensa circulação estabelece-se entre o frenético e o melodrama em um intercâmbio
de autores, motivos e procedimentos literários. A partir de 1820, o melodrama instala-se no sobrenatural, sobretudo
com Le vampire de Nodier, composto em colaboração com Jouffroy e Carmouche; esse melodrama, adaptado do texto de
Polidori, The vampire, publicado em 1819, harmoniza-se com o retorno de popularidade por que passa o gothic novel.
Essa união do frenético ao melodrama deixa ver duas tendências literárias bastante fecundas no romantismo francês,
que se irmanam ainda no sentido em que respondem aos anseios de um público fatigado por séculos de racionalismo e
ávido por toda a espécie de sensações e sentimentos.”

A literatura “frenética” caracteriza-se pela crueldade, medo, ódio e sangue em profusão. Nesta
narrativa, os “heróis frenéticos por excelência são os vampiros que saem de seus túmulos para vir sugar o

167
sangue dos vivos, ou vão, ao contrário, inquietar os mortos em seus refúgios; ou as estriges que corroem o
coração dos jovens atormentados pelo mal do amor. [...] A literatura frenética traz à tona esse tumulto
interior cujos ecos amortecidos às vezes percebemos em nossos sonhos noturnos” (CASTEX, 1962:129). No
melodrama “Le Vampire” dois personagens da trama travam um diálogo sobre a ação dos vampiros:

“Ituriel - Explique-se... Seria verdade que horríveis fantasmas vêm algumas vezes, sob a aparência dos direitos do
casamento, degolar uma virgem tímida e saciar-se com seu sangue?
Oscar.- Esses monstros chamam-se Vampiros. Um poder, de que não nos é permitido sondar os decretos irrevogáveis,
permitiu que certas almas funestas, devotadas a tormentos que seus crimes acumularam na terra, gozem desse terrível
direito, que exercem preferencialmente na cama virginal e no berço” (NODIER, 1990:37).

O sucesso da peça teatral evidenciou que outra expressão cultural permitiria a adaptação da literatura
ou a construção de roteiros com temas vampirescos. Diferente dos livros, o melodrama teatral não
necessitava do domínio da leitura, sendo uma expressão ainda mais popular. O teatro possibilitou o uso da
música, da dança, dos recursos cênicos, de um sobrenaturalismo explícito nas roupas e nos cenários. As
multidões que assistiram ao melodrama e sua difusão fizeram com que o vampiro cada vez mais fosse um
personagem presente no cotidiano francês.

168
"Histoire des vampires et des spectres malfaisans:avec um
examen du vampirisme" Publicado por Masson, Paris 1820
de Collin de Plancy.

169
E.T.A. HOFFMANN – VAMPIRISMUS/AURELIA (1821)
O alemão Ernst Theodor Amadeus Wilhelm Hoffmann (1776-1822) foi um compositor, desenhista,
jurista e escritor de literatura fantástica. Hoffmann é um dos representantes do romantismo oitocentista
voltado à evasão romântica:

“No romantismo revolucionário aparecem às obras com uma tendência social, que, na França é muito bem representada
por Victor Hugo. Na vertente ligada à evasão aparece um “eu” romântico que se vê incapaz de resolver sozinho os
problemas em relação à sociedade e que, portanto, se lança à evasão. A evasão romântica apresentava-se de diversas
maneiras: através do retorno para o passado, a fuga por meio das manifestações do inconsciente, o sentimentalismo
exagerado e o fantástico. Escolhendo evadir-se através do fantástico, Théophile Gautier vê em E.T.A. Hoffmann um
grande mestre desse tipo de literatura, pertencente a uma geração romântica alemã que apoiava a construção de suas
obras em sonhos, fantasia, imaginação, logo na fuga para o mundo não material. Sob a influência de Hoffmann, o conto
fantástico se fortalece na França na primeira metade do século XIX” (FRATUTTI, 2013:4).

Em 1821, Hoffmann publica a primeira história em prosa de um vampiro do sexo feminino:


“Vampirismus/Aurelia”. O contexto do escrito eram histórias fantásticas contadas por um grupo de
aristocratas entre os escritos surge “Aurelia” que apresenta elementos folclóricos do vampirismo inspirados
em Abdul Hassan do conto das “Mil e uma Noites”.

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O enredo da trama está ligado a um conde que acaba de herdar o título e que recebe a visita de uma
baronesa falida -com uma reputação terrível e misteriosa- e de sua filha, Aurelia. O conde e Aurelia não
tardam em começar um relacionamento romântico que resulta num rápido casamento. Logo depois do
casamento a jovem esposa do Conde adoece de um mal desconhecido e médicos parecem incapazes de
curar a sua doença. Pouco depois de se recuperar, Aurelia começa a rejeitar qualquer alimento, mas ainda
assim ela mantém a sua vitalidade. O Conde ouviu rumores de que sua esposa saia à noite do quarto em que
ambos dormiam para passear pelo cemitério. Ele também descobre que sua mulher colocava um narcótico
em seu chá para ele não acordar. Uma noite, o Conde evita o chá com narcótico e segue Aurelia até o
cemitério, onde ele descobre, para seu horror, que ela e outras mulheres se alimentam dos corpos dos
mortos.
Depois de acordar de volta em seu quarto, o conde acredita ter sido um pesadelo, mas quando sua
esposa se recusa a comer, ele repreende seu comportamento sinistro no cemitério. Aurelia ataca com raiva
seu marido, como se fosse um animal predador e morre em convulsões. O conde enlouquece e comete
suicídio.
Atmosfera gótica de terror está presente neste escrito de Hoffmann. Descrições macabras e mórbidas
conduzem até a maldição que Aurelia carrega e que foi legada por sua mãe: também um ser necrófago que
frequentava o cemitério durante a madrugada para se alimentar de cadáveres.

171
Vampirismus - Aurélia (E.T.A. Hoffmann). Ilustração Foulquier Vampirismus - Aurélia (E.T.A. Hoffmann). Ilustração Rogier 1840.
(1853).

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BARÃO LAMOTHE-LANGON E A VAMPIRA HÚNGARA ALINSKA

O escritor francês barão Étienne Léon de Lamothe-Langon (1786-1864) publicou em 1825 um romance
chamado “A Vampira, ou a Virgem da Hungria”. No prólogo ao romance, ele utiliza fontes documentais e
tratados sobre vampirismo que proliferaram a partir do século XVIII. Interessante é a reflexão feita pelo
autor que direciona a existência de vampiros não como seres sobrenaturais e sim como pessoas concretas.
A análise elaborada há quase dois séculos e dirigiu-se ao difícil convívio na sociedade francesa que estava
sendo reconstruída após a queda de Napoleão Bonaparte. O texto a seguir apresenta uma relativa
contemporaneidade com o tempo presente.

“E porque não acreditaremos nós também na existência dos vampiros? Porventura não foram eles acreditados por tantos
personagens distintos? D. Calmet, por exemplo, não se comprazia em comprovar a sua existência?... É verdade que Voltaire o
escarneceu; e nós, acostumados a imitar as macaquices dos estrangeiros, adotamos cegamente a opinião deste famoso escritor!
Rimo-nos dos vampiros; e o mesmo lord Byron não pôde mudar a nossa opinião a este respeito!... Pois bem, caro leitor, não
receamos dizê-lo, o autor de Mérope não tinha razão; o frade beneditino havia aprofundado mais esta matéria; nós nos
lisonjeamos de assim o provar, chamando unicamente a vossa atenção para o que na época atual se passa entre nós.
Não são porventura vampiros puritanos, insaciáveis do nosso sangue, esses famosos conquistadores, ruína das nações,
flagelo da humanidade? Não deparamos a cada passo com homens ávidos de nossas fadigas e suor, que ainda acham muito ligeiro
o peso enorme com que nos esmagam?

173
Julgais vós, que esses miseráveis, que correm pelas vilas e aldeias, vexando os desgraçados habitantes, com suas injustiças e
maus tratos, não sejam verdadeiros vampiros? E aquele que se acha colocado em lugar eminente, e que deparando no meio da sua
carreira com a virtude oprimida, com a inocência abandonada, as esmaga debaixo de seus corcéis, as sufoca com o peso do ouro
que o adorna, não será também um vampiro... um infame?...
Julgais acaso, que o banqueiro, que alimenta uma casa de jogo, onde se absorvem tantas fortunas, onde se perdem tão
meritórias reputações, não figura na lista dos principais vampiros?
No centro das mais opulentas capitais, nos lugares mais obscuros, quer de noite, quer de dia, não encontramos nós muitos
vampiros que, cobertos com a máscara sedutora da hipocrisia, ocultam um coração perverso, palpitante dos vícios e das
inclinações mais abjetas?... Serão estes outra coisa mais do que vampiros, verdadeira escória da sociedade?
Finalmente por toda a parte não vemos mais do que vampiros. O seu maior número avulta entre os fornecedores, e os
grandes empresários; entre os agentes da justiça, entre os agiotas, e até mesmo entre os facultativos!...”.

Fazendo uma atualização ao contemporâneo, podemos ampliar o leque e dizer que os vampiros podem
estar extremamente difundidos numa sociedade: no coitadismo; no cinismo e na mentira sistemática; nos
exploradores de amplo matiz; e, não poderia faltar, na ação percuciente dos psicopatas e sociopatas que se
enraízam no meio social e sugam a sua energia vital. O vampirismo histórico está muito mais vivo do que
podemos imaginar. Voltaire havia relacionado o vampirismo com a exploração de determinados segmentos
sociais e Lamothe-Lagon também utiliza esta flexibilidade para o termo.

174
Biblioteca Nacional da França. Biblioteca Nacional da França.
O Barão em 1837. Acervo:
http://gallica.bnf.fr

175
WALTER SCOTT
O escocês de Edimburgo Walter Scott (1771-1832) tem seu nome associado à criação do romance
histórico e teve um papel de destaque na percepção pública das Terras Altas escocesas. Um texto de Scott
faz referência aos vampiros no livro “História da Demonologia e da Feitiçaria” que coleta crenças populares e
oralidades. O texto é “História de Assueit e Asmund”:

"Os nórdicos eram mais propensos a essas superstições, porque era uma fantasia favorita deles que, em muitos casos, a
mudança de vida para morte alterava o temperamento do espírito humano de benigno para malévolo; ou talvez, quando alma
deixou o corpo, sua partida foi ocasionalmente fornecida por um demônio perverso, que aproveitou a oportunidade para entrar e
ocupar sua morada tardia.
Com tal suposição, a ficção selvagem que se segue é provavelmente fundamentada; que, por mais extravagante que seja,
possui algo marcante para a imaginação. Saxo Grammaticus nos fala da fama de dois príncipes ou chefes nórdicos, que formaram
o que foi chamado de fraternidade em armas, implicando não apenas a mais firme amizade e apoio constante durante todas as
aventuras que eles deveriam empreender na vida, mas ligando-os por um pacto solene, que após a morte de qualquer um, o
sobrevivente deve descer vivo para o sepulcro de seu irmão de armas, e consente em ser enterrado junto com ele. A tarefa de
cumprir este compacto terrível recaiu sobre Asmund - seu companheiro Assueit, tendo sido morto em batalha.
A tumba foi formada após o antigo costume do norte, no que era chamado de era das colinas - isto é, quando era comum enterrar
pessoas de mérito ou posição distinta em algum lugar visível, que era coroado com um monte.
Com este propósito, foi construída uma abóbada profunda e estreita, para ser o apartamento da futura tumba sobre a qual a pilha
sepulcral seria empilhada.

176
Ali depositaram armas, troféus, derramaram, talvez, o sangue das vítimas, introduziram na tumba os cavalos de guerra dos
campeões e, quando esses ritos foram devidamente pagos, o corpo de Assueit foi colocado na casa escura e estreita; seu fiel irmão
de armas entrou e sentou-se junto ao cadáver, sem uma palavra ou expressão que testemunhasse arrependimento ou falta de
vontade de cumprir seu temível envolvimento.
Os soldados que tinham testemunhado este singular enterro dos mortos e dos vivos, rolaram uma enorme pedra para a boca
do sepulcro e empilharam tanta terra e pedras sobre o local como fizeram um monte visível de uma grande distância, e então,
com lamentação pela perda de tais líderes destemidos, eles se dispersaram como um rebanho que perdeu seu pastor.
Anos se passaram depois de anos, e um século se passou, antes que um nobre sueco, ligado a uma grande aventura, e apoiado por
um bando galante de seguidores, chegasse ao vale que recebeu seu nome da tumba dos irmãos. Braços. A história foi contada para
os estranhos, cujo líder determinou a abertura do sepulcro, em parte porque, como já sugerido, foi considerada uma ação heroica
para enfrentar a ira dos heróis falecidos ao violar seus túmulos; em parte para alcançar as armas e espadas de prova com as quais
o falecido tinha feito suas grandes ações. Ele colocou seus soldados para trabalhar, e logo removeu a terra e as pedras de um lado
do monte, e desnudou a entrada.
Mas o mais robusto dos robôs começou quando, em vez do silêncio de uma tumba, eles ouviram dentro de gritos horríveis,
o choque de espadas, o som da armadura e todo o barulho de um combate mortal entre dois campeões furiosos.
Um jovem guerreiro foi deixado no túmulo profundo por um cordão, que foi elaborado pouco depois, na esperança de notícias
vindas de baixo. Mas quando o aventureiro desceu, alguém o jogou do cordão e tomou seu lugar no laço. Quando a corda foi
puxada para cima, os soldados, em vez de seu companheiro, viram Asmund, o sobrevivente dos irmãos de armas.
Ele correu para o ar livre, a espada desembainhada na mão, a armadura meio arrancada do corpo, o lado esquerdo do rosto quase
arranhado, como pelas garras de algum animal selvagem. Logo que apareceu à luz do dia, com o talento poético de improvisação
que esses campeões frequentemente uniam com força e bravura heroicas, ele derramou uma série de versos contendo a história
de seus cem anos de conflito dentro do túmulo.

177
Parece que, tão logo o sepulcro foi fechado, o cadáver dos assassinos Assueit levantou-se do chão, inspirado por um voraz
goule e, tendo primeiro rasgado em pedaços e devorado os cavalos sepultados com eles, atirou-se ao companheiro que acabara de
lhe dar tal sinal de devotada amizade, a fim de tratá-lo da mesma maneira. O herói, desprezado de qualquer forma pelos horrores
de sua situação, tomou-lhe os braços e defendeu-se com coragem contra Assueit, ou melhor, contra o demônio maligno que
alugava o corpo daquele campeão. Dessa maneira, o irmão vivo travava um combate sobrenatural, que perdurara durante um
século inteiro, quando Asmund, finalmente obtendo a vitória, prostrou seu inimigo e, estendendo uma estaca pelo corpo,
finalmente o reduziu ao estado de quietude tornando-se um inquilino do túmulo. Tendo cantado o relato triunfante de seu
concurso e vitória, este conquistador mutilado caiu morto diante deles.
O corpo de Assueit foi retirado do sepulcro, queimado e as cinzas dispersas para o céu; enquanto que a do vencedor, agora
sem vida, e sem um companheiro, foi depositada lá, de modo que se esperava que seu sono permanecesse intocado.
As precauções tomadas contra o reavivamento de Assueit uma segunda vez nos lembram daqueles adotados nas ilhas gregas e nas
províncias turcas contra o Vampiro. Ele também proporciona uma derivação da antiga lei inglesa em caso de suicídio, quando
uma estaca foi conduzida através do corpo, originalmente para mantê-lo seguro no túmulo. "

178
Walter Scott em 1821. Acervo: Henry Raeburn. The Bridgeman Art Library.

179
THÉOPHILE GAUTIER “LA MORTE AMOUREUSE” (1836)
“Ao cortar uma fruta, dei por acaso um corte bastante profundo no dedo. O sangue imediatamente jorrou em filetes
purpúreos e algumas gotas respingaram em Clarimonde. Seus olhos se iluminaram, sua fisionomia assumiu uma
expressão de alegria feroz e selvagem que eu nunca havia visto nela. Pulou da cama com uma agilidade animal (...) e
precipitou-se sobre meu ferimento, que começou a chupar com um ar de indescritível volúpia” (GAUTIER, 2001:301).

O conto fantástico de Théophile Gautier “A Morte Amorosa” é considerado por Ítalo Calvino (2008:213)
como o mais famoso e perfeito do escritor francês. Neste conto está presente de forma magistral a
contraposição entre realidade e extraordinário - dualidade cara a literatura fantástica.
O conto aborda os mortos-vivos e o narrador é o sacerdote Romuald que é tentado desde criança por
uma mulher extremamente bela e elegante que o hipnotizou. Seu nome era Clarimonde que ressurgiu e
passou a atormentar e enlouquecer Romuald. Na verdade, a linda mulher era uma vampira que colocou em
cheque os votos religiosos do narrador. O conto foi apreciado por muitos literatos se tornando uma
referência de conto gótico vampírico. Uma breve passagem é reproduzida a seguir:

"É aqui mesmo!", disse Sérapion e, pondo a sua lanterna no chão, introduziu a alavanca no interstício da pedra,
começando a erguê-la. A pedra cedeu e ele continuou o trabalho com a picareta. Eu o via trabalhar, mais sombrio e
silencioso do que a própria noite; ele, curvado, continuava a sua obra fúnebre encharcado de suor, ofegante como se
agonizasse. Era um espetáculo estranho, e quem nos tivesse visto, certamente teria nos tomado por profanadores ou
ladrões de túmulos, nunca por padres. O zelo de Sérapion tinha algo de duro e selvagem, aproximando-o mais de um

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demônio do que de um apóstolo ou anjo; seu rosto de traços austeros e profundamente marcados pela luz da lanterna
não era nada tranquilizador. Eu sentia escorrer sobre os membros um suor glacial e meus cabelos levantavam-se
dolorosamente na cabeça. Intimamente, considerava a ação do severo Sérapion um abominável sacrilégio, e gostaria
que, do lado das nuvens sombrias que passavam sobre nossas cabeças, saísse um triângulo de fogo que o reduzisse a pó.
Os mochos, empoleirados nos ciprestes, assustados pela luz da lanterna, vinham chicotear o vidro com toda a força com
suas asas empoeiradas, soltando gemidos queixosos; as raposas uivavam ao longe e mil ruídos sinistros emanavam do
silêncio. Finalmente, a picareta de Sérapion encontrou o caixão e a madeira estalou com um ruído surdo e sonoro, com
esse ruído terrível que emite o nada quando tocamos nele; ele levantou a tampa e vi Clarimonde pálida como um
mármore, com as mãos juntas; o seu sudário branco não tinha uma única ruga da cabeça aos pés. Uma pequena gota
vermelha brilhava como uma rosa no canto da sua boca descolorida. Sérapion, ao vê-la, enfureceu-se: "Ah! Ei-la,
demônio, cortesã impudica, devoradora de sangue e de Ouro!" E aspergiu então, com água-benta, o corpo e o caixão
sobre o qual traçou a forma de uma cruz com o seu hissope. A pobre Clarimonde mal tinha sido tocada pelo santo
orvalho e o seu belo corpo já se desfazia em pó; dele só restou uma mistura horrivelmente informe de cinzas e ossos
semicalcinados. "Eis a sua amante, senhor Romuald", disse o inexorável padre, mostrando-me os tristes restos mortais;
"sente-se ainda tentado a ir passear no Lido ou na Fusine com a sua beldade?" Baixei a cabeça; acabava de se fazer uma
grande destruição dentro de mim. Regressei ao meu presbitério, e o senhor Romuald, amante de Clarimonde, separou-se
do pobre padre ao qual fizera, durante tanto tempo, uma companhia tão estranha. Na noite seguinte, no entanto, vi
Clarimonde; ela me disse, como na primeira vez sob o portal da igreja: "Infeliz! Infeliz! O que você fez? Por que escutou
esse padre imbecil? Não era feliz? O que eu lhe fiz para que violasse a minha sepultura e expusesse a miséria do meu

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nada? A comunicação entre nossas almas e nossos corpos rompeu-se para sempre. Adeus, você sentirá saudades
minhas." Dissipou-se no ar como fumaça e não a vi mais.
........Ai de mim! Ela falara a verdade! Senti saudades e ainda sinto. A paz da minha alma foi comprada por um preço
muito alto; o amor de Deus não foi suficiente para substituir o de Clarimonde. Eis, irmão, a história da minha juventude.
Nunca levante os olhos para uma mulher, caminhe sempre com eles fixos na terra porque, por mais casto e calmo que
você seja, basta um minuto para perder a eternidade”.

Gravura do livro “A Morte Amorosa”.

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ALEXEI TOLSTOY - A FAMÍLIA DE VURDALAK, 1847
O russo Alexei Tolstói (1817-1875) foi dramaturgo, diplomata e escritor. Escreveu um conto sobre
vampiros “A Família Vurdalak” que foi publicado na França em 1847. Tolstói coloca como narrador da
história o personagem Marquês de Urfé que atua na região da Moldávia durante o Congresso de Viena
(1815). O Marquês é um galanteador e aventureiro, que situa a história na região da Transilvânia e da
Romênia. Ele retrata os húngaros e sérvios como povos pobres e ignorantes, porém, corajosos, honestos e
dignos, realizando uma leitura não exótica ou que se enfatiza o atraso da região como em outros autores. A
narrativa do Marquês faz referência à história de certos vampiros, os “vurdalak”, utilizando fontes como o
abade Dom Calmet para dar credibilidade e envolver o leitor na trama. Apesar de descrente destas lendas, o
Marquês acaba vivenciando o fenômeno vampírico na família que o hospedou. Na abordagem de Martha
Argel e Humberto Moura Neto (2008:131): “A trama de ‘A família do Vurdalak’ faz lembrar todo o processo
de descoberta, pela elite cultural, do vampiro do folclore rural centro-europeu e das ‘epidemias’ vampíricas
do século XVIII. O europeu do Oeste, culto e refinado, chega à aldeia isolada e inculta, onde é alertado pelos
camponeses quanto ao perigo dos vampiros, ou vurdalaks. Inicialmente incrédulo, as evidências acabam
convencendo-o de que os mortos-vivos são reais”. O conto transita da incredulidade para o horror das
manifestações vampíricas tradicionais.

183
Tolstoy em 1835. http://lj.rossia.org/users/john_petrov/437783.html.
Alexis Tolstoi explica que os “vurdalaks, ou
vampiros dos povos eslavos, na opinião do país,
nada mais são que corpos de mortos saídos de seus
túmulos para sugar o sangue dos vivos. Até aí, seus
hábitos são os de todos os vampiros, mas eles
possuem outros hábitos mais temíveis. Os
vurdalaks, minhas senhoras, sugam de preferência o
sangue de seus parentes mais próximos e de seus
amigos mais íntimos, os quais, depois de mortos, se
tornam por sua vez vampiros, de tal modo que se
diz ter visto na Bósnia e na Hungria povoados
inteiros transformados em vurdalaks”.

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VARNEY, O VAMPIRO (1845-1847)
Uma publicação muito popular foi “Varney, o Vampiro” ou “O Banquete Sangrento”, uma
história gótica escrita por James Malcolm Rymer e alternativamente também escrita por Thomas Preskett
Prest, que foi publicada entre entre 1845-1847. Posteriormente, a história foi publicada em forma de livro
(1847), com 876 páginas. Em Varney se buscou aproveitar o tema vampirismo para elaborar uma história de
apelo popular vendida em capítulos por um custo muito baixo na Inglaterra: os penny dreadful, publicações
baratas com forte apelo ao horror, violência e histórias sanguinárias.
O roteiro vaga entre século XVIII e a primeira metade do século XIX, em locais como Londres,
Winchester, Bath, Nápoles e Veneza, envolvendo a família dos Bannerworths que é perseguida por Sir Francis
Varney que os explora financeiramente e também buscando uma vingança de acontecimentos do passado.
Varney possui dentes afiados, deixa duas perfurações no pescoço da vítima, tem poderes hipnóticos, força
sobre-humana, andava na luz do dia, tinha comportamento carismático e crises emocionais por sua
condição vampírica, inclusive, chegou a tentar o suicídio lançando-se do Monte Vesúvio (em vão...). Ele teria
sido amaldiçoado com o vampirismo por ter traído o monarca Oliver Cromwell e, acidentalmente, matou o
próprio filho. Neste sentido ele age como uma pessoa normal e despreza a sua condição de vampiro por ser
escravo dela.
A história foi mais uma das fontes para Bram Stoker compor o seu “Drácula”. O aspecto “vampiro que
nega sua condição” foi uma fonte utilizada por Anne Rice em “Entrevista com o Vampiro”, na personagem

185
Angel de “Buffy”, no vampiro “Moebius” da Marvel Comics. No cinema a Condessa Zaleska do filme “Dracula's
Daughter”, de 1936, é um ótimo exemplo da busca em se livrar da maldição do vampirismo.

Ilustrações do livro “Varney”.

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187
EDGAR ALLAN POE
Um dos maiores admiradores da obra de Edgar Allan Poe (1809-1849) afirmou que no espírito de Poe o
terror estava sempre presente, e que cada conto, poema ou diálogo filosófico, revelava uma ânsia de
penetrar insondáveis abismos de treva, de transpassar o véu da morte e de reinar em fantasia como senhor
dos mistérios terríveis do tempo e do espaço (LOVECRAFT, 1987:52).
O escritor americano Edgar Allan Poe nunca escreveu uma verdadeira história sobre vampiros, embora
sua morbidez o tenha tornado um mestre ao lidar com necrofilismo, retorno dos mortos, enterros
prematuros e tantos temas sobrenaturais. A principal característica em quase todas as suas criações é a
presença do horror e do terror. Para imaginar melhor a estrutura de suas histórias, Poe ressuscitou a
tradição do Conto Gótico, dando-lhe forma no interior do mundo de seus personagens. Com o gótico, Poe
manipula morte, doença, loucura, desintegração de personalidade e a morte de mulheres frágeis. Poe fez
uso do terror psicológico; seus personagens oscilam entre a lucidez e a loucura (atos infames ou doença) e
são narrados na primeira pessoa (SOUSA, 2009).
No conto a “Morte Prematura” Poe leva o leitor até o interior de um caixão onde a pessoa acorda e
descobre que foi considerada morta. Isto lembra os debates sobre evitar os enterramentos rápidos pois os
mortos poderiam retornar como redivivos. Poe influenciou muitos escritores (entre eles Charles Baudelaire)
que desdobraram sua criatividade para inúmeros objetos: ele criou uma atmosfera gótica intimista e
surrealista que leva o escritor/leitor a experimentar as sensações conduzidos pela narrativa.

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CHARLES BAUDELAIRE
O polêmico e “maldito” escritor francês Charles Baudelaire (1821-1867) deixou uma obra complexa em
que os elementos precursores do simbolismo e modernismo estão presentes. Sua obra máxima é “Flores do
Mal” (1857) que teve seis poemas proibidos na França e a edição confiscada. Entre estes poemas está “As
metamorfoses do Vampiro” que foi considerado imoral e obsceno. O trecho final é reproduzido a seguir:

“Quando após me sugar dos ossos a medula, No poema “A Fonte de Sangue”, Baudelaire
alimenta uma vampirização passiva ao satisfazer
Para ela me voltei já lânguido e sem gula a sede de criaturas da natureza:
À procura de um beijo, uma outra eu vi então
Em cujo ventre o pus se unia à podridão! “Parece que meu sangue corre por impulsos,
Assim como uma fonte rimada por soluços.
Eu o ouço fluir com um murmúrio longo e lento,
Os dois olhos fechei em trêmula agonia, Mas em vão eu me apalpo para achar o
ferimento.
E ao reabri-los depois, à plena luz do dia,
Ao meu lado, em lugar do manequim altivo, Pela cidade como num campo ou fortaleza,
Vai transformando pedras em cercadura
No qual julguei ter visto a cor do sangue vivo, Satisfazendo a sede de cada criatura,
Pendiam do esqueleto uns farrapos poeirentos, Por toda a parte avermelhando a natureza”.
Cujo grito lembrava a voz dos cata-ventos
Ou de uma tabuleta à ponta de uma lança,
Que nas noites de inverno ao vento se balança”.

189
Charles Baudelaire em fotografia tirada por Nadar em dezembro de 1854.

AL POETA I

Estas flores malsanas.

190
O VAMPIRO (1842)
A matéria reproduzida a seguir foi publicada em Lisboa no “Archivo Popular” n.6 no ano de 1842
(Tipografia A. J. C. da Cruz), O título é “O Vampiro” e relata a atuação de vampiros na Alemanha numa
relação de história natural com ficção construída a partir da narrativa de populares. Ao contrário das
publicações desmistificadoras, a matéria busca criar uma aura de sedução do vampiro frente as suas
vítimas. E discorre no final sobre os morcegos enquanto sugadores de sangue. Foi mantida a grafia original:

“Eis aqui um nome, que desde os confins da Alemanha, até aos tablados dos theatros, tem sido de grande celebridade, e por
certo bem merecida, por quanto não ha historia de fantasmas, duendes, e lobis-homens, que pelo que respeita ao portentoso,
possa assemelhar-se á do Vampiro. Tinhamos tentação de dar alguma amostra do muito que se tem dito e escripto sobre os
vampiros, mas não nos parece que esses contos possão ter cabimento em hum artigo de Historia Natural. Todavia, alguma coisa
relataremos do que he necessario, para que o leitor possa comprehender a etymologia da palavra Vampiro, e em segundo logar
sustentaremos que a historia das fraquezas intellectuaes do homem, dos seus costumes, dos seus prejuisos, e das suas tontices,
pertence por direito indisputavel á historia natural; assim como he do dominio dessa historia a fereza do tigre, e a estupidez do
carneiro. Posto isto, trataremos de narrar, sem o menor escrupulo, quanto nos vier á lembrança a respeito dos vampiros da
Allemanha. Em huma aldêa da Bohemia, vivia ha perto de dois seculos, huma rapariga mui linda, que pertencia á familia de hum
honrado lavrador. Maria não só era linda, porém o que he melhor, tinha bondade de coração, era compadecida, afavel, e mui
amante de seus pais, ha vendo tomado a seu cargo todos os cuidados domesticos. Por isso muito lhe querião, e a amavão em toda a

191
aldêa: as mãis davão-na como exemplo do amor filial, e seu proceder sizudo lhe grangeára o respeito e a estima geral. Maria
contava dezoito annos quando chegou, á sua aldêa hum mancebo estrangeiro bem parecido, que pelos seus trages mostrava ter
habitado a cidade: as suas maneiras mostravão ser tão polidas como afaveis, no que fazião singular contraste com as dos aldeões.
Não entanto a seriedade da joven Maria, não pôde ella deixar de fazer similhante comparação, e desde esse dia, hum destino
funesto pareceo esvoaçar sobre a sua existencia. O estrangeiro veio morar perto dos pais de Maria, por maneira que a encontrava
a miudo, e então nella fitava os olhos, e fitava-os por maneira tal, que nunca Maria os observára tão expressivos em rapaz algum
da sua aldêa, e esse olhar tinha poderoso encanto sobre as afeições moraes da pobre donzella, a ponto de a fazer chorar sem
querer, rir sem causa, e bater no peito o coração como se lho apertassem. Alguns dias depois Hantz, assim se chamava o mancebo,
atreveo-se a falar á linda Maria, e desde então perdêra ella o repouso; não comia, não dormia, e quando de cançada fechava os
olhos, sonhos os mais extravagantes e misteriosos inquietavão o seu repouso. O estrangeiro era quasi sempre o objecto desses
sonhos, ora lhe parecia hum anjo baixado do ceo para assegurar a sua felicidade; ora se lhe affigurava hum demonio vindo dos
infernos á terra para a perder e para a precipitar no abismo eterno. Maria, victima das tais negras visões, acordava sobresaltada,
pálida, com os cabellos desgrenhados, em suores frios, cahia em delirio, e apoz este vinha o accesso da febre. O carmim de seus
beiços, e o rozado de suas fazes ia desapparecendo, em quanto a tristeza lhe consumia os dias da vida, e inquietações mortaes lhe
corroião a existencia. Final mente Maria, pálida, magra, cheia da mais sombria melancolia, já não parecia a mesma. Malfadada
donzella! Por longo tempo lutou Maria contra o seu destino; rezou novenas; invocou os santos; passou em devotas orações os dias;
jejuou muitas vezes; mas nada disso trouxe remedio ao seu mal; julga a mesquinha que estava abandonada da mão de Deos, e
então o exaspero entrou na sua alma. Huma noite voltava ella sózinha da aldêa visinha, e caminhava apressada receando a
escuridão, porque a lua mal apparecia por detraz das montanhas, quando vio huma sombra que se movia por entre os altos

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pinheiros da floresta; pareceo-lhe hum fantasma misterioso que para ella olhava com olhos flammigeros; cheia de pavor começou
tremendo a examinar este ser fantastico. Procurando desembaralhar na obscuridade a confusão daquelles contornos, conseguio
vêr mui distinctamente que tinha dois chavelhos na cabeça, a lingua vermelha e comprida, garras nas pontas dos dedos, e os pés
fendidos. Traspassada de medo deitou a fugir, mas teria corrido apenas a distancia de trinta passos, quando ouvio huma voz, que
maviosa a chamava pelo seu nome. Maria ! Maria ! Dizia essa voz; e a donzella conheceo então até que ponto podia chegar a
influencia do seu destino; parou de repente, e Hantz aproximando-se, pegou-lhe na mão: «Maria, diz elle, tremes, tens medo de
mim, receias de quem te ama, e quizera vêr-te feliz!...» - º Mal Hantz soltára estas palavras, já a lua apparecia por detraz da
montanha, e a pobre donzella via distinctamente, em vez de chavelhos, lingua vermelha, garras e pés fendidos, hum guapo
mancebo que lhe beijava a mão, e repetia: « Eu te amo. ” A força do destino levou-a a responder: « Hantz, nada temo agora, e
creio....» . Pareceo hesitar e não acabou; o estrangeiro, porém entendeo o que ella queria dizer, e a pobre Maria balbuciou algumas
palavras, a que Hantz replicou: «Sim, sei que me amas! Juro pelo ceo ou pelos infernos, que seremos felizes!» Estas palavras
fizerão estremecer a donzella. E todavia apezar da horrivel blasfemia, não largou o braço de Hantz, e assim entrárão ambos na
aldêa. O mancebo conduzio-a a casa de seus pais, e a pedio em casamento. Dois ou tres dias depois, estes consentírão, e o
casamento, a pedido do noivo, ficou para se efeituar vinte e cinco dias depois, em dia de lua cheia: esta circumstancia não se pôde
então explicar, e pareceo extravagante. Maria recobrou a perdida saude, e tornou a reviver qual flor na primavera: com tudo
mostrava de vez em quando certo sobresalto, e sonhava com o demonio negro e horrendo, porque seu esposo tinha proferido
huma blasfemia, e havia demorado o casamento para dia de lua cheia; coisas estas que lhe despertavão no animo lúgubres
suspeitas, as quaes procurava debalde afastar. De repente Hantz adoeceo; sombria tristeza, e mortal palidez se manifestavão em
seu semblante, ao passo que suas forças começavão rapidamente a diminuir. Não quiz consultar medico, e quando Maria lavada

193
em lagrimas lhe perguntava qual era o seu mal, contentava-se de responder-lhe com hum sorriso amargo que cortava o coração.
Por fim nas vesperas da lua cheia morreo. Os pais de Maria, e os seus amigos tiverão a mais viva dôr, porque Hantz, apezar do
misterio em que se achava envolta a sua origem, e a maior parte das suas acções, era geralmente estimado. Quanto á pobre
rapariga, esteve por tres dias sepultada na mais viva dôr, e principiava a sua vida a causar grandes receios, quando, com
admiração geral da sua familia, pareceo quasi ter esquecido o seu pezar. Já tinhão decorrido tres mezes, e Maria era para os seus
objecto de admiração e de cuidado: havia começado a entregar-se de novo aos trabalhos domesticos, mas não continuava como
d'antes na pratica de suas devoções, não rezava, e parecia prêa de negra melancolia: chegavão a julga-la ethica, tal era o estado de
magreza em que estava, apezar de não manifestar simptoma algum de molestia. Nunca da sua bôca tornára a sahir o nome de
Hantz, e então julgou-se que a origem da sua doença era outra do que pezares abafados em seu coração. Sua mãi parecia-lhe ter
observado que sua filha tinha mais saliente palidez, e maior quebrantamento pela manhã do que á noute, mormente nos dias de
lua cheia. A solicitude maternal levou-a a querer indagar d’onde isso provinha; e pela noite fez hum buraco na porta para poder
espreitar, se por ventura a filha querida de seu peito se entregava em demazia pela noite a devotas praticas que lhe prejudicassem
a saude. Nas primeiras noites nada vio que lhe causasse a menor suspeita, quando em huma noite.... Na igreja da paroquia
acabava de dar a duodecima hora. Maria já se havia deitado, e a lua rompia a custo por entre as nuvens; seus raios argentinos
entravão pela janella do quarto da viuva de Hantz; sua mãi attenta espreitava os menores movimentos da filha, ouve, hum suspiro,
e huma voz que pronunciava algumas palavras soltas. —« Hantz, dizia Maria, sonhando sem dúvida; sou tua esposa, tu amas-me,
e eu amo-te; mas teus affagos gelão-me o coração, teus labios são de marmore, e trazem comsigo a morte....» Nada mais pôde
ouvir a mãi, além de hum profundo suspiro. Espreita de novo, e julgue-se o terror que se apossou della, quando vio hum vampiro!
Reconheceo no mesmo instante ser Hantz. O seu rosto já não era hediondo, nem magro, pálido e escarnado, como no dia da sua

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morte: porém anafado, bem parecido, e rosado como quando gozava perfeita saude. O espectro estava em pé ao lado da cama, e
tinha a cabeça quasi deitada sobre o travesseiro da rapariga, que dormia a somno solto, seus labios estavão collocados junto a
huma veia de sua garganta de alabastro. A mãi julgou que via huma gota de sangue sobre o seu collo de marfim, que corria dos
trémulos beiços do espectro. A pobre mulher, espavorida pelo que acabava de vêr, soltou hum grito horrisono, e cahio no sobrado
sem accordo. "O ruido da quéda trouxe áquelle logar o pai de Maria, e as mais pessoas da casa; socorrêrão a infeliz mãi,
arrombárão a porta do quarto, e como a lua de novo se escondêra entre as nuvens, accendêrão hum candieiro, mas nada se
encontrou no quarto que fosse extraordinario; porém Maria havia cessado de existir. Chamou-se o medico a toda a pressa, que
declarou estar de todo extincta a vida, manifestando ao mesmo tempo a sua admiração por não ter ella huma gota de sangue
sequer nas veias, sem que fosse possivel adivinhar a causa de similhante fenomeno. Tendo-se com tudo observado
minuciosamente o cadaver, descobrio-se no pescoço algumas nodoas roxas, que não erão maiores do que as cesuras das
sanguexugas, e duas ou tres gotas de sangue no travesseiro. A mãi recobrou os sentidos, mas por muito tempo a julgárão demente,
quando contava o que víra. Havia dias que se falava neste singular acontecimento, quando a formosa Joanna, visinha e amiga dos
pais de Maria, mostrou os mesmos simptomas de melancolia, e da molestia, que atacára a companheira da sua infancia:
Espreitárão o seu quarto pelo mesmo modo, que o tinhão feito anteriormente, e o fantasma de Hantz appareceo a chupar-lhe o
sangue, como o fizera a Maria. Chamou-se o cura, e a formosa Joanna confessou, que o espectro lhe apparecia todas as noites,
mormente quando era lua cheia, mas que não lhe fazia mal algum. Toda via ia emagrecendo, e vião-se-lhe no pescoço os signaes
rôxos. O cura fez os exorcismos; mas as ceremonias da igreja para nada servírão, e a malfadada Joanna morreo poucos dias
depois, sem ter huma só gota de sangue Depois do que aconteceo a Joanna, outra rapariga teve a mesma sorte; e depois desta
quarta e quinta , de modo que se tornou geral o receio, e espalhou-se porto da a parte, que os vampiros se multiplicavão, e

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apparecião em varias provincias da Allemanha, na Hungria, e em outros pontos. Por muito tempo os doutores, os padres, e os
bispos fizerão exorcismos por huma parte, e por outra escrevêrão grossos volumes, nos quaes se encontrão, com algumas
variantes mais ou menos maravilhosas, muitas historias iguaes á de Maria. Em toda a Europa não se falava senão nos vampiros, e
por toda a parte era geral o susto. Por fim julgou-se conveniente desenterrar o cadaver de Hantz para vêr se era possivel pôr
termo a tão terrivel flagello; porém como a ceremonia foi feita em dia de lua cheia, não se encontrou coisa alguma na sepultura.
Hum doutor, á força de calculos e combinações que parecêrão mui engenhosas, adivinhou que os vampiros só nas luas cheias
tinhão o poder infernal de sahir dos seus sepulcros. Conseguintemente tornárão a fechar a sepultura de Hantz, e esperárão com
toda a paciencia que a lua estivesse no ultimo minguante para o desenterrar. Então achárão o faceto Hantz dormindo a somno
solto, com o sorrizo nos labios, a tez vermelha, e parecendo gozar optima saude. Cravarão-lhe huma estaca no meio do corpo, sem
que désse accordo de si; depois queimárão-no, e lançárão as cinzas ao vento. Este exemplo, e a morte de huma duzia de vampiros
que forão similhantemente queimados, amedrontárão os outros, e nunca mais se tornou a falar nelles. Emquanto estas scenas
singulares commovião a Europa, outra qualidade de vampiros, porém de espécie menos apócrifa, desalentava e atemorisava as
regiões mais calidas da America meridional. Se alguem tinha a desgraça de adormecer fóra de qualquer habitação, apezar de ser
dia, hum ou mais vampiros chegavão-se para elle, e em quanto o abanavão com as lívidas azas para o refrescar, e por este meio
tornar mais pezado o seu somno, perfuravão-lhe mui de leve a pelle com a lingua, e sem que experimentasse a menor dôr,
chupavão-lhe o sangue a ponto de o enfraquecer muito, ou o matar, se a picadella lhe rompia alguma veia, ou a arteria. Estes
crueis vampiros atacavão tambem os cães e outros animaes domesticos, e erão tão numerosos, que a darmos crédito a antigos
viajantes, como La Condamine, Pedro Martir, Jumilla, Ulloa, doutor George Juan, e outros, destruírão em hum anno em Borja, e
n'outros pontos, o gado que os missionarios alli havião introduzido, e que começava a multiplicar-se. Citamos textualmente esta

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fraze de La Condamine, porque acreditamos tanto nos vampiros da America, como nas chupadellas dos vampiros da Europa,
apezar de Buffon repetir o que diz aquelle viajante, o que a nosso modo de vêr involve contradicção. Como he possivel que o gado
se haja multiplicado naquelles paizes apezar dos vampiros, e como he que de repente os vampires, que não tinhão obstado a esta
multiplicação, podérão derepente destruir completamente não só o gado primitivo, mas toda a sua descendencia! Seja o que fôr, o
Vampiro (phyllostoma spectrum) a que os brasileiros dão o nome de Andirá-guaçu, he huma especie de morcego grande, do
tamanho de hum laparo, medindo as suas azas quando abertas perto de quatro palmos. O ouvido he de configuração oval,
dentado, e fórma huma especie de funil; a lingua estende se muito, e na ponta tem algumas papillas, que parecem dispostas por
maneira que formão hum orgão destinado a chupar, os beiços são tambem arranjados simetricamente com certas excrescencias
destinadas para o mesmo fim. O pelo he pardo ruivo, e entre todos os morcegos he este o que pouza no chão com mais facilidade.
A maior parte dos viajantes modernos, não falão na propensão funesta deste animal; alguns dizem que póde chupar o sangue dos
animaes quando estes dormem, que a cesura he pequena, e que quando ella se torna perigosa, he porque o calôr do clima
envenena a chaga. Do que se não póde duvidar he, que o vampiro se alimenta habitualmente de insectos, de quadrupedes
pequenos, e até muitas vezes de fructos” (ARQUIVO POPULAR, 1842:253 e segs).

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Coleção do Archivo Popular para venda. https://www.vialibri.net/years/1837/150

198
O ESTRANGEIRO MISTERIOSO (1854)
A revista “Chambers’s repository of instructive and amussing tracts” (Londres e Edimburgo) publicou
em 1854 o conto vampiresco “The mysterious stranger”. Em 1860, o mesmo conto foi republicado na revista
inglesa “Odds and Ends” e novamente não fazia referência ao seu autor, num mistério que ainda permanece.
É uma história bem construída sobre vampiros que acabou não valorizando o seu autor ou que este preferiu
ficar no anonimato. Conforme CARVALHO (2010: 302)

“O conto possui elementos a imbuí-lo de uma evidente relevância. Os mais facilmente identificáveis constituem o
material a inspirar ‘Carmilla’ de J. S. Le Fanu, e Dracula de Bram Stoker (...) Algumas dessas características são o modo
como descreve o fascínio que o vampiro exerce sobre a vítima; o ataque que se dá no território cinzento entre sonho e
realidade – e que não é uma alternância como em Gautier (uma vida dupla), mas uma sobreposição de ambos no
momento mesmo do ataque-, uma impressão que parece sonho, mas guarda um terrível indício de realidade. A
execução do monstro segue um receituário tradicional, mas a maneira distinta de narrá-la é perceptível em obras
posteriores. O cavaleiro vingador também é muito semelhante ao de Le Fanu. Em relação à ‘composição do personagem’
do Conde Dracula, é de ressaltar a capacidade de ler os pensamentos alheios que possui o vampiro; a bruma que
penetra no quarto (da qual ele emerge) e sua força sobre-humana”.

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Carvalho também destaca instâncias já utilizadas em textos anteriores como os intensos olhos cor-de-
cinza que não se consegue fitar (numa referência ao olhar do Lorde Ruthven de Polidori); a necessidade do
vampiro ser convidado a adentrar em uma casa, vai se tornando uma normatização que chega ao século XX
e foi muito explorado pelo cinema; a ausência da mãe da vítima ou a condição de órfão de pai e mãe;
interessante também é que a figura feminina é que matará o vampiro introduzindo pregos em seu caixão. O
conto ainda apresenta uma ironia sutil e um sarcasmo que beira a paródia de horror.
O relato que precede Drácula em mais de 40 anos, retrata um vampiro que dormia durante o dia em
um caixão numa cripta da capela de seu velho castelo em ruínas e não se alimentava ou bebia com os
humanos. Em vida tinha nutrido a maldade em vida e tinha a habilidade de se transformar em lobo (o que
remete a Bram Stoker).
Dada a dimensão do texto será feita a reprodução de apenas alguns trechos instigadores da leitura de
um dos contos vampíricos mais interessantes do século XIX. Realmente, um conto repleto de componentes
narrativos em alguns casos inéditos. O conto integral pode ser acessado no blog de Maytê Vieira:
www.mitoseimaginario.com.br

200
O ESTRANGEIRO MISTERIOSO – O CONTO

“O Bóreas, aquele temível vento noroeste que na primavera e no outono agita as mais remotas profundezas do turbulento
mar Adriático, e é, então, perigosíssimo para as embarcações, uivava através da floresta e lançava ao ar os galhos dos velhos
carvalhos nodosos dos montes Cárpatos quando um grupo de cinco cavaleiros, cercando uma liteira puxada por um par de mulas,
tomou um dos caminhos da floresta capaz de oferecer alguma proteção do clima de abril e de permitir que os viajantes
recuperassem o fôlego.
Já anoitecia, e o frio era intenso; a neve caia vez por outra em flocos grandes. Um cavalheiro alto e idoso, de aparência
aristocrática, seguia à frente da tropa. Tratava-se do Cavaleiro de Fahnenberg, da Aústria. Ele herdara de um irmão sem filhos
uma propriedade considerável, situada nos montes Cárpatos; e fora tomar posse da propriedade, acompanhado por sua filha
Franziska e por uma sobrinha de cerca de 20 anos, que tinha sido criada com ela. Ao lado do cavaleiro ia um belo jovem de vinte
e poucos anos - o barão Franz von Kronstein; usava, como o outro, o chapéu de abas largas com penas pendentes, o gibão de
couro, as botas de montaria de cano largo - em suma, os trajes de viagem que estavam em moda no começo do século XVIII.
(...)O grupo agora se encontrava a poucas centenas de metros do castelo em ruínas sobre o qual Kumpan falara. Possuía, ou
parecia possuir, à luz da lua, alguma magnitude. Junto à parte principal, razoavelmente preservada, estavam às ruínas de uma
igreja, que devia ter sido outrora bonita, localizada no alto de um outeiro onde cresciam espalhados alguns carvalhos e alguns
arbustos de sarça. Tanto o castelo quando a igreja ainda guardava parte do telhado, e um caminho seguia do portão do castelo a
um carvalho antigo, onde se juntava, num ângulo de 90 graus, àquele pelo qual avançavam os viajantes.
O velho guia parecia bastante perplexo.

201
-Estamos correndo um enorme perigo, meu nobre senhor - ele disse. --- Os lobos em breve farão um ataque geral. Só
haverá então um meio de escapar: deixar as mulas à própria sorte, e levar às senhoras em nossos cavalos.
-Estaria muito bem, se eu não tivesse pensado num plano melhor - replicou o cavaleiro. - Ali está o castelo em ruínas; com
certeza podemos alcançá-lo, e então, bloqueando os portões, podemos simplesmente aguardar o amanhecer.
-Aqui? Nas ruínas de Klatka? Nem por todos os lobos do mundo! - exclamou o velho. - Mesmo à luz do dia ninguém ousa
se aproximar daquele lugar e, agora, à noite! O castelo, meu senhor, tem um mau nome.
-Por causa de ladrões? Perguntou Franz.
-Não; ele é assombrado – o outro replicou.
-Mentiras e bobagens! Disse o barão.
-Para as ruínas; não há um instante a perder.
(...) de súbito surgiu um homem da sombra do carvalho, e com algumas passadas largas se colocou entre os viajantes e seus
perseguidores. Até onde era possível ver na penumbra, o estranho era um homem alto, de compleição física; carregava uma
espada na bainha e sobre sua cabeça estava um chapéu de abas largas. Se o grupo ficou surpreso com seu aparecimento súbito,
mais ainda ficou com o que se seguiu. Assim que o estranho apareceu, os lobos abandonaram sua perseguição, tropeçaram uns
sobre os outros e uivaram amedrontados. O estranho ergueu então a mão, pareceu fazer um gesto com ela, e os animais selvagens
quando de súbito se arrastaram de volta para a mata como uma matilha de cães derrotados. Sem lançar um único olhar aos
viajantes, que estavam por demais tomados pelo assombro para falar, o estranho seguiu pelo caminho que levava ao castelo, e
logo desapareceu sob o pórtico de entrada.
-Que os céus tenham piedade de nós! – Murmurou o velho Kumpan para si mesmo, enquanto fazia o sinal da cruz.

202
-Quem era aquele homem esquisito? - perguntou surpreso o cavaleiro, depois de ficar observando o estranho enquanto ele
estava em seu raio de visão, e quando o grupo já retomara o caminho.
O velho guia fingiu não entender e, dirigindo seu cavalo até onde estavam as mulas, ocupou-se com a amarração dos
arreios, que tinham se desajustado devido àquele passo apressado: mais de um quarto de hora se passou antes que ele regressasse.
-Você conhece o homem que nos encontrou perto das ruínas e que nos livrou de nosso perseguidor de quatro patas dessa
maneira miraculosa? - Perguntou Franz ao guia.
-Se eu o conheço? Não, meu nobre senhor, eu jamais o vi antes – o guia respondeu, hesitante.
-Ele um soldado, e estava armado - disse o barão. - O castelo, então, é habitado?
- Não nos últimos cem anos - replicou o outro. - Foi demolido porque o dono, naqueles dias, tinha negócios iníquos; com
certas hordas turco-eslavônias, que tinham avançado até aqui; ou melhor - ele se corrigiu, prontamente - é o que dizem. Mas
talvez ele fosse tão correto e tão bondoso quanto qualquer homem que já andou sobre a face da terra.
-E quem é o dono destas ruínas e desta floresta? Perguntou o cavaleiro.
-Quem além do senhor? - Replicou Kumpan. - Faz mais de duas horas que estamos em sua propriedade, e logo chegaremos
aos limites da floresta.
-Já não ouvimos ou vemos mais nada dos lobos - disse o barão, depois de uma pausa. - Até mesmo os uivos cessaram. O
episódio com o estranho ainda permanece inexplicável para mim, até mesmo se supuséssemos tratar-se de um caçador...
-Sim, sim; provavelmente é o que ele é – interrompeu o guia, enquanto olhava apreensivo ao redor.

203
-O bravo e bondoso cavalheiro que veio tão oportunamente em nosso auxílio devia ser um caçador. Ah, há muitos e
poderosos habitantes da floresta nos arredores! Que os céus sejam louvados! - Ele prosseguiu, respirando fundo. - Ali está o fim
da floresta, e em menos de uma hora estaremos a salvo, e bem acomodados.

(...) Franzisnka reuniu todas as forças de sua mente e de seu corpo, seguiu na direção dos degraus que levavam à câmara
mortuária, e Woislaw caiu de joelhos diante do altar, numa oração silenciosa.
Depois que a dama desceu, encontrou-se diante do caixão sobre o qual estava o pacote antes mencionado. Uma espécie de
penumbra reinava na câmara mortuária, e tudo ao redor estava tão quieto e pacífico que ela se sentiu mais calma e,
aproximando-se do caixão, abriu o pacote. Mas vira que um martelo e três pregos longos eram seu conteúdo quando a voz de
Woislaw subitamente ecoou pela igreja, rompendo a quietude das naves laterais. Franziska se alarmou, mas reconheceu a oração
específica.
Agarrou um dos pregos e, com um golpe de martelo, enterrou-o pelo menos dois centímetros na tampa. Tudo estava quieto;
nada se ouviu além do eco do golpe. Tomando coragem, a donzela agarrou o martelo com ambas as mãos e golpeou duas vezes o
prego com toda sua força, enterrando-o até a cabeça da madeira.
Nesse momento, começou a se ouvir um farfalhar; era como se algo no interior começasse a se mexer e se debater.
Franziska recuou, alarmada. Já estava a ponto de largar o martelo e correr escada acima quando Woislaw ergueu sua voz com
tamanho vigor, e de maneira tão suplicante, que, numa espécie de arrebatação como a que induz alguém a correr para dentro do
covil de um leão, ela regressou para junto do caixão determinada a levar o plano a uma conclusão. Mal sabendo o que fazia,
colocou um segundo prego no centro do caixão, e, depois de alguns golpes também ele estava enterrado até a cabeça. O violento

204
debater-se aumentou assustadoramente, como se alguma criatura viva estivesse tentando arrebentar o caixão – de tal modo
abalado que rachou e trincou em todos os lados. Meio distraída, Franziska pegou o terceiro prego; ela não pensava mais em sua
doença, apenas sabia estar correndo um perigo terrível, de uma natureza que não tinha como adivinhar: numa agonia que
ameaçava privá-la de seus sentidos, e em meio aos abalos e estalos do caixão, no qual gemidos baixos agora podiam ser ouvidos,
ela martelou o terceiro prego, enterrando-o igualmente fundo. Nesse momento, começou a perder a consciência. Queria sair dali
correndo, mas cambaleou; e, mecanicamente tentando se agarrar a algo que a amparasse, segurou a beirada do caixão e caiu no
chão ao lado dele, desmaiando. Um quarto de hora devia ter passado quando ela abriu novamente os olhos. Olhou ao seu redor.
Acima dela estava a céu estrelado, e a lua, que lançava sua luz fria sobre as ruínas e as copas dos velhos carvalhos. Franziska
estava deitada do lado de fora da igreja, Woslaw de joelhos ao seu lado, segurando suas mãos nas dele.
-Que os céus sejam louvados, a senhora está viva! Ele exclamou, com um suspiro de alívio. –Eu estava começando a duvidar se o
remédio não teria sido forte demais, e, no entanto, era a única possibilidade de salvá-la.
Só aos poucos Franziska recobrou de todo a consciência. O passado lhe parecia um sonho assustador. Apenas alguns
momentos antes, aquela cena pavorosa; e agora aquela quietude em toda parte ao seu redor. Ela mal ousara, a princípio, erguer os
olhos, e estremeceu quando descobriu ter sido removida apenas alguns metros do lugar onde suportara tão terrível agonia. Ouvia,
parcialmente inconsciente, ora às palavras mitigantes que Woislaw lhe dirigia, ora o assobio do criado, que estava com os cavalos
e que, para passar o tempo, estava imitando a canção de um vaqueiro errante ao cair da noite.
-Vamos embora – sussurrou Franziska, enquanto tentava se erguer. – Mas o que é isto? Meu ombro está molhado, meu
pescoço, minha mão...
-Provavelmente é o orvalho da tarde na grama – disse Woislaw, delicadamente.

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-Não; é sangue! – Ela exclamou, pondo-se de pé num salto e com um tom horrorizado na voz. – Veja, minha mão está cheia
de sangue.
-Ah, a senhora se engana, com certeza – disse Woislaw, gaguejando. – Ou talvez a ferida em seu pescoço tenha se aberto!
Por favor, veja se é o caso – ele segurou-lhe a mão e a dirigiu ao local.
-Não noto coisa alguma; não sinto dor - ela disse por fim, um tanto irritada.
- Então, talvez ao desmaiar a senhora tenha batido num canto do caixão, ou tenha se cortado com a ponta de um dos
pregos- sugeriu Woislaw.
- Ah, de que o senhor me recorda! - Exclamou ela, estremecendo. - Vamos embora - embora! Eu lhe rogo, venha! Não
permanecerei mais um instante perto deste lugar tão medonho” (...).
Chambers’s, 1854. O Estrangeiro misterioso.
https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=hvd.hn4a8h;view=1up
;seq=426

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RICHARD BURTON: VIKRAM (1870)
Sir Richard Francis Burton (1821 - 1890) foi um britânico que atuou como geógrafo,
explorador, tradutor,escritor,soldado, orientalista , cartógrafo , etnólogo ,espião, lingüista, poeta, esgrimista
e diplomata. Ele era famoso por suas viagens e explorações na Ásia, África e Américas, bem como seu
extraordinário conhecimento de idiomas e culturas. Como capitão do exército britânico atuou na Índia e
sempre buscava investigar a cultura popular e as crenças locais. Depois disso, ele foi contratado pela Royal
Geographical Society para explorar a costa leste da África e liderou uma expedição guiada por locais e foi o
primeiro europeu a visitar o Lago Tanganica.
Entre os seus mais de 40 livros publicados está “Vikram e o Vampiro”. São narrativas indianas
constituintes do seu riquíssimo folclore em que Bourton fez uma adaptação livre e não fidedigna do “Baital
Pachisi” (“Vinte e Cinco Contos de Baital”). A primeira compilação escrita destes contos e lendas indianas foi
escrito no século XI a partir de relatos muito mais antigos. O enredo se centra no Rajá Vikram que leva um
vampiro (baital) até um mago que deseja matá-lo. O mago está num cemitério e deseja a cabeça de Vikram
para oferecer a Kali. O baital é um dos personagens principais e o livro publicado em Londres acaba por
tornar conhecido no Ocidente o espírito maligno que se apossa de cadáveres. O baital vive numa árvore
pendurado de cabeça para baixo como um morcego e é uma crença milenar que constitui o amplo panteão
indiano.

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Primeira edição de Vikram. Ilustração de Ernest Griset.

209
Ilustração de Ernest Griset.
Ilustração de Ernest Griset.

Ilustração de Ernest Griset.

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Ilustração de Ernest Griset.
Ilustração de Ernest Griset.

Richard Burton em 1864. Rischgitz/Stringer - Hulton Archive.

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CARMILLA DE SHERIDAN LE FANU (1872)

“Uma estranha figura caminhava na madrugada pelas ruas mal iluminadas de Dublin nas últimas décadas do século
XIX. Apelidada de “o príncipe invisível” pelos moradores da capital irlandesa, ela repetia o seu trajeto costumeiro
partindo da sua morada no número 18 da Merrion Square South em direção à redação da Dublin University Magazine
onde passava horas entre os papéis do seu escritório. Algumas vezes o estranho personagem também era visto entrando
em velhas livrarias da região à procura de livros novos e antigos sobre histórias de fantasmas, astrologia e demonologia,
assuntos dos quais era não apenas um leitor voraz, mas também um estudioso. De fato, desde a morte da esposa e a
consequente reclusão, o mundo sobrenatural tornou-se o único refúgio a partir de onde ele se relacionava com o
mundo físico através de suas obras literárias” (SILVA, 2010:9).

Joseph Thomas Sheridan Le Fanu (1814-1873) nasceu e faleceu em Dublin (membro de uma família de huguenotes
franceses refugiados) tendo sido conhecido pela publicação de contos góticos e romances de mistério. Casou-se em 1844 com
Sussana Benett com quem teve quatro filhos. A morte da esposa por causas desconhecidas em 1858 marcou sua trajetória para o
aprofundamento de escritos com dimensão sobrenatural. Le Fanu morreu de ataque cardíaco em 1873 quando encerrou seu
último romance (de um total de catorze) chamado de “Desejando Morrer”. Le Fanu foi um dos “escritores mais populares do
século XIX no Reino Unido e é considerado por muitos críticos como o pai da história de fantasmas moderna. Essa fama é
decorrente do fato de que suas narrativas ajudaram a ficção sobrenatural a se desvincular das fontes externas de terror, passando
a focar nos efeitos psicológicos do mesmo. Neste processo suas narrativas criaram a base para a literatura de horror desenvolvida
hoje” (SILVA, 2010:11).

212
O conto “Carmilla” foi publicado em forma de folhetim em quatro capítulos na revista “Dark Blue” entre
dezembro de 1871 e março de 1872 e integrado na coleção de Le Fanu “In a Glass Darkly” (1872). “Carmilla”
é um dos casos misterioros que foram investigados pelo personagem Dr. Martin Hesselius um especialista
alemão em ciências ocultas (LE FANU, 1996). Martin Hesselius é o primeiro investigador ocultista, o qual,
antecede Van Helsing (de Stoker) e o detetive Sherlock Holmes (Conan Doyle).

Bram Stoker elaborou o romance “Drácula” entre 1890-1897 fazendo a leitura de várias fontes para
construir sua narrativa, porém, a leitura de “Carmilla” foi decisiva: os primeiros manuscritos de Stoker
remetem ao cenário de “Drácula” à Estíria na Áustria (onde se passa o conto de Le Fanu) e no “Hóspede de
Drácula” é feita referência a uma tumba escrita em alemão sobre a Condessa Dolingen de Graz na Estíria
com semelhanças de espaço e narração com Le Fanu; o uso da estaca para eliminar “definitivamente” o
vampiro rompeu com a abordagem de Lord Ruthven e Varney cuja luz do luar os trazia de volta ao mundo
dos vivos. Le Fanu e a estaca será marcante em Bram Stoker para eliminar Drácula; outra influência, é a
transformação do vampiro em animais como é o caso da pesonagem Carmilla tomar a forma de gato
enquanto Stoker, transforma Drácula em morcego e lobo; Carmilla e Lucy se apresentam como arquétipos
de vampiras que atraem suas vítimas, atacam crianças para beber o sangue, são atraentes e bonitas, além
de sonâmbulas; outro aspecto é a narrativa em primeira pessoa comum aos dois escritos.

213
214
Qual é a trama do conto de Le Fanu que se tornou um clássico vampírico?
A narração é conduzida por Laura, orfã de mãe e que vive com o pai. A família inglesa vive num castelo
na Estíria (Império Austro-Húngaro) com duas governantas. O castelo está isolado da cidade e a vida é
bucólica, com a narrativa se apresentando lenta com reminiscências de Laura que relata um estranho
acontecimento quando ela tinha sete anos de idade: acordou chorando no meio da noite e havia uma bela e
jovem mulher junto a cama. A mulher abraça Laura que adormece mas que desperta com uma mordida no
peito e o desaparecimento da estranha visitante. Esta imagem não foi mais esquecida e nos acontecimentos
no presente do conto Laura está com 19 anos. A sugestão do enredo é que Carmilla já estava agindo na
região e voltaria a fazê-lo: é o caso da morte da sobrinha do General Spielsforf, amigo de seu pai, que vai se
tornar uma espécie de Van Helsing caçando “o monstro” que a matou.

Uma das marcas do conto é a forma de aproximação da vampira de suas vítimas: numa noite de lua
cheia, ocorre um “suposto” acidente (premeditado) com uma carruagem próximo ao castelo. Uma senhora
aristocrática acompanhada de sua filha estavam viajando para tratar de assuntos urgentes de família.
Socorrida pelo pai de Laura, a jovem Carmilla ficaria no Castelo por três meses até o retorno de sua mãe.
Laura ao ver Carmilla imediatamente recorda que foi ela que viu em seu quarto quando criança, mas o
fascínio hipnótico foi mais forte que o bom senso e elas se tornam amigas. Um jogo erótico e de dominação
tem início com declarações de amor incondicional e abraços de Carmilla enquanto Laura sente suas forças
sendo sugadas enquanto vai ficando cada vez mais fraca com o passar das semanas. Na mesma época,

215
várias mortes de mulheres ocorrem na região e aos poucos o nome de uma antiga moradora da região
condessa Mircalla Karnstein (1698) será a suspeita da mortalidade. A trama é repleta de detalhes e
simbologias e a caçada à vampira culminará com o seu empalamento pelo General e pelo pai de Laura.

Laura. Ilustração de David Friston para Carmilla (1872). Funeral. Ilustração de Michael Fitzgeral para Carmilla (1872).

216
Le Fanu elaborou uma narrativa fluida que envolve suspense e erotismo. O embasamento histórico do
vampiro da cultura pagã pode ter ser obtido nas leituras de Dom Calmet, Sabine Baring-Gould e o seu “Book
of Were-wolves” (1863), “Christabel” e leituras sobre Elizabeth Báthory.
“Carmilla” é um conto que enfoca a atração sexual de uma vampira bela e sedutora que atrai
eroticamente suas vítimas femininas. O tema lesbianismo, no contexto vitoriano e de moral religiosa
rigorosa, é muito arrojado para o seu tempo. O horror gótico levado para um castelo na Estíria, com suas
florestas e segredos, ganha um vigor redobrado com a tensão sexual das pesonagens. Esta passagem de
“Carmilla”, na fala de Laura em relação a vampira, é elucitativa da narrativa erótica sado-masoquista em Le
Fanu:

“Destes braços insensatos que, devo admitir, não eram de ocorrência muito frequente, eu costumava ter o desejo de
livrar-me, porém minhas energias pareciam faltar-me. O murmúrio de suas palavras soava a meus ouvidos como um
acalanto, e aquietava minha resistência, levando-me a um transe, no qual eu só parecia sair quando ela retirava os
braços. Nestes estágios misteriosos eu gostava dela. Eu sentia uma estranha e tumultuosa excitação, mesclada de uma
vaga sensação de medo e repugnância. Eu não tinha ideias claras a respeito dela enquanto essas cenas perduravam,
porém estava convicta de um amor que evoluía para a adoração, e também para a repulsa. Isto, eu sei, é paradoxal, mas
não posso fazer qualquer outra tentativa para explicar a sensação”. LE FANU, Sheridan. Carmilla.

Conforme Silva (2010:33), o mito do vampiro fascina pois ele vive em sociedade, mas subverte as suas
normas. Sua condição de morto-vivo o coloca fora das convenções sociais dos vivos, inclusive a sexual. A
repressão sexual fundada na ideologia judaico-cristã encontra no vampiro um inimigo que deve ser

217
combatido a todo custo por simbolizar a liberação dos impulsos básicos humanos. “Um vampiro
heterossexual é, portanto, um vampiro domado pela civilização. Carmilla subverte esses limites sexuais
porque sabe que o sangue não conhece gênero”. Jamieson Ridenhour (2013) observa que Carmilla deve ser
lida como uma fábula da sexualidade reprimida, “como uma metáfora do incesto e da transgressão sexual
juvenil, como advertência gótica aos perigos da homossexualidade, como parábola da repressão patriarcal”.

Carmilla, 1872.
Cenário gótico do filme “Carmilla” da Hammer (The vampire Lovers,
1970).

218
DRÁCULA - BRAM STOKER
“O vampiro povoa há séculos o imaginário humano, mas que para se tornar o vampiro de tez pálida, bebedor de sangue,
que teme o alho e a cruz – características reunidas pela primeira vez por Stoker – passou por um longo processo”
(RODRIGUES, 2008:23).

O irlandês Bram Stoker (Dublin,1847-Londres,1912) era formado em Matemática, mas se tornou


conhecido internacionalmente com os seus livros em especial, aquele que construiu o mito literário
moderno, escrito em 1897: “Drácula”. Stoker escreveu seu romance com base em pesquisas do folclore
europeu e das histórias de vampirismo difundidos em documentos, análises interpretativas (ex: Dom
Calmet) e a literatura (poemas, crônica de Polidori a “Carmilla”). Após sua morte, sua esposa Florence
assumiu a responsabilidade de divulgação e salvaguarda de sua obra.
O romance “Drácula” (que surgiu nas livrarias em 26 de maio de 1897) inaugurou o romance de horror
moderno apesar da presença de uma narrativa tradicional fundada no gótico. Stoker apresenta uma
conjugação entre os elementos fantásticos e o contexto histórico que é ilustrado com as técnicas
contemporâneas que estavam surgindo na Inglaterra Vitoriana. A relação autor-texto-leitor é voltada a
duplicidade leitor de um lado e o quebra-cabeça montado pelo conjunto de informações do texto, que
remete ao seu momento criativo, de produção, que começa na linguagem.

219
Conforme Andreza Rodrigues (2008), autora em que se fundamentará a análise a seguir, podemos
dividir o romance em quatro partes.
A primeira relata a viagem de Jonathan Harker ao castelo do excêntrico Conde Drácula, em que uma
simples viagem de negócios se torna um terrível encontro com quatro criaturas assustadoras dotadas de
poderes sobrenaturais. Na segunda parte, Drácula vai à Inglaterra, onde seduz e destrói uma inocente jovem
inglesa, Lucy Westenra. Essa parte repleta de mistério acerca da súbita enfermidade da jovem, faz com que
dois médicos não poupem esforços para entender o que está provocando sua doença, culminando na
destruição de Lucy pelo dr. Abraham Van Helsing e de três jovens homens que há pouco propuseram
casamento a ela. A terceira parte traz um conjunto de personagens na batalha contra o Conde e a sedução
de Mina Harker por ele, bem como a decisão de caçar Drácula até seu castelo. Na última parte esse grupo
consegue cercar e destruir o vampiro em seu castelo.
Foram realizadas duas jornadas à Transilvânia, uma por Jonathan sozinho e outra no final do livro, com
o grupo de personagens; as duas mulheres são seduzidas por Drácula, sendo que Lucy se entrega ao
vampiro e Mina luta por sua vida.
Stoker conseguiu unir a subjetividade do romance epistolar do século XVIII com a objetividade da
redação jornalística. Ele contou sua história utilizando-se de um conjunto documental como cartas, diários,
análise de casos e recortes de jornal, para que o leitor interagisse buscando solucionar o mistério e engajar-
se na trama de horror. Os documentos trazem uma carga de veracidade à trama ao unir informação pública
dos jornais e documentos pessoais dos diários de diferentes pessoas: “aludem assim à explicação de que,

220
para dar veracidade a algo, deve-se recorrer aos depoimentos de pessoas que viram ou presenciaram
situações” (RODRIGUES, 2008:47). Lendo o romance, revela-se que suas personagens estão claramente
fascinadas com a moderna tecnologia que simplificou a vida da classe média burguesa de Londres. O
universo do romance está claramente ocupado, obsessivamente moderno, e as evidencias incluem máquinas
de escrever, fonógrafos, rifles de repetição Winchester, telegramas, trens, câmeras fotográficas Kodak.
Conforme Rodrigues, Stoker elegeu três narradores principais para o romance: Jonathan Harker, jovem
corretor de imóveis que viaja a Transilvânia e expressa o primeiro horror com o castelo ocupado pelos
quatro vampiros; sua noiva Mina Murray, que mantém um diário que acompanha o drama; dr. John Seward,
diretor do Asilo Mental de Londres, que registra em seu fonógrafo sua vida profissional e pessoal.
A erudição faz parte do romance de Stoker com referencia a literatos e teóricos. Exemplo são as
referências a Charcot, pioneiro na hipnose e Sanderson, fisiologista.
O diário de Harker já revela certo preconceito ao desconhecido: o que inicialmente se apresentou como
exótico, pitoresco, logo se transformou em suspeito e, por último, em algo terrível na medida em que ele
passou de turista a patriota. A Inglaterra representa o mundo moderno e industrial e a Transilvânia o
medieval e o aristocrático. Esta presença aristocrática esta perdendo cada vez mais espaço na Inglaterra
burguesa e Drácula simboliza a opressão secular que deve ser combatida por ser um perigo a sociedade
democrática. Drácula expressa a decadência do domínio absoluto aristocrático e a preocupação com o
tempo moderno (tempo do trabalho e do desenvolvimento de novas tecnologias e do pensamento científico
dinâmico) onde as tradições da submissão estavam se apagando e surgindo práticas desligadas do passado

221
aristocrático. O moderno e o tradicional estão presentes na fala de dois cientistas: Dr. Seward e Van Helsing.
Seward busca através dos novos métodos de internação em asilos de doentes mentais e a busca de
conhecimento sobre estas doenças, explicar os acontecimentos em sua volta: como o caso do comedor de
moscas Renfield, aliado de Drácula. Já Van Helsing é uma combinação entre cientista e mágico, propondo
que a ciência validasse a razão sem desprivilegiar a dimensão sobrenatural. Neste sentido recorre a métodos
como o empalamento e o uso de alho para eliminar ou manter os vampiros distantes, se acercando de uma
secular bagagem de informações orais e documentais do leste europeu, conclui RODRIGUES, p. 72.
Conforme Evander Silva e Cristina Ferreira (2015):

“À estima social pela leitura, ao longo do século XIX, encontrava-se alinhada à importância que diversos setores
atribuíam à literatura como poderoso instrumento de formação e aprimoramento moral. Por extensão, a identificação
do leitor com os personagens tecidos na trama ficcional desempenhava função intrínseca na constituição das
sensibilidades modernas, a partir da emergência dos denominados romances epistolares, modalidade literária que
influenciou a estrutura narrativa de Drácula. Por meio de um longo fluxo de correspondências, a escrita epistolar
buscava a empatia e a identificação com personagens comuns que, embora desconhecidos, pudessem parecer familiares
ao leitor. Esses romances possuíam um papel específico nas intensas transformações sociais que se estenderam ao longo
do século XIX que é a troca fictícia de cartas. Em Drácula, o fluxo de correspondências e os relatos produzidos pelos
personagens revestiram a obra literária com distinta polifonia, capaz de elucidar sentimentos e emoções partilhados

222
pela conjuntura social em que Stoker circulava, sobretudo o medo e a insegurança decorrentes de uma ameaça
monstruosa, o vampiro, infiltrado em um ambiente urbano e em suas “ruas populosas” (SILVA & FERREIRA, 2015: 710).

Também é possível observar no romance “Drácula” a narrativa da aventura imperial inglesa (BRANCO,
2009). A aproximação entre história e literatura permite visualizar um conjunto de questões sensíveis, de
sentimentos e emoções narrados pela cultura escrita de uma determinada conjuntura histórica, que atuam
no mundo social de modo a produzir figurações identitárias, alteridades e imaginários sociais.
Na segunda metade do século XIX, parte significativa da produção literária de língua inglesa permeia-
se por narrativas da aventura imperial. Estes romances descrevem as ações de indivíduos comuns das
classes médias, os quais subitamente tornam-se aventureiros e exploradores, capazes de contribuir com a
suposta superioridade do homem europeu e do império britânico ao combaterem inimigos oriundos das
regiões limítrofes ou periféricas, descritos como selvagens ou bárbaros, personagens degenerados e
periculosos. Elementos deste imaginário da conquista colonial vislumbram-se nos romances de Bram Stoker,
associados às novelas aventurescas e ao chamado “gótico imperial”. A especificidade de sua produção
literária pauta-se na ameaça representada pela infiltração do elemento estrangeiro no coração do império,
notadamente o Conde Drácula.
RODRIGUES (2008 e 2011) analisou o lugar da mulher e seus dilemas no romance. A jovem Mina
mostra sua inteligência e sua força para o grupo de homens, e assim conecta-se parcialmente às mulheres
que buscam sua emancipação; por outro, lado estas características fazem dela um ser quase beatificado

223
para o grupo, um exemplo de mulher. Ela utiliza sua força e inteligência em prol do grupo masculino da
trama e, por possuir um coração de mulher, ela ainda se encontra absolutamente ligada ao ideal da classe-
média burguesa vitoriana: a família e a tradição. Van Helsing também sugere que a heroína da trama seja
um exemplo de mulher a ser seguido: “ela é uma mulher eleita por Deus, modelada por suas próprias e
milagrosas mãos para mostrar a nós homens e a outras mulheres que ainda existe um céu no qual podemos
entrar e que Sua abençoada luz também pode nos guiar na Terra. Tão fiel, tão nobre e generosa e, permita-
me que o diga, tantos predicados numa só pessoa, é realmente demais para as ambições e o ceticismo da
época em que vivemos” (STOKER, 1897).
Ao se referir as “ambições e o ceticismo”, Van Helsing expressa claramente desaprovação em relação às
questões de emancipação da mulher; a descrença típica do século fazem com que a racionalidade dê
margem à questionamentos a respeito de posições e posturas já há muito delimitadas, pois podemos
observar através de Mina que as mulheres têm definidos papéis sociais no núcleo familiar, ao cuidarem da
criação dos filhos e no suporte à carreira dos maridos. O espaço da mulher pode muito bem continuar a ser
o mesmo sem ser considerado inferior, para isso temos o exemplo da heroína. Também, o fato do grupo
combater o mal representado pelo vampiro, seguindo-o até seus domínios, significa salvar a jovem do
futuro que está fadada, seja esse pela doença transmitida pelo vampiro ou pelas incertezas que se
desenham através da emancipação feminina. O desejo de possuir direitos iguais aos dos homens põe-nas
em uma função que não se pode ter real dimensão, já que seus papéis estão há muito demarcados, ou seja,
aqui se mostra, por parte dos personagens mais modernos da obra, a resistência ao novo, ao moderno. Fica

224
então uma visão do caráter divino da mulher, que não pode ser negado tampouco desacreditado, este que
remonta ao imaginário tradicional. Mina é, portanto, um conjunto de perfeição. É o que toda mulher deveria
e deve ser.
Enfim, a leitura de Drácula possibilita uma ampla abertura para buscar as interfaces históricas do
momento da escrita e os dilemas mais amplos que a sociedade vitoriana estava inserida.
Florence Stoker.

225
226
Primeira edição de Drácula com dedicatória a sua mãe. Acervo: Bram Stoker Estate.

227
Castelo de Torzburg. Livro de Charles Boner sobre a Transilvânia (1865). Pode ter influenciado
Stoker para montar o Castelo de Drácula.

228
FONTES PARA ELABORAÇÃO DE DRÁCULA

O prof. de Literatura Inglesa e Americana Jean Marigny (Universidade Stendhal-Grenoble III), analisou as
fontes literárias e históricas que levaram Bram Stoker a construir o seu personagem Drácula:

“Quando Stoker começa a escrever Drácula, é bem evidente que conhecia “The Vampyre” de Polidori, “Varney” e
“Carmilla”. O seu vampiro aristocrata deve muito aos protagonistas destas obras. Mas as suas leituras não se limitam
unicamente às narrativas de ficção. Ele leu “L’História de la magie’ (1854) do alemão Ennemosser, e principalmente “Le
Pays au-delá de la forêt” (1888), de Emily Gerard, que descreve as lendas e as superstições da Transilvânia. É neste país,
célebre por ser uma terra de vampiros, que decide situar a intriga do seu romance. Stoker travou igualmente,
conhecimento, em 1890, com um erudito húngaro, o Prof. Arminius Vambery, historiador e orientalista na
Universidade de Budapeste, em missão diplomática em Londres, que estava bem na corrente da história e do folclore dos
países da Europa Central. Considera-se geralmente que o encontro entre Stoker e Vambery foi determinante para a
escolha do nome da personagem principal. Com efeito, no decurso das suas entrevistas, Vambery terá feito alusão a um
voivoda da Valáquia, particularmente cruel, que reinou no século XV, Vlad, também apelidado de Tepes (palavra que
significa “empalador”, que se deve pronunciar “tsepech”) e de “Drakula” ou “Drakulya’ (diminutivo da palavra romena
“drakul”, que significa diabo ou dragão). Stoker, seduzido pela sonoridade do nome, terá decidido assim chamar ao seu
vampiro. No romance, não parece haver a priori relação entre o Drácula histórico e a personagem de ficção: a intriga
tem lugar no século XIX na Transilvânia e não na Valáquia, e o Drácula de Stoker é um conde, título nobiliário
inexistente na Romênia, que nada tem a ver com o de voivoda. No entanto, Van Helsing acaba por se convencer que o

229
monstro que o persegue não é outro senão o terrível Vlad Tepes, morto no campo de batalha em 1476 e tornado
vampiro. Esta particularidade póstuma deve-se inteiramente à imaginação do romancista” (MARIGNY, 1999: 17-18).

Varney, o vampiro.

230
A RELIGIÃO EM DRÁCULA
“Pode parecer supérfluo afirmar que Drácula é uma paródia do cristianismo. Tudo o que Cristo é ou faz, Drácula inverte-o ou perverte-o.
Cristo é o Bem; Drácula é o Mal, um agente do diabo. Cristo era um humilde carpinteiro; Drácula, um aristocrata vaidoso. Cristo oferece a
luz, a esperança, e ressuscita a aurora; Drácula levanta-se ao pôr do sol e deleita-se na escuridão. A morte de cristo sobre uma dupla estaca
anunciava o seu renascimento; para o vampiro, à estaca significava a morte e o esquecimento. Cristo ofereceu a sua própria vida para que
os outros pudessem viver; Drácula rouba a vida dos outros para ele poder viver. Os fiéis bebem o sangue de Cristo no momento da
eucaristia; Drácula inverte o processo e bebe o dos seus fiéis. Ambos apregoam a ressureição e a imortalidade, o primeiro oferecendo a
pureza espiritual, o outro, o excesso físico” (LEATHERDALE citado por FINNÉ, 1999: 76).

Bram Stoker era protestante na Irlanda que era eminentemente católica. A vitória sobre o vampiro tem
como protagonista o catolicismo que vence o mal. O que pode ter motivado Stoker a impregnar de religião o
seu romance?: “Por um lado, desejava lutar contra a degradação dos valores morais e religiosos da Inglaterra
vitoriana à qual parecia muito vinculado; por outro lado, carecia de uma roupagem suficientemente espessa
que dissimulasse certas cenas, certas alusões demasiado eróticas para os seus contemporâneos (...).
Chegou-se a questionar se Stoker compreendia o poder das cenas eróticas que ornamentam a sua intriga, a
maior parte das vezes sob uma forma tão próxima da explícita que é necessário uma grande dose de má-fé
para às ignorar – o gang-bang invertido de Jonathan Harker, quase violado por três soberbas vampiras, no
castelo de Drácula, a poliandria e a pedofilia de Lucy, o seu desfloramento por lord Godalming sob o olhar
de três espectadores que marcam o compasso, o fellatio imposto a Mina...” (FINNÉ, 1999: 77-78).
Para Finné, “consciente de escrever contra a corrente da sociedade vitoriana, Stoker não podia esperar
a publicação do romance a não ser tentando cobrir um enorme par de seios (que ninguém saberia
descortinar). Os insuportáveis acessos patrióticos, humanitários e religiosos de Van Helsing, a devoção dos

231
seus acólitos, o poder e a bondade final de Deus, a reconciliação do bom cristão, a punição do patife, no fim
de contas, mais não são do que a cobertura de açúcar a revestir uma pílula amarga –e afrodisíaca”.
(FINNÉ:78) O autor considera que os elementos erotizados do romance são amenizados com recurso
enfático da luta do bem contra o mal: o bem está ligado à vitória do catolicismo e suas ritualizações
(crucifixo, água benta etc) que historicamente foi atuante nestas áreas do mito vampírico clássico.
Kit anti-vampiro do final do século XIX. Museu Real Armouries.

232
LUCY – UMA HISTÓRIA IRREAL?
A criação da personagem Lucy, poderia ter se dado através da observação feita por Bram Stocker, da
exumação do cadáver de Elizabeth Siddal. Pintora, poeta e musa, Elizabeth faleceu em 1862 com 33 anos de
idade e seu marido, o poeta e pintor Dante Gabriel Rosseti (1828-1882) colocou em seu caixão poemas
inéditos a ela dedicados. Alguns anos depois, para reaver os poemas, Rosseti (que era sobrinho do dr. John
Polidori – criador do vampiro Ruthven) e várias pessoas observaram o caixão ser desenterrado e tiveram a
surpresa: Elizabeth continuava linda e pálida, tal qual em vida, porém com longos cabelos vermelhos. Um
dos presentes a exumação foi Stocker, que supostamente, teria se inspirado em Siddal para criar a
personagem Lucy do clássico Drácula.

Lucy e Mina. Filme “Drácula de Bram


Stoker”.

233
Ophelia, a infeliz noiva de Hamlet, na pintura de John Everett Millais. Elizabeth Siddal é a modelo que pousou para a obra.

234
OUTRAS PERSPECTIVAS
Apontamentos de Christopher Frayling (Real Academia de Artes de Londres):

“-Quando Stoker morreu, em 1912 (deixando uma herança de apenas 4.723 libras), o nome de seu
principal romance não foi mencionado por nenhum obituário na imprensa; um obituário hoje teria
mencionado pouca coisa além de “Drácula”.
-Na década de 1950, Maurice Richardson emitiu um célebre juízo sobre o romance, descrevendo-o
como “uma espécie de desbragada competição de luta livre com toques de incesto, necrofilia e sadismo
oral-anal”. Em tempos recentes, a crítica relacionou o romance com um vasto panteão de temas: mal-estar
na civilização; o retorno do reprimido; a sexualdiade do pescoço para cima; o homoerotismo; a
bissexualidade; a relativização dos gêneros; o colonialismo às avessas (uma revanche do Oriente contra o
Ocidente) e um conflito racial cósmico entre a moderna linhagem anglo-saxã e a estirpe milenar de Átila, o
huno (...).
-O próprio Stoker ficaria assombrado com todas as análises e com a discussão pública de temas que,
para ele, seriam tabus impronunciáveis (...) Ele ficaria igualmente surpreso com a firme posição de “Drácula”
entre os clássicos da literatura, suas contínuas reedições ao redor do mundo e o lugar crucial que ocupa na
cultura popular”.

235
Apontamentos de Maurice Hindle (Doutor em Literatura pela Universidade de Essex):

“-O romance de Bram Stoker não foi a única obra de sua época a registrar a sensação de uma
gigantesca força maligna corroendo a autoconfiança da cristandade. No quarto final do século XIX, havia um
enorme apetite por histórias envolvendo crimes, fantasmas e outros elementos da literatura de horror. Essa
demanda deu origem a abundantes e variadas imagens de terror psíquico e social, para em seguida domá-
las, impondo-lhes formas radicais de controle – às vezes personificadas na figura da Lei;
-Por volta de 1890, a imagem do vampiro como “consumidor” de almas e corpos era onipresente,
surgindo em poemas, contos e pinturas. Em “O Parasita” (1890), de Conan Doyle, “esponjas psíquicas”
espreitavam suas vítimas. Em “O Castelo nos Cárpatos” (1892), de Júlio Verne, cientistas malignos se passam
por vampiros, para afugentar os camponeses. Em 1897, Philip Burne-Jones colocou em exibição sua pintura
“A Vampira” – uma cena de alcova, na qual uma “dominatrix” exulta perversamente sobre um homem
sonolento, estirado em uma cama. A pintura causou escândalo – não por aquilo que mostrava (um eco de “O
Pesadelo”, de Fuseli, de 1781, com os papéis invertidos), e sim pelos boatos que envolviam a modelo, a sra.
Patrick Campbell, e sua relação com o pintor. Em 1898, o tema do sangue foi novamente abordado, dessa
vez por H. G. Wells em “Guerra dos Mundos”. De forma engenhosa, Wells inverte os avanços do imperialismo
britânico: em sua obra, a Inglaterra é ameaçada por uma raça de seres tecnologicamente avançados que são
“absolutamente assexuados e, portanto, desprovidos das tumultuosas emoções que essa diferença gera
entre os humanos”. Como o frio e implacável Conde Drácula, os marcianos de Wells têm uma “inegável

236
preferência pelos humanos como fonte de alimento”, desfrutando sua iguaria predileta por meio de uma
nova tecnologia, com a qual “extraem o sangue fresco” de suas vítimas e o “injetam em suas próprias veias”.
-Fossem quais fossem as motivações de Stoker em suas atividades literárias, a ambiguidade é um traço
dominante – tanto em vida quanto no romance estranhamente envolvente que produziu.
-A sombria lógica do romance repousa sobre o mantra de Renfield: “O sangue é vida”.

“A situação do vampirólogo não é muito diferente daquela com que se deparam os


taxonomistas na biologia. O vampiro não é uma espécie aristotélica, estática no tempo
e no espaço, mas darwiniana, sujeita à evolução, à adaptação aos vários ambientes
culturais que habita. As características que o definem e as linhas de demarcação da
espécie podem ocasionalmente ser tênues, visíveis apenas se analisadas sob a
perspectiva de sua história evolutiva. Assim, o estudo das origens e do modo como se
desenvolveram os diversos vampiros literários permite reconhecer linhagens diferentes
dentro da espécie “vampiro”. Fazendo um paralelo com a classificação de seres vivos, o
Lord Ruthven, de Polidori, a Carmilla, de Le Fanu e o Gorcha, de A. Tolstoi, seriam
sub-espécies diferentes dentro da mesma espécie” (ARGEL e MOURA NETO,2008:50).

237
TRANSILVÂNIA
"Eu li que todas as superstições conhecidas no mundo estão reunidas na ferradura dos Cárpatos, como se fosse o centro
de algum tipo de redemoinho imaginativo." Drácula, Stoker.

A Transilvânia junto com a Moldávia e Valáquia formam a Romênia. O nome "Transilvânia", do latim
para "a terra além da floresta", remonta a documentos do século IX e X. Ao escrever o romance “Drácula”,
Bram Stoker projetou a Transilvânia associada ao sobrenatural e as superstições milenares de camponeses
ignorantes. Especialmente, definiu o Conde Drácula como um vampiro de mais de meio milênio e símbolo
do arcaico que define a região. De fato, Vlad Tepes III é um dos maiores heróis construtores da identidade
nacional dos romenos e no tempo de escrita de “Drácula”, a Transilvânia estava sob controle do Império
Austro-Húngaro sendo criado o estado da Romênia no final da Primeira Guerra Mundial.
Elizabeth Miller (2005) ressalta que

“Ao contrário do pressuposto popular, esse estereótipo não começou com Stoker. A primeira referência a uma Transilvânia
na literatura ocidental, em Péricles, de Shakespeare, não é nada lisonjeira: “O pobre transilvano está morto, deitando-se com
pouca bagagem” (IV, ii). Mas foi só no século XIX e na ascensão da ficção gótica que a região foi selecionada como um local
adequado para criaturas sobrenaturais. Uma coleção de contos de Alexandre Dumas (père), Les Mille e um Fantomes (1849),
inclui uma história sobre um vampiro que assombra os Cárpatos; em "The Mysterious Stranger" (anônimo, 1860), um conde
de vampiros aterroriza uma família nessa área. O mais conhecido pode ser a aventura romântica de Júlio Verne, O Castelo
dos Cárpatos (1892), em que o narrador cita a prevalência de crenças em uma série de criaturas sobrenaturais, incluindo

238
vampiros que matam sua sede em sangue humano. Mas foi o Drácula de Stoker que estabeleceu firmemente a Transilvânia
como uma terra de superstição e horror”.

Miller também ressalta que os estereótipos negativos estão presentes na literatura de viagem britânica,
especialmente, em Stoker. A Transilvânia surge com rótulos depreciativos voltado aos limites da civilização,
um lugar de medo, sombrio, assombrado e estranho aos ocidentais. Em “Drácula”, esta passagem define a
experiência: “E depois para casa! Longe para o trem mais rápido e mais próximo! Longe deste lugar
amaldiçoado, desta terra amaldiçoada, onde o diabo e seus filhos ainda andam com os pés da terra! ”.
Inicialmente, Stoker localizaria o Castelo de Drácula na Styria (Áustria): seguiria o caminho já trilhado
por Le Fanu e também no “Convidado de Drácula”. Porém, as pesquisas remeteram a escolha a Transilvânia.
Uma fonte que pode ter alimentado esta escolha é o livro “Superstições da Transilvânia” de Emily Gerard que
foi publicado em julho de 1885. Gerard era a esposa escocesa de um cavaleiro húngaro. Gerard destaca as
florestas sombrias e o sobrenaturalismo dos habitantes, se referindo ao uso de estacas, alho e citando a
crença no “nosferatu”:

“A Transilvânia poderia muito bem ser designada a terra da superstição, pois em nenhum outro local esta curiosa e
desonesta planta de ilusão floresce tão insistentemente e em tal desnorteante variedade. Parece-nos quase como se todas
as espécies de demônios, fadas, bruxas e duendes – repelidas do resto da Europa pela batuta da ciência – refugiaram-se
entre estas escarpas montanhosas, sabendo que aqui encontrariam tocas seguras onde, temporariamente, poderiam
resistir aos seus perseguidores” (GERARD, 1885).

Miller questiona se existe alguma conexão real entre a Transilvânia e os vampiros?

239
“Para começar, a palavra "vampiro" não é de origem romena. O Oxford English Dictionary diz que é eslavo, parecido
com o "vampir" sérvio e russo "upyr". A palavra romena "strigoi" (às vezes traduzida livremente como "vampiro") é usada
com mais frequência como "fantasma", "bruxa". “Mago” ou “reanimado morto”. Os territórios que agora compõem a
Romênia são mencionados apenas brevemente nos primeiros relatos de vampiros; Hungria, Polônia, Morávia, Silésia e
Sérvia aparecem com mais frequência. Durante o século XIX, as conexões tornaram-se um pouco mais
pronunciadas. Joseph Ennemoser referiu-se em “A História da Magia” (1854) para a Valáquia como a terra "onde o
vampiro sugador de sangue pairou mais tempo, uma superstição do tipo mais revoltante."

O nome Transilvânia está ligado a cultura popular a partir de Stoker e o cinema vampírico a partir de
Nosferatu (1922), foi decisivo nesta difusão. O filme “As Noivas de Drácula” de 1960 (Hammer Filmes) inicia
com imagens bucólicas e sombrias e a frase recitada em tom mórbido: “Transilvânia, terras de florestas
escuras, montanhas terríveis e lagos negros e insondáveis. Ainda é a casa da magia e do diabo”.
O contraponto de associar a Transilvânia com o vampirismo (por parte da cultura ocidental) vem dos
próprios romenos que rejeitam esta construção reducionista e mercadológica repleta de juízos de valor
sobre o atraso da região. Durante os governos comunistas na Romênia do pós-Segunda Guerra Mundial, se
buscou banir qualquer referência a estas manifestações culturais consideradas atrasadas e frutos da
ignorância na visão do regime comunista.

240
241
Planta da Transilvânia no século XVIII.
242
Vila de Bran e os Cárpatos ao fundo.

Cartão-postal do Castelo Bran.

243
O VAMPIRO DE HIGHGATE

O cemitério de Highgate, ao norte de Londres recua a 1839 com sua construção pelos Anglicanos. Sua
fama de mal-assombrado já era conhecida por Bram Stoker quando ele pesquisou para a escrita de “Drácula”
e fez referência a Highgate como sendo o último lugar de descanso de um dos discípulos do Conde. A morte
de Elizabeth Siddal, seu enterramento em Highgate e posterior exumação do corpo, como já abordamos,
influenciou a obra literária máxima do vampirismo.
Em 1969, vários relatos contam da aparição de um espectro entre os túmulos do cemitério. A aparição
era de um homem alto e assustador, com olhos vermelhos que petrificava as vítimas. Dezenas de relatos se
seguiram e o clima de curiosidade foi crescendo numa sociedade londrina com grupos satanistas e
ocultistas em profusão. Ocorre, no ano de 1970, a invasão do cemitério por caçadores de vampiros: túmulos
profanados, corpos estaqueados e queimados, além de ampla divulgação na mídia com debates sobre a
possível veracidade das aparições. A lenda urbana de que o vampiro de Highgate criara raízes e se difundia
cada vez mais, apesar dos ocultistas e autoridades não chegarem a nenhuma conclusão sobre os eventos. O
vampiro seria um visitante externo ou era um dos milhares de moradores enterrados no cemitério, sendo
muitos deles famosos?
*Em tempo! O túmulo de Karl Marx, Erik Hobsbawn e inúmeros personagens de destaque na História
Contemporânea estão enterrados neste cemitério privado.

244
Tumbas no cemitério de Highgate. Autor: Ian Yarham (2009).

245
MARX E OS VAMPIROS

A utilização da palavra vampiro é variada e recebeu apropriações diversas que remetem a


documentação, a literatura, ao cinema, a psicopatia, aos oportunistas do cotidiano etc. Karl Marx citou ou
fez referência a “vampiros” e a “sugar o sangue” em várias passagens de sua vasta obra. A mais conhecida,
mas não a única é abordagem que foi publicada em 1867:

“Como capitalista, apenas personifica o capital. Sua alma é a alma do capital. Mas o capital tem seu próprio impulso vital, o
impulso de valorizar-se, de mais-valia, de absorver com sua parte constante, com os meios de produção, a maior quantidade
possível de trabalho excedente. O capital é trabalho morto que, como um vampiro, se reanima sugando trabalho vivo, e, quanto
mais o suga, mais forte se torna” (MARX, Karl. O Capital, 2003, livro I, vol. 1, p. 271).

Para Marx, o personificador do capital é o capitalista que como um vampiro suga o trabalho vivo
realizado pelo trabalhador. Ele utilizou muitas imagens temáticas e retóricas, inclusive do vampiro, no
contexto de sua crítica da economia política e da economia política dos mortos. No final do primeiro volume
de “O Capital” ele também afirma: “Se o dinheiro vem ao mundo com uma mancha de sangue congênito em
cada face, o Capital goteja da cabeça aos pés, por cada um dos seus poros, sangue e sujeira". Ou seja, Marx
utiliza uma narrativa que aproxima em alguns momentos o leitor da temática “sangue e horror.” Em outra
passagem deste volume Marx comenta que a jornada de trabalho noturna pelo trabalhador “só é capaz de

246
acalmar temporariamente a sede do vampiro de sangue vivo do trabalho” pois “o vampiro não se saciará até
explorar o último músculo, tendão ou gota de sangue”.
O tema do vampirismo já está presente nas obras de Marx e Engels desde a década de 1840. Na obra
“A Condição da Classe Trabalhadora Inglesa”, Engels se refere a “vampiresca classe proprietária”. Em “A
Sagrada Família”, os dois citam um personagem criado pelo literato Eugene Sue “que não pode levar a vida
sem chupar o sangue de seu pequeno principado na Alemanha até a última gota, como faz um vampiro”. No
ensaio sobre a “Constituição Prussiana” (1849) Marx se refere a um “exército de parasitas e vampiros que
chupam o sangue do povo”. Ou seja, nos escritos em que Marx vagueia literariamente entre um barroquismo
gótico e pela ilustração racionalista, o tema vampiro/sangue está inúmeras vezes presente em seus escritos.
Marcos Neocleous escreveu um artigo com o título “La economía política de los muertos: la metáfora
cognitiva de los vampiros en Marx” na revista History of Political Thought, vol XXIV, N 4, 2013. O material
está disponível no endereço http://www.sinpermiso.info/sites/default/files/textos/neocleo.pdf
Alguns trechos do artigo de Neocleous, elucidativos para a questão, foram reproduzidos a seguir:

“En los últimos años ha habido una gran cantidad de literatura sobre lo espectral y lo fantasmagórico en la obra de
Marx, en gran medida bajo la influencia o en respuesta a Los espectros de Marx de Jacques Derrida. Pero no se ha
debatido en profundidad, en este contexto, el uso que hace Marx de la metáfora del vampiro. Y ello no deja de ser
sorprendente, en primer lugar debido a la conexión gótica obvia entre fantasmas y vampiros - sin embargo, incluso el
único intento serio de "teorizar un marxismo gótico" no aborda el tema de los vampiros- y, en segundo lugar, porque la

247
metáfora del vampiro juega un papel importante en la obra de Marx, un papel quizás más significativo que el de los
fantasmas o los espectros. Este artículo tiene como objetivo mostrar su importancia, primero señalando hasta que punto
la metáfora del vampiro y otras similares son frecuentes en la obra de Marx, para a continuación considerar algunas
interpretaciones de la utilización que hace Marx de la metáfora, antes de señalar sus debilidades. Ello nos permitirá
avanzar hacia una comprensión más completas de la metáfora del vampiro en Marx, que está en el corazón mismo de
su obra: su crítica de la economía política.
(...) Si nos permitimos una mayor licencia textual con El Capital, el tema del vampiro es aún más evidente. En el
capítulo sobre la jornada de trabajo, Marx compara el desarrollo histórico del sistema de fábrica con otras formas
históricas de dominación, como la aristocracia ateniense, los barones normandos, los proprietarios de esclavos en
América y la corvée feudal. Respecto a esta última, señala que los mecanismos legales por los que los campesinos
realizaban trabajos forzados para los terratenientes podían ir más allá del número de días impuesto. Marx pone el
ejemplo de Valaquia, cuyos campesinos realizaban trabajos forzados para los boyardos: "Para Moldavia las normas son
aún más estrictas". "Los 12 días de corvée del Règlement organique, gritó un boyardo, ebrio de victoria, ascienden a 365
días al año". La fuente de esta cita de Marx es É. De Regnault y su Histoire politique et sociale des Principautes
danubiennes (1855). El 'boyardo de Valaquia' del texto resulta ser Vlad el Empalador: Vlad Drácula. Si ampliamos la
licencia textual y situamos El Capital en el contexto de otros textos escritos al mismo tiempo, encontramos aún más
conexiones. En los Grundrisse, el capital es descrito "chupando constantemente trabajo vivo para alimentar su alma,
como un vampiro", o "chupando el alma viva del trabajo". En su Mensaje inaugural de la Asociación Internacional de
Trabajadores, redactado cuando escribía El Capital, Marx describe la industria británica como "algo vampiresco", que

248
"solo puede vivir de chupar sangre, y sangre de niños también". Mientras Marx daba los últimos retoques al Volumen I
de El Capital, escribió a Engels que varias industrias habían sido "llamadas a orden" en un informe de la Comisión de
Empleo de la Infancia: "Los individuos que iban a ser llamados a orden, entre ellos los grandes fabricantes de metal, y
sobre todo los vampiros de la 'industria nacional', mantienen un silencio cobarde". En un momento dado Marx pasa del
vampiro al hombre lobo, pero la implicación es la misma: "Hasta ahora hemos observado la tendencia a extender la
jornada de trabajo, y un hambre de hombre lobo de trabajo excedente, en un área donde los excesos monstruosos del
capital. . . han obligado finalmente a encadenarlo con normas legales". Si se amplia este análisis textual a otras obras
mayores y menores de Marx es evidente que el tema del vampiro, si no el propio vampiro, recorre como un hilo rojo
toda su obra. En La lucha de clases en Francia se compara la Asamblea Nacional a un "vampiro que vive de la sangre de
los insurgentes de junio". En La guerra civil en Francia, los agentes del Estado francés, como "el notario, el abogado, el
procurador, y otros vampiros judiciales", son descritos como "chupa sangres". En El Dieciocho Brumario, comenta que
"el orden burgués ... se ha convertido en un vampiro que chupa la sangre y el cerebro [del campesino minifundista] y
los he defendido que la utilización de Marx de la metáfora del vampiro ha sido ignorada o mal entendida. En cierto
sentido, por supuesto, Marx utiliza un recurso literario retórico, que recoge no de la "literatura clásica", como muchas
de sus otras alusiones, ni de "los grandes pensadores" a los que tan a menudo se refiere, ya sea directa o elípticamente,
sino que hace referencia a una de la creencias populares, aunque irracional, de su tiempo. Pero no es solo un recurso
literario, porque Marx lo utiliza para ilustrar una de las dinámicas centrales de la producción capitalista: la distinción
entre trabajo vivo y trabajo muerto, una contraposición que hace referencia a un tema más general en su obra: el deseo
de crear una sociedad basada en la vivencia de una vida plena y creativa en lugar de una fundada en el imperio de los

249
muertos. Cuando escribe para lectores habituados y embebidos de los motivos centrales de la literatura popular, Marx
lo hace invocando una de las metáforas más poderosas para transmitirles la sensación de la naturaleza atroz del
capitalismo: su afinidad con la muerte. El vampiro, como un "monstruo", está relacionado profundamente con la raíz del
término: desde monstrare, que significa "manifestar", monstra, que quiere decir advertir o mostrar, monstrum, que
significa "lo que revela", o "quién advierte" y monere, que significa "advertir". El vampiro como monstruo demuestra
tanto la capacidad del capital como advierte de su peligro”. Max Ernest. Une semane botté (1934).

250
VAMPIRISMO E TRANSGRESSÃO
David Roas no epílogo do livro “Vampiros” (2017) elabora uma reflexão sobre a literatura vampírica
que segundo ele se constitui num dos grandes clássicos do terror que chegou até o presente. Uma
passagem de seu texto é relevante para colocar a questão do monstro e da transgressão:
Conforme Roas (2017: 436-437):

“El monstruo (y aqui no me refiero solo al vampiro) encarna la transgresión, el desorden. Su existência
subvierte los limites que determinan lo que resulta aceptable desde um punto de vista físico, biológico e incluso moral.
El monstruo siempre implica la existência de una norma: es evidente que lo anormal solo existe em relación a lo que se
há constituído o instaurado como normal. Ello explica su inevitable relación com el miedo. Porque uma de las funciones
esenciales del monstruo es encarnas nuestro miedo a la muerte (y a los seres que transgreden el tabu de la muerte, como
ocurre com el vampiro, el fantasma, el zombi y otros revenants), a lo desconocido, al depredador, a lo materialmente
espantoso... Pero, al mismo tiempo, el monstruo nos pone em contacto com el lado oscuro del ser humano al reflejar
nuestros deseos más ocultos.
El vampiro es um Bueno ejemplo de ello, pues, además de metaforizar esos miedos atávicos antes descritos, también
puede interpretarse como uma representación de todo lo que no somos pero ansiamos ser. El vampiro se identifica, así,
com el placer, la noche, el desorden, la liberación de nuestros instintos naturales, como también ocurre, por ejemplo,
com el Mr. Hyde de Stevenson. Frente al vampiro está la sociedad humana, que representa el orden, el dia, la represión
de los instintos. Por eso la novela de Stoker resulta profundamente inquietante: traer al vampiro a lãs calles de Londres

251
supone – simbólicamente – introducir el caos em nuestro (aparentemente) tranqüilo y ordenado mundo; sin olvidar el
hecho de que Drácula procede de Transilvania, es decir de um espacio más allá de los limites del império, de um mundo
salvaje y sin civilizar... para um inglês victoriano. Drácula resulta, así, la perfecta encarnación del Otro.
Por eso, la mayoría de lãs historias de vampiros, por más cotidianas que Sean, no eliminan el temor que esos seres
causan em los humanos. Porque son uma amenaza para nuestra Idea de lo real (son imposibles, fantásticos) y para
nuestra integridad física.
Em otras ocasiones, el vampiro encarna también otros deseos reprimidos del ser humano, normalmente de
carácter sexual. Si el vampiro no está sometido a lãs reglas de la Moral, el sexo no tiene reglas para él. El vampiro
simboliza, em resumen, la transgresión a todos los niveles”.

The Vampire (1897). Ilustrações de Burne Jones e versos de Kipling. Em 1913 foi
adaptado ao cinema como “O Vampiro do Deserto.”

252
CINEMA VAMPÍRICO
Além da literatura e do teatro, o cinema foi fundamental para a difusão mundial do vampirismo. Antes de
“Nosferatu” (1922) foram realizados alguns filmes de qualidade precária tratando do tema: o primeiro
foi “Vampire of the Coast” (1909), seguido de outros filmes como “The Vampire” (1913), com Alice Hollister
e “The Vampire’s Trail”, dirigido por Robert G. Vignola, “Vampires of the Night” (1914) e “The Kiss of a
Vampire” (1916). Porém, será com “Nosferatu” que surgirá um clássico nos moldes do expressionismo alemão e
sendo fiel ao romance de Stoker. O filme teve desdobramentos futuros com Werner Herzog (“O Vampiro da
Noite”-1979) e “A Sombra do Vampiro” (2000). Outro clássico foi o “Drácula” de 1931 que desencadeou outros
filmes da Universal sobre o tema seguidos dos filmes da Hammer nas décadas de 1950 a 1970. Estima-se que
cerca de 500 filmes já foram feitos, constituindo num manancial extraordinário para pesquisas!
Nas páginas a seguir será feita referência a um número mínimo de filmes numa constelação muitíssimo
maior. Ao longo dos anos juntei um acervo de mais de cem filmes desta modalidade. Um tema a ser
sistematizado futuramente e que neste momento foi sumariamente proposto! Além disso, as séries com
temáticas de vampiros como “True Blood”, “Diário de Vampiros”, “The Originals” e tantas outras, tem proliferado
nos últimos anos. Inúmeros filmes poderiam ser citados, mas, apenas para lembrar algumas produções que
mereceriam um olhar mais acurado estão “Vampyr” de Carl Theodor Dreyer (1932), “Rosas de Sangue” (1960), “A
Dança dos Vampiros” (1967), “O Circo dos Vampiros” (1972), “Drácula” com Jack Palance (1973), “Drácula” com
Frank Langela (1979), “Fome de Viver” com David Bowie (1983), “Os Garotos Perdidos” (1987), “Vampiros” de
John Carpenter (1998), “Van Helsing” (2004) entre tantos outros.

253
NOSFERATU (1922)
Em “Nosferatu, uma Sinfonia de Horror” (“Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens”), o expressionismo
alemão fundamenta a produção. O filme explora luz-escuridão, na contraposição entre luz (civilização e
progresso) e escuridão (tradição e barbárie). A luz remete a civilização do capital em expansão e a escuridão
é encarnada por Nosferatu e o atraso civilizatório e decadência aristocráticas. Um dos personagens mais
“eslavos” do cinema foi esta versão de Stoker com a direção de Friedrich William Murnau. Pesado,
melancólico, com expressões faciais de desespero e um vampiro “esteticamente horrendo” lembrando um
morto-vivo da cultura pagã. Murnau realiza um cinema experimental criando um mundo estranho,
fantasmagórico e angustiante que repete a arte de viver na Alemanha pós-Primeira Guerra e seu estado de
espírito torturado.
O filme é ambientado na cidade alemã de Bremen em 1838 (durante uma peste) e não em Londres. O
filme não era preto e branco e sim tingido para produzir efeitos cromáticos (amarelo, azul, vermelho). A
película de “Nosferatu” não desapareceu por muito pouco. A viúva de Stoker, Florence, ganhou em 1925
uma ação judicial para eliminação das cópias por não pagamento de direitos autorais. Após sua morte em
1937, cópias surgiram e foram reproduzidas chegando, felizmente, até o presente. O filme arrasta o peso
expressionista de uma Alemanha dilacerada pela derrota na Primeira Guerra e a grande crise econômica e
social. O primeiro filme vampírico de porte artístico e que constituiu uma trilogia futura na direção de
Herzog e na direção de John Malkovich (2000). Este último explorou a ideia de que o ator do filme de 1922,

254
Max Scherek, seria de fato um vampiro interpretando Nosferatu. Ou seja, o filme de Murnau continua
instigando novas produções criativas.

O cineasta Murnau.
Nosferatu (1922).
255
256
UNIVERSAL

A Universal foi fundada nos Estados Unidos em 1912 pelo imigrante alemão Carl Laemmle. O primeiro
nome do Estúdio foi “Universal Film” e em 1925 passou para “Universal Pictures”. Um dos gêneros que
tornou o estúdio internacionalmente conhecido foram os filmes de horror que hoje são considerados cult.
Personagens de histórias de terror como Drácula, Frankenstein, Lobisomem, O Homem Invisível e outros
personagens, são conhecidos como os “monstros sagrados do cinema”. Nas décadas de 1930 e 1940, a
Universal lançou cerca de uma centena de filmes em preto e branco, muitos dos quais, com cenários góticos
e enredos passados em castelos e cidades medievais/camponesas. O horror gótico em preto e branco da
Universal foi readaptado na década de 1950 pela Hammer que colorizou, ensanguentou os monstros
clássicos e erotizou as personagens femininas. A Universal produziu cinco filmes com liberdade de
abordagem da obra de Stoker: “Drácula” (1931 – Tod Browing), “Drácula” (1931 – George Melford, filme em
espanhol), “A Filha de Drácula” (1936), “O Filho de Drácula” (1943) e “A Casa de Drácula” (1945).
A seguir, será dado um destaque visual ao maior dos filmes sobre vampiros realizado pela Universal: o
clássico “Drácula” de 1931com o ator húngaro Bela Lugosi, o qual, interpretando apenas uma vez o Conde
Drácula, se tornou um ícone de difusão e imortalizou o personagem.

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DRÁCULA (1931) – BELA LUGOSI
O filme se baseou no romance “Drácula” (versão teatral escrita pelo irlandês Hamilton Deane, adaptada
aos palcos americanos por John L. Balderston) e fez adaptações de personagens além de contextualizar o
filme em seu tempo presente e não na década de 1890. Os recursos financeiros para realização do filme
eram escassos e se buscou gastar o mínimo possível, pois a Universal estava à beira da falência. Apesar das
dificuldades, um grande clássico foi produzido com interpretações marcantes como a de Belo Lugosi com
suas expressões faciais e seu sotaque húngaro. Ele não entendia inglês e decorava os diálogos. O clima
gótico, a viagem sinistra até a Transilvânia, o jogo de luz e sombra, as vampiras descendo as escadas no
castelo de Drácula são icônicas na história do cinema. Alho, crucifixo, espelho e transformação em morcego
não faltaram. Componente essencial no filme é a fotografia que foi feita pelo alemão Karl Freund um dos
maiores nomes do expressionismo que trabalhou com Murnau em “A Última Gargalhada” e “Tartufo”, além
dos clássicos expressionistas “O Golem” e “Metrópolis” (Fritz Lang). É um clássico a altura da versão
espanhola (com elenco mexicano) que foi filmada nos períodos em que a versão inglesa havia parado: para
aproveitar cenários e poupar ao extremo os recursos, porém, o resultado também foi muito bom.
Estes filmes da Universal, possibilitam inúmeras análises do fundamento histórico que o filme retrata,
da imagética da obra, da estética gótica, da adaptação literária realizada, dos referenciais de gênero e raça,
do impacto mercadológica e da construção da indústria cultural, da difusão de referenciais civilizatórios e
comportamentais incutidos, da presença ou não das raízes culturais do vampirismo, da contraposição

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arcaico (Castelo em ruínas na Transilvânia) e moderno (Casarões de Londres), entre tantas análises
possíveis.
Bela Lugosi. Personagem central que aparece em destaque no material
de divulgação do filme.

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Cenário gótico e as três vampiras no Castelo. Cartaz de Drácula de 1931.

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HAMMER FILMES
A “Hammer Productions Ltd.”, foi fundada na Inglaterra em 1934 por William Hinds e Enrique Carreras.
Em 1946, James Carreras (filho de Enrique) mudou o nome social para “Hammer Film Productions”, juntando
ao grupo Anthony Hinds (filho de Will Hinds) e o seu próprio filho Michael Carreras. Este é o grupo clássico
que projetou a Hammer junto com o argumentista Jimmy Sangster, o realizador Terence Fisher, o diretor
artístico Bernard Robinson, o compositor James Bernard e os caracterizadores Phil Leakey e Roy Ashton,
entre outros. Com baixo capital para as produções buscava-se reduzir custos e tempo de filmagem,
alugando casas antigas abandonadas na periferia de Londres para conferir um clima gótico. O Bray Studios
foi a chamada “Casa da Hammer” entre 1951 a 1966 e as externas eram filmadas na floresta de Oakley
Court. O primeiro sucesso foi em 1955 com o filme de ficção científica e terror “Quatermass Xperiment”.
A distribuição passa a ter parceria com os Estados Unidos e se decide reativar os monstros sagrados do
cinema da Universal. Clássicos da literatura gótica como “Frankenstein” de Mary Shelley, “Drácula” de Bram
Stoker, “O Médico e o Monstro” de Robert Louis Stevenson, “O Cão de Baskerville” de Arthur Conan Doyle
etc, trazem a inovação do colorido intenso aplicado a antigos castelos, ruínas, cemitérios medievais,
florestas e pântanos misteriosos: o gótico colorido que será uma marca da Hammer. Nesta direção se
sobressai Terence Fisher que explora a batalha entre o bem o mal em temáticas pagãs, heróis byronianos,
maldições antigas, heresias, crença absoluta na ciência e arrogância intelectual (domínio da morte). Os
grandes clássicos da Hammer tiveram a sua direção assim como os filmes de Drácula e Frankenstein.

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James Carreras teve muitas disputas com a censura devido ao erotismo e ao sangue excessivo em
alguns filmes. Os atores Peter Cushing, em interpretações do Dr. Victor Frankenstein e Van Helsing e
Christopher Lee como Conde Drácula foram os dois maiores nomes que ficaram associados a Hammer. Em
1958, O “Horror de Drácula” traz Cushing e Lee em seus papéis clássicos e marcou o ápice do Estúdio que
se mantém até o início dos anos 1970 com a trilogia Karnstein, onde se destaca o filme “Carmilla” baseado
em Le Fanu. A decadência (ao longo dos anos 70) se deveu, entre outros fatores, a repetição da fórmula e a
nova linguagem do terror em filmes como o “Bebê de Rosemary” (1968), “O Exorcista” (1973) e “Halloween”
(1978). Nos anos 1980 a Hammer se voltou a formato de histórias de terror para a televisão utilizando
atores americanos. Consórcio holandês comprou a empresa em 2007 e produzindo filmes voltados a um
gótico moderno em filmes como “A Mulher de Negro” (2012).

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CRISTOPHER LEE, O VAMPIRO DA NOITE
O filme “O Horror de Drácula” inaugurou os filmes de vampiro da Hammer no ano de 1958. Com leitura
do romance de Stoker, este filme se tornou uma referência para obras futuras com a sua qualidade de
imagem, cenários, uso de casas oitocentistas nos subúrbios de Londres, sensualidade e violência excessiva
para a época. O ator Christopher Lee, a contragosto do próprio, passou a ser relacionado com o Conde
Drácula. Sua interpretação sedutora e agressiva marcou a longeva trajetória do ator que fez uma centena de
filmes. Já Peter Cushing que se notabilizou na interpretação do Dr. Victor Frankentein também foi associado
a outro personagem: o Dr. Van Helsing. Na vida real os dois ingleses eram grandes amigos.

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Christopher Lee seduzindo e hipnotizando Veronica Carlson em “Drácula, o perfil do diabo” (1968).

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TERENCE FISHER, O MESTRE DO GÓTICO COLORIDO
O diretor Terence Fisher (1904-1980) foi o criador da linguagem do gótico colorido na Hammer,
misturando sexualidade semiexplícita e sadismo. Fisher explorava o tema do herói byroniano que, com seu
dualismo moral e arrogância intelectual, acabava se chocando contra as forças do sobrenaturalismo. Filmes
de Drácula foram um dos temas de destaque do diretor ao conduzir atores como Christopher Lee e Peter
Cushing. Temáticas ligadas ao limite da ciência, vida eterna, criação de monstros, religião, culturas pagãs e
maldições, conduziam os roteiros em que o sangue vermelho jorrava abundantemente dos pescoços. Entre
seus filmes estão: “O Horror de Drácula”, “A Maldição de Frankenstein”, “Drácula - Príncipe das Trevas”, “O Cão
dos Baskerville”, “As Noivas de Drácula”, “A Górgona”, “Frankenstein Criou a Mulher”, O Fantasma da Ópera etc.
Terence Fisher.
As Noivas de Drácula.

270
“As Noivas de Drácula”, 1960.

271
272
Cartaz de "Horror de Drácula". 273
“As Noivas de Drácula” (1960) – O gótico colorido da Hammer Filmes. Atriz Yvonne
Monlaur.

274
NOSFERATU DE HERZOG
“Nosferatu: Phantom der Nacht” ou “Nosferatu - O Vampiro da Noite” é um dirigido Werner Herzog em
1979. O romance é baseado na obra de Bram Stoker mas buscou homenagear Murnau em seu clássico de
1922. No filme, o vampiro é o Conde Drácula, mas o título se mantém “Nosferatu”. O contexto da história se
passa durante um período de peste negra na Alemanha. Jonathan Harker, vive em Wismar como agente
imobiliário e viaja até a Transilvânia para vender um imóvel ao Conde Drácula. A história segue os passos do
filme de 1922, mas várias mudanças são feitas como: a chegada de Drácula a Wismar é acompanhada com
uma invasão de ratos que provoca a peste negra (peste bubônica). Os atores Klaus Kinski e Isabelle Adjani
se destacam com uma excelente interpretação. As paisagens sombrias e aterradoras e a música intimista
tornaram este filme uma referência para conhecer a estética vampiresca. O início do filme com a música
opressora e as imagens de múmias mexicanas, conforme Herzog, foi para demarcar a presença da morte
que acompanha todo o filme. Não só o mórbido, mas uma sensação de sonho e de irrealidade no desenrolar
dos eventos conduz a trama.

275
276
DRÁCULA DE BRAM STOCKER
Em 1992 foi lançada uma das adaptações mais criativas do grande clássico vampírico. O filme é “Drácula de
Bram Stoker” que foi dirigido por Francis Ford Coppola e teve a participação de Gary Oldman, Winona Ryder, Keanu
Reeves e Anthony Hopkins.
O roteiro estabelece um vínculo direto a Vlad Tepes III na Romênia em sua luta a favor da igreja cristã frente aos
otomanos. A esposa de Vlad, Elizabetha, acreditando na morte do marido e para escapar aos turcos, se suicida e se
torna condenada ao inferno. A igreja ortodoxa não aceita realizar o ritual cristão e Vlad renega a Deus e a igreja,
jurando beber sangue e se convertendo em um vampiro. Quatro séculos depois, Drácula redescobre Elizabetha
(reencarnada) e parte para Londres em sua busca. Coppola filmou em estúdio e buscou efeitos de sombra, espelhos,
miniaturas e tudo o que fugisse a computação gráfica e artificialismos.
É um filme com recurso visual impecável e cenários icônicos: como a viagem de carruagem para a Transilvânia
com os olhos de Drácula acompanhando ao fundo; a expressão e risada de Drácula ao devorar um bebê; o vampiro
(assumindo a forma de lobisomem) com Lucy; a mudança de aparência de Drácula, no Castelo e em Londres; as
vampiras que assediam Harker no castelo entre tantas cenas antológicas.

277

Mina e Drácula.
ENTREVISTA COM O VAMPIRO
Mesmo que não tenha ficado tão satisfeita com a adaptação, neste filme, a obra da escritora Anne Rice
se converteu em linguagem cinematográfica pelo diretor Neil Jordan. “Entrevista com o Vampiro” (1994)
reuniu Tom Cruise, Brad Pitt, Antonio Banderas, Christian Slater e Kirsten Dunst num filme repleto de
cenários e dilemas psicológicos criados pela excelente escritora Anne Rice: as crises de identidade e de
aceitação da condição de ser vampiro; o desespero pela perspectiva da eternidade.
O filme conta a história de Louis (Brad Pitt) que foi transformado, no século XVIII, em vampiro por
Lestat (Tom Cruise). O conflito está em que para Lestat ele estava concedendo vida eterna e amizade; Louis
encara a sua condição como a condenação a um inferno eterno. Ele procura não consumir sangue humano,
mas um dia ataca uma menina, Claudia (Kirsten Dunst). Após a transformação em vampira eles se tornam
amigos inseparáveis e odeiam Lestat.
Um dos momentos mais marcantes do filme está na visita a Paris por Louis e Claudia e o encontro com
Armand (Banderas) que lidera grupo do “Teatro de Vampiros”. Além do sadismo expresso pelos vampiros
nas apresentações teatrais, ocorre a morte de Claudia e a vingança de Louis contra estes vampiros.
O filme começa e termina com a entrevista de Louis a um jornalista oportunista e inicialmente
descrente nas histórias. Do tempo presente se retorna ao século XVIII e há cenários do Velho e do Novo
Mundo. O final se dá no tempo presente evidenciando o passar das sociedades e a persistência do vampiro.

278
Kirsten Dunst (Claudia), Brad Pitt (Louis) e Tom Cruise (Lestat).

279
HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E GRAPHIC NOVEL

Os quadrinhos se tornaram populares a partir da década de 1930 em jornais que publicavam histórias
em tiras. Na revista “More Fun” foi criado um personagem chamado Dr. Occult (um detetive) que enfrenta
um vampiro o “vampire master” que é morto com um punhal no coração. Os vampiros começam a aparecer
nos quadrinhos nos títulos regulares de heróis, inclusive Batman, enfrentou um vampiro já no ano de sua
criação em 1939. As histórias de terror em que aparecem vampiros tiveram seu momento clássico nos anos
1950 com títulos da EC Comics e Atlas Comics (posterior Marvel Comics). Na primeira metade dos anos
1950 surgem dezenas de títulos de horror como o “Tales from the Crypt of Horror”, “Vault of Horror”, “Haunt
of Fear” com personagens vampíricos em várias histórias. A Atlas Comics publicou “Suspense Comics”,
“Mystic” e “Journey into the Unknown” também com histórias de vampiros. A revista “Eerie”, hoje um dos
clássicos de horror, publicou em agosto de 1953 uma pioneira adaptação de “Drácula”, de Bram Stoker.
Em 1954 é lançado o “código de ética dos quadrinhos” (“Comics Code”) que considerava certas HQs
como pervertoras dos leitores. As histórias de terror, inclusive lobisomens e vampiros foram proibidas ou
amenizadas drasticamente. Drácula desaparece dos quadrinhos em outubro de 1954. A palavra horror e
terror é banida dos títulos das revistas. Buscando burlar o Código, em 1958, surge a revista “Monsters of
Filmland” com formato diferenciado seguido de “Creepy” e “Eerie”. Se buscava retomar, sem alardes ou
excessos, o horror inclusive de “Drácula” que reaparece, sem sangue, na revista “The Munsters” (1958).
Porém, continuaram trazendo pouca criatividade aos quadrinhos vampíricos o que foi rompido com a série
280
“Dark Shadows” e o vampiro “Barnabas Collins”. Em 1969 o “Comics Code” foi novamente burlado com o
lançamento de “Vampirella” no mês de setembro. Em janeiro de 1971 o Código sofreu alterações e os
quadrinhos de horror começam a voltar às bancas. Foram mantidas proibições/restrições a tortura, cenas
sádicas, hemorragias e violência excessiva, mas foi liberado a adaptação de clássicos literários como
Drácula, Frankenstein, contos de Edgar Allan Poe, Conan Doyle e outros autores que tivessem uma
contribuição literária consistente. A Marvel Comics investiu no horror a partir de 1972 como é o caso de
“The Tombo of Drácula” que perdurou até 1979 (recentemente reeditada no Brasil pela Editora Panini em 8
volumes). Neste período surgiu o vampiro Morbius. Nos anos 1980 a DC Comics lançou a revista “I ...
Vampire” e o personagem vampírico Man-Bat. Em 1986 é lançado a revista “Blood of the Innocent” e “Blood
of Drácula”. A Marvel lança “Blood” em 1987 e a produção começa a crescer. “The Vampire Lestat” de 1990 é
uma adaptação em doze edições da obra de Anne Rice editado pela Innovation. Até 1993 eram mais de
trinta títulos de HQs com temáticas vampíricas circulando, inclusive a adaptação de “Carmilla”. Os anos 1990
foi ápice das publicações com cenários clássicos ou contemporâneos.
O vampiro se fez presente nas publicações brasileiras que reproduziam as histórias/personagens
americanos, mas que seguiram caminhos independentes. A Revista “Terror Negro” (1951) publicou várias
histórias de vampiros nas décadas de 1950-60. Adaptações do romance “Drácula” foram feitas por Nico
Rosso e Eugênio Colonnese. Nos anos 1970 a Block Editores lançou vários títulos de horror com temas de
vampiros (“Aventuras Macabras”, “A Tumba de Drácula” etc). A revista “Kripta” e “Spektro”, no final desta
década e “Calafrio” (início em 1981), publicaram histórias clássicas de vampiro (desenhista Nico Rosso) e de

281
Júlio Shimamoto e R. F. Lucchetti. Parte dos títulos publicados no Brasil estão no site “guiadosquadrinhos”
que possui um grande banco de dados sobre os quadrinhos no Brasil, com reprodução de capas e dados
técnicos.
HQ ou Graphic Novel com temas de vampiros são um campo que permite análises das adaptações
históricas e literárias, das abordagens inovadoras ou repetitivas, das incoerências ou complexidade das
tramas, da estética visual relacionada com a narrativa do horror, da sistematização de matrizes de
abordagens/narrativas buscando interpretações amplas etc. Aqui foi descrito uma brevíssima introdução
quantitativa a temática frente a uma produção que tem se caracterizado na última década, por um cuidado
gráfico mais primoroso e histórias mais complexas e criativas.

Inicialmente, a definição de “História em Quadrinhos” e “Graphic Novel” não é pacífica. O “Romance Gráfico” (“Graphic
Novel”) pode ser pensado como um livro onde é contada uma história (que pode ser mais longa) através da arte sequencial
(quadrinhos). O termo foi popularizado por Will Eisner com a história “Um Contrato com Deus” (1978). A exemplificação é
pessoal e precária, mas uma “História em Quadrinhos” de um personagem como o Pato Donald que semanalmente
aparecia em sua revista com histórias curtas e enredos pontuais pode ser chamado de HQ. A mesma Disney publicou “A
Saga do Tio Patinhas” com uma sequência coerente de acontecimentos que se passam ao longo do tempo e que mantém
uma lógica narrativa complexa em centenas de páginas: podemos chamar de “Graphic Novel”. O mesmo vale para “Batman,
o Cavaleiro das Trevas” (Frank Miller), “Sandman” (Neil Gaiman) e “V de Vingança” (Alan Moore).
E a questão não é apenas a dimensão ocupada pela história, mas a criatividade, os recursos estéticos, o fluxo dos
personagens e das ações, como é o caso de histórias de 15 a 20 páginas que se tornaram clássicos: Carl Barks é um
exemplo de HQ que fazia GN. Mas a questão é extremamente polêmica e as fronteiras são questionáveis. Se a “Graphic
Novel” for compreendida enquanto uma tendência dos autores de se buscar uma construção narrativa e pictórica mais
complexa e criativa, com o olhar na “arte” da escrita e da estética, que sejam bem-vindas novas obras-primas.
282
*A imprensa caricata e a utilização de vampiros nas capas ou ilustrações internas de jornais ou revistas
recua ao século XIX. Este é um campo muito interessante para estudos que normalmente estão relacionados
a crítica política dirigida a personagens ou partidos. Muitas vezes o vampiro está relacionado ao sugador
dos cofres públicos ou àqueles políticos que vivem da estrutura do Estado. Inclusive a imprensa caricata da
cidade do Rio Grande, como no jornal “O Artista”, várias vezes recorreu a representação dos vampiros para
atacar desafetos assim como foi um recurso utilizado pela imprensa dos mais diferentes países. Apenas dois
exemplos são aqui reproduzidos:
Alfredo Grenas 06-09-1891. Vampiros cercam a mulher
desfalecida que representa a Colômbia.

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Revista inglesa de 1886.
Grande número de revistas em quadrinhos já dedicou suas capas ou histórias aos vampiros. Apenas
alguns exemplos de capas foram reproduzidos a seguir: as revistas “Kripta”, “Vampirela”, “Vampiro
Americano”, “Dampyr”, “A Tumba de Drácula”, “Spektro”, “Aventuras Macabras” etc. As Graphic Novel estão
em alta e títulos tem sido lançados com relativa regularidade com adaptações fiéis ou criativas de “Drácula”.

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SIMBOLOGIAS CRISTÃS E PAGÃS
A literatura e o cinema frequentemente recorreram à utilização de água benta, da hóstia e
especialmente do crucifixo para combater os vampiros. Estes símbolos cristãos são posteriores ao
surgimento da crença nestas criaturas relatadas na Grécia e em países eslavos (fazendo um recorte de um
fenômeno muito maior). A partir dos séculos XIII e XIV, a Inquisição combate o paganismo e suas crenças em
bruxas, vampiros ou seres ligados ao diabo (Satã). O medo dos vampiros, feiticeiras ou monstros nas
comunidades acentua a repressão que será promovida pela Igreja militante. Para a Igreja católica “o
problema do vampirismo era um problema político. A simples existência do vampiro coloca em questão o
dogma católico e o poder político da Igreja. Segundo este dogma as almas dos mortos têm três alternativas:
Inferno, Purgatório e Paraíso. Não existem almas que errem sobre a terra. Por isso, a caça a estes seres
imaginários assim como a seus servidores era plenamente justificada" (BUSE, 2010:129). Os relatos passam
a reproduzir que os símbolos cristãos são temidos pelos vampiros e são um arsenal indispensável para
combatê-los. Bram Stoker enfatizou em “Drácula” o temor dos vampiros aos símbolos da cristandade a
ponto de não poderem entrar em igrejas ou espaços sagrados. Os estúdios Universal e Hammer recorreram
persistentemente aos crucifixos ou a atuação de clérigos para combater os seres que foram amaldiçoados
por Deus.
Os símbolos oriundos das crenças pagãs como a estaca, os pregos, a decapitação, as sementes
lançadas ao solo, o fogo, as balas de prata e o alho, somarem-se aos símbolos cristãos. O alho era

289
difundido na Transilvânia onde os camponeses o utilizavam para afastar os vampiros das casas. Não apenas
vampiros, mas também lobisomens, feiticeiras e bruxas não suportavam o odor do alho (FLORESCU &
MCNALLY, 1995, p.126). Foi Bram Stoker que introduziu na literatura o uso de alho, sendo usado pelo Dr.
Van Helsing para proteger Lucy Westenra no romance. As balas de prata afugentariam e causariam
ferimentos em lobisomens e vampiros.
Outra forma de combater ou exterminar os vampiros é a luz do sol, que for transformada em pseudo
senso comum. O cinema recorre a esta ferramenta desde o filme “Nosferatu” de 1922. No filme o vampiro
(Conde Orlók) morre com os raios solares e dá início a uma longa tradição nesta modalidade de eliminação
vampírica. Porém, segundo MELTON (2003:514), os documentos ou as tradições eslavas não remetem a
exposição ao sol. Mesmo no romance “Drácula”, à luz do sol não impede o Conde de circular pelas ruas ele
apenas perde temporariamente os seus poderes sobrenaturais. Dom Augustin Calmet (1746) transcreveu
notas da revista francesa “Mercure Galant” (1693) que relata sobre vampiros que circulavam na Polônia e na
Rússia entre o meio-dia e a meia-noite, inclusive sugando o sangue de homens e animais.

290
AS ESTACAS E A DESTRUIÇÃO DE UM VAMPIRO
É difícil pensar no vampirismo sem a utilização de estacas. A literatura e o cinema, sistematicamente,
utilizaram a estaca como uma solução barata e eficiente para tirar a vida do vampiro. Melton destaca que as
estacas tinham a função de manter o corpo preso no solo fazendo com que ele não escapasse do túmulo
sendo cravadas no estômago e no coração. Agulhas de ferro também poderiam ser inseridas no crânio que
era a morada da alma. Florescu (1995) afirma que a estaca, na Romênia, deveria transpassar o umbigo e o
coração sendo feita de duas árvores: álamo ou oliveira. Ou seja, diferente da literatura e do cinema onde a
estaca era usada para matar, a tradição folclórica é da estaca enquanto forma de prender o corpo ao túmulo
e por vezes de destruí-lo.
Na Rússia e Estados Bálticos era utilizada uma estaca feita da madeira do freixo, enquanto na Sérvia à
estaca era feita do pilriteiro e na Silésia do carvalho. O local de empalamento era diverso, sendo mais
comum no coração, porém na Rússia e norte da Alemanha era na boca enquanto na Sérvia introduziam no
estômago. O uso de foices, quando do enterramento, tinha por objetivo segurar o morto no túmulo e cortar
a pele para liberar os gases quando este inchasse. A cabeça, pernas e braços do vampiro poderiam ser
perfurados com pregos ou estacas para que não se levantassem. Os ciganos também acreditavam no retorno
dos mortos e colocavam agulhas de aço ou ferro nos dedos, orelhas, boca e coração do possível vampiro.
Além disso, a decapitação era muito usada na Alemanha e regiões eslavas ocidentais: a cabeça era enterrada
entre os pés ou sobre o corpo propiciando a partida da alma.

291
O romance “Drácula” difundiu o uso de estaca como forma de eliminação do vampiro: Lucy teve uma
estaca introduzida em seu coração e sua cabeça cortada fazendo com que sua alma pudesse descansar.
Caça a vampiros em cemitério da Romênia, 1893. In: Historyclass.

292
MORCEGOS HEMATÓFAGOS

Georges-Louis Leclerc, Conde de Buffon (1707-1788) foi um destacado naturalista e escritor francês
autor de “Histoire Naturelle, Générale et Particulière”. Suas obras influenciaram gerações de naturalistas
como Jean-Baptiste de Lamarck e Charles Darwin. Em 1760, Buffon deu o nome de “vampiro” a um “morcego
hematófago” pesquisado na América do Sul e Central. A crença do vampiro se transformar em morcego pode
estar relacionado com o livro de Buffon, pois, nas lendas eslavas não há esta associação vampiro-morcego
que foi difundida pela literatura e pelo cinema. Buffon em pintura de Drouais de 1752. Acervo:
Museé Buffon à Montbard.
Morcegos hematófagos. Buffon. http://informations-
documents.com/environnement/coppermine15x/displayimage.php

293
Um estudo sobre os morcegos na América quinhentista de autoria de SANTOS, FERREIRA e CARREIRA
(2007:562-563). contextualiza os hematófagos e esclarece que não havia morcegos vampiros no Leste
Europeu:

“Não necessitamos aqui citar ostensivamente os inúmeros mitos que se criaram a partir desse quiróptero. Na lei mosaica, o
morcego era um animal impuro, que se tornou símbolo de idolatria e pavor. Já entre os índios tupi-guarani, o morcego (embora
em uma semiologia diferente) também está associado ao terror. Para os tupinambás, o fim do mundo será precedido pela
desaparição do sol, que será devorado por um morcego. Na tradição dos alquimistas, o morcego é entendido como um ser híbrido,
ou seja, uma mistura de rato e pássaro. Por esta ambivalência, o morcego representaria o andrógino, o dragão alado e os
demônios. Suas asas seriam as mesmas que compõem o corpo dos habitantes do inferno. Tais interpretações podem ser reificadas
em uma rica iconografia acerca das figuras demoníacas na História do ocidente. Afinal, qual demônio não possui em suas costas
asas que lembram a de um morcego? O Conde de Buffon no século XVIII chega mesmo a chamá-lo de um ente-monstro. Os
hábitos alimentares dos morcegos hematófagos deram origem a inúmeros mitos e associações simbólicas. Exemplo bastante
conhecido é o dos vampiros da Transilvânia, como se naquela antiga província do leste europeu existisse esta classe de quiróptero.
Cabe aqui lembrar que os morcegos hematófagos têm sua distribuição biogeográfica limitada às Américas do Sul e Central, não
existindo nenhum similar europeu. A associação simbólica do Desmondus com o famoso conde Drácula (que combateu
ferozmente os “pagãos” muçulmanos na Idade Média) ocorreu porque dizia-se que este último tinha o hábito de empalar e beber
o sangue de seus inimigos adoradores de Alá. Essa associação só pôde ser efetivada após a chegada do europeu ao Novo Mundo,
pois, até o século XVI, desconhecia-se na Europa a existência de tal espécie de quiróptero. Porém o morcego, mesmo o pertencente
à classe dos frugívoros e/ou insetívoros, já era, mesmo antes do século XVI, um símbolo de mau agouro na Europa”.

294
Morcegos vampiro, 1889. Morcego na Alemanha. Heinrich Aldegrever, 1550.

295
INTERPRETAÇÕES DO SABER MÉDICO
A Medicina pode contribuir para explicar as raízes históricas do vampirismo. Realizando uma revisão
bibliográfica em bases de dados pertinentes a possíveis doenças relacionadas ao fenômeno vampírico na
Europa Central (na Idade Média e Idade Moderna), os autores SANTOS, Lennon da Costa, LUCINDA, Lucas
Resende, SANTOS, Allan da Costa, SILVA, Luciana Diniz, publicaram um artigo elucidador e reflexivo para o
fenômeno vampírico: “Explicações médicas para o mito do vampirismo” (2013:526-531).
Alguns trechos da abordagem referente a porfiria, raiva, pelagra e outras manifestações físicas e
mentais serão reproduzidas a seguir:

“A ausência de diversidade genética nas aldeias isoladas da Boêmia poderia ter provocado aumento da prevalência local de
determinadas doenças. Entre elas, da porfiria (do grego porphiros, vermelho-arroxeado), que acarreta o aparecimento de vários
sinais que se sobrepõem às características físicas dos vampiros.
Assim, indivíduos que sofrem de porfiria têm aspecto anêmico, com palidez cutânea exacerbada e assemelham-se às figuras
vampíricas. A porfiria resulta da deficiência de enzimas específicas da via de biossíntese do heme, que impede a ligação da
estrutura química, chamada anel de porfirina, ao ferro para formar a hemoglobina. Os anéis de porfirina, que não conseguem
desempenhar a sua tarefa, são depositados no tecido subcutâneo, ossos e dentes. Essa substância química é fotorreativa e, sob a
exposição à luz solar, libera radicais de oxigênio, que são cáusticos e corrosivos para a pele e podem provocar queimaduras.
Interessantemente, esse seria o motivo da aversão dos vampiros à luz solar. Além desse aspecto, essas criaturas são caracterizadas
como seres de comportamento noturno e sombrio. Na ausência de tratamento das formas mais graves, essas lesões podem causar
desfigurações. Entre elas destacam-se ouvidos e narizes mutilados, lábios deformados e gengivas retraídas que revelam dentes

296
vermelhos, com aspecto maior do que verdadeiramente são e semelhantes a presas. Esta última alteração é o que parece ser a
origem da imagem dos enormes caninos do vampiro.
Outra característica identificada nas lendas dos vampiros é o desejo de sangue, isto é, a busca desses seres pela “energia
vital”. Sabe-se que a sangria era prática comumente realizada pelos povos antigos, como, por exemplo, pelas famílias nobres dos
Bálcãs. Contudo, eles compensavam os efeitos da sangria por meio do abate de animais para a ingestão de sangue. Esse
comportamento de “chupar o sangue das presas” provavelmente foi incorporado na construção do mito do vampirismo.
Muitas características associadas ao vampirismo foram descritas também como desordens do sistema límbico, área cerebral
responsável pelo controle emocional e de parâmetros comportamentais. Em pacientes acometidos por doenças como raiva e
epilepsia, forte ligação entre agressividade e disfunção entre algumas áreas do sistema límbico – hipotálamo, complexo
amigdaloide e hipocampo – foi estabelecida. Ainda, as disfunções do hipotálamo anterior poderiam resultar em insônia e outras
alterações do ciclo sono-vigília.
Esses achados são coerentes com a atividade noturna, geralmente associada aos vampiros. Durante o curso da infecção pela
raiva, o indivíduo pode apresentar espasmos da musculatura facial, laríngea e faríngea, o que pode causar emissão de sons roucos
por entre dentes cerrados e lábios contraídos. Esses espasmos podem ser desencadeados por alguns tipos de estímulos como
correntes de ar (aerofobia), água (hidrofobia), luz (fotofobia) ou estímulos excitatórios mínimos como, por exemplo, o reflexo de
um espelho. O último estímulo descrito vai ao encontro de outra característica arquetípica dos vampiros: são seres incapazes de
projetar reflexo em espelhos.
Sensação de sufocamento e dificuldade de respirar são sintomas comumente descritos em casos avançados da infecção e
presentes, também, em relatos de indivíduos vítimas de ataques vampirescos. Na raiva, a asfixia e a parada cardíaca são vias finais
da evolução da doença e proporcionam morte repentina. Consequentemente, o sangue teria sua coagulação retardada e
permaneceria líquido por um período mais longo após a morte. Por meio de observações post mortem desses indivíduos, em que

297
manchas de sangue eram identificadas na mucosa oral dos cadáveres, origina-se uma teoria sobre o hábito dos vampiros de
chupar sangue.
Outro ponto relevante é a preservação dos cadáveres no período post mortem. Esse achado deve-se provavelmente ao
retardamento do processo de decomposição devido às baixas temperaturas e ao processo de saponificação. Tal processo,
característico de funerais em locais de grande umidade e baixas temperaturas, converte o tecido subcutâneo em uma substância
com características próximas de uma cera, o que torna o cadáver preservado capaz de ser reconhecido mesmo depois de vários
anos depois do óbito.
Outras condições clínicas também foram associadas à figura mítica do vampiro. O exemplo mais notável talvez seja em
relação à pelagra. Especulou-se, por algumas vezes, que essa doença, causada pela deficiência nutricional de niacina (vitamina
B3), pudesse explicar o surgimento da crença popular em vampiros. Historicamente, registra-se significativo crescimento no
número de casos de pelagra a partir da primeira metade do século XVII. Sabe-se que indivíduos pelagrosos são hipersensíveis à
luz solar. Após a exposição, desenvolvem lesões avermelhadas e hiperceratósicas que eventualmente levam a regiões de
despigmentação alternadas com áreas ásperas de cor castanha. Em conjunto, a glossite, que resultaria na impressão dos dentes e
inflamação dos lábios de indivíduos com pelagra, endossa a descrição de vampiros como seres de “dentes afiados e protuberantes”
e com “proeminentes lábios vermelhos”. Ainda, a demência pelagrosa explicaria características do perfil vampiresco: insônia,
irritabilidade, impulsividade, morosidade e comportamento imprevisível.
Desde o século XVIII, quando essas histórias se tornaram populares, a imagem do vampiro tem permanecido coerente.
Imagem atemporal atrelada à corrupção, ao poder e à tristeza. No entanto, ao se observar detalhadamente características
vampirescas, identificam-se fundamentos em explicações médicas/científicas. A lenda associa-se à série de anomalias genéticas,
deficiência nutricional ou infecções por vírus capazes de provocar mudanças comportamentais. Fatos históricos foram se
alterando ao longo do tempo e essas distorções tornaram a imagem do vampiro cada vez mais romântica e sedutora”.

298
EXPLICAÇÕES FORENSES

ANGEL E MOURA NETO (2008) relaciona o nascimento do mito do vampiro com a conjugação de dois
componentes: a necessidade de explicar o alastramento de certas epidemias numa época e lugar onde não
se conheciam os mecanismos de contágio; o desconhecimento do processo de decomposição cadavérica.
Com base em Paul Barber (1998), os supostos fatos explicativos da veracidade do vampirismo
(relatórios médicos e exumação de cadáveres) devem ser questionados sob a ótica explicativa fundada na
biologia forense:
►A terra revirada em cima do túmulo resultaria da ação de cães famintos (ou lobos), tentando alcançar o cadáver:
►Vários fatores poderiam impedir ou retardar a decomposição dos cadáveres encontrados intactos: preservação por baixas
temperaturas ou por solos ácidos, saponificação em solos muito úmidos, morte por ingestão de venenos que impedem a instalação
e ação dos microrganismos sobre o corpo;
►A aparência roliça e saudável decorreria do inchaço do corpo pelos gases aprisionados no início do processo de decomposição;
►O escape dos líquidos misturados com sangue explicaria a boca ensanguentada do vampiro exumado;
►Cabelo e unhas parecem crescer no pós-morte porque a pele encolhe e deixa-os mais expostos.

*O uso da estaca tem base científica pois a “perfuração é a forma mais rápida de reverter ao volume
normal um corpo inchado por gases. Ao ser esfaqueado, o vampiro pode gemer ou gritar, pois a pressão da
estaca no peito força o gás pela glote, que manifesta a ‘queixa’ do morto vivo” (ARGEL & MOURA NETO,
2008:20-1).
299
AS PSICOPATIAS DO COTIDIANO E O VAMPIRISMO

ESCLARECIMENTO! A reflexão a seguir tem o objetivo de trazer a discussão do vampirismo para o presente.
Ressalte-se que não se trata do vampirismo histórico analisado até aqui mas uma releitura de transtornos
psíquicos voltados a caracterização dos “psicopatas do cotidiano”. Neste sentido a coerência argumentativa é frágil
e não amadurecida num estatuto investigativo com fundamentação avançada. É essencial não generalizar casos de
psicopatia registrados historicamente (Vlad, Bathory etc) com a percepção atual: certamente os psicopatas
existiram mas a interface com os casos vampíricos não se aplica de forma clara devido as restrições informativas
dos documentos ou dos enfoques serem de dimensão da cultura pagã e não direcionados a particularidades das
“doenças da maldade”.
Se o passado não se reduz a reflexão presente, o presente não se reduz a trajetória vampírica do passado. A
leitura de autores aqui contemplados não representa uma transposição para a trajetória histórica.
Se de um lado os casos de vampirismo podem ser desmistificados e racionalizados através de explicações
científicas, a persistência da maldade acompanha a trajetória civilizatória. Os limites entre a normatização social, o
poder e o sadismo, muitas vezes são de difícil diferenciação.
A bibliografia foi utilizada para nos guiar nestes meandros da mente e da formação da
consciência/personalidade, sendo que as associações com o vampirismo enquanto “psicopatia do cotidiano” são de
minha responsabilidade e assim como a fragilidade interpretativa. Considero ser uma hipótese de trabalho em
construção fruto de experiências empíricas em diferentes níveis de relações em sociedade: remete a uma posição
pessoal e não teoricamente fundamentada, mas nem por isso deixa de ser instigadora de pensar uma linha de
continuidade persistente e de longa duração que está ligada de forma indireta à temática do vampirismo.
300
Para uma contextualização inicial do tema e de um vocabulário básico iremos nos fundamentar na
Doutora em Psiquiatria Katia Mecler e seu livro “Psicopatas do Cotidiano”. Alguns conceitos essenciais são
esclarecidos.
Segundo a autora, a personalidade é a combinação de fatores de temperamento e caráter. O
temperamento é herdado geneticamente e regulado biologicamente. O caráter está ligado à relação do
temperamento com tudo o que vivenciamos e aprendemos na relação com o mundo exterior e “a
personalidade é considerada uma organização dinâmica, resultante de fatores de ordem biopsicossocial”
(MECLER, 2015:24). O temperamento é uma predisposição biológica (herança genética) no plano emocional
enquanto o caráter está associado à consciência que a pessoa tem de si, dos outros e do mundo que a
rodeia. O equilíbrio está nas influências biológicas, no grupo familiar e social em que se está inserido e no
livre-arbítrio para a tomada de decisões: o peso de cada esfera é impreciso. Portanto, “por mais força que o
componente biológico tenha na formação da personalidade, as experiências vividas e o aprendizado
contribuem para a equação final, sempre dinâmica” (p.29).
O conceito de “normalidade” torna-se intrínseca à capacidade de flexibilidade e adaptação aos diversos
estímulos do cotidiano. Pessoas exageradas demais, desconfiadas demais, tímidas demais, egocêntricas
demais quando persistentemente esboçam estes traços, apresentam traços de personalidade patológica.
“Quem convive com elas tem uma sensação permanente de abuso, invasão e insuficiência. Numa linguagem
mais popular, parece que nossa energia está sendo sugada. O indivíduo “morde e assopra” e deixa os outros

301
“pisando em ovos”, com a incômoda impressão de importância. A vida gira em torno desse sequestrador de
emoções alheias” (p.42).
Na concepção dimensional as pessoas podem apresentar maior ou menor grau dos traços de
personalidades. O diferencial é a persistência de determinada categoria patológica que cause danos sociais.
A psicopatia (do grego, alma sofredora) é um transtorno grave de personalidade antissocial. O conceito de
psicopatia se caracteriza por traços incisivos ligados a mentira, manipulação, estilo de vida parasitário,
ausência de remorso e culpa, falta de empatia, frieza, insensibilidade, prazer em transgredir e histórico de
problemas com a lei (p.59). O conceito remete a tipologia da maldade humana muito explorada em livros,
filmes, músicas e seriados. O psicopata age com consciência e não é um louco ou insano. “Ele sabe o que
está fazendo, mas, na falta de um freio moral, vai em frente, sem culpa ou remorso” (p.59).
Os portadores do transtorno de personalidade antissocial carecem de culpa e empatia, não se
importam com os sentimentos, os direitos e o sofrimento alheio (p.123). Não é por coincidência que
“psicopatas, serial killers, vampiros e zumbis estejam tão na moda, tanto no cinema como na literatura pois
eles representam o espírito predador clássico: em nome do desejo, sacrificam o outro, sem se importar com
o que sobrará depois da conquista” (p.125). Eles infringem as leis e fazem as próprias regras sem que isso
signifique matar. Cultivam a desonestidade e a fraudulência, o charme, a eloquência, aproveitando
oportunisticamente as debilidades do sistema legal e das fragilidades das outras pessoas. “Numa definição
poética, cantada por Rita Lee na música “Doce Vampiro”, o indivíduo desse estilo vai beber seu sangue como
um licor: brindando a morte e fazendo amor” (p.132). O psicopata é abusador e agressivo, mas também

302
astuto para manter a manipulação. “Imprudente e impulsivo, o indivíduo com esse traço tende a mentir para
enredar suas vítimas. Como bom parasita social, está sempre em busca de alguém para explorar. É um
legítimo predador, que não para de rondar possíveis presas (...) evite, também, confrontar uma pessoa com
esse traço. Quando contrariada, ela pode reagir muito mal, inclusive de forma violenta e vingativa. Vai ser
perda de tempo tentar repreendê-la: como ela não sente empatia ou culpa, o efeito será nulo” (p.134-135).

Ampliando a discussão, a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa da Silva contribui, com linguagem direta e
incisiva, para a caracterização e identificação dos psicopatas. Segundo ela, “A psicopatia não aparece de
forma única e uniforme, há graus variados. O transtorno de personalidade apresenta dois elementos causais
fundamentais: uma disfunção neurobiológica e o conjunto de influências sociais e educativas recebidas ao
longo da vida” (SILVA, 2009:36). Ela escreveu o livro “Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado”, onde
apresenta um panorama do comportamento destes “seres sem consciência”. Vejamos algumas reflexões:

-O primeiro estudo sobre psicopatas foi publicado em 1941 no livro “The Mask of Sanity” (“A Máscara da
Sanidade”) pelo psiquiatra americano Hervey Cleckley. Ele buscou uma caracterização preliminar do tema e
entre outras afirmações com base documental, citou o general grego Alcebíades (século V a. C.) como um

303
psicopata, recuando este transtorno a mais de dois mil anos e certamente se projetando muito mais no
passado;
-Os psicopatas representam a minoria da população mundial, porém são responsáveis por um grande rastro
de destruição (3% dos homens e 1% das mulheres são psicopatas);
-Fique atento ao “jogo da pena” ou do coitadismo crônico, o recurso mais comum naqueles destituídos de
escrúpulos;
-Os psicopatas se alimentam do espírito solidário e da piedade. A compaixão e a solidariedade, envolvidas
no sentimento de pena, são as formas mais eficientes de manipulação e de pressão psicológica;
-Observe ações maldosas e jogos cênicos de pessoas sem consciência para estimular a sua piedade;
-Enquanto as pessoas “do mal” se unem na busca de interesses comuns, as pessoas do bem tendem a se
dissipar;
-A mais evidente expressão da psicopatia envolve a flagrante violação criminosa das regras sociais. Sem
qualquer surpresa adicional, muitos psicopatas são assassinos violentos e cruéis. No entanto, a maioria
deles está do lado de fora das grades, utilizando habilidades maquiavélicas contra suas vítimas;
-Conforme o psiquiatra canadense Robert Hare, os psicopatas têm total ciência dos seus atos (a parte
cognitiva ou racional é perfeita), sabem perfeitamente que estão infringindo regras sociais e por que estão
agindo dessa maneira. Para eles, tanto faz ferir, maltratar ou até matar alguém que atravesse o seu caminho
ou os seus interesses, mesmo que esse alguém faça parte de seu convívio íntimo;

304
-A piedade e a generosidade das pessoas boas podem se transformar em uma folha de papel em branco
assinada nas mãos de um psicopata. Quando sentimos pena, estamos vulneráveis emocionalmente, e é essa
a maior arma que os psicopatas podem usar contra nós;
-O cenário social dos nossos tempos favorece o estilo de vida do psicopata. A expansão da cultura
moderna, repleta de traços psicopáticos, modificou de forma drástica as nossas relações familiares e sociais.
Estamos perdendo o senso de responsabilidade compartilhada no campo social e do de vinculação
significativa nas relações interpessoais. Frente à ética individualista moderna como estabelecer valores
morais e éticos num mundo que prioriza as escolhas individuais?

Ana Beatriz Barbosa Silva elaborou uma passagem que é elucidativa para associar psicopatas com
vampiros na contemporaneidade:

“Desde que o cinema existe, os psicopatas sempre estiveram presentes entre seus grandes personagens. Sob esse
aspecto, os filmes sobre vampiros são, a meu ver, os que sempre tiveram os psicopatas como os grandes astros em cena.
Assim como os vampiros da ficção, os psicopatas estão sempre de tocaia. Nesse exato instante em que você lê este livro,
eles estão agindo por aí: nas ruas, em plena luz do sol, procurando suas presas, às mesas de seus escritórios envolvidos
em negociações escusas ou mesmo sob o teto acolhedor de um lar que em instantes será devastado. Eles estão por toda
parte, perfeitamente disfarçados de gente comum, e assim que suas necessidades internas de prazer, luxúria, poder e
controle se manifestarem, eles se revelarão como realmente são: feras predadoras.

305
Os psicopatas são os vampiros da vida real. Não é exatamente o nosso sangue que eles sugam, mas sim nossa
energia emocional. Podemos considerá-los autênticas criaturas das trevas. Possuem um extraordinário poder de nos
importunar e de nos hipnotizar com o objetivo maquiavélico de anestesiar nosso poder de julgamento e nossa
racionalidade. Com histórias imaginárias e falsas promessas nos fazem sucumbir ao seu jogo e, totalmente entregues à
sorte, perdemos nossos bens materiais ou somos dominados mental e psicologicamente.
O mais surpreendente é que, a princípio, os psicopatas aparentam ser melhores que as pessoas comuns. Mostram-
se tão inteligentes, talentosos e até encantadores como o próprio conde romeno que o cinema imortalizou como o Conde
Drácula. Inicialmente nos despertam confiança, simpatia e acabamos por esperar mais deles do que das outras pessoas.
Ilusórias expectativas! Esperamos, mas não recebemos nada positivo e, no fim das contas, amargamos sérios prejuízos
em diversos setores das nossas vidas.
Sem nos darmos conta, acabamos por convidá-los a entrar em nossas vidas e quase sempre só percebemos o erro
e o tamanho do engodo quando eles desaparecem inesperadamente, deixando-nos exaustos, adoecidos, com uma
enorme dor de cabeça, a carteira vazia, o coração destroçado e, nos piores casos, vidas perdidas. Para os psicopatas, essa
sucessão de fatos irresponsáveis é absolutamente ‘normal’. Afinal de contas, seduzir e atacar uma ‘presa’ é seu objetivo
maior, e tal qual o escorpião da fábula ilustrada na introdução do livro, essa é a sua natureza!
Apesar de todo o estrago, muitas pessoas vitimadas por eles ainda se perguntam e exclamam: “Será que o erro foi
meu ou foi dele? ”, “Onde foi que eu errei para que aquela pessoa que era tão boa e fascinante se transformasse num
monstro sem escrúpulos? ”.

306
Tenha absoluta certeza: o problema são eles. São vampiros humanos ou, se preferir, predadores sociais. Eu
adoraria dizer que encontrá-los por aí é algo raro e improvável, mas se assim eu fizesse, estaria agindo como um deles:
mentindo, omitindo a verdade e impossibilitando-o de se precaver contra suas maldades e perversidades. Essa diferença
entre o funcionamento emocional normal e a psicopatia é tão chocante que, quase instintivamente, recusamo-nos a
acreditar que de fato possam existir pessoas com tal vazio de emoções. Infelizmente, essa nossa dificuldade em acreditar
na magnitude dessa diferença (ter ou não ter consciência) nos coloca permanentemente em perigo” (SILVA, 2008: 41-
43).

Consciência é o conceito fundamental na discussão sobre os psicopatas, que se caracterizam


exatamente pela ausência de consciência. Como afirma a Dra. Martha Stout (Dep. de Psiquiatria da
Faculdade de Medicina de Harvard):

“A consciência é o nosso chefe onisciente, ditando regras de comportamento e impondo castigos emocionais quando as
violamos. Não pedimos para ter consciência. Simplesmente ela está lá o tempo todo (...) Robert Hare, professor de
psicologia na British Columbia University, desenvolveu a Psychopathy Checklist (uma escala-padrão de diagnóstico
para pesquisadores e médicos em todo o mundo). Sobre os sociopatas, Hare, o cientista frio, escreve: ‘Todos, inclusive os
especialistas, podem ser enredados, manipulados, enganados e desnorteados por eles. Um bom psicopata pode tocar um

307
concerto nas cordas do coração de qualquer um... Nossa melhor defesa é entender a natureza desses predadores
humanos’. E Hervey Cleckley, autor do texto clássico de 1941, “The Mask of Sanity” (“A Máscara da Sanidade”), faz a
seguinte declaração sobre os psicopatas: ‘Beleza e feiura, salvo em um sentido muito superficial, bondade, maldade,
amor, horror e humor não têm nenhum significado real, não são capazes de comovê-los’” (STOUT, 2010:24).

Às fontes sobre o vampiro eslavo histórico nos remete a seres que parecem seguir “padrões biológicos”

de não terem alcançado, com a morte, o descanso ou o desligamento da vida precedente. Numa necessidade
“biológica” -por não estarem de fato mortos- eles retornam aos familiares para se alimentarem/beberem o
sangue. É mais fácil pensar/imaginar psicopatas agindo/instigando quando da retirada de corpos dos
túmulos, dos estaqueamentos, da queima do corpo e do coração etc, do que em relação aos mortos
vivos/vampiros. Mesmo que levando para o campo dos zumbis, o filme de George Romero “A Noite dos
Mortos Vivos” é eloquente quando mostra os caçadores de zumbis torturando e praticando tiro ao alvo nos
mortos vivos: quem são os psicopatas? Os que estão em baixo da terra ou os que vaga livremente na
superfície?
Se o vampiro eslavo se afasta da leitura documental dos séculos XVII-XVIII-XIX, foi a literatura e o
cinema que tornou os vampiros seres mais próximos de nós, com personalidades marcantes e
possessividades patológicas tipicamente humanas: características de pessoas más e sádicas. A criação
literária/cinematográfica nos aproxima mais destas personalidades fundadas no mal que lembram a “falta
de consciência dos psicopatas”.

308
Nesta direção, numa abordagem livre e sem uma relação com às manifestações culturais eslavas, mas
com o intuito de manter viva esta raiz cultural trabalhada amplamente pela imaginação do intelecto
Ocidental, é que foi elaborado este capítulo que busca uma reflexão de associar vampiros com
psicopatas/sociopatas. De certa forma, esta associação já está diluída na cultura vitoriana e até na cultura
pop contemporânea, com dimensões mais aristocratizadas, brutalizadas ou com vertentes de busca de
humanização dos vampiros (nas últimas décadas). Esta desconstrução do monstro por valores afetivos
humanos parece possibilitar a cura para a psicopatia – o que a própria psiquiatria nega para os humanos!
Nesta associação hipotética aqui desenvolvida, os vampiros são os psicopatas/sociopatas que podem
ser definidos como parasitas que querem viver do alheio: da carteira, da emoção, da satisfação pela
opressão da vítima, pela sensação de poder ilimitado. Com jogos cênicos, quando necessário ou quando
descobertos, se fazem de vítimas para continuarem sugando as energias. Em países onde a população
muitas vezes abraça o coitadismo enquanto política pública eficiente ou como forma de penitência ou
necessidade de engrandecimento pessoal ou espiritual, estes inteligentes parasitas buscam usufruir das
fragilidades e do espírito fraterno para se infiltrarem e encontrarem novas vítimas com facilidade. Eles são
“vampiros da alma” protegidos por toda uma rede de incompetências ou conivências legais que deságuam
no aparato jurídico que tolera e realimenta estes seres. Neste sentido, os sistemas culturais, políticos e
jurídicos, são fundamentais para a procriação favorecida ou o surgimento de novas vocações psicopáticas
que estavam atenuadas pela repressão social ou por mecanismos legais castradores.

309
Estes parasitas não buscam a realização profissional ou o trabalho honesto pois a ideia é viver do
trabalho e sacrifício alheio durante toda a vida. Sugam a energia das vítimas para garantir uma sobrevivência
ociosa e facilitada. Quando se infiltram no ambiente de trabalho, promovem conflitos e jogos de intrigas
buscando governar pela divisão. Normalmente provocam o conflito e colhem dividendos do caos gerado.
A única forma de tratá-los é com um padrão de observação mais acurado e observador: chorumelas
demasiadas, coitadismo exacerbado, assédio sensual, sistemáticas fofocas, mentiras contínuas, sensação de
perda de energia com as conversas, são reações que exigem uma observação atenta. Esses
nosferatus/carmillas querem viver do alheio! Países em que as relações se fundam nos jeitinhos, nos
conchavos e nas pessoalidades, são um trampolim para chegarem a cargos de destaque e para promoverem
perseguições pessoais. Como eles não seguem regras morais o único limite para sua atuação se funda na
organização do meio para limitar a sua ação que não remete apenas a microesferas, mas ao controle do
poder político e econômico em diferentes planos. A estaca e o martelo do senso crítico precisam estar
sempre prontos para evitar que eles galguem espaços com objetivos que não sejam do interesse de um
grupo familiar/social: daí a importância do conhecimento do vampirismo/psicopatas do cotidiano e da união
dos vampirizados para isolá-los e neutralizá-los. Como afirma Martha Stout (2010:29): “Apenas tentando
conhecer a natureza da desumanidade poderemos descobrir as muitas formas de vencê-las, e somente
reconhecendo a existência das trevas podemos garantir a legitimidade da luz”.
Os psicopatas do cotidiano foi o enfoque desta análise e não o serial Killer. Assassinos em série como Richard
Trenton Chase e Peter Kurten (o vampiro de Dusseldorf) realizaram rituais vampíricos bebendo sangue das vítimas.
Porém, são casos raros frente a uma atuação muito mais percuciente e efetiva que são os psicopatas que
convivemos diariamente. O vampiro eslavo é quase inofensivo frente a estes seres “sem consciência”.
310
OS VAMPIROS EXISTEM?
A resposta pode ser dada a partir dos referenciais que definem a existência das comunidades ou
indivíduos. Acreditavam os gregos em seus mitos? Acreditavam certos povos eslavos no mito do
vampirismo?
O vampirismo como conhecemos da tradição de vários povos eslavos tomou forma, a partir do século
XII, de uma fricção espiritual entre as crenças pagãs e as normativas do cristianismo. O panteão de deuses
milenarmente cultuados ou temidos, persistiu no imaginário e assim como os rituais anti-vampíricos e a
crença na volta dos mortos de seus túmulos. É um mundo camponês de um tempo quase estático entre o
medieval e o moderno, um tempo de longa duração em que a deformação das mentalidades se processa
lentamente e a ritualização pagã do cotidiano é resistente aos influxos do cristianismo.
O Ocidente passa a ter informações deste mundo e busca conformá-lo, a partir do século XVII a
explicações racionais iluministas ou dogmas orientadores da fé emanados da Igreja. As explicações
maravilhosas dos fenômenos da natureza são pautadas por explicações pré-estabelecidas nos livros santos
e as explicações e práticas pagãs devem ser banidas e rechaçadas através de estudos intelectuais. A
descoberta do fenômeno vampírico se faz através da argumentação racional de que ele não passa de
imaginação, embuste ou estreiteza intelectual de seus defensores. A observação científica poderia evidenciar
que o imaginário fundado na existência de vampiros é parte de expressões culturais de povos ignorantes e
de comunidades supersticiosas ao extremo. O Ocidente ao argumentar da inexistência do vampirismo

311
acabou difundindo o tema e alimentando espaços artísticos como a literatura e o teatro que eram
avidamente buscados por pessoas que tiveram a sua curiosidade despertada. Ao negar o fenômeno acabou
libertando muito das crenças antigas e da negação da racionalidade enquanto explicação do real. A
irracionalidade da existência já vinha sendo trabalhada literariamente pela literatura gótica e por percepções
questionadoras das luzes da razão trazendo o contraponto fundado nos meandros de uma psique obscura e
pessimista.
Trazendo a pergunta “os vampiros existem” para o plano contemporâneo, o questionamento é que eles
existiam para aqueles que acreditavam em suas manifestações e nos rituais anti-vampíricos. Por uma série
de fatores científicos é difícil aceitar estas manifestações sobrenaturais/patologias fundadas numa esfera
racional de comprovação do vampirismo histórico. Falamos de mortos-vivos e não de chupadores de sangue
“vivos”. Mas esclareço que acredito plenamente na existência de determinados vampiros voltados a uma
leitura desta palavra: a maldade e a falta de consciência característica dos psicopatas e sociopatas. Estes
seres são muito mais devastadores do que a existência de Ruthven, Carmilla ou Drácula. Eles estão
enraizados na sociedade e podem ser encontrados em espaços múltiplos, seja durante o dia ou a noite:
pode ser um vizinho, um familiar, um colega de escola ou de trabalho, um vendedor de carro, um
consumidor vigarista, um comerciante crápula, um grande governante/político corrupto ou pode estar em
qualquer outra profissão, diluído e atuante no corpo social. Também sua presença não se restringe a um
CPF mas pode ser um CNPJ: uma empresa de telefonia, de TV a cabo, de plano de saúde, de cartão de
crédito, de agiotagem, uma grande empreiteira etc; são infinitas as possibilidades, mas o horizonte

312
unificador é sistemático: cinismo, falsidade, embuste, coitadismo, vampirização da pessoa ou cliente para
expropriar as energias ou recursos financeiros.
O vampirismo certamente existe, mesmo sem dentes afiados ou a sucção direta dos pescoços alheios:
a psicopatia é fruto da construção biológica milenar, mas também se reproduz acintosamente no acalanto
cultural de cada sociedade que permite sua atuação e domínio. Pessoalmente, considero esse vampirismo
dos psicopatas do cotidiano muito mais repugnante do que a cena de mortos que se levantam de sua tumba
esfomeados por sangue. Repugna saber que eles estão entranhados no meio familiar e social, alcançando
lugares de destaque em cargos e discursos. Afinal, eles não precisam respeitar qualquer regra ética que
dificulta o caminhar das pessoas honestas e com consciência. Há milênios a doença da maldade brutaliza a
humanidade! Fazendo uma adaptação a frase de Augusto Comte no que ele considerava ser a lei
fundamental da ordem humana: "os vivos são sempre, e cada vez mais, governados pelos mortos”. Podemos
parafrasear, como forma de provocação para a reflexão sobre experiências com pessoas concretas no
cotidiano: “os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos seres sem consciência, os vampiros! ”.

313
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O AUTOR
Doutor em História do Brasil e professor Titular na Universidade Federal do Rio Grande e professor no
Programa de Pós-Graduação em Letras (M/D). Na mesma Universidade é professor dos Cursos de Graduação
em História (Licenciatura e Bacharelado) onde leciona a disciplina “História e Terror”, um espaço acadêmico
para à reflexão sobre a história do vampirismo e a literatura de horror.

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