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Universidade Federal do Rio Grande – FURG

Instituto de Ciência Humanas e da Informação – ICHI


Cursos de História – Licenciatura e Bacharelado 2020
Renan Gerundo Hornes

Analisa o processo histórico brasileiro que se desencadeou entre os


anos de 1960 e meados da década de 1970, no que tange às disputas entre as
forças populistas e antipopulistas e à consolidação de um modelo autoritário,
coercitivo e centralizador.

‘’Entre 1964 e 1984, a ditadura no Brasil destruiu a economia,


institucionalizou a corrupção e fez da tortura uma prática política. Envileceu
a nação e abalou o caráter brasileiro. Alienou as novas gerações, tornando-as
incapazes de entender a sociedade em que vivem. ‘’ (Chiavenato, 2004, p. 8)

Os anos entre 1950 e 1960 foram marcados pelo domínio dos governos
populistas, materializados nas figuras de Getúlio Vargas, Juscelino Kubistchek
e Jânio Quadros. Desde a redemocratização, a UDN era conhecida por ser
uma corrente impopular e tradicionalmente perdedora, tanto que ao perceber a
possibilidade de vitória sobre a ‘’dobradinha’’ PSD/PTB, não desperdiçou a
chance de apostar na candidatura populista de Jânio Quadros. Para vencer,
seria preciso conquistar votos ‘’populistas’’ do adversário, o que ocorreu graças
à aliança feita com João Goulart e a formação da ‘’dobradinha’’ Jan-Jan. Logo
que foi eleito, Jânio não demorou muito para desgostar as forças políticas de
direita que o apoiaram - em especial a UDN. Com o tempo, enredado nas suas
próprias contradições, instável emocionalmente e incapaz de articular um
núcleo político para apoiá-lo, Jânio acabou renunciando sete meses depois da
posse. Logo no dia seguinte, os ministros militares vetaram a posse legítima de
seu vice João Goulart, que estava em missão oficial na China Popular. Jango
representava o retorno do populismo trabalhista de Vargas, e as mesmas
forças conservadoras que vinham fermentando o clima golpista nos últimos
anos retomaram suas ações com maior intensidade. A manobra golpista
acabou não dando certo, já que a Câmara dos Deputados negou a emenda.
Mas a disputa entre as forças golpistas e a Campanha da legalidade
demonstrava que a força antipopulista era existente na formação política
brasileira, e que era preciso do auxílio militar para desarticular o populismo no
Brasil. Diante da incapacidade de vitória pelas vias democráticas: ‘’As elites
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sociais, acostumadas a jamais perder privilégios, responderam violentamente’’


(Chiavenato, 2004, p. 12)

O período denominado República Populista ocorreu entre os anos de


1946 e 1964, sendo o populismo uma prática que buscava a legitimidade na
interação/aproximação do político com as massas populares, ou pelo menos
com alguns de seus anseios. As práticas populistas no Brasil ocorreram de
maneiras diversas, com características próprias: primeiro o populismo
trabalhista de Vargas, depois o populismo desenvolvimentista de JK e por fim o
populismo moralista de Jânio Quadros. O resultado eleitoral era convincente,
de modo que o modelo era imbatível nas eleições presidenciais. A força do
populismo gerava outra oposta, antipopular, que precisava buscar outros meios
para chegar ao poder. Cada eleição vencida pelo populismo era contestada
pelos opositores, que buscavam deslegitimar as urnas. No entanto, um
elemento que sempre foi fundamental para a política nacional permanecia na
posição de ‘’árbitro’’ do jogo. Nesse período, cada momento de inflexão
histórica era mais uma possibilidade de golpe, mas as forças antipopulistas não
tinham uma base política, social e, sobretudo, o apoio dos militares para levar
adiante seus planos.

No discurso de posse em 7 de setembro de 1961, Goulart enfatizava que


sua chegada ocorrera graças ao apoio popular, no entanto, logo nas semanas
iniciais de governo, as forças antipopulistas começam a articular uma
conspiração com apoio civil e militar. Entretanto, ainda era preciso convencer e
reunir a maioria da oficialidade militar a aderir o golpe. Desde que tomou
posse, Jango foi vítima de intensa campanha de desestabilização por meio de
ampla propaganda política financiada por recursos de empresários e do
governo norte-americano. A campanha de desestabilização buscou criar a
imagem de Goulart como um ‘’eleitor fraco’’, mas não foi bem sucedida, visto
que as pesquisas do Ibope na época indicavam a popularidade em alta do
presidente. As práticas governistas de Goulart voltavam-se para concretização
de ideais calcados no populismo trabalhista e no nacionalismo. Ele buscou
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empreender uma ampla ‘’reforma de base’’ e insistia na ‘’necessidade de


reformas estruturais no Brasil’’. Mas suas amplas perspectivas não se
consolidaram em projetos concretos, servindo mais como discurso político que
acabava por assustar as elites políticas conservadoras, os empresários e parte
da classe média. Suas manifestações presidenciais em torno das reformas de
base ganhariam um teor mais radical, culminando em um enorme comício
realizado no Rio de Janeiro. Como resposta, as forças conservadoras e
antipopulistas voltavam a se articular com maior vigor em torno ruptura
institucional. Em um país miserável, com estruturas políticas anacrônicas,
economia estrangulada e privilégios aparentemente esternos das elites, a sua
proposta entusiasmou uma grande parcela da população.

‘’Revolução pressupõe mudanças na estrutura da sociedade, como, por


exemplo, quando as transformações políticas e econômicas colocam uma
nova classe no poder. O governo de João Goulart (1961-1964) não pleiteava
isso: queria reformar as instituições, melhorar a vida de certas camadas da
população e viabilizar alguns processos de emancipação da economia
brasileira. Não tinha a intenção de quebrar, nem mesmo de leve, a hierarquia
de classe. Foi um governo com um projeto reformista. ‘’ (Chiavenato, 2004,
p. 11)

Criou-se uma zona de confronto no contexto político nacional: de um


lado estava o governo, apoiado pelos nacionalistas e pelas esquerdas,
esperançosos na força do povo e dos sindicatos; e do outro as elites
econômicas aliadas à direita política, patrocinados pelo capital estrangeiro.
Pendendo mais para o lado da direita estava à classe média, dividida entre
setores mais politizados e os conservadores. Os sinais de que a direita
preparava um golpe intensificavam-se e, a cada dia, a situação do governo
parecia mais insegura. O grande comício convocado por Goulart era a
esperança de conquistar o povo com a proposta de um novo país. A
radicalização de sua postura frente às reformas foi à gota-d ’água para as
forças antipopulistas e conservadoras. O comício provocou reações imediatas.
A reação mais direta partiu de Magalhães Pinto que ostensivamente preparava
a milícia estadual mineira para resistir a um eventual golpe de Goulart. A
inércia do governo federal revelava a sua fragilidade e ficava nítido que o
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governo de Goulart começava a cair. Crescia a insatisfação dentre a maioria da


oficialidade militar que culpava o presidente pela crise que o país enfrentava.
Além disso, ‘’os agentes golpistas nacionais tiveram ao seu lados os Estados
Unidos, defendendo vigorosamente os seus próprios interesses, não apenas no
Brasil, mas em toda a América do Sul.’’ (Chiavenato, 2004, p. 65)

Nesse cenário, no dia 31 de março de 1964, o general Mourão Filho vai


dar inicio ao golpe partindo suas tropas de Minas Gerais. Sua justificativa era
que o presidente João Goulart tinha abusado do poder e deveria ser afastado.
O governo federal pouco fez: errou na tática defensiva ou foi incapaz de reagir,
e no fim Jango acabou se exilando no Uruguai. ‘’Começaram as prisões. O
governador Carlos Lacerda mandou deter a liderança do CGT e outros
sindicalistas, processo que se repetiu nas demais capitais brasileiras. ’’
(Chiavenato, 2004, p. 69) Daí em diante iniciava-se uma forte onda repressiva,
com a prisão de líderes políticos, sindicais e camponeses. As forças
antipopulistas aliadas ao forte dispositivo militar que apoiava seu golpe,
determinava o fim da fase populista no Brasil e o início na consolidação de um
novo regime autoritário, coercitivo e centralizador. No dia 6 de abril, o general
Castelo Branco aceitava a indicação para presidente e no dia 9 de abril de
1964, a fim de regulamentar esse novo regime, o comandante editou o Ato
Institucional, onde insistiam na ideia de que a legitimidade dessa ruptura
institucional estava na defesa da ordem constitucional, chegando inclusive a
caracterizar o movimento como uma ‘’revolução’’.

O golpe, entretanto, não pressupunha a ditadura militar. As forças


antipopulistas acreditavam que os militares seriam uma ferramenta para
remover o populismo do poder para em seguida devolve-lo aos civis. Inclusive
os líderes civis que o apoiaram esperavam as eleições de 1965, como
sustentava o Ato institucional ao reiterar que o mandato presidencial terminaria
em janeiro de 1966. Entre o golpe e a consolidação do modelo autoritário
houve um processo, relativamente breve, que culminaria no dia 22 de julho de
1964 com a prorrogação do mandato de Castelo Branco e o adiamento da
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eleição de seu sucessor. A partir desse momento estava claro que não haveria
eleições regulares e que os militares pretendiam ficar no controle do poder por
algum tempo. Realmente em um primeiro momento existiam alas entre os
militares que pretendiam executar uma prática saneadora para, em seguida,
devolver o poder aos civis, entretanto, acabaria por prevalecer àqueles grupos
pertencentes à tendência conhecida como ‘’linha dura’’, que agravaram o
autoritarismo e defenderam arduamente a continuidade no poder.

‘’O jogo político – a relação entre os militares e os deputados, senadores e


governadores – caracterizou-se cada vez mais pela militarização do Estado. A
ditadura verticalizou o poder, transpondo para as relações políticas algo
parecido com a hierarquia dos quartéis. ‘’ (Chiavenato, 2004, p. 114)

Assim, a partir de 1964, a formação histórica brasileira passaria por um


novo período ditatorial. As frentes antipopulistas aliadas aos militares
conseguiram levar a frente o espírito golpista, implementando um regime
cívico-militar de cunho autoritário, coercitivo e centralizado. Enquanto mantinha
as aparências de um ‘’modelo democrático’’, os militares suspendiam as
eleições presidenciais e progressivamente ampliavam as medidas autoritárias,
colocando em prática dispositivos cada vez mais restritivos. Além das
cassações que se constituíam como uma das principais atitudes
governamentais, o novo governo criou mecanismos de pleno cerceamento da
sociedade, limitando as liberdades civis e os direitos individuais, controlando
assim a população. A intenção com isso era calar e tornar inativa toda e
qualquer força ou tentativa de se opor ao regime vigente, ou seja, um modelo
altamente coercitivo. Esse modelo autoritário ia se moldando a cada novo Ato
Institucional promulgado. Em geral, eles visavam cada vez mais promover a
concentração do poder nas mãos do Executivo, além da centralização político-
administrativo e o controle da vida política e social do país. Por exemplo, o AI-2
extinguiu os partidos existentes, que vinham de longa trajetória de
consolidação, criando um sistema bipartidário artificial, com um partido de
apoio ao regime – ARENA –, e outro de oposição – MDB. O ato também
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promovia a concentração do poder nas mãos do Executivo e consolidava a


eleição indireta para presidente e vice.

O AI-5 de dezembro de 1968 representaria o agravamento do regime


ditatorial, com a institucionalização plena do autoritarismo. A ditadura militar foi
muito violenta desde seus primórdios após o golpe em 1964, no entanto, a
partir de 1968, essa violência se ampliou com a instituição de aparatos
institucionalizados de repressão que criaram um sistema nacional de
espionagem, uma polícia política, um departamento de propaganda e outro de
censura política, além de um tribunal de exceção para o julgamento de pessoas
supostamente implicadas em corrupção. Nesse sentido, a partir de 1968, a
ditadura vai montar um verdadeiro aparato de repressão política. O país perdia
o que lhe restava de liberdades públicas e individuais, iniciando-se de fato os
‘’anos de chumbo’’. O AI-5 tornava o regime uma indiscutível ditadura,
reabrindo a temporada de punições e servindo de base para a montagem de
dos aparatos que constituíram a repressão política. O que movia os militares
mais radicais da ‘’linha dura’’ era uma espécie de ‘’utopia autoritária’’, segundo
o qual o Brasil só se tornaria uma ‘’grande potência’’ se eliminasse a subversão
e a corrupção que eles entendiam marcar, sobretudo, os políticos civis. Do
ponto de vista ideológico, o regime embasou toda a sua ação na Doutrina da
Segurança Nacional, pela qual o aparelho do estado deveria voltar suas
atenções para o ‘’inimigo interno’’, ou seja, os adversários do regime. Para isso
seria preciso cassar mandatos de parlamentares, suspender direitos políticos e
prender quem fizesse oposição.

‘’Ao ‘’perder a identidade’’, os militares subverteram o conceito de


nacionalidade. Adotaram uma teoria de segurança nacional que ditou a sua
ideologia política. Essa ideologia, acima da nação, explica a conduta dos
militares. Após a tomada do poder, eles desprezaram os políticos,
menosprezaram as instituições (Congresso, Judiciário etc.) e instalaram a
‘’sua’’ ditadura. Mas esta perdeu rapidamente a ‘’pureza original’’,
degenerando-se em um sistema repressivo. ‘’ (Chiavenato, 2004, p. 102)

Enquanto o populismo legitimava o poder no apoio das massas, o


regime militar acabou sem o apoio do povo, tendo que suspender eleições,
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fechar o Congresso e desrespeitar o judiciário. Estavam acima do povo e das


leis. Seu poder vinha das armas. No âmbito social, o aparelho estatal foi
marcado por práticas como a repressão, a censura, a tortura, a perseguição e o
controle. Algumas estruturas foram organizadas e outras reaproveitadas no
sentido de manter a ‘’segurança nacional’’, ou seja, uma ampla coerção da
sociedade. Dentre esses órgãos repressivos estiveram os DOI-Codis e o
DOPS.

Enquanto Jango pedia uma reforma da Constituição de 1946, a qual


julgava anacrônica porque ‘’legalizava uma estrutura econômica injusta e
desumana’’. Os militares por sua vez mantinham restrições salariais, segundo a
perspectiva de que a população deveria promover sacrifícios. A política
trabalhista também sofreu um forte revés durante a ditadura, com o fim da
estabilidade no emprego e a instituição do Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço, que alterava a consolidação das Leis de Trabalho. Nesse sentido, as
práticas autoritárias, coercitivas e centralizadoras foram à marca registrada dos
primeiros anos da ditadura, acabando por ocorrer simultaneamente com o auge
da repressão política e social e com o apogeu do ‘’milagre’’ econômico
brasileiro. Esse mesmo ‘’milagre’’ era aproveitado por apenas um quarto da
população brasileira que tinha acesso ao mercado de consumo criado no
período, o restante continuava vivendo na mais absoluta pobreza e miséria.
Com as restritivas possibilidades de negociação salarial, o período entre 1964
e 1974 ficou marcado por uma estagnada no salário mínimo, na perda do poder
aquisitivo e paralelo a uma forte concentração de renda. O progresso e o
desenvolvimento definitivamente não eram para todos, mas os sacrifícios
gerais a população quem deveria pagar.

‘’As Reformas de Base estavam bem longe de ‘’socializar’’ ou


‘’comunizar’’o país. Na verdade, pretendiam agilizar o capitalismo brasileiro,
proporciono-lhe condições de desenvolvimento com maior participação do
povo no produto final. ‘’ (Chiavenato, 2004, p. 25)

O populismo era marcado pela aproximação/interação entre o político e


as massas, que acabava legitimando o seu poder. Buscando ao menos
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solucionar alguns de seus anseios, o modelo apresentava resultados eleitorais


expressivos, o que gerou uma significativa força antipopular que, sem sucesso
eleitoral acabava buscando outros meios para chegar ao poder. Essa disputa
entre: de um lado as forças populistas e do outro esses grupos antipopulistas,
vai chegar ao seu ápice no governo de João Goulart. Jango além de
representar o retorno do populismo trabalhista de Vargas, era malvisto pelos
militares por seu passado getulista, pela proposta do aumento de 100% no
salário mínimo e por ter tido ligações com esquerdistas e comunistas. Quando
Jango propõe algo como uma reforma de base, em especial a reforma agrária,
em um país onde o poder político foi moldado para garantir os privilégios dos
donos de terras, a oposição à reforma ocorria de maneira natural como reação
a uma tentativa de liquidar a base do poder político no Brasil. A reação das
elites foi imediata, com o apoio dos militares o antipopulismo conseguiu tirar
Jango do poder e com isso deu inicio a um longo processo que viria a
consolidar um regime ditatorial, de modelo autoritário, coercitivo e
centralizador.

Bibliografia
Chiavenato, J. J. (2004). O golpe de 64 e a ditadura militar. São Paulo : Moderna.

Fico, C. (2016). História do Brasil Contemporâneo: da morte de Vargas aos dias atuais. São
Paulo: Editra Contexto.

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